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RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE
NATUREZA
ÓNUS DA PROVA
Sumário
I - As nulidades da decisão são vícios formais e intrínsecos de tal peça processual que se encontram taxativamente previstos no art. 615º do CPC e que respeitam unicamente à sua estrutura ou limites, e não ao respetivo mérito. II - A não pronúncia sobre factualidade integradora de algum tema da prova não constitui uma omissão de pronúncia geradora de nulidade da decisão, mas antes um erro de julgamento quanto à matéria de facto, sindicável através da impugnação da matéria de facto, nos termos previstos no art. 640º do CPC. III - O grau, intensidade, extensão ou profundidade da fundamentação da decisão da matéria de facto depende da controvérsia existente no caso concreto e também do elemento probatório em que a decisão se sustenta, devendo haver um reforço da motivação quando exista confronto entre meios de prova não coincidentes. IV - Perante uma fundamentação escassa e indevidamente genérica, abrangendo em bloco factos não interligados e referentes a áreas temáticas diferentes, se, ainda assim, essa fundamentação permitir perceber os aspetos que se revelaram decisivos para a enunciação dos factos como provados e permitir que as partes percebam as razões essenciais dessa decisão de forma a poderem proceder à sua impugnação, com a sua consequente reapreciação pelo tribunal de recurso, deve considerar-se que a sentença contém fundamentação minimamente suficiente, não se justificando a aplicação do disposto na al. d) do nº 2 do art. 662º do CPC. V - A ação de impugnação da resolução em benefício da massa tem sido maioritariamente qualificada pela doutrina e pela jurisprudência como uma ação declarativa de simples apreciação negativa, de acordo com a noção constante do art. 10º, nº 3, al. a), do CPC, pois destina-se a obter unicamente a declaração de inexistência de um direito ou de um facto. VI - A consequência da procedência da ação de impugnação não é a nulidade da resolução, mas sim a sua invalidade e/ou ineficácia por falta de cumprimento dos requisitos formais e/ou substantivos de que depende. VII - Os concretos fundamentos de impugnação da resolução não são matéria de conhecimento oficioso, tendo que ser alegados pelo impugnante na petição inicial para que o tribunal deles possa conhecer. VIII - Constitui questão nova a invocação em sede de recurso de fundamentos de impugnação que não foram alegados na 1ª instância, matéria que, por não ser de conhecimento oficioso, está excluída do âmbito de cognição do Tribunal ad quem. IX - Em situações de irrelevância para o conhecimento do mérito da causa, visto os factos impugnados não serem suscetíveis de influenciar decisivamente a decisão do pleito segundo as diferentes soluções plausíveis de direito, é inútil e contrário aos princípios da economia e da celeridade a reponderação pela Relação da decisão proferida pela 1.ª instância. X - O regime da resolução em benefício da massa insolvente, previsto nos artigos 120.º a 126.º do CIRE, constitui um instrumento jurídico destinado a tutelar a integridade da massa insolvente, neutralizando os efeitos de atos que, pela sua natureza ou circunstâncias, lhe são prejudiciais. Através da resolução, viabiliza-se a reconstituição do património do devedor, mediante a reintegração na massa insolvente de bens ou valores que dela hajam sido indevidamente subtraídos. XI - Trata-se de um direito potestativo de natureza extintiva que opera com eficácia retroativa, determinando a reposição ex tunc da situação jurídica das partes, as quais se veem obrigadas a restituir reciprocamente as prestações ou vantagens obtidas em execução do negócio resolvido, restabelecendo-se, assim, o statu quo ante que existiria caso o ato não tivesse sido praticado. Dito de forma absolutamente linear e simples: através da resolução tudo se passa como se o ato resolvido nunca tivesse sido praticado, retornando-se à situação pré-existente. XII - A resolução em benefício da massa insolvente de um contrato de cedência da posição contratual da insolvente nos contratos de subconcessão do uso privativo de parcelas do domínio público hídrico marítimo não viola o disposto no nº 3 do art. 28º do DL nº 280/2007, de 7.8., pois não constitui um ato de transmissão entre vivos (sendo antes a extinção desse ato de transmissão), não implica a constituição de garantia real, arresto, penhora ou qualquer outra providência semelhante, tendo apenas e somente como consequência a destruição de todos os efeitos do contrato resolvido e o retorno à situação pré-existente à sua celebração.
Texto Integral
Acordam, em conferência, na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:
RELATÓRIO MUNICÍPIO ... instaurou a presente ação contra MASSA INSOLVENTE DE EMP01..., S.A. pedindo que se declare inválida, nula e ineficaz a comunicação de resolução em benefício da massa insolvente do contrato de cessão da posição contratual celebrado entre a insolvente, a Câmara Municipal ... e a EMP02..., Lda. (melhor descrito e identificado no art. 2º da p.i.), ordenando-se que seja removido da massa insolvente o direito ou a posição contratual da EMP01... no contrato de subconcessão que celebrou com a Câmara Municipal ... relativamente aos lotes ...4 e ...5 do Parque Empresarial ... e das benfeitorias neles erigidas.
Como fundamento do seu pedido alegou, em síntese, que a Sr.ª Administradora da Insolvência da EMP01... lhe comunicou que tinha resolvido, em benefício da massa insolvente, o contrato celebrado entre a insolvente EMP01..., a Câmara Municipal ... e a EMP02..., Lda., nos termos do qual a insolvente cedeu a sua posição contratual no contrato de subconcessão que celebrou com a Câmara, com invocação de que o contrato resolvido diminuiu, frustrou e dificultou a satisfação dos credores da insolvência, pois o direito de subconcessão e as benfeitorias incorporadas nos lotes ...4 e ...5 integram o bem mais valioso da insolvente. Por outro lado, o contrato foi realizado pelo valor de € 68 680,84 quando o valor da subconcessão cedida era de pelo menos € 176 000,00.
Esta comunicação de resolução é nula, por ter como consequência a apreensão e subsequente transmissão por ato de direito privado de bens que estão integrados no domínio público hídrico do Estado Português, dos quais a Câmara Municipal ... é concessionária e que subconcessionou à EMP01....
As benfeitorias incorporadas nos lotes ...4 e ...5 não têm autonomia em relação aos lotes, pelo que não podem ser transacionadas como bens autónomos.
A apreensão dos lotes ...4 e ...5 ou de qualquer direito a eles relativo e a sua integração na massa insolvente, para posterior transmissão, é uma providência semelhante ao arresto ou à penhora e consequente venda, envolvendo sempre uma transmissão entre vivos.
O Município autor, na qualidade de concessionário, não deu, nem dará, autorização para a transmissão dos referidos lotes, benfeitorias e direitos sobre os mesmos.
Por conseguinte, o ato de resolução do contrato, levado a cabo pela Sr.ª Administradora da Insolvência para apreensão e integração na massa insolvente dos identificados direitos e bens, é nulo à luz do disposto no art. 28º, nº 4 do DL nº 280/2007, de 7.8.
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A ré apresentou contestação na qual pugnou pela validade da resolução operada, defendendo que o autor incorre em confusão relativamente às consequências jurídicas da resolução, visto que da resolução operada não decorre nem a apreensão, nem a transmissão dos bens e a única consequência jurídica consiste numa reposição da situação que existiria se o ato não tivesse sido praticado, ou seja, com a resolução o direito de subconcessionária regressa à esfera jurídica da insolvente.
Posteriormente, esse direito poderá, ou não, ser apreendido a favor da massa insolvente e poderá, ou não, ser liquidado, mas tal não é um efeito direto e imediato da resolução.
Inclusivamente, o direito de subconcessão poderá ser vendido judicialmente, tal como ocorreu no âmbito do processo de insolvência da EMP03..., Lda. no qual foi vendido o lote ...5, com autorização da ora autora.
Assim, o direito da EMP01... pode vir a ser vendido judicialmente, mas carece de consentimento da autora para o efeito. Para que possa ter lugar a apreensão, o pedido de autorização ao autor e a liquidação, é previamente necessário que o direito à subconcessão volte a estar integrado na esfera jurídica da insolvente, o que só ocorre por via da resolução operada.
A resolução do negócio relativo à cessão da posição contratual de subconcessionária da EMP01... não abrangeu as benfeitorias existentes nos lotes ...4 e ...5 porque estas foram objeto de um negócio distinto.
Assim, considera que o ato de resolução do negócio em benefício da massa insolvente não é nulo. Por outro lado, o autor não contesta a veracidade dos fundamentos invocados para a resolução do contrato. Por conseguinte, entende que a resolução é válida e legal e que a ação deve ser julgada improcedente
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Foi dispensada a realização da audiência prévia, foi proferido despacho saneador tabelar, foi fixado à causa o valor de € 68 680,84, foi identificado o objeto do litígio e foram enunciados os temas da prova.
