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REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
TEMPESTIVIDADE
PRECLUSÃO
CASO JULGADO
Sumário
I – O requerimento de dispensa total do pagamento da taxa de justiça remanescente apresentado após o trânsito em julgado da decisão final do processo (acórdão proferido por esta RG) é extemporâneo. II – Se o n.º 7 do art.º 6º do RCP permite “o mais” – dispensar o pagamento da taxa de justiça remanescente na totalidade -, também permite o menos - reduzir o montante devido a título de taxa de justiça remanescente a uma determinada fracção do mesmo, ou seja, dispensar parcialmente. III – Tendo a decisão final do processo – o acórdão desta RG - se pronunciado oficiosamente quanto à taxa de justiça remanescente, reduzindo-a a ¼ da devida na totalidade e não tendo sido interposto recurso daquela, tendo transitado em julgado, a mesma tornou-se imodificável, inviabilizando qualquer pretensão de dispensa total ou ainda maior redução apresentada após tal trânsito.
Texto Integral
ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES 1. Relatório
A.EMP01..., SA e AA intentaram acção de anulação de deliberações sociais.
A 10/11/2020 foi proferido despacho saneador que fixou o valor da causa em € 10.302.670,34.
A 03/01/2024 foi proferida sentença cujo decisório tem o seguinte teor: Face ao exposto, decido: Considerar que, na reunião de 14/6/2019, o Conselho de Administração da 1.ª Ré não pediu expressamente à assembleia geral de sócios para deliberar quanto à denúncia do contrato de prestação de serviços de exploração e manutenção das Etar’s e Estações Elevatórias da AdB, nem se vinculou à deliberação que ali veio a ser tomada. Julgar parcialmente procedente o pedido e, consequentemente, considerar nulos os votos expressos pelas 2.ª e 3.ª Rés, por proibidos, dado que as Rés estavam impedidas de votar. Julgar verificado o abuso de direito decorrente da actuação dos Autores e, consequentemente (apenas e só por isso), considerar que inexiste a anulabilidade que decorreria da contagem dos votos proibidos (nulos), nos termos do artigo 58.º, n.º 1, al. a) do CSC (pedido deduzido em v.) e, consequentemente, absolver as Rés dos pedidos i. (in fine), ii. e iii. - concretamente, não considerar sem efeito os aludidos votos, não considerar denunciado o contrato com a acionista EMP02... e não considerar a EMP02... notificada dessa denúncia em 27/6/2019. Julgar inverificada a nulidade da deliberação tomada na assembleia geral de 27/6/2019 e, consequentemente, absolver as Rés do pedido deduzido em iv. Julgar inverificada a anulabilidade da deliberação tomada na assembleia geral de 27/6/2019 por inexistência de votos abusivos e, consequentemente, julgar improcedente o pedido de condenação das 2.ª e 3.ª Rés no pagamento à 1.ª Ré da quantia de €10302670,04, absolvendo-as dos pedidos deduzidos em v. (in fine), vi. e viii. Julgar inútil o conhecimento da questão que se prende com a existência de voto abusivo por parte dos Autores e, por isso, abster-me de sobre ela tomar posição. Custas pelos Autores.
Os AA. interpuseram recurso.
A 14/11/2024 esta RG proferiu acórdão cujo decisório tem o seguinte teor: “Pelo exposto, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível, julgando parcialmente procedente o recurso, acordam: 1. Revogar o 1º segmento do ponto IV. Decisão da sentença recorrida. 2. Revogar a 1ª parte do 3º segmento do ponto IV. Decisão da sentença recorrida quanto ao reconhecimento da exceção de abuso de direito dos autores e à consideração que, apenas face ao mesmo, inexiste a anulabilidade da deliberação de 27.06.2014, pedida em V, nos termos do art.58º/1-a) do CSC. 3. Declarar anulada, face a IV- 2 supra, a deliberação do ponto 3 da ordem de trabalhos da assembleia geral da 1ª ré de 27.06.2019. 4. Julgar improcedentes os demais segmentos do recurso de apelação.
*
Custas da ação e do recurso na proporção de 75% pelos autores/recorrentes e 25% para os réus/recorridos (art.527º do CPC), com redução da taxa de justiça remanescente a ¼, face ao grau de complexidade da ação e do recurso e à conduta das partes (art.6º/7 do RCP, por maioria de razão).”
