PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO
JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
CONVENÇÃO EUROPEIA SOBRE O EXERCÍCIO DOS DIREITOS DAS CRIANÇAS
SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA
AUDIÇÃO DA CRIANÇA
Sumário

1. Emerge do artigo 100.º da LPCJP que o processo judicial de promoção e proteção é de jurisdição voluntária, e, enquanto tal, implica a ponderação dos artigos 986.º a 988.º do Código de Processo Civil, os quais contêm as suas traves mestras, enunciando que o Tribunal tem ampla liberdade investigatória e probatória, devendo nortear-se, não por critérios de legalidade estrita, mas antes construir, em face da concreta dinâmica familiar que lhe é presente, a solução que entenda ser, nesse momento, a mais conveniente e oportuna.
2. Nos procedimentos que respeitam a uma criança ou jovem, qualquer que seja a sua natureza, o princípio do superior interesse reveste-se de importância capital e para a sua concretização surge o direito de participação, que se reconhece de pleno direito à criança ou jovem, sendo certo que este direito de participação se desdobra no direito a ser ouvido e a expressar o seu ponto de vista, naquilo que directamente lhe diga respeito.
3. A leitura feita pelas instâncias judiciais europeias tem sido a de que a Convenção Europeia sobre o Exercício dos Direitos das Crianças não demanda, objectivamente, a audição da criança em Tribunal, como um direito absolutamente obrigatório, antes deve ser avaliada sob o prisma das circunstâncias casuísticas de cada situação trazida a juízo, idade e discernimento daquela.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

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Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra,[1]

Em 22-09-2017 o Ministério Público veio requerer, por apenso ao Processo n.º 214/14.6TMCBR-B, do Juízo de Família e Menores de Coimbra, nos termos dos artigos 3.º, 11.º, al. c), 72.º, n.º 3, 80.º e 105.º, n.º 1, da Lei n.º 147/99, de 01-09[2], a instauração de Processo Judicial de Promoção e Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, a favor de AA, nascida em ../../2009, acolhida na Fundação ... (Fundação...), requerendo, a final, a aplicação a seu favor de uma das medidas previstas no artigo 35.º da referida Lei, consentânea com o caso em apreço, considerando que o acolhimento residencial continuava a mostrar-se a medida mais adequada.


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A 27-11-2017 foi obtido acordo de promoção e protecção nos seguintes termos:

Primeiro - A menor AA fica com a medida de acolhimento residencial, pelo prazo que se fixa em 6 meses, no CAR da Fundação ..., nos termos dos arts. 35º 1 f) e 49º, 55º e 56º da LPCJP.

Segundo - A mãe concorda em ser acompanhada e apoiada pelo ISS/EMAT, acatando as instruções que as Srªs Técnicas entendam por convenientes, bem como a seguir as regras estipuladas pela instituição de acolhimento.

Terceiro - A mãe poderá visitar a AA na Casa Residencial nos horários estabelecidos pela instituição e com supervisão.

Quarto - A mãe compromete-se a comparecer nas sessões de psicologia que lhe sejam marcadas e a seguir as orientações aí dadas.


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            Por despachos sucessivos, designadamente, de 05-09-2018, 23-10-2019, 20-04-2020, 21-10-2020, 12-05-2021, 19-11-2021, 03-11-2022, 11-07-2023, 09-04-2024, 07-11-2024, 25-02-2025 e 24-06-2025, foi sendo renovada a execução da medida de acolhimento residencial, prevista no artigo 35.º, n.º 1, al. f), da LPCJP, no CAR “Fundação ...”, em ....

            Na última das revisões da medida de acolhimento residencial, constante do despacho de 24-06-2025, o tribunal a quo exarou:

            “A) Revisão da medida protetiva

Nos presentes autos foi aplicada à criança AA, nascida a ../../2009, a medida de acolhimento residencial, prevista no art.º 35.º, n.º 1 al. f) da Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro (LPCJP), com última revisão em 07.11.2024.

Nos termos do artigo 62.º, n.º 1 da LPCJP, a medida aplicada é obrigatoriamente revista findo o prazo fixado no acordo ou decisão judicial e, em qualquer caso, decorridos períodos nunca superiores a 6 meses, podendo tal revisão determinar a continuação ou prorrogação da sua execução (cfr. al. c) do n.º 3 do normativo em crise).

Por outro lado, estabelece o artigo 62º, nº 5 da LPCJP, que a cessação da medida apenas deverá ocorrer quando a sua continuação se mostre desnecessária.

Cumpre apreciar e decidir.

Da informação social datada de 13.02.2025 consta o seguinte:

“A AA está atualmente e há cerca de sete anos, acolhida na CAR da Fundação .... Não obstante, em meio natural o agregado é apenas composto pela sua mãe. BB insiste que vive sozinha, desde que se separou do pai de AA. No entanto, AA conta em entrevistas connosco e refere repetidamente à Equipa Técnica da Instituição, que a mãe, há muito tempo, que tem um companheiro, não sendo raras as vezes que relata episódios de convívio entre todos eles.

De facto, segundo AA terá dito à Equipa Técnica da CAR, a mãe terá, de facto um amigo especial, sendo que quando está em Portugal, é na casa de sua mãe que habita e pernoita.

CC, será um pouco mais velho que AA e será trabalhador da construção civil nos EUA, segundo a jovem informou.

Vive lá em casa e, quando a AA está também lá em casa, o Senhor dorme num quarto sozinho e a AA com a mãe noutro. Quando estão sem a AA, a jovem não sabe.

A relação declarada que tem com a mãe é de amigo, mas andam de mãos dadas e, apesar dele trabalhar no estrangeiro, desde o Natal que tem estado lá em casa… a AA acha que ele estará para ir para fora novamente em breve.

Aos fins de semana, quando saem de casa, a AA vai na mota com ele e a mãe ao lado de bicicleta.

A CAR, na pessoa da Dr.ª DD informou que o envio do e-mail não terá sido iniciativa da criança, mas da mãe, na sequência de se sentir contrariada porque não queria que a filha tivesse ido à viagem que a Instituição fez com as crianças a Vigo, nem tão pouco que tivesse permanecido na Fundação ... no fim de semana da Festa da Instituição.

De resto, BB já tinha dito várias vezes, na Instituição, que a filha estava bem era em sua casa e não na CAR.

Com efeito, segundo a Dr.ª DD, a AA efetivamente gosta da mãe, mas essa é a única informação verdadeira constante no e-mail em apreço, pois tudo o resto é falso. AA está, na verdade, muito bem-adaptada à instituição e, quando questionada, diz que preferia estar com a mãe, mas que gosta da instituição.

Entretanto, no que à autoria do conteúdo do e-mail respeita, nem a menina teria efetivamente competências para escrever algo assim.

A menina, em conversa com a Dr.ª DD terá dito que o mail foi feito pela mãe e por ela…; pelas duas.

Contactámos com a D. BB, no sentido de perceber o contexto, o sentido e a pertinência do e-mail enviado a Tribunal, em cuja apreciação se centra esta informação.

Depois de ter insistido ter sido a filha a escrever o e-mail, confrontada com a impossibilidade prática de tal ter acontecido, a D. BB disse que o escreveu, mas que foi a filha que lhe pediu, a ela, para escrever o e-mail.