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Realizou-se a audiência final e, após, foi proferida sentença com o seguinte teor decisório:
Em conformidade com o exposto, julga o Tribunal a presente acção de impugnação de resolução de negócio em benefício da massa insolvente totalmente improcedente, termos em que decide julgar válida e eficaz a resolução do contrato de cessão da posição contratual celebrado entre a insolvente, a Câmara Municipal ... e a EMP02..., Ldª., celebrado por escritura pública de 02.12.2021.--- Custas pelo Autor [art.º 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC].—
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O MUNICÍPIO ... não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões: “A. O presente Recurso consubstancia o mais profundo inconformismo do Recorrente face à Sentença proferida pela Mma. Juiz a quo, entendendo, sem quebra do respeito sempre devido por douta opinião em contrário, ser desajustada quer da própria matéria assente, quer dos normativos legais positivos aplicáveis in casu, padecendo de graves erros, tanto no que tange ao julgamento de facto como de Direito. II – DA NULIDADE POR EXCESSO DE PRONÚNCIA: B. Preceitua o citado artigo 615º, nº. 1, alínea d), do CPC que “é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento”. C. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (primeiro segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (segundo segmento da norma), sendo o primeiro segmento aquele para aqui releva. D. Ora, circunscrevendo-se a omissão de pronúncia às questões/pretensões formuladas que o tribunal tenha o dever de apreciar e de que não haja conhecido, e àquelas de deva conhecer oficiosamente, e atendendo aos temas das provas constantes de despacho saneador, ilustrativos das questões suscitadas pelas partes que mereceram a atenção do douto tribunal, tinha este que se pronunciar sobre: “i. Apurar a validade da resolução operada pela AI;--- ii. Indagar a prejudicialidade do negócio para a massa insolvente;--- iii. Apreciar se o terceiro cessionário incorreu em má fé.---" E. Salvo melhor opinião existe uma omissão de pronúncia em matéria da validade da resolução operada, desde logo não se apurando a realidade fáctica e enquadramento legal subjacente à resolução, os quais ainda que não se considerassem alegados seriam de conhecimento oficioso. Mas mais, existe omissão de pronúncia em matéria da aferição da má-fé. Neste ponto e na medida em que a Sentença recorrida não firma, assume ou valida a resolução feita e o seu fundamento, não conhecendo do mesmo, seria obrigada a, mais do que verter Direito, aplicar-lhe concretamente os factos, o que não faz. F. Nesta medida, e uma vez que incumbe ao juiz conhecer de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente deve conhecer, resultando incumprido tal ónus se verifica a omissão de pronuncia. De modo que, sendo o desacerto da Sentença recorrida bastante, deverá a mesma ser revogada, o que se requer. III – FUNDAMENTAÇÃO INDEVIDA DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO: G. A título introdutório, refira-se que uma situação é o julgamento da matéria de facto, no qual o Mmo. Juiz deve decidir quais os factos que considera provados e quais os que considera não provados e, realidade distinta, é a motivação desse julgamento, na qual o Mmo. Juiz, relativamente aos factos que considera provados e não provados, deve analisar “criticamente as provas, indicando as ilações tiradas de factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção”, o que resulta do artigo 607.º, n.º 7, do CPC. H. Destarte, a omissão ou incorrecção da fundamentação da decisão da matéria de facto que ora se demonstrará deverá dar lugar à baixa dos autos à 1ª instância com vista à referida fundamentação nos termos referidos nos preceitos transcritos. I. Deste modo, o Juiz de 1ª instância a tem o dever de explicitar e fundamentar o raciocínio lógico que, no processo de formação da sua convicção, efectuou quanto aos concretos pontos da matéria de facto em discussão, indicando os concretos meios probatórios em que se fundou e, analisando-os critica e conjugadamente, esclarecendo a razão por que neles fundou a sua convicção. J. Não podemos olvidar que o julgamento da matéria de facto constitui o principal objetivo do Processo Civil declaratório, tendo em conta que é da matéria provada e não provada que depende o resultado da acção. K. Concretizando, da leitura da motivação, não se encontra fundamentação bastante relativa a todos os factos provados. Por outro lado, desconhece-se a que factos se referem os documentos invocados nessa motivação, qual o sentido da decisão que determinaram e o que levou efectivamente a que viessem a ser considerados. Em síntese, manquita a sentença pela falta do exame crítico dos documentos e especificação de todos os factos a que respeitam. L. Em abono da verdade, nunca se poderá dar como provado, desde logo, o ponto 3.9. referido na Sentença, após a produção da prova em sede de Audiência. M. Neste sentido, é necessário que da referida fundamentação, se alcance, nos termos já referidos, a razão de ser das respostas dadas, o que no caso sub judice evidentemente não sucede. N. In casu, a fórmula utilizada pelo Tribunal a quo para fundamentar a decisão da matéria de facto não é, tal como supra se referiu, a mais correcta, não conexionando cada facto ou cada grupo de factos com os concretos meios de prova que nela se invocam. Por essa razão, requer-se efectivamente a baixa do processo à 1ª instância com o desiderato de obter a respectiva e necessária fundamentação da matéria de facto. O. Em momento algum a Mm. ª Juiz demonstra, para todos os factos dados como provados, in concretum, a(s) testemunha(s) em cujo(s) depoimento(s) as respostas assentaram, ou de outros meios de prova. P. É manifesto que nada disso foi observado na Sentença aqui recorrida que se quedou por um juízo meramente conclusivo ou inconcludente, omitindo-se totalmente as razões em que se baseia inúmeros factos dados como provados, juízo esse que não pode ser considerado como fundamentação bastante ou suficiente (cfr. artigo 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa). Q. O procedimento adoptado pela Meritíssima Juíza a quo apresenta uma manifesta insuficiência de fundamentação. Da leitura da decisão deveria resultar a motivação de todas as respostas, ou seja, deveria fluir da mesma, para qualquer intérprete colocado na posição do destinatário da decisão, quais os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador. R. Desde logo, há que levar em consideração que o facto dado como provado no ponto 3.9. condicionou a Sentença proferida, pelo que a sua alteração, no que àqueles factos diz respeito, assume crucial importância. S. É apodíctico que a fundamentação deve ser adequada à necessidade que se imponha em cada caso concreto e, no caso em apreço, afigura-se-nos que a fórmula utilizada é insuficiente no sentido de se entender a razão do decidido, havendo razões (mais que) suficientes para determinar a baixa dos autos à 1ª instância para melhor fundamentação. Deste modo, a apreciação a prova por parte do Julgador deve assentar em critérios e factos objectivos, não podendo limitar-se à confirmação de uma determinada versão quando sobre ela nenhum facto ficou demonstrado. T. Não estando devidamente fundamentada, a decisão de facto proferida, pode ser determinado que o tribunal de 1ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados – artigo 662.º, n.º 2, alínea d) do CPCl. Entende, portanto, o Recorrente que a fundamentação da decisão de facto supra transcrita deveria ser mais completa e desenvolvida, justificando-se assim a observância do disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea d) do CPC, o que hic et nunc se requer para todos os efeitos legais. IV - IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO: U. Analisada a matéria de facto dada como provada na douta Sentença por contraposição com a prova produzida nos autos, designadamente dos depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento, verifica-se que ocorreu erro de julgamento notório e grave, que conduz, naturaliter, à alteração da matéria de facto, impondo uma decisão diversa da proferida, nos termos do artigo 640.º do CPC, o que aqui expressamente se invoca para todos os efeitos legais. A - DA IMPUGNAÇÃO DO PONTO 3.9. DA MATÉRIA DE FACTO DADA COMO PROVADA: V. A douta Sentença em crise dá como provado no ponto 3.9. que refere: “3.9. Aquando da celebração do negócio id. em 3.6. o ora Autor bem sabia das dificuldades financeiras da EMP01..., S.A., a qual tinha uma dívida acumulada de rendas à Câmara Municipal ... no valor de € 68.680,84.---“. W. Para melhor compreensão do facto transcreve-se também o ponto 3.6. referido: “3.6. Por escritura de 02.12.2021, outorgada no Notariado Privativo da Câmara Municipal ..., a “EMP01..., S. A.” cedeu à “EMP02..., Ldª.” a sua posição contratual nos contratos de subconcessão do uso privativo das parcelas do domínio público hídrico marítimo correspondentes aos lotes n.ºs. ...4 e ...5 do referido PE..., pelo valor de € 68.680,84, preço este pago através do pagamento pela EMP02..., Lda. de uma dívida de rendas da EMP01..., S.A. ao aqui Autor.---“. X. Contudo, tal facto não poderia ter sido dado como provado, porquanto nenhuma prova foi feita nesse sentido. No mínimo, o mesmo jamais poderá possuir a redacção que lhe foi dada. Ao invés do que resulta da matéria de facto dada como provada, o ora Recorrente não tinha conhecimento, à data do contrato resolvido em benefício da massa, das dificuldades financeiras da EMP01..., S.A.. Y. Não foi produzida qualquer prova que permita atestar o dito conhecimento à data dos factos, não se podendo basear em equações e elaborações totalmente indemonstradas. Resulta do depoimento das testemunhas nos presentes autos precisamente o oposto ou, então, a total falta de validação do facto. Z. Mas mais: como resulta da experiência comum, sendo ademais decorrente de operação de simples raciocínio, a existência de uma situação de dívida não se traduz, no mercado comercial e do tecido empresarial nacional, na existência de dificuldades financeiras. AA. Muito menos na acepção que lhe é concedida nos presentes autos, que é a previsto nas alíneas do n.º 5 do artigo 120.º do CIRE. Contrariamente ao que resulta da matéria de facto dada como provada o Recorrente não tinha, à data do acto em sindicância, conhecimento de “…que o devedor se encontrava em situação de insolvência;”; nem do “…carácter prejudicial do acto e de que o devedor se encontrava à data em situação de insolvência iminente;”, nem, ainda, “Do início do processo de insolvência.”. BB. Nenhuma prova se fez do conhecimento pelo Recorrente de tal situação – de dificuldadefinanceira – pela Insolvente aquando da prática do acto. Inexiste prova documental em sentido contrário, não resultando a mesma sequer da motivação do referido facto. CC. Por outro lado, resulta inequívoca da prova testemunhal produzida o oposto. Veja-se para o efeito o depoimento da Testemunha AA, em que este confirma que o momento em que o Recorrente toma conhecimento da situação de insolvência foi apenas com a notificação da Digníssima Administradora de Insolvência comunicativa da Sentença que proferiu a Declaração de Insolvência (proferida em 12 de Junho de 2024).Ficheiro Áudio Diligencia_619-21.6T8VCT-AD_2025-06-18_10-27-02.mp3 | Início Transcrição 00:13:16 | Fim Transcrição: 00:14:04; Ficheiro Áudio Diligencia_619-21.6T8VCT- AD_2025-06-18_10-27-02.mp3 | Início Transcrição 00:40:43 – Fim transcrição 00:41:23 e Ficheiro Áudio Diligencia_619-21.6T8VCT-AD_2025-06-18_10-27-02.mp3 Início Transcrição 00:41:53 – Fim transcrição 00:43:44. DD. Não se podendo esquecer, neste âmbito, o que é fáctico e consta do processo de insolvência que a sentença proferida em Outubro de 2022 declarou “Em face do exposto, e nos termos do art.º 3.º do CIRE, decide-se julgar improcedente a presente ação especial de declaração de insolvência e, em consequência, absolver a Requerida EMP01..., S.A do pedido”. EE. Consta, aliás, da Sentença de Declaração de Insolvência, que integra os Autos Principais de Insolvência que: “Assim sendo, considerando a factualidade apurada, pese embora os Requerentes tenham alcançado fazer prova do crédito (ainda que, pelo menos inicialmente, litigioso) que detêm sobre a Requerida, o certo é que não logrou provar – com o grau de certeza exigível e nos termos do ónus probatório que lhes incumbia – quaisquer circunstâncias enquadráveis nas diversas alíneas do n.