A 20 de janeiro de 2025, foi junta aos autos a conta de custa da responsabilidade dos AA. com o seguinte teor:
Descritivos da conta
Valores
1 - Taxas Aplicáveis
Outro
• Base Tributável: 10 302 670,34 €
• Tabela: I A
• Art.º 6º nºs 3 ou 9 (1/10): Não
• Taxa Devida 31 161,00 €
• Taxa Dívida 29 529,00 €
• obs: Taxa de justiça devida pela apresentação da pi (reduzida a 1/4 conforme decisão proferida pelo Venerando Tribunal da Relação de 14-11-2024)
• UC/ANO: € 102,00 / 2019
• Art.º 14º-A (1/2): Não
• Taxa paga por injunção: Não
• Taxa Paga 1 632,00 €
• Taxa Excesso 0,00 €
1 632,00 €
Outro
• Base Tributável: 10 302 670,34 €
• Tabela: I B
• Art.º 6º nºs 3 ou 9 (1/10): Não
• Taxa Devida 15 580,50 €
• Taxa Dívida 14 764,50 €
• obs: Taxa de justiça devida pela apresentação de recurso em 20-02-2024 (reduzida a 1/4 conforme decisão proferida pelo Venerando Tribunal da Relação em 14-11-2024)
• UC/ANO: € 102,00 / 2019
• Art.º 14º-A (1/2): Não
• Taxa paga por injunção: Não
• Taxa Paga 816,00 €
• Taxa Excesso 0,00 €
816,00 €
Sub Total
2 448,00
4 - Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça
Taxa de Justiça Cível
Sub Total
46 741,50 €
46 741,50 €
Resumo da Conta Valores
Total da Conta / Liquidação (…)
46 741,50 €
Taxas de Justiça já pagas
-2 448,00 €
Total a Pagar
44 293,50 €
A 30/01/2025 os AA. vieram apresentar requerimento pedindo:
i) Dispensa da Reclamante do pagamento do remanescente da taxa de justiça;
caso assim não se entenda,
ii) Devem reduzir-se as custas da reclamante para valor adequado a fixar pelo Tribunal considerando a complexidade da causa e conduta processual das partes;
caso assim não se entenda,
iii) Deve reformar-se a conta por forma a que a mesma reflita não apenas o valor do processo, mas também os demais requisitos, designadamente a complexidade e proporcionalidade.
Alegaram para tanto, em síntese, que a conduta das partes foi irrepreensível, sempre pugnando pela composição do litígio, não deduzido pretensões sem fundamento, a tramitação processual foi linear e sempre com a colaboração das partes, não se verificaram expedientes dilatórios nem atrasos provocados pelas partes; o valor notificado é manifestamente excessivo e, até, inconstitucional por não se mostrar proporcional ao serviço prestado ou aos custos que, em concreto, o processo acarretou; a conta não reflete uma concreta e correcta ponderação das circunstâncias de facto.
A Sra. Escrivã pronunciou-se dizendo: Relativamente à reclamação apresentada pelos AA, informa-se que na conta de custas da responsabilidade dos AA, foi cobrado o montante do remanescente da taxa de justiça devida pelos mesmos, reduzido a 1/4, conforme decidido no acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação, depois de deduzido o valor já pago pelos mesmos a titulo de taxa de justiça.
O MP emitiu o seu parecer em que, concordando com as razões expostas pela Sra. Escrivã, entende não assistir qualquer razão aos reclamantes e, como tal devia ser indeferido o requerido pelos mesmos.