Foi dito a BB que a emissão de um e-mail escrito por si, em nome da filha e com um endereço de e-mail desta era algo completamente irregular que teria consequências, nomeadamente no que respeita à sua credibilidade, o que a mesma compreendeu e assumiu.

BB refere ainda não ter emprego, ainda que acrescente que durante o mês de fevereiro começará a trabalhar, ainda não sabe onde nem em quê, mas eventualmente em limpezas, que é o que tem mais prática e talvez em ... (…).

Entretanto, vive do RSI, no valor de 237€ mensais, sendo esta a sua única fonte de rendimento. Não paga renda, pois a casa é cedida por um amigo.

Paga cerca de 70 euros de consumos com as redes técnicas de agua, luz, gás e comunicações.

Desloca-se de bicicleta e tem autocarros que vão para a ..., sendo assim que pretenderia que a filha se deslocasse para a escola.”

E o parecer técnico conclui o seguinte:

“BB, de facto, continua a ser uma mãe presente, deslocando-se semanalmente da ... a ..., para ir buscar e levar a filha, para que a criança passe fins de semana em casa, que, de resto têm corrido sem constrangimentos registados.

No entanto, como se pode concluir do informado, esta mãe não tem condições materiais nem capacidade para, a tempo inteiro, ter consigo e cuidar de forma adequada e curial de AA, sua filha.

Não perceber a realidade desta conjuntura, que é tão evidente, encetando o lamentável movimento que agora apreciamos, revela, em nosso entendimento, uma grande falta de maturidade, uma grande falta de responsabilidade e a incapacidade de perceber o que realmente seria necessário para que a filha não fosse entregue a um contexto de manifesta desproteção, caso BB viesse a conseguir concretizar os seus intentos.

Acresce que o recurso recorrente à mentira, mascarando realidades da sua vida, bem como a manipulação de informação em nome da filha, tentando enganar os serviços, não só reforça a apreciação que fazemos no parágrafo acima, como também tira a esta mãe a credibilidade que necessitaria, para que fosse alvo de confiança na aplicação de uma medida em meio natural, agora, em nosso entendimento, ainda mais afastada.”

E do relatório social de 09.04.2025 conclui-se que “mantendo-se o teor da informação e parecer das duas últimas informações sociais, de janeiro e fevereiro do corrente ano, considera-se que, centrando a questão no interesse superior e bem estar de AA, esta deve ver facilitado o acesso a período com a mãe, em casa desta, não devendo, no entanto, estes períodos serem de duração suficientemente prolongada que possam subtrair a criança à ainda justificada e necessária supervisão e vigilância institucional.

Considera-se, assim, que AA deve ser autorizada a passar em casa de uma das semanas das férias de Páscoa, de preferência a que se conjuga com o fim de semana de Páscoa, sendo entregue após esse feriado, agora estendido de dia 11 até dia 21 de abril, de acordo com o informado pela CAR, já acima citado.

De resto, percebe-se como incompreensível e lamentável que, tendo sido explicado à mãe que as aulas acabariam dia 9 e que a menina tinha excursão dia 10, podendo ir buscá-la de dia 11 até ao final das férias letivas, tenha sido efetuado o pedido a que agora respondemos.

Acrescente-se que, ao contrário do que se pode inferir do requerimento efetuado em nome da mãe, o presente Técnico nunca defendeu o regresso imediato da jovem ao meio natural, junto da mãe, muito pelo contrário.”

Tal conclusão resultou das seguintes premissas: “A AA continua adaptada à Instituição de Acolhimento. Desde sempre, mostra-se uma criança com boas competências sociais para a idade, comunicativa e de trato fácil, que gosta de estar em contexto de entrevista.

A criança continua a ter uma boa relação com o grupo de pares, brincando e partilhando momentos com os colegas da mesma idade e não tem problemas de comportamento.

Entretanto, as visitas a casa da mãe, em fins de semana, têm corrido bem, sendo gratificantes para a jovem, mas nota-se alguma instabilidade por parte da jovem, uma vez que tem sido incutida insistentemente, a esta criança, a urgência no regresso definitivo a casa – urgência que a criança não tinha e que agora a deixa relativamente desestabilizada no seu quotidiano.

Também na escola, a nível de comportamento, para além de desatenta, não apresenta quaisquer problemas, relacionando-se bem com os pares e com os adultos.

No que respeita à escola, a AA mantém-se no ensino especial, com currículo alternativo, só acompanhando a turma em cinco disciplinas.

Como já foi dito anteriormente, foi feito um teste de QI à criança, onde esta obteve um resultado equivalente a “muito inferior”.

A condição cognitiva de AA, que condiciona as aquisições letivas bem como o desenvolvimento psicossocial rumo a uma autonomia na idade adulta e uma das mais expressivas mais valias da intervenção institucional com esta criança, a qual contribui, não só, mas também, para justificar a sua manutenção em CAR, considerando o seu superior interesse.

Clarificando e resumindo, a AA está no nono ano e está em ensino especial, a aprender atividades de autonomização. Só frequenta as aulas de Educação Física, História, Cidadania, EV e Ciências da Natureza, estando o resto do tempo em apoio e no Plano de Intervenção em Trabalho – formação.

Apresenta um défice cognitivo, pelo que os seus objetivos são reduzidos, mas cumpre-os.

A nível familiar, a mãe vem recebendo criança aos fins de semana, três vezes por mês, conforme sua própria solicitação, sendo evidente a forte relação afetiva entre mãe e filha.

A nível de saúde física, a AA não tem problemas de relevo.

Apresenta excesso de peso e risco de obesidade o que foi percebido pela CAR, estando por isso a frequentar consultas de nutricionismo e a seguir um plano alimentar individualizado.

Ao nível das condições do agregado já consideradas nas informações anteriores não temos notícia de qualquer alteração ao recentemente informado, em IS de janeiro e fevereiro, enviadas a esse Tribunal, de que BB não tem condições materiais nem capacidade para, a tempo inteiro, ter consigo e cuidar de forma adequada e curial de AA, sua filha.

Aliás, no último contacto, em fevereiro, a própria ficou de nos dar nota dessas alterações, caso viessem a ocorrer, o que não aconteceu.”

Deste modo, justifica-se a manutenção da medida de promoção e proteção aplicada de acolhimento residencial à jovem AA, atento o disposto no artigo 35º, nº 1, al. f) e artigo 62º, nº 1 e 3, al. c) da LPCJP, por mais 6 meses, no CAR “Fundação ...”, em ....

Cumpra o artigo 84º e 85º da LPCJP e após abra vista”.


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            Da dinâmica processual relevante, no corrente ano de 2025, salientam-se os seguintes aspectos:

– No despacho de 25-02-2025 o tribunal a quo consignou: “Ref. 9511200: Na sequência do relatado pela progenitora foi solicitado ao SATT a elaboração de informação social, que se mostra junta com a ref. 9520259.

Desta informação resulta claro que a mãe e a AA têm uma relação afetiva próxima, é uma mãe que se mostra presente, deslocando-se da ... a ... para ir buscar e levar a filha à CAR, mas não estão reunidas as condições necessárias para aplicação de medida protetiva em meio natural de vida.

Assim, a progenitora não tem condições económicas, emocionais e sociais para assegurar o bem estar e saudável desenvolvimento da AA, permanecendo a ocultar a sua vida pessoal, e sem que dê informação concreta sobre a sua situação laboral (cit. “informando que iniciará trabalho em fevereiro, mas ainda sabe onde nem em quê, mas eventualmente em limpezas”), continuando a ter como único rendimento o RSI no valor de € 237.