º 1 do art.º 20.º do CIRE, às quais corresponderia a presunção de uma situação de insolvência.”, o que é demonstrativo da não demonstração da existência de uma tal situação à data do negócio sindicado nos autos. FF. Com relevância para o caso vertente, a mesma testemunha, no seu depoimento acima indicado para os efeitos do 640.º do CPC, assegurou que o único momento em que fora público o conhecimento de dificuldades financeiras relevantes da ora insolvente foi em 2014/2015 e não em qualquer data perto do pedido de declaração de insolvência, ou sua declaração, tenho ainda confirmado o desconhecimento do Município Recorrente : Ficheiro Áudio Diligencia_619-21.6T8VCT-AD_2025 06-18_10-27-02.mp3 |Início Transcrição 00:40:43 – Fim transcrição 00:41:23. GG. Na mesma senda, no Depoimento das demais testemunhas da Ré, aqui Recorrida, todas foram peremptórias em sinalizar ou o seu desconhecimento sobre tal facto: o conhecimento do Recorrente da alegada situação da Insolvente à data do negócio, sendo, aliás, os respectivos depoimentos essenciais no sentido de atestar, precisamente, o facto de a situação da Insolvente à data não ser de conhecimento generalizado ou público. HH. Vide nesse sentido o que referiu a Testemunha BB que prestou depoimento de forma livre e consciente e que esclareceu, o que se infere do seu depoimento que a ora Insolvente à data – relevante para o negócio sub judice – não demonstrava publicamente sinais de insolvência: Ficheiro Diligencia_619-21.6T8VCT- AD_2025-06-18_11-50-17.mp3 | Início Transcrição 00:10:22 – Fim transcrição 00:10:53. II. Num sentido ainda relevante para o ponto em apreço a Testemunha da Ré CC, em instâncias da Ré, desde logo não saber de a Recorrente sabia de qualquer situação de dificuldades financeiras ou insolvência da ora Insolvente, e que esta, era à data, uma empresa muito prestigiada, o que, isso sim, era de conhecimento público: Ficheiro Diligencia_619-21.6T8VCT-AD_2025-06-18_11-13-21.mp3 | Início Transcrição 00:10:18 – Fim transcrição 00:11:20. JJ. Mais se indique que o pagamento das rendas sindicado na motivação também não poderá assumir qualquer relevância de facto para o ponto ora sindicado, posto que o mesmo não ocorre em momento de situação de passivo superior ao activo, acompanhado de impossibilidade de cumprimento das suas obrigações ou de insolvência eminente, não se qualificando sequer como um qualquer acto cabível nos artigos 120.º ou mesmo 121.º do CIRE, menos nos termos invocados em sede de declaração de resolução. (segmento e qualificação esta que se alega por ser de conhecimento oficioso). KK. Nessa medida, perante o que antecede, deve o ponto 3.9 da matéria de facto dada como provada ser eliminado, o que hic et nunc se requer. Ainda que assim não se entendesse caria o mesmo de possuir distinta redacção, desde logo a seguinte: “3.9. Aquando da celebração do negócio id. em 3.6. a EMP01..., S.A., tinha uma dívida acumulada de rendas à Câmara Municipal ... no valor de € 68.680,84.---" B- DO ADITAMENTO À MATÉRIA DE FACTO DADA COMO PROVADA: LL. Ainda que não constitua uma impugnação de matéria de facto, no sentido típico, pode o Recorrente entender que a matéria de facto provada e não provada não está completa, para a boa decisão da causa, invocando essa desconformidade em recurso. Como facto relevante nos presentes autos foi alegado o conhecimento do ora Recorrente da situação de insolvência ou insolvência eminente da Insolvente. Com efeito, tal resulta desde logo do artigo 38.º da Contestação, onde se lê “…as partes terem conhecimento de que a insolvente estava numa situação de insolvência e de que já corria termos um processo de insolvência.” MM. Sucede que, a prova produzida permite concluir, sem sombra de dúvidas, que o Recorrente não tinha qualquer conhecimento da situação de insolvência, nem que corria o respectivo processo à data. Tal falta de conhecimento é cabal e essencial no sentido do julgamento da existência da alegada, e tão comente putativa má-fé, a qual surge indicada nos temas da prova como “ iii. Apreciar se o terceiro cessionário incorreu em má fé.---" Sobre este facto, contudo, não existe qualquer facto dado como provado ou não provado que conste do elemento da Sentença recorrida. NN. Resulta dos depoimentos prestados que tal facto, inscrito nos temas da prova, por ser relevante para a decisão a proferia, carece de ser incluído no elemento dos factos dados como provados. OO. Em parênteses: Refira-se que – postula o artigo 120.º n.º 4 do CIRE que: “4 - Salvo nos casos a que respeita o artigo seguinte, a resolução pressupõe a má fé do terceiro, a qual se presume quanto a actos cuja prática ou omissão tenha ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente, ainda que a relação especial não existisse a essa data.” PP. No caso sub judice o acto não aconteceu na esfera temporal referida. Nem existe qualquer acto entre pessoa especialmente relacionada com o insolvente (não se podendo fazer letra morta das definições do CIRE a belo prazer a administração da massa). Ademais, não se aplica a presunção de má-fé, seja nos termos do referido artigo 120.º do CIRE. Não se verifica a prática de qualquer acto susceptível de enquadramento para efeitos do artigo 121.º do CIRE, não resultando da sentença, igualmente, tal qualificação e aferição de validade. Resultaria assim essencial para concluir pela verificação da existência de má-fé pela verificação dos pressupostos do artigo 120.º n.º 5 do CIRE. Ora, como resulta do antedito a prova produzida não permite tal conclusão. QQ. Fechado o parêntese, reveste-se, por conseguinte, de essencialidade e a inclusão no elenco em referência do seguinte facto provado: “O MUNICÍPIO ..., à data da celebração do negócio referido no ponto 3.6. dos factos dados como provados, não tinha conhecimento de que a insolvente estava numa situação de insolvência e de que já corria termos um processo de insolvência.” RR. Em cumprimento do ónus elencado no artigo 640.º do CPC, perscrutada a gravação do depoimento prestado pela testemunha AA com conhecimento direto sobre os factos, verifica-se a existência de elementos que permitem extrair precisamente o contrário do alegado pelar Ré, aqui recorrida, o que possui assaz relevância para o pleito. SS. Concretamente, no seu depoimento, com conhecimento directo dos factos, referiu a testemunha AA, que o ora Recorrente não tinha conhecimento de qualquer situação de insolvência da ora Insolvência até ter sido notificado da Sentença de Declaração da Insolvência, a qual é (bem) posterior ao negócio ora resolvido. Veja-se para o efeito: Ficheiro Áudio Diligencia_619-21.6T8VCT-AD_2025-06-18_10-27-02.mp3 | Início Transcrição 00:40:4 - Fim transcrição 00:41:23 e Ficheiro Áudio Diligencia_619-21.6T8VCT- AD_2025-06-18_10-27-02.mp3 | Início Transcrição 00:41:53 – Fim transcrição 00:43:44. TT. Também as demais testemunhas, as da Ré, produziram prova no sentido do desconhecimento do MUNICÍPIO ..., aqui Recorrente, de qualquer situação insolvência ou do processo à data dos factos, mais atestando, à data dos factos a boa reputação pública da ora Insolvente. UU. A Testemunha BB, no seu depoimento esclareceu que a Insolvente à data da proposição da acção continuou a trabalho e a agir no mercado, compreendendo-se que não era pública (mesmo que existisse o que não se concede) qualquer situação de dificuldade económica, muito menos de insolvência: Ficheiro Diligencia_619-21.6T8VCT-AD_2025-06-18_11-50-17.mp3 | Início Transcrição 00:10:22 – Fim transcrição 00:10:53. VV. A Testemunha da Ré CC, em instâncias da Ré atestou que não era pública ou conhecida a apresentação da empresa à insolvência pelos trabalhadores, tendo ainda adiantamento que a ora Insolvente é reconhecida e mantinha à data boa reputação. Ficheiro Diligência_619-21.6T8VCT-AD_2025-06-18_11-13-21.mp3 | Início Transcrição 00:10:18 - Fim transcrição 00:11:20. WW. Face ao exposto, revestindo-se, por conseguinte, de essencialidade e a inclusão no elenco em referência do seguinte facto provado: “O MUNICÍPIO ..., à data da celebração do negócio referido no ponto 3.6. dos factos dados como provados, não tinha conhecimento de que a insolvente estava numa situação de insolvência e de que já corria termos um processo de insolvência.” XX. Julga-se que as presentes Alegações dotarão o Tribunal de razões bastantes para que criticamente se possa avaliar a bondade da Sentença de que se recorre. Por isso, corrigidos que estejam os erros que aqui se enunciam, estará o Tribunal em condições de, por imperativo legal e de justiça, revogar a decisão da primeira instância. IV - DO DIREITO: A. DA NULIDADE DO ACTO DE RESOLUÇÃO POR INEXISTÊNCIA DO PREENCHIMENTO DOS PRESSUPOSTOS DE QUE DEPENDE: A.1. CRITÉRIO TEMPORAL YY. A resolução em benefício da massa esta prevista nos artigos 120.º e seguintes do CIRE, regendo-se expressamente pelo disposto nesses artigos. ZZ. Sobre os prazos para o efeito, sem prejuízo do disposto no artigo 123.º do CIRE, vigoram os artigos 120.º e 121.º do dito Código, prevendo os mesmos os prazos dentro os quais os negócios passíveis de resolução em benefício da massa se têm de enquadrar. AAA. Tanto se trate de resolução condicional ou incondicional existem limites temporais aplicáveis à faculdade de utilização da resolução em benefício da massa e à produção dos respectivos efeitos. BBB. Os prazos referidos, que no presente caso são de 2 anos (120.º) ou 1 ano (121.º al. h) são prazos tanto máximos, como mínimos. O que facilmente se percebe atendendo desde logo aos pressupostos do regime e suas consequências. CCC. O referido regime não tem utilização – nem normativa, nem interpretativa – a actos praticados após o início do processo de insolvência. DDD. Neste ponto diga-se que, em abono em sentido distinto funda, desde logo, o seu argumento no teor do artigo 120.º, n.º 5, alínea c) do CIRE, que se refere ao conhecimento posterior ao início do processo de insolvência. EEE. Sucede que, permitindo a utilização do instituto o início do processo, não permite a sua utilização a actos práticos após o referido início. Tal opção não encontra qualquer respaldo na lei, o que, de per se, determina a nulidade da declaração de resolução sub judice. FFF. Em adição: Não se diga também que falta um qualquer outro regime capaz de proteger, lato sensu, o credor (onde a massa para estes efeitos se insere), o que motivaria a utilização do instituo em apreço. GGG. É possível ao Administrador de Insolvência nestes casos, na qualidade de Credor – a Massa – munir-se a impugnação pauliana, pois que não se verificando os pressupostos da resolução e/ou esta manquitando (procedente a impugnação do acto resolutivo), a utilização de tal instrumento se mostra viável, não se vislumbrando qualquer impedimento seja nos termos do CIRE, seja do Código Civil. HHH. Havendo solução jurídica para o efeito, não se mostra lícito à luz das regras da interpretação e integração, um entendimento que pugne pela “extensão fictícia” dos prazos da resolução em benéfico da massa no sentido de abranger situações claramente não previstas no texto normativo e contrárias ao mesmo, que, aliás, alteração após alteração ao CIRE não foram sequer ponderadas. III. Adite-se ainda que, a norma em causa é uma norma excepcional, razão pela qual não comporta analogia, conforme artigo 11.º do Código Civil. JJJ. Existindo, como existe, um regime legal alternativo que permite a impugnação de tais actos, não parece merecer acolhimento a extensão interpretativa dos artigos 120.º e 121.º do CIRE, em contravenção com o texto da norma. KKK. Consequentemente, o acto resolvido está temporalmente fora da esfera de aplicação do instituto da resolução em benefício da massa, o que determina a sua nulidade e ineficácia. LLL. A nulidade do acto ora alegada é de conhecimento oficioso, razão pela qual é passível de ser julgado ex novo em sede de recurso de apelação. Verificada a referida nulidade, deverá ser revogada a Sentença proferida por estar em clara contradição com a lei.