Foi proferida decisão que terminou nos seguintes termos: “Esta longa citação permitiu-nos elencar a jurisprudência e doutrina mais relevantes e concluir, afirmando que o Tribunal da Relação de Guimarães tomou oficiosamente posição, reduzindo a taxa de justiça remanescente, fazendo apelo ao artigo 6.º, n.º 7 do RCP. O aludido acórdão transitou, sem que as partes requeressem a sua reforma. Foi elaborada a conta de custas e só após as partes vieram requerer a dispensa de pagamento da taxa de justiça remanescente. Ora, fizeram-no de forma intempestiva, tanto mais que o deveriam ter suscitado junto do Tribunal Superior, não cabendo a este Tribunal de 1.ª Instância alterar o que ali, oficiosamente, se determinou. Improcede, pois, o pedido de dispensa do pagamento da taxa de justiça subsequente.” Os AA. vieram interpor recurso, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões: I. A redução de custas, na vertente da dispensa do pagamento do remanescente, constitui um instituto passível de ser usado, não apenas por requerimento das partes, mas oficiosamente pelo Tribunal, nada obstando a que o uso de tal faculdade seja efetuado, mesmo depois da elaboração da conta. II. A lei não impõe às partes o ónus de requererem a dispensa do remanescente antes da elaboração da conta [Veja-se, neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 12.10.2017, proferido no Processo n.º 3863/12.3TBSTS-C-P1.S2, in www.dgsi.pt]. III. Podem as partes, após a prolação da sentença, suscitar a sua reforma quanto à responsabilidade pelas custas da ação ou incidente, nos termos do artigo 616º do CPC, se considerarem haver fundamento para a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente. IV. O n.º 7 do artigo 6.º do RCP consagra uma intervenção oficiosa do Juiz para salvaguardar um equilíbrio ou mínimo de proporcionalidade entre a taxa de justiça cobrada ao cidadão, tendo em conta a complexidade da causa (ou falta dela) e a conduta processual das partes para garantir a adequação entre a taxa cobrada e o serviço prestado. V. A fixação do montante das custas terá, obrigatoriamente, de, para além do valor da ação, se considerar a complexidade da causa e demais critérios/valores/princípios concorrentes para o efeito. VI. No caso, a conduta processual das partes foi irrepreensível, sempre pugnando pela composição do litígio, não deduzindo pretensões sem fundamento. VII. A tramitação processual foi linear e sempre com a colaboração das partes. VIII. Não se verificaram expedientes dilatórios nem atrasos provocados pelas partes. IX. Motivo pelo qual se requer a dispensa do remanescente da taxa de justiça- X. De resto, o custas - € 48.577,50 - é manifestamente excessivo e, até mesmo, inconstitucional por não se mostrar proporcional ao serviço prestado ou aos custos que, em concreto, o processo acarretou (justiça retributiva). XI. Violando, em boa verdade, os princípios da proporcionalidade e do acesso ao Direito, previstos, respetivamente, nos artigos 18.º e 20.º da CRP, o que se deixa alegado XII. Em face da interpretação que o Tribunal Constitucional (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 421/2013, de 15.07.2013) a respeito da aplicação do RCP a cada caso concreto, o valor das custas a pagar pela Reclamante afigura-se manifestamente excessivo, e, com o devido respeito, mesmo inconstitucional, impondo-se uma revisão do valor das custas a serem liquidadas pela Recorrente, de acordo com o prudente arbítrio do Tribunal. XIII. Pelo que deve ser ordenada a sua dispensa ou, pelo menos, uma consequente (e drástica) redução, o que se requer. Caso assim não se entenda XIV. É entendimento maioritário na jurisprudência que a fixação dos valores a liquidar na conta não podem obedecer única e exclusivamente ao valor da causa, como ocorre na conta cuja reforma se requer. XV. A conta deve obedecer aos critérios de complexidade e proporcionalidade atrás referidos, e que podem e devem ser apreciados em sede de reclamação, agora recurso, o que se requer.
Não consta tenham sido apresentadas contra-alegações.
2. Questões a apreciar
O objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC), pelas conclusões (art.ºs 608º n.º 2, 609º, 635º n.º 4, 637º n.º 2 e 639º n.ºs 1 e 2 do CPC), pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (art.º 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (art.º 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso, cuja apreciação ainda não se mostre precludida.
O Tribunal ad quem não pode conhecer de questões novas (isto é, questões que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que “os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando… estas sejam do conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha elementos imprescindíveis” (cfr. António Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 7ª edição, Almedina, p. 139).
Pela sua própria natureza, os recursos destinam-se à reapreciação de decisões judiciais prévias e à consequente alteração e/ou revogação, pelo que não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida.
A única questão que cabe apreciar é a de saber se é de dispensar os AA. do pagamento da taxa de justiça remanescente ou, ao menos, é de reduzir a mesma.
3. Fundamentação de facto
As incidências processuais descritas no Relatório constante do ponto 1. 4. Fundamentação de direito
No despacho saneador foi fixado o valor da causa em € 10.302.670,34.
Nos termos do n.º 7 do art.º 6º do RCP nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.
Prevê este normativo a possibilidade de o juiz, de forma fundamentada, dispensar o remanescente da taxa de justiça.
E pode fazê-lo oficiosamente ou apreciando requerimento da parte interessada na dispensa ou redução.