Acresce que, ao contrário do que é dito, a AA está bem integrada na CAR.

Pelo exposto, mantém-se a medida de acolhimento residencial já aplicada.”

– No despacho de 28-02-2025 o tribunal a quo consignou: “Ref. 9553180: Autoriza-se a jovem AA passar em casa da mãe o tempo integral das férias de carnaval e uma das semanas das férias de Páscoa, de preferência a que se conjuga com o fim de semana de Páscoa, sendo entregue após esse feriado, nos horários a articular com a CAR”.

– No despacho de 11-04-2025 o tribunal a quo consignou: “Autorizam-se os convívios da AA com a mãe, uma semana no período de férias de Páscoa, mais propriamente entre os dias 11 a 21 de abril de 2025, nos moldes a articular com a CAR”.

– A 14-05-2025 a Fundação ... informou: “A AA, foi acolhida na Residência ..., Casa de Acolhimento da Fundação ..., no dia 20-01-2017.

A sua integração na Casa de Acolhimento decorreu sem problemas de maior a registar, sendo que sempre foi uma criança/jovem simpática e bem-disposta, embora um pouco imatura e apelativa, mantendo uma boa relação com as outras crianças e jovens, sobretudo com as que têm idade e características similares. Também com a equipa Técnica e Educativa a jovem mantém uma relação positiva e de confiança.

Encontra-se bem integrada não apenas na dinâmica da Casa, como também na comunidade envolvente. Participa de forma ativa e interessada nas atividades e eventos promovidos pela instituição, bem como em iniciativas comunitárias, demonstrando abertura, espirito de colaboração e capacidade de relacionamento saudável com diferentes pessoas e contextos. Esta participação tem contribuído para o seu desenvolvimento pessoal e social.

No contexto escolar a AA encontra-se igualmente bem integrada, mantendo uma relação positiva com colegas, professores e demais profissionais da escola. É frequentemente caracterizada como uma aluna doce, meiga e educada, demonstrando respeito pelas regras.

A AA está a frequentar o 9ºano, com adaptações ao processo de avaliação, sendo a Diretora de Turma a Professora EE. No âmbito do Desporto Escolar a AA pratica Boccia, BTT ”Sobre Rodas", e Natação adaptada. Nos treinos é cooperante, demonstrando sempre muito entusiasmo; cumprindo com toda a organização e demonstrando vontade e empenho em evoluir.

A nível de saúde, além do acompanhamento no médico de família, com a Dra. FF, no Centro de Saúde ..., a AA é seguida em Estomatologia no Hospital Pediátrico, em Genética com a Dra. GG no Hospital Pediátrico, em Neurodesenvolvimento com a Dra. HH no Hospital Pediátrico, em Ginecologia com o Dr. II na Maternidade ... e teve alta de Oftalmologia com o Dr. JJ em 15.11.2024, HP.

Cumpre-nos informar que a jovem em questão, nunca, até à presente data, foi identificada como necessitando de encaminhamento para apoio psicológico, nem detetacamos indícios de sofrimento emocional ou psicológico, nomeadamente relacionado com a sua vivência nesta Casa de Acolhimento. Não existe também qualquer tipo de intervenção medicamentosa.

A AA é muito ligada à mãe, sendo visível a sua ligação emocional. Quando regressa de visita /ou fim de semana e férias a AA apresenta-se chorosa no momento da separação, revelando alguma fragilidade na despedida, sendo que, a equipa Educativa refere, que depois de a mãe ir embora, rapidamente a AA acalma. Não podemos deixar de referir que a D. BB lida com a AA de forma demasiado infantil, não adequada à sua idade, prolongando e de certa forma dificultando esta separação.

Não é prática da Casa de Acolhimento, sendo até proibido por lei, o recurso a castigos físicos ou psicológicos, nomeadamente no que diz respeito à AA. A Casa de Acolhimento pauta a sua atuação por princípios de ética, respeito e proteção integral aos direitos das crianças e jovens acolhidos, em conformidade com a Lei de proteção de Crianças e Jovens em Perigo e demais normativos em vigor. A nossa Equipa Técnica e Educativa atua com profissionalismo, responsabilidade e sensibilidade, assegurando um ambiente seguro, digno e livre de qualquer forma de negligência, maus-tratos, castigos humilhantes ou tratamento desumano.

No que diz respeito à alegada “privação de alimentação”, face ao excesso de peso apresentado pela AA, avaliado em consulta de medicina familiar, no Centro de Saúde ..., onde a AA é seguida, foi recomendado que iniciasse acompanhamento nutricional e simultaneamente orientada para a prática de exercício/caminhadas. A jovem teve consulta de nutrição com a Dra. KK, nutricionista da Fundação ..., no dia 18.04.2025, tendo sido elaborado um plano alimentar. O cumprimento das orientações alimentares bem como das caminhadas/exercício físico foi aceite pela jovem de bom agrada e tem vindo a revelar-se positivo para a autoestima desta.

No que concerne aos documentos de 1 a 7, a Casa de Acolhimento não se pode pronunciar, desconhecendo o seu conteúdo.

Ao longo do acolhimento a mãe da AA apresentou diferentes moradas fato que muitas vezes aliado ao desemprego, condicionou, as idas ou não a casa desta. Relativamente aos contatos telefónicos que mantinha com a filha, estes estabeleciam-se de acordo com as regras da Casa de Acolhimento – segundas, quartas e sábados. Contudo, informamos que a jovem passou recentemente a dispor de telemóvel próprio, o que permite que os contatos com a progenitora ocorram de forma mais espontânea e direta.

A avaliação da continuidade das condições que tiveram como consequência a aplicação de medida de acolhimento residencial, é entendimento da Casa, não ser da sua competência. No que se refere ao alongamento de contatos, não é também da nossa responsabilidade a sua alteração, bem como a avaliação de condições habitacionais e socioeconômicos da D. BB.

No que diz respeito ao “agravamento do comportamento da AA”, bem como a alterações na qualidade de sono e descanso da jovem, importa referir que a AA não apresenta alterações de comportamento/sono, não sendo conhecidos da Equipa Técnica da Casa de Acolhimento, quaisquer factos que suportem tais afirmações.

A AA mantém um padrão positivo, evidenciando uma postura colaborante e um relacionamento saudável com os demais residentes e com a Equipa Técnica e Educativa.

Tanto na Casa de Acolhimento como na escola a AA mantem-se uma jovem tranquila, respeitadora e com uma conduta adequada.

É pratica desta Casa de Acolhimento valorizar a escuta ativa das crianças e jovens, nomeadamente da AA, promovendo a sua participação nas decisões que lhes dizem respeito, sempre que tal se revele adequado à sua idade e grau de maturidade.

Procuramos respeitar os seus gostos, vontades e preferências, no âmbito do seu projeto de vida e da dinâmica do quotidiano, reforçando a sua autonomia, Sentido de pertença e bem-estar. Na sua intervenção, a Casa sempre acautelou o superior interesse da AA bem como a satisfação das suas necessidades”.