Mas, ainda que assim não fosse: A.2. DO INCUMPRIMENTO COM O ÓNUS DE ALEGAÇÃO DOS FACTOS EM QUE SE BASEIA A RESOLUÇÃO. MMM. A resolução em benefício da massa deve ter por base uma declaração que, independentemente da sua específica integração jurídica, elenque os factos concretos e essenciais que revelem as razões invocadas para a destruição do negócio e permitam ao destinatário da declaração a sua posterior impugnação. A declaração de resolução tem, então, que ser fundamentada com a indicação dos factos concretos que a motivaram, sendo devidamente justificada, o que não sucede no caso concreto. NNN. Na resolução sindicada invocam-se juízos meramente conclusivos e valorativos, sendo que não existe nenhum facto concreto que demonstre que o negócio resolvido diminuiu, frustrou, dificultou ou colocou em perigo ou retardou a satisfação dos créditos dos credores nos termos previstos no n.º 2 do artigo 120.º do CIRE. OOO. Ao mesmo tempo, não é concretizada e esmiuçada a alínea h) invocada genericamente pela Sra. Administradora de Insolvência. PPP. A consequência desta manifesta falta de fundamentação do negócio resolvido tem como consequência a manifesta obliteração do direito de defesa da Recorrente, espoletando por seu turno a nulidade do acto resolutivo, a qual deverá ser reconhecida reputando-se a mesma incapaz da produção de qualquer efeito. QQQ. Incumbiria, de facto, ao tribunal apurar se no negócio em crise os Insolventes assumiram obrigações que excedem manifestamente as da contraparte, como alude a alínea h) do artigo 121 do CIRE, a única indicada na missiva. Contudo, para se pronunciar sobre tal subsunção jurídica teria a missiva que assentar em factos, factualidade essa inexistente RRR. A consequência de tal inexistência é a nulidade da declaração de resolução. Tal nulidade, que é de conhecimento oficioso, deverá ser reconhecida e em consequência revogada da decisão proferida pelo Tribunal a quo. A.3. DA NULIDADE DA RESOLUÇÃO POR OFENSA DO DISPOSTO NO ARTIGO 28.º N.º 3 DO DL N.º 280/2007, DE 07 DE AGOSTO SSS. A área e artigos que integram o contrato e acto em causa nos presentes autos pertencem, indiscutivelmente, o que está aceite nos autos, ao domínio público. O domínio público hídrico do Estado é regulado pela Lei n.º 54/2005, de 15 de Novembro. Atendendo ao âmbito e objecto dos presentes autos é também aplicável, como foi alegado pelo ora Recorrente, em sede de Petição Inicial, o Decreto-Lei n.º 280/2007, de 07 de Agosto. TTT. Estabelecida a aplicação do regime jurídico do património imobiliário público, para mais atendendo aos negócios de concessão e subconcessão nesse regulados, resulta apodíctica a aplicabilidade ao caso sub judice do disposto no artigo 28.º n.º 3 do dito diploma: “3 - O direito resultante da concessão pode constituir objecto de actos de transmissão entre vivos e de garantia real, de arresto, de penhora ou de qualquer outra providência semelhante desde que precedidos de autorização expressa da entidade concedente.” UUU. Ora, como foi alegado no caso em apreço, sem prejuízo de, à míngua de melhor expressão, ter manquitado a compreensão do que se tentou expor em sede de Petição Inicial, e o que, ad cautelam, por de conhecimento oficioso ser passível de alegação ex novo nos presentes autos, sempre se alegaria, evidente é que a resolução em benefício da massa se enquadra nas limitações impostas pelo referido artigo 28.º n.º 3. VVV. Importa, ainda, nesta sede recordar que o património imobiliário do Estado tem de ser tratado em completo cumprimento com o respectivo regime que, espelhando o ius imperi e interesse público que subjazem à respectiva aplicação, merecem particular cautela. Efectivamente, perscrutando-se o teor do dito artigo lê-se com facilidade que quaisquer actos de transmissão entre vivos e de garantia real, de arresto, de penhora ou de qualquer outra providência semelhante só poderá ter lugar se forem precedidos de autorização expressa da entidade concedente. O mesmo racional se aplicando à subconcessão. WWW. Ora, o vocábulo que tem de deter a análise e apreciação dos Digníssimos Desembargadores é precisamente o de “…qualquer outra providência semelhante”, o que o Tribunal a quo ignorou. XXX. É oportuno olhar-se para o conceito e efeitos da resolução em benefício da massa. Como resulta do n.º 1 do artigo 126.º do CIRE: “1 - A resolução tem efeitos retroactivos, devendo reconstituir-se a situação que existiria se o acto não tivesse sido praticado ou omitido, consoante o caso.” Menciona, depois, o n.º 3 um vocábulo chave e, em si mesmo, esclarecedor, de “restituição à massa”. YYY. Como resulta do dicionário da língua portuguesa restituição consiste efectivamente no “1. Acto ou efeito de restituir.2. Entrega de alguma coisa a quem ela por direito pertencia.” Significa que restituir importa um acto de disposição patrimonial que importa a sua circulação/movimentação (como todo o respeito é o que importa para o dito artigo) Nas palavras de ALEXANDRE SOVERAL MARTINS “…quem tiver recebido algo, deve restituí-lo.” ZZZ. Evidente fica, por conseguinte, que o acto de resolução belisca o direito de propriedade, ou neste caso, o direito constituído sobre o património imobiliário público: in casu a subconcessão. Fica também clara a sua movimentação de forma semelhante às previstas no referido n.º 3 do artigo 28.º do Decreto-Lei em apreço, o que legalmente determina a necessidade de autorização para o acto. AAAA. Em face ao que se expôs e tendo em consideração o desiderato e finalidades que subjazem ao referido artigo n.º 3, resulta evidente o enquadramento da resolução em benefício da massa no âmbito dos actos que carecem de autorização da entidade concedente/subconcedente. BBBB. A consequência da realização de um qualquer acto que se enquadre na previsão do artigo em referência é, como não poderia deixar de ser, a nulidade do mesmo. Transpondo para o caso vertente, resulta evidente que não foi recolhida para o acto em apreço qualquer autorização do Recorrente, razão que sempre determinará a nulidade do acto. CCCC. E nem se diga, como parece-nos que tenta a Sentença recorrida a final, que se num caso diferente tal direito não foi exercício pela entidade pública, tal inércia constitui elemento de facto relevante ou limitação ou renúncia a aplicação noutro caso. Aberratio seria. DDDD. Neste ponto, adite-se ainda: remetendo-nos ao regime imobiliário do Estado, falamos de legislação de âmbito especial e que prevalece sobre quaisquer actos de direito privado que incidam sobre o referido património. EEEE. Assim, não pode prevalecer no ordenamento jurídico um acto lesivo dos interesses e prerrogativas de interesse público do Estado e entes públicos sobre o seu próprio património. Existem, como impera, limitações aos actos de direito privado e respectivos efeitos em património pertencendo ao domínio público, as quais prevalecem sobre as regras da insolvência. Nessa medida e com relevância para aa decisão proferida, importará nos termos supra o reconhecimento da nulidade do acto de resolução por violação do disposto no artigo 28.º do DL n.º 280/2007, de 07 de Agosto, impondo-se a revogação da decisão recorrida. FFFF. Assim, ao agir como agiu o Tribunal a quo em manifesta violação do disposto nos artigos 120.º, 121.º do CIRE; 9.º e 11.º do Código Civil e 28.º n.º 3 do DL n.º 280/2007, de 07 de Agosto, e, bem assim, do disposto nos artigos 615º, nº. 1, alínea d); 607.º, n.º 7 e 662.º n.º 2, alínea d) do Código de Processo Civil, pelo que seja por um ou por todos os fundamentos expostos deverá a Sentença recorrida ser revogada e substituída por outra conforme ao Direito e à tutela da posição jurídica e processual do Recorrente, reconhecimento a ilicitude da resolução em benefício da massa do negócio resolvido. GGGG. Ad cautelam e em todo o caso, deverão ser revogados todos os factos assinalados e ordenada a baixa do processo para que seja produzida prova, concretamente em audiência de discussão e julgamento, sobre toda a matéria do litígio.”
*
A Massa Insolvente da EMP01..., S.A. contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, tendo apresentado as seguintes conclusões:
“1. O recorrente não contestou nenhum dos pressupostos invocados pela Senhora Administradora da Massa Insolvente para a resolução do negócio, não tendo, nomeadamente, contestado o facto de aquele negócio ter sido efetuado por um preço abaixo do preço correto e justo no mercado; ou o facto de o negócio ter diminuído, frustrado e dificultado a satisfação dos credores da insolvência; o facto de as partes terem conhecimento de que a insolvente estava numa situação de insolvência e de que já corria termos um processo de insolvência. 2. Na sua petição inicial, a causa de pedir que fundamenta o pedido do autor, aqui recorrente (ser julgada procedente a impugnação da resolução em benefício da massa insolvente) é, unicamente, a alegada nulidade da declaração resolutiva por esta ter, no entendimento da autora, como consequência a apreensão e subsequente transmissão por ato de direito privado de bens integrados no domínio público hídrico do Estado Português, concessionado pelo mesmo ao Município do Autor e o direito de propriedade das benfeitorias incorporadas nos dois lotes. 3. Em momento algum da p.i. é impugnado qualquer outro facto ou alegação de direito da resolução em benefício da massa. 4. No objeto do processo participa o pedido e a causa de pedir, sendo que a causa de pedir não só delimita a matéria de facto a considerar pelo juiz, mas também possibilita a correspondência da individualização do objeto do processo com a fundamentação do objeto da sentença, pelo que se conclui que o recorrente não pode vir agora exigir que o Tribunal a quo se tivesse pronunciado sobre factos e matéria de direito que nunca foram trazidos ao processo pelo autor/recorrente. 5. Não restam, portanto, dúvidas que o Tribunal a quo conheceu do pedido, considerando a causa de pedir apresentada, o que decorre dos factos considerados provados, nomeadamente dos pontos 3.7. a 3.10. 6. Estando em causa apenas o facto alegado pelo recorrente, de que com a resolução ocorreria “ (…) a apreensão e subsequente transmissão por ato de direito privado de bens integrados no domínio público hídrico do Estado Português, concessionado ao Município e o direito de propriedade das benfeitorias incorporadas nos dois lotes.”, percebe-se que esta apreciação que foi pedida pelo autor trata-se, s.m.o., de matéria de direito. 7. No entanto, o Tribunal a quo, não deixou de explicar a sua motivação e de fazer a análise crítica da prova, sendo que, como já se disse, o Tribunal atribuiu particular relevo à testemunha arrolada pelo autor, ora recorrente (“(…) quer ainda pelas declarações das diversas testemunhas auscultadas, neste particular assumindo especial relevância o depoimento de AA (Director do Departamento de Administração Geral da Câmara Municipal ...), o qual, de forma suficientemente espontânea e objectiva, explicou que efectivamente era do conhecimento da CM, na pessoa do respectivo Presidente, que a ora Insolvente entrara numa situação crítica,”). 8. Não pode o recorrente pretender que o Tribunal colmate eventuais falhas suas nos factos trazidos na p.i. (sendo que, na verdade essas falhas tão pouco existem). 9. A única testemunha apresentada pelo autor, ora recorrente, foi o Diretor do Departamento de Administração Geral da Câmara Municipal ..., sendo que esta foi a única testemunha que se pronunciou sobre o negócio resolvido e do envolvimento do MUNICÍPIO ... no mesmo. 10. Do depoimento desta testemunha decorre claro que o Município, na sua pessoa e na do senhor Presidente da Câmara Municipal, sabia da situação financeira da insolvente e, consequentemente, sabia do carácter prejudicial do ato, concluindo-se, portanto, que o Município estava de má-fé quando deu o seu consentimento para o ato resolvido. 11. Relativamente ao critério temporal da aplicação do artigo 120.º, como é óbvio, quando o legislador refere no artigo 120.º do CIRE que o ato prejudicial tem de ter sido praticado dentro dos dois anos antes do início do processo de insolvência, o legislador pretendeu impor um limite temporal inicial para os atos passíveis de resolução. Ou seja, todos os atos praticados antes dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência não podem ser resolvidos. 12. De outra forma estar-se-ia a premiar aquele (requerido em processo de insolvência) que, litigando para protelar a declaração da insolvência (como foi o caso dos autos), vai dissipando o seu património (ou inquinando a possibilidade de a massa insolvente vir a obter rendimentos/cobra créditos) logo após a entrada em juízo de uma ação de insolvência contra si. 13. Relativamente ao alegado incumprimento do ónus de alegação dos factos em que se baseia a resolução, resulta evidente da carta resolutiva que é falsa esta alegação. 14. Na carta resolutiva em crise nestes autos é invocada a matéria de direito aplicável e é feita a aplicação das normas à situação concreta, fazendo-se o enquadramento factual que se impunha. 15. Finalmente, quanto à alegada nulidade da resolução por ofensa do artigo 28.º, n.º 3 do D.L. n.º 280/2007 de 07 de agosto, verifica-se uma grande confusão por arte do recorrente. 16. Da resolução em benefício da massa não decorre a venda de um imóvel, sequer da venda de um direito à subconcessão. 17. Da resolução decorre apenas que a realidade jurídica passa a ser como era antes daquele negócio (agora resolvido) existir. 18. A resolução não tem como consequência necessária a apreensão, nem, muito menos, a transmissão de bens. 19. A única consequência jurídica da resolução é a reconstituição da situação que existiria se o ato não tivesse sido praticado (cfr. n.º 1 do artigo 126.º do CIRE), ou seja, com a resolução, neste caso concreto, o direito de subconcessionária regressa à esfera da insolvente. 20. Poderá, depois, ser ou não ser apreendido a favor da massa insolvente e pode, ou não, ser liquidado. 21. Não se verifica, pois, qualquer uma das alegadas ilegalidades invocadas pelo recorrente.”