No que respeita ao requerimento das partes e como é referido na decisão recorrida e absolutamente olvidado pelos recorrentes, o STJ, através do AUJ 1/2022, proferido no processo 1118/16.3T8VRL-B.G1.S1-A a 10/11/2021 e publicado no DR de 03/01/2022, uniformizou jurisprudência no seguinte sentido: A preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, a que se reporta o nº 7 do artigo 6º do Regulamento das Custas Processuais, tem lugar com o trânsito em julgado da decisão final do processo.
Destarte e nomeadamente, não é possível requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça após a notificação da conta de custas, pelo que improcede a alegação dos recorrentes de que nada obsta ao exercício de tal direito após a elaboração da conta.
Aliás, a respeito do AUJ 1/2022 refere Salvador da Costa in As Custas processuais, 10ª edição, Almedina, pág. 117: “Confrontado o referido segmento uniformizador com o regime legal atinente à taxa de justiça, temos que o primeiro não se conforma com o último, dado que este, razoavelmente interpretado, não comporta o respetivo pedido pelas partes até ao trânsito em julgado da decisão final. Conforme já decorre do exposto, a sede processual da decisão sobre aquele pedido é a sentença, nas ações, e o acórdão, nos recursos, pelo que as partes devem formular o aludido pedido antes da sua prolação. Assim, na primeira instância, nas ações, as partes só podem formular aquele pedido até à conclusão do processo ao juiz para a elaboração da sentença, e, nos recursos, até à conclusão do processo ao juiz relator para a elaboração do projeto de acórdão.”
E muito embora face ao AUJ a questão tenha perdido relevância, a reclamação da conta nunca seria o meio idóneo para aquele efeito, porque, como dispõe o art.º 30º, n.º 1 do RCP, a conta é elaborada de harmonia com o julgado em última instância…, dispondo o n.º 3 do mesmo preceito sobre os termos objectivos que norteiam a elaboração daquela, ou seja, a conta limita-se a concretizar o decidido, em momento naturalmente anterior, a propósito das custas “lato sensu”, não tendo o contador qualquer possibilidade criativa nesta matéria. Se na sentença ou no acórdão tiver sido dispensada ou reduzida a taxa de justiça remanescente, o contador elaborará a conta em conformidade, como o fará se se não houver uma decisão daquela natureza.
Destarte, não tem qualquer fundamento a alegação de que a conta deve obedecer aos critérios de complexidade e proporcionalidade.
Como decorre do n.º 7 do art.º 6º do RCP, tais critérios apenas podem ser utilizados para sustentar a decisão judicial de dispensa ou redução do montante devido a título de taxa de justiça remanescente, ou seja, apenas o juiz os pode utilizar para aquele efeito, não tendo o contador qualquer poder para tal.
Em concreto verifica-se, como ficou referido no Relatório supra, que a decisão final é o acórdão desta RG de 14/11/2024 (em que a aqui Exmª 1ª adjunta, também foi 1ª Adjunta) e os AA. só a 30/01/2025, depois de notificados da conta de custas, é que se apresentaram a requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Destarte e tendo em consideração o referido AUJ, quando os AA. se apresentaram a requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, o direito de o fazer estava precludido por já ter transitado em julgado a decisão final do processo e que foi o acórdão desta RG proferido nos autos a 14/11/2024.
Mas importa ainda considerar um outro aspecto, este determinante da improcedência do recurso.
Como foi considerando na decisão recorrida e é absolutamente olvidado pelos recorrentes, o citado acórdão desta RG de 14/11/2024 pronunciou-se quanto à taxa de justiça remanescente nos seguintes termos: “Custas da ação e do recurso na proporção de 75% pelos autores/recorrentes e 25% para os réus/recorridos (art.527º do CPC), com redução da taxa de justiça remanescente a ¼, face ao grau de complexidade da ação e do recurso e à conduta das partes (art.6º/7 do RCP, por maioria de razão).”
Possibilitando o n.º 7 do art.º 6º do RCP a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida sobre o excesso relativamente a € 275.000,00, também permite dispensá-lo apenas a partir de determinado valor do excesso proporcional à complexidade da causa e à conduta processual das partes.
Ou seja, se a lei permite “o mais” – dispensar o pagamento da taxa de justiça remanescente na totalidade -, permite o menos - reduzir o montante devido a título de taxa de justiça remanescente a uma determinada fracção do mesmo, ou seja, dispensar parcialmente.
Foi o que o acórdão em referência fez: não dispensou o pagamento da taxa de justiça remanescente na sua totalidade, mas reduziu a taxa de justiça remanescente a ¼ da devida na totalidade.