– No despacho de 17-06-2025 o tribunal a quo consignou: “Ref. 9807001: Autoriza-se o convívio da jovem com a mãe no próximo dia 19 de junho, no horário a articular com a CAR./ Notifique e comunique. /No mais, insista pela junção de relatório de revisão, dando conhecimento do teor dos requerimentos apresentados pela progenitora que antecedem”.

– No despacho de 20-06-2025 o tribunal a quo consignou: “Ref. 9815006: Por não se antever qualquer prejuízo para a jovem AA em permanecer com a mãe até ao próximo domingo (22.06.2025), autoriza-se que a mesma conviva com a mãe neste período, de forma a não onerar a progenitora e a filha nas deslocações sucessivas à CAR”.

– No despacho de 24-06-2025 o tribunal a quo consignou, entre o mais: “(…) justifica-se a manutenção da medida de promoção e proteção aplicada de acolhimento residencial à jovem AA, atento o disposto no artigo 35º, nº 1, al. f) e artigo 62º, nº 1 e 3, al. c) da LPCJP, por mais 6 meses, no CAR “Fundação ...”, em ...”.

–  A 27-06-2025 (refª citius 9835443) foi junto relatório de acompanhamento da execução da medida protectiva (Informação Social) elaborada pelo técnico da EMAT, do qual consta o seguinte parecer técnico:

“De acordo com as informações acima expostas, recolhidas através das fontes denunciadas, teceremos as seguintes considerações:

BB é uma mãe presente e afetuosa, que mantém uma relação próxima com AA, sua filha, apesar da distância que as separa, na maior parte do tempo, por via da aplicação e execução da medida de Promoção e Proteção de acolhimento residencial vigente.

Esta mãe vem, desde sempre, investindo na relação com a filha, deslocando-se semanalmente da ... a ..., para ir buscar e levar a filha, para que a criança passe fins de semana em casa, que, de resto têm corrido sem constrangimentos registados.

Entretanto, até há pouco tempo, BB não tinha condições materiais nem capacidade para, a tempo inteiro, ter consigo e cuidar de forma adequada e curial de AA, sua filha.

Atualmente, a situação alterou-se, estando BB empregada desde 6 de junho do presente ano.

No entanto, esta mãe tem registados períodos longos, em que é beneficiária de RSI, desde 2008, estando o último ainda vigente desde 2023, sendo estes períodos cessados apenas por pequenos períodos de atividade laboral, ou formação remunerada.

Associado a este histórico, o vinculo de trabalho atual, com a empresa A..., LDA não nos dá grandes garantias de estabilidade, sendo esse um fator para que consideremos que uma alteração de medida nestas altura possa ainda revelar-se como precipitada e incipiente.

Acresce que, estando BB a trabalhar e vivendo esta sozinha, se questiona com quem ficaria a AA nessas ausências, pois se é verdade que a jovem tem já 16 anos, o que em condições normais lhe daria alguma autonomia, também fomos informados pela CAR que o QI ali medido, por uma Psicóloga, à menina é de 60, o qual corresponde a uma deficiência intelectual moderada, o que a confirmar-se a caracteriza com algumas limitações no que respeita à autonomia.

Assim, não considerando que a jovem corre perigo, ou riscos graves indo definitivamente para junto da mãe, somos, ainda assim, da opinião de que tal alteração de medida não corresponde ao superior interesse de uma jovem com as suas limitações e necessidades especiais desta menina, as quais têm sido zelosamente acauteladas pela CAR de uma forma que, temos dificuldade em acreditar, possa com igual adequabilidade ser feita em meio natural.

De resto, caso seja esse o entendimento desse Tribunal, não nos repugna que a medida seja alterada para meio natural, ainda que não o aconselhemos sem que a jovem seja clinicamente avaliada quanto à sua autonomia e capacidade cognitiva e que sua mãe se submeta a uma avaliação psicológica completa, com perícia de personalidade e avaliação de competências parentais.

Entretanto, uma vez que a medida de Acolhimento Residencial foi prorrogada, consideramos pertinente a emissão de mandados de condução passados às forças policiais competentes - GNR, por forma a que possam desta vez, com toda a legitimidade, executar a missão que antes lhes foi barrada”.

            – Através de requerimento de 30-06-2025refª citius 9838504 –, a progenitora da menor AA, BB, veio expor que “notificada do despacho, com Referência: 97612123, datado de 24-06-2025, não se conformando, salvo o devido respeito, com o despacho proferido pela Mma. Juíz, onde não ordenou a realização de perícia médico-psiquiátrica à menor, nem a audição à menor e progenitora, vem, nos termos do artigo 85.º, da Lei nº 147/99, pronunciar-se, tempestivamente, sobre a aplicação de revisão ou cessação de medidas de promoção e proteção por se encontrar diretamente prejudicada pela manutenção da medida de acolhimento” (…), requerendo a final que o tribunal a quo:

“1. Ordene a realização das diligências imprescindíveis para a correta avaliação da situação da menor e da progenitora, nomeadamente:

a) Audição da criança em ambiente adequado, garantindo o seu direito à participação;

b) Ordene pela realização de exames periciais psicológicos à menor AA para aferição da evolução da situação emocional e parental, junto de psicólogo ou psiquiatra forense diferente;

2. Após a realização das diligências e contraditório, seja proferida decisão devidamente fundamentada, determinando, caso assim se venha a apurar, de forma positiva, a cessação da medida de acolhimento, promovendo o regresso da menor ao seio familiar sempre que se verifique ser esta a solução mais favorável ao seu interesse;

3. Que sejam asseguradas medidas de apoio e acompanhamento à progenitora, garantindo a proteção contínua da menor no novo regime que vier a ser adotado, situação que até à presente data Nunca Existiu;

4. Subsidiariamente, seja ordenada qualquer diligência que este Douto Tribunal entenda necessária para o esclarecimento da matéria e para a proteção do superior interesse da criança;

5. Se insista e faça cumprir pela junção imediata do relatório, tantas vezes, solicitado e pedido com insistência

6. Pois, só após tomadas todas estas medidas será consentâneo reverter a prorrogação da medida de acolhimento, demonstrando que a progenitora já dispõe de um ambiente seguro, estável e propício ao desenvolvimento emocional e psicológico da Menor AA, conforme preceitos legais e princípio basilar do superior interesse da criança.

7. Solicita-se que estas provas sejam devidamente consideradas para nova revisão da medida ora ponderada ou a ser tomada;

8. Faça cessar a medida de promoção e protecção que visa prorrogar a institucionalização da menor por mais um periodo de seis meses” (sic).

            –  No despacho de 03-07-2025, o tribunal a quo exarou:

            “Ref. 9835443: Foi junto relatório atualizado sobre as condições de vida da progenitora e filha e, do mesmo, não resulta infirmado o que se decidiu no despacho de revisão proferido em 24.06.2025, com prorrogação da medida de acolhimento residencial, o qual se mantém.

A CAR manifestou-se no mesmo sentido – ref. 9838987.

Nesta data a jovem continua a residir junto da mãe, à revelia do decidido nos autos.

A petição de Habeas Corpus já foi decidida, com declaração de extinção da instância da providência por desistência.

Assim, emitam-se os competentes mandados de condução da jovem à CAR, a cumprir pelo SATT com auxílio da entidade policial./Notifique.

(…) Face ao teor do relatório junto com a ref. 9835443, solicite ao Exmo. Técnico gestor para, no prazo de 10 dias, juntar aos autos quesitos tendo em vista a avaliação psicológica da jovem e da progenitora, com perícia de personalidade e avaliação das competências parentais./Notifique a progenitora para o mesmo efeito.