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O recurso foi admitido na 1ª instância como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos, com efeito devolutivo, não tendo sido objeto de alteração neste Tribunal da Relação.
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O tribunal a quo pronunciou-se no sentido de inexistência da nulidade da decisão invocada no recurso, pronúncia que ocorreu de forma meramente tabelar, sem qualquer apreciação sobre a concreta nulidade invocada.
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Foram colhidos os vistos legais.
OBJETO DO RECURSO
Nos termos dos artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC, o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações do recorrente, estando vedado ao Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso, sendo que o Tribunal apenas está adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para o conhecimento do objeto do recurso.
Nessa apreciação o Tribunal de recurso não tem que responder ou rebater todos os argumentos invocados, tendo apenas de analisar as “questões” suscitadas que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Por outro lado, o Tribunal não pode conhecer de questões novas, uma vez que os recursos visam reapreciar decisões proferidas e não analisar questões que não foram anteriormente colocadas pelas partes.
Neste enquadramento, as questões relevantes a decidir, elencadas por ordem de precedência lógico-jurídica, são as seguintes:
I - saber se a decisão é nula, por omissão de pronúncia;
II - saber se a decisão relativa à matéria de facto não se encontra devidamente fundamentada e, por consequência, se deve ser dado cumprimento ao disposto no art. 662º, nº 2, al. d) do CPC;
III - delimitar a matéria de direito que pode ser objeto de conhecimento no âmbito do presente recurso;
IV - aferir da utilidade de apreciação da impugnação da matéria de facto em função das questões jurídicas a decidir;
V - concluindo-se pela pertinência da impugnação deduzida relativamente às questões jurídicas a decidir, conhecer do mérito dessa impugnação;
VI - apreciar a matéria jurídica, em função da decisão proferida quanto à questão III e à luz da matéria de facto que se considere provada.
FUNDAMENTAÇÃO
FUNDAMENTOS DE FACTO
Na 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos, que aqui se transcrevem nos seus exatos termos:
3.1. Por contrato celebrado entre o Instituto Portuário do Norte e o MUNICÍPIO ... em 15.02.2001, o primeiro concessionou ao segundo o uso privativo de uma parcela do domínio público hídrico, afecta à jurisdição daquele, sita na ..., concelho ..., a qual veio a ser afecta pelo MUNICÍPIO ... à instalação do Parque Empresarial ... (doravante PE...).---
3.2. Por escritura de 14.01.2002, outorgada no Notariado Privativo da Câmara Municipal ..., o MUNICÍPIO ... sub-concessionou à empresa “EMP03..., Ldª.” O uso privativo de uma parcela do domínio público hídrico marítimo, mais concretamente, o lote n.º ...5 do referido PE....---
3.3. Por escritura de 12.09.2006, outorgada no Notariado Privativo da Câmara Municipal ..., o MUNICÍPIO ... sub-concessionou à empresa “EMP04..., Ldª.”, o uso privativo de uma parcela do domínio público hídrico marítimo, mais concretamente, o lote n.º ...4 do referido PE....---
3.4. Por escritura pública de 15.06.2016, na sequência da insolvência da referida “EMP03..., Ldª.” e mediante prévia autorização do Município Autor, foi vendido à “EMP01..., S. A.” o direito à subconcessão de uso privativo da parcela do domínio público hídrico marítimo, mais concretamente, o lote n.º ...5 do referido PE....---
3.5. Por escritura de 17.03.2017, outorgada no Notariado Privativo da Câmara Municipal ..., a “EMP04..., Ldª.”, cedeu à “EMP01..., S.A.” a sua posição contratual no contrato de subconcessão do uso privativo da parcela do domínio público hídrico marítimo correspondente ao lote n.º ...4 do referido PE....---
3.6. Por escritura de 02.12.2021, outorgada no Notariado Privativo da Câmara Municipal ..., a “EMP01..., S. A.” cedeu à “EMP02..., Ldª.” a sua posição contratual nos contratos de subconcessão do uso privativo das parcelas do domínio público hídrico marítimo correspondentes aos lotes n.ºs. ...4 e ...5 do referido PE..., pelo valor de € 68.680,84, preço este pago através do pagamento pela EMP02..., Lda. de uma dívida de rendas da EMP01..., S.A. ao aqui Autor.---
3.7. A EMP01... foi declarada insolvente por sentença datada de 12.06.2024, tendo o respectivo processo dado entrada em juízo aos 28.02.2021, por iniciativa de um conjunto de credores trabalhadores.---
3.8. Mediante carta registada com aviso de recepção datada de 30.10.2024 e recebida pelo Município Autor em 4.11.2024, a Exmª. Senhora Administradora da Massa Insolvente da EMP01..., S. A. notificou a Câmara Municipal ..., entre o mais, de que tinha resolvido em benefício da massa insolvente o contrato de cessão da posição contratual celebrado entre a insolvente, a Câmara Municipal ... e a EMP02..., Ldª. celebrado por escritura pública de 02.12.2021, em que a insolvente cedeu a sua posição contratual no contrato de subconcessão que tinha sido celebrado entre a EMP01..., S.A. e a Câmara Municipal ..., relativo aos lotes ...4 e ...5, que são parcelas do domínio público hídrico do denominado “Parque Empresarial ...”, sito na Avenida ..., ..., União das Freguesias ... (..., ...) e ..., concelho ...), em função do que foi integrada na massa insolvente a posição contratual de subconcessionária da Insolvente naquele contrato de subconcessão celebrado com a Câmara Municipal ... e o direito de propriedade das benfeitorias nos mesmos incorporadas.---
3.9. Aquando da celebração do negócio id. em 3.6. o ora Autor bem sabia das dificuldades financeiras da EMP01..., S.A., a qual tinha uma dívida acumulada de rendas à Câmara Municipal ... no valor de € 68.680,84.---
3.10. O negócio em sujeito diminuiu, frustrou e dificultou a satisfação dos credores da insolvência, já que o correspondente ativo – direito de subconcessão – é o bem/direito mais valioso da ora insolvente, uma vez que os demais bens/direitos disponíveis para apreender e liquidar não são suficientes para o pagamento aos respectivos credores.---
FUNDAMENTOS DE DIREITO
I - Nulidade da decisão por omissão de pronúncia
Nas alegações de recurso o recorrente invocou a nulidade da sentença por omissão de pronúncia sobre matéria que integra os temas da prova, sobre a validade da resolução operada e sobre a questão da má-fé.
O tribunal a quo, no despacho a que alude o nº 1 do art. 617º do CPC (diploma ao qual se referem todas as normas subsequentemente citadas sem menção de diferente origem), pronunciou-se no sentido de inexistência de nulidade da decisão, pronúncia que ocorreu de forma meramente tabelar, sem qualquer apreciação sobre a concreta nulidade invocada.
Dispõe o nº 1 do art. 615º que é nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
As nulidades da decisão são vícios formais e intrínsecos de tal peça processual e encontram-se taxativamente previstos no normativo legal supra citado.
Os referidos vícios, designados como error in procedendo, respeitam unicamente à estrutura ou aos limites da decisão.
As nulidades da decisão, como seus vícios intrínsecos, são apreciadas em função do texto e do discurso lógico nela desenvolvidos, não se confundindo com erros de julgamento (error in judicando), que são erros quanto à decisão de mérito explanada na sentença, decorrentes de má perceção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error juris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa, com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento estes a sindicar noutro âmbito (cf. Acórdão desta Relação de 4.10.2018, P 1716/17.8T8VNF.G1, in www.dgsi.pt).
Recorrendo às palavras simples e esclarecedoras de Alberto dos Reis (in Código de Processo Civil Anotado, volume V, páginas 124 e 125), “[o] magistrado comete erro de juízo ou de julgamento quando decide mal a questão que lhe é submetida, ou porque interpreta e aplica erradamente a lei, ou porque aprecia erradamente os factos; comete erro de actividade quando, na elaboração da sentença, infringe as regras que disciplinam o exercício do seu poder jurisdicional. Os erros da primeira categoria são de caráter substancial: afectam o fundo ou o mérito da decisão; os da segunda categoria são de carácter formal: respeitam à forma ou ao modo como o juiz exerceu a sua actividade de julgador”.
O vício da decisão decorrente da omissão de pronúncia relaciona-se com o dispositivo do art. 608º, designadamente, com o seu nº 2, que estabelece as questões que devem ser conhecidas na sentença, havendo, assim, de por ele ser integrado.
Desta conjugação de normativos resulta que a nulidade da decisão com fundamento na omissão de pronúncia apenas se verifica quando uma questão que devia ser conhecida nessa peça processual não teve aí qualquer tratamento, apreciação ou decisão, sem que a sua resolução tenha sido prejudicada pela solução, eventualmente, dada a outras.
Importa, porém, não confundir questões com factos, argumentos ou considerações. A questão a decidir está intimamente ligada ao pedido e à respetiva causa de pedir. Relevam, de um modo geral, as pretensões deduzidas e os elementos integradores do pedido e da causa de pedir, do lado ativo, e as exceções invocadas, do lado passivo.