Dispõe o art.º 628º: “A decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação”
Diz-se que a decisão faz caso julgado quando se torna imodificável, visando garantir aos particulares o mínimo de certeza do Direito ou de segurança jurídica indispensável à vida de relação.
Como refere Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos de Processo Civil, Lex, pág. 568, o “caso julgado é uma exigência da boa administração da justiça, da funcionalidade dos tribunais e da salvaguarda da paz social, pois (…) obsta a que sobre a mesma situação recaiam soluções contraditórias e garante a resolução definitiva dos litígios que os tribunais são chamados a dirimir. Ele é, por isso, expressão dos valores de segurança e certeza que são imanentes a qualquer ordem jurídica.”
E é tal a sua relevância que, como decorre do disposto na alínea a) do n.º 2 do art.º 629º, independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso com fundamento na violação do caso julgado.
Além disso, uma decisão, proferida sobre objecto já coberto pelo caso julgado, é ineficaz – Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in CPC Anotado, 2º Volume, 3ª edição, pág. 731 (anotação ao art.º 613º) e 766 (anotação ao art.º 625º).
O caso julgado tanto abrange as decisões relativas a questões de carácter processual, como a decisão relativa à relação material em litigio, denominando-se o primeiro de “caso julgado formal“ e o segundo de “caso julgado material.”
Quanto ao primeiro, o n.º 1 do art.º 620º do CPC dispõe que as sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo, com exclusão, nos termos do n.º 2 do mesmo normativo, dos despachos previstos no art.º 630º, ou seja, os despachos de mero expediente e os proferidos no uso de um poder discricionário, o que não é, manifestamente o caso dos autos.
O caso julgado formal tem força obrigatória apenas dentro do processo, obstando a que o juiz possa, na mesma acção, alterar a decisão proferida, mas não impede que, noutra acção, a mesma questão processual concreta seja decidida em termos diferentes pelo mesmo tribunal ou por outro, entretanto, chamado a apreciar a causa (cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, Manual de processo Civil, pág. 703-704).
Tendo o citado acórdão desta RG se pronunciado oficiosamente quanto à taxa de justiça remanescente, reduzindo-a a ¼ da devida na totalidade e não tendo sido interposto recurso daquele, o mesmo transitou em julgado, tornando-se imodificável.
E não se diga que o acórdão não apreciou a questão da dispensa da taxa de justiça remanescente porque de tal modo o fez que a dispensou parcialmente e não na sua totalidade.
A pretensão dos AA. de dispensa total do pagamento da taxa de justiça ou de uma “redução drástica” objecto do requerimento de 30/01/2025 e do presente recurso é manifestamente contrária e incompatível com o decidido naquele acórdão, de tal modo que o seu deferimento implicaria a alteração do mesmo.
Tendo o mesmo transitado em julgado, a sua modificação está vedada pelo caso julgado formal, pelo que é inequivocamente improcedente a pretensão dos recorrentes de que, após aquele acórdão e oficiosamente, a 1ª instância ou este tribunal use a possibilidade conferida pelo n.º 7 do art.º 6º do RCP. A ocorrer uma tal situação, a decisão que o modificasse agora seria ineficaz.
E, havendo um caso julgado quanto à dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente, não tem qualquer razão de ser tudo quanto os recorrentes alegam quanto à eventual desproporcionalidade e excesso do montante apurado da referida taxa (já reduzida) face ao serviço prestado ou aos custos que em concreto o processo acarretou. Tal apenas podia ter sido invocado em momento anterior ao acórdão ou em recurso de revista para o STJ quanto à decisão que reduziu aquela taxa para 1/4, pretendendo-se a sua dispensa total. E tal recurso não foi interposto.
Em face de tudo o exposto, a apelação deve ser julgada improcedente e, em consequência, a decisão recorrida deve manter-se.
E, em consequência, e à luz do disposto no art.º 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC, os recorrentes, vencidos, são responsáveis pelas custas da apelação.
5. Decisão
Termos em que acordam os Juízes da 1ª Secção da Relação de Guimarães em julgar a apelação improcedente e, em consequência, manter a decisão recorrida.
Custas da apelação pelos recorrentes.
Notifique-se.
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Guimarães, 23/10/2025
(O presente acórdão é assinado electronicamente)
Relator: José Carlos Pereira Duarte
Adjuntos: Lígia Paula Ferreira de Sousa Santos Venade
Pedro Manuel Quintas Ribeiro Maurício