 (…) Ref. 9838504: Nada mais a determinar face ao já decidido, sendo que, oportunamente, se procederá à audição da jovem.”

            –  Por ofício de 09-07-2025, a Fundação ... informou – refª citius 9864476:

“Como já anteriormente transmitimos, a mãe da AA, D. BB, veio buscar a filha AA no dia 18 de junho ao final do dia, devendo esta regressar ao final da tarde de dia 19 de junho. Tal não aconteceu. Foram realizadas as diligências necessárias e, na sequência da emissão de mandatos de condução, a AA regressou hoje dia 09 de julho, acompanhada pela EMAT e por agentes de autoridade (ver anexo).

A jovem regressou colaborante referindo que “tinha saudades” embora simultaneamente triste por deixar a mãe.

Questionada sobre onde e com quem ficou estes dias, refere que ficava em casa sozinha ou com a alegado companheiro da mãe, que, segundo a jovem, é simultaneamente o dono da casa que esta habita. Diz que a mãe está a trabalhar, que sai muito cedo, por voltas das 6h, e regressa pelas 17h 00.

Refere que a mãe lhe deixava comida pronta e que ela aquecia, às vezes com o auxílio do referido senhor. A jovem refere que o senhor o trato bem e que “até nos comprou uma airfryer”.

Questionada sobre a medicação que estava a tomar (antibiótico), refere que deixou de tomar pois não tinha levado medicação suficiente.

Tendo em conta toda a situação, vimos assim pedir parecer com a maior brevidade possível, acerca da manutenção dos contatos e visitas da AA com a mãe. Neste momento a AA estava a ir a casa da D. BB, com pernoita, três fins de semana por mês, sendo que poderia ter visita com saída nos restantes.

Aguardamos a parecer mais adequado.”

            –  A 10-07-2025 foi elaborada nova Informação Social da qual consta o seguinte parecer técnico: “Tendo em conta as atitudes de BB, as quais consideramos não terem sido as melhores para que o bem-estar emocional desta criança fosse salvaguardado nem, bem assim o seu superior interesse e tendo em conta a forma como decorreram as últimas idas de AA e todos os acontecimentos daí decorrentes, que culminaram no Cumprimento dos Mandados de Condução, de que agora se dá conta, consideramos, por nos parecer o mais adequado e protetor, que sejam suspensas as visitas de AA a casa, passando as visitas da mãe na CAR a ser supervisionadas”.

            – A 11-07-25 o Ministério Público emitiu o seguinte parecer: “Comungando do parecer do Exmo. TGP, somos de parecer que o convívio da jovem com sua mãe ocorra doravante apenas em contexto protegido, ou seja, na CAR”.

            –  No despacho de 11-07-25 o tribunal a quo exarou: “Ref. 9866104: Considerando o teor do relatório junto, bem como a oposição manifestada pela progenitora no regresso à CAR da filha, sendo que esta ficaria entregue a si própria ou ao companheiro da mãe, enquanto esta trabalhava no horário das 6h às 17h, e durante a estadia não autorizada junto da mãe a AA deixou de tomar medicação prescrita (antibiótico), no superior interesse da AA suspendem-se os convívios da progenitora fora do contexto residencial. Notifique e comunique.”

            –  A 12-07-25 foi remetido do endereço electrónico ..........@..... o seguinte email para o tribunal:

            “Senhora Juíza /Eu não sei se a senhora alguma vez vai ler mesmo este e-mail mas eu precisava de escrever porque já não aguento mais viver assim. Eu tenho 16 anos e desde os 7 que estou aqui nesta Casa de Acolhimento em .... E nunca mas NUNCA a senhora me ouviu. Eu sempre tive mãe uma mãe que me ama que tem casa que me dá tudo o que eu preciso. Porque é que a senhora decidiu que eu tenho de viver aqui como se fosse uma criminosa ou é a minha mãe a criminosa e faltam comigo às consultas são precisas para mim e metem me de castigo.

A senhora manda ouvir outras pessoas da segurança social que eu sei, que são amigos da Doutora LL. Mas a mim nunca me ouviu. Porque tem medo das verdades? Porque é que acredita sempre no que dizem contra a minha mãe e nunca no que eu sinto? A última vez esse técnico disse que a minha mãe tem dupla personalidade porque já não sabe mais o que inventar contra a minha mãe e ainda disse que eu estou pior porque quero voltar para casa dela. Isso é mentira. A minha mãe sofre é por estar sem mim. Eu é que sei eu sofro todos os dias por estar longe dela.

Sabe o que é viver aqui? Todos os dias sou chamada de gorda falam-me mal tiram-me o telemóvel dizem que nem ao fim de semana posso mais ver a minha mãe. A senhora sabe o que isso me faz? Eu choro todos os dias desde que acordo até que me deito. Isto é uma prisão. Isto não é uma casa. Já houve meninas aqui que tentaram acabar com a vida. Isto é justo? Percebe que não queremos isto?

Na casa da minha mãe eu tenho o meu quarto. Tenho amor. Não choro e sou feliz. Aqui não há amor. Há medo, há tristeza e há solidão. O que é que eu fiz para merecer isto? Que crime é que cometi ou cometi? ou a minha mae sendo ela vítima de violência doméstica o me pai esta a solta e numa prisão e sem o afeto da minha e a minha mae sem mim Eu só quero viver com a minha mãe porque é que me prendeu aqui desde os 7 anos?

Eu vou contar como foi agora da última vez que me vieram tirar de casa da minha mãe. Então foi assim quem bateu á porta foi dua da polícia e dua segurança social da segurança social e ouvi barulho de carros e pensei secalhar é o meu vizinho do lado depois bateram à porta e eu fui abrir a da policia mostrou me logo o crachá e as outras disseram desculpa mas vais ter de nos acompanhar e depois mandar-me ir vestir e depois perguntaram pela minha mãe e eu disse que ela estava no trabalho e depois fomos ao trabalho da minha mãe explicar o que se tinha passado e prontos depois levaram me para aqui. Depois fomos ao trabalho dela e nem me deixaram ver a minha mãe nem abraçar. Levara-me como se eu tivesse feito mal a alguém fui para o castigo novamente para a prisão. Como se fosse perigosa até Isto foi uma vergonha e a minha mãe nem estava em casa para impedir a polícia nem as outras. A minha mãe não é criminosa. A minha mãe quere me porque me ama. Porque é que a senhora está a fazer tudo para nos separar ainda mais? Só porque eu disse que queria ficar com ela? A justiça não devia proteger as crianças? A senhora devia estar do meu lado e não contra mim. O que é que eu fiz Oiçva-me por favor. Mas está a castigar-me por eu querer a minha mãe. não é justo.

Por favor tire-me já daqui. Não é amanhã não é para a semana eu quero agora. Hoje. Não quero mais voltar para lá. NUNCA MAIS entende? Eu não aguento nem mais um dia na prisão quero a minha mãe. Se a senhora tem mãe e gosta dela então perceba o que estou a sofrer. Gosta que eu esteja todos os dias a chorar? Pois está a conseguir.

A minha advogada diz que vai conseguir tirar-me daqui mas eu já esperei demasiado. a minha mãe também já sofreu demasiado a minha irmã também passou por isto. E a senhora continua a decidir como se a nossa dor não importasse nada para si e fôssemos más pessoas.