Neste sentido, veja-se o Acórdão do STJ, de 9.2.2012 (P 131/11.1YFLSB in www.dgsi.pt), no qual se afirma que, como o “ Supremo Tribunal vem decidindo sem dissonância, a nulidade resultante de omissão de pronúncia verifica-se quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (...), sendo certo que não se tem por verificada quando o tribunal deixa de apreciar algum ou alguns dos argumentos invocados pela parte tendo em vista a decisão da questão ou questões que a mesma submete ao seu conhecimento, só ocorrendo quando o tribunal deixa de se pronunciar sobre a própria questão ou questões que lhe são colocadas ou que tem o dever de oficiosamente apreciar, entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte na defesa da sua pretensão.”
“O conceito (questões) terá ser considerado num sentido amplo, ou seja, englobando tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir e às controvérsias que sobre elas as partes hajam suscitado” (Acórdão da Relação de Guimarães, de 5.4.2018, P 938/15.0T8VRL-A.G1, in www.dgsi.pt).
Uma vez que as questões a decidir não se confundem com os argumentos fáctico-jurídicos apresentados, a não pronúncia sobre factos, em princípio, não é geradora de nulidade, integrando antes uma situação de erro de julgamento sindicável em sede de impugnação da matéria de facto.
Neste sentido escreve Rui Pinto (in CPC Anotado, Vol. II, págs. 178/179), citando em abono desta posição o Acórdão do STJ de 23.3.2017, Relator Tomé Gomes, que “as questões de mérito a resolver não se confundem com a apreciação dos factos em cuja decisão assenta a resolução daquelas. Se nos fundamentos da sentença ou acórdão o tribunal não atende a um facto que se encontre provado ou se considera facto que não devesse ser atendido em face dos requisitos do art. 5º, nº 1 e 2, não há omissão de pronúncia ou excesso de pronúncia, mas um erro de julgamento da matéria de facto, merecedora de recurso”.
O recorrente alega que o tribunal a quo tinha que se pronunciar sobre a validade da resolução operada pela AI, a prejudicialidade do negócio para a massa insolvente e a má-fé do terceiro cessionário, pois estas matérias integram os temas da prova que foram enunciados.
Alega ainda que o tribunal a quo omitiu pronúncia em matéria da validade da resolução operada, não apurando a realidade fáctica e enquadramento legal subjacente à resolução.
No que concerne a esta argumentação, importa distinguir, em primeiro lugar, os temas da prova das questões a decidir na sentença, visto que se trata de realidades distintas.
Os temas da prova consistem no conjunto de factos que, por se encontrarem controvertidos nos autos, deverão ser objeto de instrução probatória.
Assim, estatui o art. 410º que a instrução tem por objeto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova.
Diversamente, as questões a decidir na sentença são aquelas que foram suscitadas pelas partes e as mesmas estão intimamente ligadas ao pedido formulado e à respetiva causa de pedir, bem como às exceções deduzidas.
Como regra, há uma coincidência entre o objeto do litígio, que foi identificado no despacho proferido ao abrigo do disposto no art. 596 º, e as questões jurídicas a resolver na sentença.
Porque assim é, qualquer eventual não pronúncia sobre factualidade integradora de algum tema da prova, não constitui uma omissão de pronúncia geradora de nulidade da decisão, mas antes um erro de julgamento quanto à matéria de facto, sindicável através da impugnação da matéria de facto, nos termos previstos no art. 640º.
Assim, o alegado não apuramento da realidade fática subjacente à resolução e à aferição da má-fé que a recorrente invoca nunca será suscetível de integrar uma nulidade da sentença prevista no art. 615º, só podendo integrar um erro de julgamento da matéria de facto, sindicável nos termos do art. 640º e mediante o cumprimento dos ónus aí impostos.
Diz ainda o recorrente que a sentença é nula porque o tribunal a quo não se pronunciou sobre a validade da resolução e o seu fundamento.
Ora, basta ler o dispositivo da sentença recorrida para concluir em sentido contrário ao propugnado pelo recorrente, pois o tribunal a quo pronunciou-se sobre essa matéria e afirmou expressamente que “decide julgar válida e eficaz a resolução do contrato de cessão da posição contratual celebrado entre a insolvente, a Câmara Municipal ... e a EMP02..., Lda., celebrado por escritura pública de 03.12.2021.”
E, na fundamentação, explicou que o autor não pôs em causa nenhum dos pressupostos plasmados nos arts. 120º e 121º do CIRE e se limitou a argumentar que a declaração de resolução é nula e de nenhum efeito, por ter como consequência a apreensão e subsequente transmissão por ato de direito privado de bens integrados no domínio público hídrico do Estado Português.
Resulta desta fundamentação que o tribunal a quo entendeu não ter que apreciar no caso concreto o preenchimento dos pressupostos dos aludidos normativos que permitem a resolução, por os mesmos não terem sido discutidos e postos em causa pelo autor.
De seguida, a decisão recorrida analisou a questão da nulidade da resolução, de acordo com a causa de pedir que foi invocada pelo autor, e concluiu que tal nulidade não se verifica.
Portanto, a decisão recorrida, na fundamentação, apreciou a questão suscitada e, no dispositivo, julgou válida e eficaz a resolução, nos moldes atrás transcritos, razão pela qual não ocorre qualquer omissão de pronúncia sobre a validade da resolução e o seu fundamento.
Do que se acaba de expor conclui-se que a sentença não deixou de se pronunciar sobre questão que devesse apreciar, não padecendo do vício de nulidade previsto na al. d) do nº 1 do art. 615º.
Improcede, assim, esta questão recursiva.
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II - (In)suficiência da fundamentação da decisão relativa à matéria de facto e consequente necessidade de cumprimento do disposto na al. d) do nº 2 do art. 662º, do CPC
O recorrente entende que a decisão de facto não se encontra devidamente fundamentada, pois deveria ser mais completa e desenvolvida, contendo uma análise crítica da prova, e permitindo perceber, relativamente a cada facto, a razão do decidido de forma a que qualquer intérprete, colocado na posição do destinatário da decisão, possa perceber quais os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador.
Vejamos, então, se a motivação da decisão de facto padece da patologia que o recorrente lhe imputa.
O juiz tem o dever geral de fundamentar as suas decisões que não sejam de mero expediente, obrigação essa que lhe é imposta pelos arts. 154º e 607º, nºs 3 e 4, do CPC, e pelo art. 205º, nº 1, da CRP.
Relativamente à sentença, de acordo com o comando ínsito no nº 4 do art. 607º, na fundamentação, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.
O incumprimento desta imposição legal impõe à Relação o dever de, mesmo oficiosamente, determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados, conforme estatuído na al. d) do nº 2 do art. 662º.
A exigência de fundamentação exerce a dupla função de facilitar o reexame da causa pelo tribunal superior e de reforçar o autocontrolo do julgador, sendo um elemento fundamental na transparência da justiça, inerente ao ato jurisdicional (José Lebre de Freitas, in A Ação Declarativa Comum À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, pág. 317).
Impõe-se ao juiz não só que explicite o que decidiu, mas também que indique os motivos que determinaram tal decisão, esclarecendo porque assim decidiu.
Na verdade, só sabendo os concretos fundamentos que justificaram a prolação da decisão as partes terão a possibilidade real e efetiva de proceder à sua impugnação e suscitar a sua sindicância por um tribunal superior. E o tribunal superior só pode sindicar a decisão se conhecer os fundamentos de facto e de direito que subjazem à decisão proferida.
O grau, intensidade, extensão ou profundidade da fundamentação da decisão da matéria de facto depende da controvérsia existente no caso concreto e também do elemento probatório em que a decisão se sustenta, devendo haver um reforço da motivação quando exista confronto entre meios de prova não coincidentes.
Assim, por exemplo, se todas as testemunhas inquiridas se pronunciaram de forma convergente e unânime sobre a ocorrência (ou não ocorrência) de um facto, não é necessário que o tribunal efetue uma análise extensa e aprofundada para considerar tal facto como provado (ou não provado). Diversamente, se parte das testemunhas corrobora uma versão e a outra corrobora uma versão diferente, ou até contraditória, já é essencial que o tribunal fundamente de forma esclarecedora e aprofundada os motivos que o levaram a dar credibilidade a uma versão em detrimento da outra.
Sobre a fundamentação da decisão da matéria de facto na sentença cível, escreve Abrantes Geraldes (in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª ed., pág. 615) que a apreciação crítica dos meios de prova “basta-se com a exposição dos aspetos que para o juiz se revelaram decisivos para a enunciação dos factos que considerou provados e não provados, devendo reforçar a motivação quando tenha sido confrontado com meios de prova não coincidentes” sendo ”curial que a motivação seja individualizada relativamente a cada facto ou factos que entre si formem um bloco”. “Importa que também a motivação seja transparente, por forma a habilitar as partes a compreender as razões essenciais em que o juiz sustentou a sua decisão e, em casos de discordância, a proceder à sua impugnação. A apreciação crítica dos meios de prova deve permitir às partes e, depois, ao Tribunal da Relação, perceber as razões essenciais que levaram o juiz a pronunciar-se de determinado modo relativamente aos factos essenciais, com indicação, por exemplo, das razões de ciência que relevou, por forma a ficar garantida tanto a impugnação da decisão, como a sua apreciação pela Relação.”
No caso concreto, a sentença contém a seguinte fundamentação:
“O Tribunal formou a sua convicção, para a determinação da matéria de facto dada como provada, no teor conjugado dos elementos documentais juntos aos presentes autos, bem como aos autos de insolvência principais, em especial a declaração de insolvência, a carta da operada resolução do negócio, bem como as declarações entretanto prestadas quer pela legal representante da Ré massa insolvente, quer ainda pelas declarações das diversas testemunhas auscultadas, neste particular assumindo especial relevância o depoimento de AA (Director do Departamento de Administração Geral da Câmara Municipal ...), o qual, de forma suficientemente espontânea e objectiva, explicou que efectivamente era do conhecimento da CM, na pessoa do respectivo Presidente, que a ora Insolvente entrara numa situação crítica, tendo deixado inclusivamente de pagar as rendas da subconcessão que entretanto foi cedida à EMP02..., precisamente com a autorização da CM que assim viu a respectiva dívida saldada.”
Analisando os factos 3.1. a 3.7, verifica-se que os mesmos se baseiam em prova documental e em cada um deles consta o documento que o suporta, constituindo esses factos uma reprodução do teor dos respetivos documentos.
Assim:
- o facto 3.1. refere-se ao contrato celebrado em 15.2.2021 entre o Instituto Portuário do Norte e o MUNICÍPIO ...;
- o facto 3.2. refere-se à escritura de 14.01.2002, outorgada no Notariado Privativo da Câmara Municipal ...;
- o facto 3.3. refere-se à escritura de 12.09.2006, outorgada no Notariado Privativo da Câmara Municipal ...;
- o facto 3.4. refere-se à escritura pública de 15.06.2016, relativa à venda à “EMP01..., S. A.” do direito à subconcessão de uso privativo da parcela do domínio público hídrico marítimo (lote n.º ...5);
- o facto 3.5. refere-se à escritura de 17.03.2017, outorgada no Notariado Privativo da Câmara Municipal ...;
- o facto 3.6. refere-se à escritura de 02.12.2021, outorgada no Notariado Privativo da Câmara Municipal ...;
- o facto 3.7. refere-se à sentença de declaração de insolvência de EMP01... de 12.06.2024;
- o facto 3.8. refere-se à carta de resolução em benefício da massa insolvente, datada de 30.10.2024, e enviada pela Sr.ª AI ao Município.