Por favor entenda que quero sooooo a minha mãe. Tire me desta casa eu sou só uma menina que não faz mal a ninguém. E a minha mãe quer que eu volte para casa. Deixe nós em paz por favor. Eu não mereço isto. Obrigada e mande a polícia ir buscar as minhas coisas aquela prisão e diga que eu agora já não vou mais para lá para elas não me virem buscar mais e tirar me da minha mãe.

Com os melhores cumprimentos AA.”

            – A 15-07-25, na sequência de promoção do Ministério Público, o tribunal determinou que se procedesse à audição da jovem no dia 04-08-25.


*

            A 16-07-25, a requerida BB recorreu dos despachos de 03-07-2025, com a refª citius 97712059, e de 11-07-2025, com a ref.ª citius 97780386, “nos quais foi mantida e prorrogada a continuação da medida de acolhimento residencial da menor AA, sem ter ordenado a realização das diligências indispensáveis para a correta avaliação da situação familiar e do superior interesse da criança”, aduzindo as seguintes conclusões:

            1. A menor, agora com 16 anos, denunciou, por duas vezes, estar a ser maltratada psicologicamente na instituição e expressou, de forma clara e inequívoca, o desejo de regressar ao seio materno, onde afirma sentir-se amada, protegida e feliz.

2. A intervenção do Tribunal «a quo» tem sido orientada por um padrão de atuação tendencioso e hostil por parte da Dra. LL da CAR e pelo técnico do SATT e Segurança Social, com foco em perpetuar a institucionalização da menor, ao invés de promover a sua reintegração familiar, conforme impõem a Lei e os tratados internacionais.

3. A menor AA foi retirada, coercivamente, da casa da progenitora, sem risco iminente, sem a presença da progenitora, e contra a sua vontade expressa, sendo levada sozinha, em lágrimas, e sem sequer lhe ser permitido abraçar a mãe uma última vez no local de trabalho daquela.

4. A Casa de Acolhimento Fundação ..., de ..., não é, de todo, um ambiente saudável nem protetor para AA, sendo descrita por esta como uma “prisão” onde sofre repressão psicológica, humilhações diárias e privação de afeto.

5. O Tribunal continua a decidir com base em factos antigos, remontando a 2017, ignorando as evidências atuais, nomeadamente os bons cuidados prestados pela progenitora e a ausência de risco atual para a menor.

6. A medida de acolhimento residencial é mantida com base em relatórios truncados, omissos e tendenciosos, que omitem deliberadamente informação relevante, como as boas condições da casa da mãe e o vínculo afetivo entre ambas.

7. A técnica Dra. LL tem tido um papel ativo e influente em decisões judiciais com base em informações desatualizadas ou manipuladas, havendo indícios de abuso de autoridade.

8. O relatório técnico refere que a menor deixou de tomar um antibiótico em casa da mãe, omitindo que também se encontrava e encontra a tomar Ritalina – medicação controlada – sem conhecimento ou consentimento da progenitora.

9. A atuação do SATT e da CAR, ao não garantirem a entrega da medicação que, na altura do convívio tomava, nem o esclarecimento técnico sobre o plano terapêutico da Ritalina, revela falta de coordenação e diligência e constitui uma violação do dever de proteção e transparência para com o Tribunal e progenitora.

10. A suspensão dos convívios entre mãe e filha, decidida a 11-07-2025 (Ref. 97780386), logo após a receçao de um e-mail comovente da menor ao Tribunal, revela uma leitura punitiva da autonomia da criança que nunca foi ouvida.

11. A medida aplicada transformou-se num castigo, violando os princípios da proporcionalidade, atualidade, audição da criança e prevalência do meio familiar, previstos no artigo 4.º da LPCJP.

12. A omissão da audição da menor por mais de nove anos é uma violação grave do seu direito à participação processual, previsto nos artigos 12.º da Convenção sobre os Direitos da Criança e 84.º da LPCJP.

13. O princípio da prevalência da família, consagrado no artigo 4.º, alínea e), da LPCJP, tem sido sistematicamente ignorado, apesar da mãe reunir todas as condições habitacionais, económicas e afetivas para acolher a menor AA.

14. A permanência da menor na instituição, sem justificação técnica atualizada, solicitada e REAL, representa uma violação do artigo 62.º, n.º 1 da LPCJP, que impõe a revisão da medida de seis em seis meses, com base na situação atual da criança.

15. A ausência de perícia psicológica à menor e à progenitora priva o Tribunal de elementos essenciais para decidir com base técnica adequada, violando o artigo 62.º da LPCJP e o artigo 986.º, n.º 2 do CPC.

16. A medida de acolhimento deixou de cumprir qualquer fim protetivo e passou a assumir a feição de contenção institucional, em violação do artigo 25.º da Convenção sobre os Direitos da Criança.

17. A justiça não deve punir a criança pela sua vontade de regressar a casa, mas sim escutar, proteger e respeitar o seu desenvolvimento emocional, psicológico e social, promovendo vínculos e segurança afetiva.

18. O Estado deve evitar a separação prolongada e injustificada da criança da sua família, sob pena de atentar contra os direitos fundamentais da menor e da sua progenitora, previstos nos artigos 3.º, 9.º e 18.º da Constituição da República Portuguesa.

19. A manutenção da medida em causa, sem perigo atual, sem perigo de fuga da casa da progenitora, sem consentimento informado, e com manifesta oposição da vontade da própria menor, constitui uma violação direta dos direitos da criança consagrados na Constituição, na LPCJP e na Convenção sobre os Direitos da Criança.

20. Há insuficiência de matéria de facto para decidir a revisão da medida e como tal se previamente à decisão deveriam ser ordenadas diligências complementares, que até à presente continuam sem ter lugar.

Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser admitido e julgado procedente, com a consequente revogação da douta decisão recorrida e a sua substituição por outra que:

- Determine a cessação da medida de acolhimento residencial aplicada à menor AA, promovendo o seu imediato regresso ao seio familiar, junto da sua progenitora, como meio mais adequado ao seu desenvolvimento emocional, afetivo e social, em estrito respeito pelo princípio do superior interesse da criança, consagrado no artigo 3.º da Convenção sobre os Direitos da Criança e no artigo 4.º da LPCJP;

- Ordene a realização das diligências essenciais à avaliação da situação atual da menor e da sua progenitora, nomeadamente:

- A audição pessoal e em ambiente adequado da menor, com garantia do seu direito à participação nos termos do artigo 84.º da LPCJP;

- A realização de perícia psicológica à menor e à progenitora, com vista à avaliação da situação emocional e das competências parentais, nos termos dos artigos 62.º da LPCJP e 986.º, n.º 2 do CPC;

- Determine a aplicação de medidas de apoio e acompanhamento à família da menor, que permitam a reestruturação da vida familiar, garantindo a efetiva proteção da criança no seio familiar, conforme determina o artigo 35.º, n..º 1, al. a) e f), da LPCJP;

Em Alternativa, e caso assim não se entenda, requer-se a este Douto Tribunal que:

- Determine a realização de todas as diligências que entenda necessárias e adequadas para o apuramento rigoroso da verdade material, bem como para a proteção integral dos direitos e interesses da menor AA, designadamente através da obtenção de prova realizada por técnico independente ou mesmo diretamente perante a Mma. Juíz;

- Considere as provas agora juntas aos autos, nomeadamente as provas das consultas com o acompanhamento da progenitora, que documentam o estado da menor, e que comprovam, de forma objetiva, a existência de condições materiais, afetivas e emocionais para o regresso da menor ao lar materno.

Deste modo, repondo-se a inteira Justiça que se impõe e que é da responsabilidade deste Venerando Tribunal - garantir nos termos da Constituição, da Convenção sobre os Direitos da Criança, e da Lei de Proteção.


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            Contra-alegou o Ministério Público, concluindo que: “Neste momento e no circunstancialismo referido, a medida de acolhimento é aquela que melhor salvaguarda o superior interesse da AA, que mais respeita a sua história de vida, a sua segurança, bem-estar, estabilidade emocional e desenvolvimento integral. /E, na mira do superior interesse da AA, estão em marcha outras diligências – avaliação psicológica da jovem e mãe e audição da jovem – que dotarão os autos de elementos que virão certamente a contribuir para melhor delinear o projeto de vida da AA. /As decisões objeto de recurso não podem nem devem ser revogadas pois cumprem a lei vigente, e não violam, no entender do Ministério Público, qualquer normativo da LPCJP, a Constituição da República Portuguesa ou a Convenção Sobre os Direitos da Criança”.  

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Tendo a progenitora, ora recorrente, circunscrito o seu recurso aos despachos exarados em 3 e em 11 de Julho p.p., são questões a decidir:

I. A manutenção, com prorrogação, da execução da medida protectiva em regime de colocação, sendo insuficiente a matéria de facto;

II. A execução dos mandados de condução da jovem à residência;

III. A suspensão dos convívios entre a Recorrente e a jovem;

IV. A não audição da jovem;

V. A não realização de perícia psicológica à jovem e à Recorrente;

VI. A violação dos princípios da proporcionalidade, actualidade e da prevalência do meio familiar.


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Para além da dinâmica processual já elencada, para melhor contextualização da dinâmica familiar retira-se, ainda, da consulta à plataforma informática que:

– AA, nascida a ../../2009, está registada como filha de MM e de BB.

–  Os presentes autos foram instaurados em 22-09-2017 por haver indícios de negligência dos pais no acompanhamento/supervisão da filha, tendo a CPCJ apurado que o progenitor não reunia competências para cuidar de uma criança e a progenitora se encontrava internada no CHUC, e mais tarde a ocorrência de violência doméstica entre os progenitores.

–  Em 20-08-2017, a Fundação ... deu conta à CPCJ de que no dia 19 de agosto, a progenitora foi buscar a AA (e a irmã NN) para as levar à cerimónia religiosa e não as voltou a entregar, como acordado, levando-as para a ... e ..., acabando por ser localizada pela PSP, no domingo à noite.

–  Através dos Técnicos da Fundação ... apurou, ainda, a CPCJ que a progenitora em 27-08-2017 ficou a dormir no banco do jardim durante o dia e praticamente não comeu; tem permanecido no local de trabalho, mesmo fora do seu horário laboral, ficando sentada na sala de convívio a ver televisão; procura todas as estratégias para ver as filhas, perturbando a sua estabilidade; se encontra num estado de grande sofrimento e vai infligindo sofrimento às filhas com o seu comportamento (a irmã de AA chora imenso, revelando preocupação com o comportamento da mãe).

–  Na sequência do acima referido, por despacho de 27-11-2017, foi aplicada a medida de acolhimento residencial à jovem AA – ref. 76104996 – mediante acordo de promoção e proteção, tendo sido a medida revista ao longo deste tempo.

–  AA foi acolhida na Fundação ..., Residência ..., em ....

–  A medida de promoção e proteção foi sempre revista e prorrogada até á presente data.

–  Por despacho proferido em 20-06-2025 foi autorizado o convívio da jovem com a mãe no período compreendido entre os dias 19-06-2025 a 22-06-2025.

– A jovem não regressou à CAR no dia 22-06-2025.

–  A CAR contactou a GNR ... que, em articulação com a entidade policial da área da residência da progenitora, se deslocou a casa desta, tendo constatado que a AA ali se encontrava com a mãe, e que houve recusa de regresso à instituição.


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Já após a prolação das decisões recorridas, em 04-08-2025 a AA foi ouvida em Tribunal, referindo quanto ao email datado de 12-07-2025, entre o mais, que:

Não foi ela que escreveu o email. Foi a advogada da mãe.

Questionada sobre o seu dia a dia na CAR disse que têm tarefas para fazer, partilha o quarto com uma pessoa, com a OO, dá-se bem com a mesma às vezes, é mais velha que ela, e quase tem de fazer o papel de irmã mais velha. Com as outras meninas dá-se bem. Com as auxiliares dá-se bem, nunca aconteceu nenhuma situação que a tivesse entristecido, não tem nenhuma razão de queixa.

Quando vai a casa da mãe, corre bem, vive com a mãe e às vezes está lá um senhor, mas agora está fora, porque ele é o dono da casa, mas está fora a trabalhar, não tem nenhum relacionamento com a sua mãe, tem a certeza, não sabe porque a mãe está a viver naquela casa que é dele, não falou isso com a sua mãe.

- Recentemente, durante o tempo mais prolongado que esteve a viver com a mãe, ele não estava a viver lá em casa, ele estava fora, costuma ir para a América, acha que ele trabalha com máquinas, costuma estar muito tempo fora.

- Quando ele está fora, lá em casa vive só a sua mãe e ela quando lá vai.

- Quer regressar aos fins de semana com a sua mãe.

Neste momento, a jovem leu o e-mail em voz alta e explicou o que era verdade e/ou mentira do conteúdo do mesmo.

- Não é verdade, pois sente-se bem na CAR.

- Quando a polícia a foi buscar à casa da sua mãe estava sozinha, não telefonou à mãe, foram ao trabalho dela. A polícia e as senhoras da Segurança Social disseram que tinha que acompanhá-las e acha que foi só isso, ficou aborrecida com isso, porque gostava de viver com a sua mãe.

- Na CAR não lhe chamam nenhum nome, não lhe falam mal, tiram-lhe o telemóvel às vezes, se pudesse estava sempre ao telemóvel.

- Na CAR às vezes chora com saudades da mãe, mas é raro.

- Quando a policia foi a casa buscá-la, para a levar para a CAR, estava sozinha, foi bem tratada”


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            Apreciação das questões recursivas.

Recapitulando são questões a decidir:

I. A manutenção, com prorrogação, da execução da medida protectiva em regime de colocação, sendo insuficiente a matéria de facto;

II. A execução dos mandados de condução da jovem à residência;

III. A suspensão dos convívios entre a Recorrente e a jovem;

IV. A não audição da jovem;

V. A não realização de perícia psicológica à jovem e à Recorrente;

VI. A violação dos princípios da proporcionalidade, actualidade e da prevalência do meio familiar.

Vejamos.

I. A LPCJP, aprovada pela Lei n.º 147/99, de 01-09, visa promover e proteger os direitos das crianças e jovens em Portugal que se encontrem em situação de perigo, garantindo o seu bem-estar e desenvolvimento integral.