Os documentos referenciados encontram-se juntos nos presentes autos e no processo de insolvência e, na medida em que os factos em questão constituem mera reprodução do conteúdo desses documentos, a fundamentação constante da sentença recorrida é suficientemente esclarecedora dos aspetos que se revelaram decisivos para a enunciação desses factos como provados e permite que as partes percebam as razões essenciais dessa decisão de forma a poderem proceder à respetiva impugnação, com a sua consequente reapreciação pelo tribunal de recurso.
Assim, quanto aos factos 3.1 a 3.8, considera-se que a sentença contém fundamentação suficiente, não existindo motivo que justifique a aplicação do disposto na al. d) do nº 2 do art. 662º.
Restam os factos 3.9. e 3.10.
Quanto aos mesmos a motivação que acima se transcreveu é muito sintética e abrange em bloco ambos os factos, o que não deveria suceder, pois os mesmos referem-se a realidades ou matérias temáticas diferentes: o facto 3.9 respeita ao conhecimento da difícil situação económica da insolvente EMP01... e o facto 3.10 respeita à prejudicialidade do negócio para a massa insolvente.
Na motivação da matéria de facto faz-se uma menção especial e destacada ao “depoimento de AA (Director do Departamento de Administração Geral da Câmara Municipal ...)” dizendo que o mesmo “de forma suficientemente espontânea e objectiva, explicou que efectivamente era do conhecimento da CM, na pessoa do respectivo Presidente, que a ora Insolvente entrara numa situação crítica, tendo deixado inclusivamente de pagar as rendas da subconcessão que entretanto foi cedida à EMP02..., precisamente com a autorização da CM que assim viu a respectiva dívida saldada”. Daqui se extrai que o facto 3.9 foi dado como provado essencialmente com base no depoimento dessa testemunha, estando referida a sua razão de ciência relativamente a tal factualidade.
Entretanto, na mesma motivação, salientam-se ainda as declarações prestadas pela legal representante da Ré massa insolvente. Essas declarações foram prestadas por DD (cf. ata da audiência final) a qual é a administradora da insolvência (cf. sentença de 12.6.2024, ref. Citius 52375791).
Ora, a especial menção feita na motivação da decisão de facto ao depoimento prestado pela Sr.ª AI, conjugada com a circunstância de o facto 3.9 ter sido dado como provado essencialmente com base no depoimento de AA, significa que o facto 3.10 foi dado como provado com base naquele primeiro depoimento. O que bem se compreende, pois a Sr.ª AI, pelas funções que exerce, é quem se encontra em melhores condições para, de forma cabal, explicar e atestar o facto 3.10 designadamente que o negócio diminuiu, frustrou e dificultou a satisfação dos credores da insolvência, por o direito de subconcessão ser o bem/direito mais valioso da ora insolvente, uma vez que os demais bens/direitos disponíveis para apreender e liquidar não são suficientes para o pagamento aos respetivos credores.
Assim, embora se reconheça que a fundamentação quanto aos factos 3.9. e 3.10 é escassa e indevidamente genérica, abrangendo em bloco factos que não se encontram interligados e se referem a áreas temáticas diferentes, ainda assim essa fundamentação permite perceber os aspetos que se revelaram decisivos para a enunciação desses factos como provados e permite que as partes percebam as razões essenciais dessa decisão de forma a poderem proceder à sua impugnação, com a sua consequente reapreciação pelo tribunal de recurso.
Deste modo, também quanto aos factos 3.9 e 3.10 se considera que a sentença contém fundamentação minimamente suficiente, não se justificando a aplicação do disposto na al. d) do nº 2 do art. 662º.
Improcede, assim, esta questão recursiva.
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III - Delimitação da matéria de direito que pode ser objeto de conhecimento no âmbito do recurso
Na motivação de recurso, na parte referente à matéria de direito, o recorrente suscita a seguinte matéria como fundamento para a pretendida revogação da decisão recorrida:
1. a nulidade do ato de resolução, por inexistência do preenchimento dos pressupostos de que depende, nomeadamente:
a) por a resolução não poder ter lugar relativamente a atos praticados após o início do processo, o que acarreta a nulidade do ato, a qual é de conhecimento oficioso;
b) por incumprimento do ónus de alegação dos factos em que se baseia a resolução, apenas tendo sido invocados juízos conclusivos e valorativos, o que acarreta a nulidade do ato, a qual é de conhecimento oficioso;
2. a nulidade do ato de resolução por ofensa do disposto no art. 28º, nº 3 do DL 280/2007, de 7.8, na medida em que estão em causa bens pertencentes ao domínio publico que só podem ser objeto de transmissão entre vivos e de garantia, de arresto, de penhora ou de qualquer outra providência semelhante desde que precedidos de autorização expressa da entidade concedente, sendo que tal autorização não foi concedida no caso em apreço.
A matéria invocada pelo recorrente em 1. a) e b), relativa à inexistência do preenchimento dos pressupostos de que depende o ato de resolução, constitui questão nova, pois não foi alegada na 1ª instância.
Como escreve António Santos Abrantes Geraldes (in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª ed., pág. 119) “a natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina outra importante limitação ao seu objeto decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas. Na verdade, os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não analisar questões novas, salvo quando (...) estas sejam de conhecimento oficioso (...). Seguindo a terminologia proposta por Teixeira de Sousa, podemos concluir que tradicionalmente temos seguido um modelo de reponderação que visa o controlo da decisão recorrida, e não um modelo de reexame que permita a repetição da instância no tribunal de recurso.”
Como se afirmou no Acórdão desta Relação de 8.11.2018 (P 212/16.5T8PTL.G1 in www.dgsi.pt), “por definição, a figura do recurso exige uma prévia decisão desfavorável, incidente sobre uma pretensão colocada pelo recorrente perante o Tribunal recorrido. Só se recorre de uma decisão que analisou uma questão colocada pela parte e a decidiu em sentido contrário ao pretendido (...). A única exceção a esta regra, como bem se compreende, são as questões de conhecimento oficioso, das quais o Tribunal tem a obrigação de conhecer, mesmo perante o silêncio das partes. Não sendo uma situação de conhecimento oficioso, não pode o Tribunal superior apreciar uma questão nova, por pura ausência de objeto: em bom rigor, não existe decisão de que recorrer. É um caso de extinção do recurso por inexistência de objeto.”
O recorrente considera que a consequência da falta de preenchimento dos requisitos de que depende a resolução em benefício da massa insolvente é a nulidade do ato resolutivo, integrando, por isso, matéria que é de conhecimento oficioso.
Discordamos deste entendimento.
A ação de impugnação da resolução em benefício da massa tem sido maioritariamente qualificada pela doutrina e pela jurisprudência como uma ação declarativa de simples apreciação negativa, de acordo com a noção constante do art. 10º, nº 3, al. a), pois destina-se a obter unicamente a declaração de inexistência de um direito ou de um facto (cfr. acórdãos do STJ de 29.04.2014, P 251/09.2TYVNG-R.P.S1, da Relação de Coimbra, de 21.05.2013, P 928/11.2TBFIG-J.C2, da Relação do Porto de 18.12.2013, P 462/10.8TBVFR-R.P1, de 9.07.2014, P 816/10.TYVNG-X.P1, e de 23.01.2017 P 4058/12.1TBGDM-B.P1,todos acessíveis em www.dgsi.pt, Maria do Rosário Epifânio in Manual de Direito da Insolvência, 7ª ed., pág. 260, Marco Carvalho Gonçalves, in Processo de Insolvência e Processos Pré-Insolvenciais, , pág.427).
A consequência da procedência da ação de impugnação não é a nulidade da resolução, mas sim a sua invalidade e/ou ineficácia por falta de cumprimento dos requisitos formais e/ou substantivos de que depende. Por isso, não colhe a argumentação do recorrente de que, perante a existência deste vício, se trata de matéria de conhecimento oficioso.
Por outro lado, quem impugna a resolução tem o ónus de invocar que pressupostos e factos invocados como fundamentos resolutórios pretende discutir. A petição inicial da ação de impugnação da resolução funciona como uma “contestação” na qual o autor deduz uma impugnação antecipada, que pode ou não ser motivada, podendo também invocar factos impeditivos ou extintivos do direito de resolução.
Neste sentido, afirma-se no sumário do acórdão da Relação de Guimarães, de 7.6.2018 (P 1367/15.1T8GMR-L.G1 in www.dgsi.pt), que “[a] impugnação da resolução dos "actos prejudiciais à massa" é um meio processual para se reagir à posição assumida pelo Administrador da Insolvência, pelo que, na sua substância, constitui uma contestação à declaração resolutiva, à semelhança do que sucede no processo executivo com os embargos de executado.”
Por conseguinte, quem ataca a resolução por via judicial baliza o âmbito de conhecimento do tribunal, o qual apenas tem que se pronunciar sobre a matéria concretamente impugnada, e não sobre aspetos do ato resolutivo que não foram colocados em crise pelo impugnante.
Se forem impugnados os factos em que a resolução se fundamentou, uma vez que estamos no âmbito de uma ação de simples apreciação negativa, caberá à massa insolvente o ónus de provar esses factos (art. 343º, nº 1 do CC); se forem opostos aos factos em que se funda a resolução factos impeditivos ou extintivos do direito de resolução caberá ao impugnante o respetivo ónus de prova (art. 342º, nº 2, do CC).
Em consonância com o antedito, entende-se que não se está perante matéria de conhecimento oficioso, como defende o recorrente, tendo os concretos fundamentos de impugnação da resolução que ser alegados pelo impugnante na petição inicial para que o tribunal deles possa conhecer.
Assim, por se tratar de questão nova, que não foi suscitada no tribunal a quo, e que não é de conhecimento oficioso, este Tribunal da Relação não irá conhecer da questão atinente à inexistência do preenchimento dos pressupostos de que depende o ato de resolução, supra sintetizada em 1, a) e b), por impossibilidade legal.
Consequentemente, e no que concerne à questão jurídica, apenas há que apreciar a matéria supra referida em 2, ou seja, se o ato de resolução ofende o disposto no art. 28º, nº 3 do DL 280/2007, de 7.8, e, na afirmativa quais as consequências que daí advêm.
IV - Utilidade de apreciação da impugnação da matéria de facto em função das questões jurídicas a decidir
Determinado que a matéria jurídica a apreciar se limita a saber se o ato de resolução é inválido, por ofender o disposto no art. 28º, nº 3 do DL 280/2007, de 7.8, importa verificar se existe utilidade na apreciação da impugnação da matéria de facto por a factualidade impugnada revestir algum interesse para a decisão dessa questão, de acordo com alguma das soluções plausíveis de direito.
Isto porque, em situações de irrelevância para o conhecimento do mérito da causa, visto os factos impugnados não serem suscetíveis de influenciar decisivamente a decisão do pleito segundo as diferentes soluções plausíveis de direito, é inútil e contrário aos princípios da economia e da celeridade a reponderação pela Relação da decisão proferida pela 1.ª instância.
Assim, e seguindo a esclarecedora linha de raciocínio traçada sobre esta matéria no Acórdão do STJ, de 17.5.2017 (P 4111/13.4TBBRG.G1.S1 in www.dgsi.pt), “[o] princípio da limitação de actos, consagrado no artigo 130º do Código de Processo Civil para os actos processuais em geral, proíbe a sua prática no processo – pelo juiz, pela secretaria e pelas partes – desde que não se revelem úteis para este alcançar o seu termo. Trata-se de uma das manifestações do princípio da economia processual, também aflorado, entre outros, no artigo 611º, que consagra a atendibilidade dos factos jurídicos supervenientes, e no artigo 608º n.º 2, quando prescreve que, embora deva resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, o juiz não apreciará aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Nada impede que também no âmbito do conhecimento da impugnação da decisão fáctica seja observado tal princípio, se a análise da situação concreta em apreciação evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual, cuja relevância se projecte na decisão de mérito a proferir. Com efeito, aos tribunais cabe dar resposta às questões que tenham, directa ou indirectamente, repercussão na decisão que aprecia a providência judiciária requerida pela(s) parte(s) e não a outras que, no contexto, se apresentem como irrelevantes e, nessa medida, inúteis. Para se aferir da utilidade da apreciação da impugnação da decisão fáctica importa considerar se os pontos de facto questionados se não apresentam de todo irrelevantes, se a eventual demonstração dos mesmos é susceptível de gerar um juízo diferente sobre a questão de direito, se é passível de influenciar e, porventura, alterar a decisão de mérito no quadro das soluções plausíveis da questão de direito.”
O recorrente pretende que o facto 3.9 seja dado como não provado, ou, no limite, que a sua redação passe a ser a seguinte:
3.9. Aquando da celebração do negócio id. em 3.6. a EMP01..., S.A. tinha uma dívida acumulada de rendas à Câmara Municipal ... no valor de € 68.680,84.
Pretende, ainda, que seja aditada à matéria de facto provada a seguinte factualidade:
O MUNICÍPIO ..., à data da celebração do negócio referido no ponto 3.6. dos factos dados como provados, não tinha conhecimento de que a insolvente estava numa situação de insolvência e que já corria termos um processo de insolvência.
Quer o facto 3.9, quer o facto cujo aditamento se pretende não têm qualquer relevância jurídica para a questão a decidir, de acordo com qualquer das soluções plausíveis de direito, questão essa que se resume a saber se o ato de resolução é inválido, por ofender o disposto no art. 28º, nº 3 do DL 280/2007, de 7.8.
Trata-se de matéria factual que só teria interesse para aferir do preenchimento dos requisitos de resolução do negócio em benefício da massa. Porém, como supra se analisou e decidiu, essa matéria encontra-se excluída do âmbito de cognição deste tribunal, visto constituir uma questão nova, que não é de conhecimento oficioso.
Por conseguinte, rejeita-se, por inútil, a impugnação da matéria de facto por a factualidade que dela é objeto ser inócua para a solução da questão jurídica decidenda.
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Perante esta conclusão, fica prejudicada a apreciação da questão V, referente ao mérito da impugnação.
VI - Nulidade do ato de resolução por ofensa do disposto no art. 28º, nº 3 do DL 280/2007, de 7.8
O recorrente alega que a área que integra o contrato de subconcessão pertence ao domínio público do Estado, o qual é regulado pela Lei nº 54/2005, de 15.11, aplicando-se-lhe também o DL nº 280/2007, de 7.8.
Considera que o ato de resolução em benefício da massa viola o disposto no art. 28º, nº 3 deste último diploma legal, na medida em que não foi dada autorização para o ato por parte do concessionário, o que tem como consequência a sua nulidade.
Vejamos, então.
Nos autos está plenamente assente que o MUNICÍPIO ..., ora autor, é concessionário privativo de uma parcela do domínio público hídrico, sita no Parque Empresarial ... (PE...), sendo a EMP01... subconcessionária dos lotes n.ºs. ...4 e ...5 dessa parcela (factos 3.1, 3.4 e 3.5.)
Estando em causa uma parcela do domínio público hídrico e sendo as águas coisas imóveis (art. 204º, nº 1, al. b) do CC), é-lhe aplicável o DL nº 280/2007, de 7.8, o qual estabelece as disposições gerais e comuns sobre a gestão dos bens imóveis dos domínios públicos do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais (art. 1º, nº 1 al. a) do DL nº 280/2007, de 7.8, ao qual pertencem as normas subsequentemente citadas, sem menção de diferente proveniência).
Os imóveis do domínio público estão fora do comércio jurídico, não podendo ser objeto de direitos privados ou de transmissão por instrumentos de direito privado (art. 18º), não são suscetíveis de aquisição por usucapião (art. 19º) e são absolutamente impenhoráveis (art. 20º).
Os particulares podem adquirir direitos de uso privativo do domínio público por licença ou concessão (art. 27º).
O conteúdo da utilização privativa encontra-se previsto no art. 28º o qual estatui que:
1 - Através de ato ou contrato administrativos podem ser conferidos a particulares, durante um período determinado de tempo, poderes exclusivos de fruição de bens do domínio público, mediante o pagamento de taxas.
2 - O prazo da concessão, salvo estipulação em contrário devidamente fundamentada, não pode ser prorrogado.
3 - O direito resultante da concessão pode constituir objeto de atos de transmissão entre vivos e de garantia real, de arresto, de penhora ou de qualquer outra providência semelhante desde que precedidos de autorização expressa da entidade concedente.
4 - A violação do disposto no número anterior determina a nulidade dos atos aí previstos.
O recorrente considera que o ato de resolução em benefício da massa insolvente se encontra abrangido pelo nº 3 do art. 28º, por constituir uma providência semelhante a arresto ou penhora.
Adiante-se, desde já, que, a nosso ver, a resolução em benefício da massa não se encontra abrangida pelo nº 3 do art. 28º, não padecendo de nulidade por falta de autorização da entidade concedente, conforme passaremos a explicar.
Dispõe o nº1 do art. 46º, do CIRE que a massa insolvente destina-se à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas, e, salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo.
“A massa insolvente é, por isso, o conjunto de bens atuais e futuros do devedor, os quais, a partir da declaração de insolvência, formam um património separado, adstrito à satisfação do interesse dos credores” (Maria do Rosário Epifânio in Manual de Direito da Insolvência 7ª ed., pág. 302).
Conforme consta do respetivo Preâmbulo, no CIRE “[p]revê-se a reconstituição do património do devedor (a massa insolvente) por meio de um instituto específico – a “resolução em beneficio da massa insolvente” –, que permite, de forma expedita e eficaz, a destruição de actos prejudiciais a esse património”.
O regime da resolução em benefício da massa insolvente, previsto nos artigos 120.º a 126.º do CIRE, constitui um instrumento jurídico destinado a tutelar a integridade da massa insolvente, neutralizando os efeitos de atos que, pela sua natureza ou circunstâncias, lhe são prejudiciais.
Através da resolução, viabiliza-se a reconstituição do património do devedor, mediante a reintegração na massa insolvente de bens ou valores que dela hajam sido indevidamente subtraídos.
Trata-se de um direito potestativo de natureza extintiva que opera com eficácia retroativa, determinando a reposição ex tunc da situação jurídica das partes, as quais se veem obrigadas a restituir reciprocamente as prestações ou vantagens obtidas em execução do negócio resolvido, restabelecendo-se, assim, o statu quo ante que existiria caso o ato não tivesse sido praticado.
Dito de forma absolutamente linear e simples: através da resolução tudo se passa como se o ato resolvido nunca tivesse sido praticado, retornando-se à situação pré-existente.
Assim sendo, no caso concreto, a resolução do contrato de cessão referido no facto 3.6 implica o retorno à situação anterior à celebração desse contrato, ou seja, a EMP01... permanece como subconcessionária das parcelas do domínio público hídrico marítimo correspondentes aos lotes n.ºs. ...4 e ...5 do PE....
Como a EMP01... foi declarada insolvente, todos os bens que lhe pertenciam, incluindo o direito decorrente da subconcessão que tinha, integram a sua massa insolvente.
A resolução não implica a transmissão do direito de subconcessão por ato entre vivos, mas antes a anulação da transmissão desse direito da EMP01... para a EMP02....
A resolução também não é um ato equiparável à penhora ou ao arresto, pois limita-se a destruir os efeitos jurídicos de um ato de transmissão e a fazer retornar ao património da insolvente (massa insolvente) um bem que dele havia saído.
Por isso, a resolução não viola o disposto no nº 3 do art. 28º do DL nº 280/2007, de 7.8., não carece de autorização do concessionário, no caso o MUNICÍPIO ..., e não se encontra ferida de nulidade.
Questão absolutamente diferente é a da posterior apreensão e liquidação no processo de insolvência do direito de subconcessão de que a EMP01... voltou a ser titular por via da resolução apurada.
Essa questão não é objeto do presente recurso, o qual se destina unicamente a aferir se a resolução, em si mesma, viola o nº 3 do art. 28º do DL nº 280/2007, de 7.8., e tal não ocorre porque a resolução mais não é do que a extinção do ato de cedência do direito pertencente à EMP01... e a reposição da situação jurídica existente em data anterior à celebração do negócio resolvido, não implicando qualquer ato de transmissão do direito, nem qualquer apreensão do mesmo.
Considera-se, assim, ter razão a recorrida quando, pugnando pela manutenção do decidido pelo tribunal a quo, afirma que “da resolução em benefício da massa não decorre a venda de um imóvel, sequer de um direito à subconcessão. Da resolução decorre apenas que a realidade jurídica passa a ser como era antes daquele negócio (agora resolvido) existir. A resolução não tem como consequência necessária a apreensão, nem, muito menos, a transmissão de bens. A única consequência jurídica da resolução é a reconstituição da situação jurídica que existiria se o ato não tivesse sido praticado (cf. nº 1 do artigo 126.º do CIRE), ou seja, com a resolução, neste caso concreto, o direito de subconcessionária regressa à esfera da insolvente. Poderá, depois, ser ou não apreendido a favor da massa insolvente e pode, ou não, ser liquidado. Não se nega, contudo a necessidade de consentimento da ora recorrente, o MUNICÍPIO ... para o efeito, MAS, para que tal aconteça (a apreensão, o pedido de autorização à Câmara Municipal ... e a liquidação) é necessário que o direito à subconcessão esteja integrado, novamente na esfera jurídica da insolvente.”
Por conseguinte, improcede esta questão recursiva.
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Como decorrência de tudo quando se expôs, improcede o recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
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Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º, do CPC, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que a elas houver dado causa, entendendo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respetiva proporção, ou, não havendo vencimento, quem do processo tirou proveito.
Tendo o recurso sido julgado improcedente, é o recorrente responsável pelo pagamento das custas, em conformidade com a disposição legal citada.
DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.
Custas da apelação pelo recorrente.
Notifique.
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Guimarães, 23 de outubro de 2025
(Relatora) Rosália Cunha
(1º/ª Adjunto/a) Fernando Manuel Barroso Cabanelas
(2º/ª Adjunto/a) Lígia Paula Ferreira de Sousa Santos Venade