A referida lei define as situações que constituem perigo, como maus-tratos, negligência ou comportamentos que afectam gravemente a saúde e o desenvolvimento das crianças e jovens, estabelecendo um quadro de intervenção que envolve as famílias, as Comissões de Protecção de Crianças e Jovens e os Tribunais, sempre com vista a garantir e salvaguardar o superior interesse da criança.

Uma das dimensões fulcrais do processo equitativo – arts. 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, 47.º, § 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, 20.º, n.º 4, e 205.º, ambos da Constituição da República Portuguesa, 154.º e 607.º, ambos do Código de Processo Civil, ex vi 33.º, n.º 1, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível e 126.º da LPCJP – assenta no dever de fundamentação, de facto e de direito, de uma decisão judicial que verse sob questão litigiosa e que não seja de mero expediente.

A nulidade por falta de fundamentação, a que respeita o artigo 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil, abrange tanto a fundamentação de facto, como a fundamentação de direito, não se integrando nesta alínea os casos em que existe fundamentação, mas a mesma enferma de erro ou é insuficiente, caso em que, se for admissível, pode originar um recurso. 

Decorre do artigo 100.º da LPCJP que a acção protectiva integra-se na categoria de processo de jurisdição voluntária, e, enquanto tal, implica a ponderação dos artigos 986.º a 988.º do Código de Processo Civil, os quais contêm as suas traves mestras, enunciando que o Tribunal tem ampla liberdade investigatória e probatória, devendo nortear-se, não por critérios de legalidade estrita, mas antes construir, em face da concreta dinâmica familiar que lhe é presente, a solução que entenda ser, nesse momento, a mais conveniente e oportuna.

Afirma-se, pois, a discricionariedade vinculada ao fim, ou seja, o Tribunal, colocando sempre o foco na criança ou jovem e tendo procedido a uma avaliação exigente, densificada e sindicável do seu superior interesse e do seu projecto de vida, tem o poder-dever de encontrar soluções exequíveis, razoáveis e promotoras de pacificação intrafamiliar.

Volvendo à situação em análise, foi proferida uma decisão de revisão – de 24 de Junho, reiterada em 3 de Julho p.p. –, sustentada no art. 62.º, e cuja recorribilidade está expressamente prevista no art. 123.º, n.º 1, da LPCJP. 

Da sua leitura constata-se que está indicada a actual situação vivencial da jovem AA, que foi ponderado o teor da informação social (consabido que à equipa social está deferido o encargo de supervisionar a execução da medida de promoção, ao abrigo do art. 59.º, n.º 3, da LPCJP, e o enquadramento jurídico pertinente.

Finda a decisão ordenando o exercício do princípio do contraditório; actuado este –arts. 4.º, al. j), 84.º e 85.º, todos da LPCJP – ocorreu a prolação do despacho de 3 de Julho, que é um complemento da anterior decisão de revisão da medida protectiva 

A acção protectiva tem, ope legis, natureza urgente – art. 100.º da LPCJP –, e a circunstância de haver diligências pendentes não é obstativa da apreciação da situação dos seus beneficiários; o que poderá é implicar um qualquer ajustamento posterior em função de novos elementos que vierem a ser adquiridos nos autos, o que é perfeitamente acomodado na jurisdição voluntária.    

Olhando conjugadamente para ambos os despachos, não se detecta ausência ou insuficiência de fundamentação; existe uma discordância da Recorrente com o concretamente decidido, categoria não confundível com a omissão ou deficiência de fundamentação.

Em conclusão, não assiste razão à recorrente ao invocar os vícios de fundamentação.

Os progenitores são investidos na titularidade das responsabilidades parentais de modo igualitário e automático, e estas caracterizam-se pela sua irrenunciabilidade, inalienabilidade e controlabilidade judicial – artigos 1877.º e 1882.º, ambos do Código Civil.

II. A responsabilidade parental quando não é exercida em benefício do filho convoca a intervenção e a interferência do Estado, apenas e tão-só legitimada para assegurar a satisfação das necessidades e a promoção dos direitos daquele – artigos 36.º, n.ºs 3, 5 e 6, da Constituição da República Portuguesa, e 4.º, als. d) e f), da LPCJP.    

Vem isto a propósito da alegação materna sobre o modo de execução dos mandados de condução da beneficiária desta instância protectiva à residência onde tem estado acolhida.

Sem razão, adianta-se.

Com efeito, nos termos do acordo de promoção e protecção vigente, a jovem encontra-se residencializada e a recorrente aí devia ter entregue a filha em 19 de Junho de 2025, no termo dos seus convívio, mas não o tendo feito atempadamente, motivou a emissão de mandados, à luz dos artigos 27.º, n.º 3, al. e), da Constituição da República Portuguesa, e 92.º, n.º 2, da LPCJP.

Acrescente-se, por outro lado, que a sua emissão só foi ordenada após decisão na providência de Habeas Corpus, que foi declarada extinta em 27 de Junho por desistência (Tal como verte do despacho de 3 de Julho, p.p.: “A petição de Habeas Corpus já foi decidida, com declaração de extinção da instância da providência por desistência. Assim, emitam-se os competentes mandados de condução da jovem à CAR, a cumprir pelo SATT com auxílio da entidade policial”).

Das declarações da jovem constata-se que ninguém a maltrata (tanto assim é que não teve qualquer problema em falar na presença de um elemento da residência) e nenhum reparo há a fazer à forma como se desenrolou a retirada e subsequente ida para a residência.

III. Idênticas considerações são válidas para o aspecto da suspensão dos convívios, determinada no despacho de 11 de Julho de 2025.

Na verdade, o despacho sustenta-se, entre o mais, exactamente no facto da recorrente ter desrespeitado os seus deveres materno-filiais e decorrentes da subscrição do acordo protectivo, de providenciar pelo regresso da filha à residência, findo o período convivial.     

O que se apurou foi que não a levou, nem aventou qualquer explicação para essa sua omissão.

Ademais, desconhecia-se (desconhece-se) quem seja o outro adulto que frequenta a casa da mãe, havendo notícia de ser o seu senhorio/companheiro, e com aquela ausente durante o dia por razões laborais, esta jovem de 16 anos e com competências intelectuais ainda não totalmente esclarecidas, não podia ficar sem adequada vigilância.    

Importa realçar que os contactos que foram temporariamente suspensos foram apenas aqueles que implicassem a saída para o exterior, podendo a recorrente visitar a filha no interior da residência, caso nisso tivesse interesse. 

O que é dizer que a proposta efectuada pela equipa social não foi acolhida acriticamente por parte do Tribunal a quo.

IV. a VI. O princípio do superior interesse da criança é o vector norteador da Jurisdição da Família e das Crianças, tendo amparo legal, desde logo, no artigo 3.º, n.º 1, da Convenção sobre os Direitos da Criança – e também nos artigos 24.º, n.º 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, 1.º, n.º 2, da Convenção Europeia sobre o Exercício dos Direitos das Crianças, e 4.º, al. a), da LPCJP.

Nos procedimentos que respeitam a uma criança ou jovem, qualquer que seja a sua natureza, o princípio do superior interesse reveste-se de importância capital e para a sua concretização surge o direito de participação que se reconhece de pleno direito à criança ou jovem, sendo certo que este direito de participação se desdobra no direito a ser ouvido e a expressar o seu ponto de vista, naquilo que directamente lhe diga respeito – Princípio de Direito Europeu da Família relativo às Responsabilidades Parentais (CEFL) 3:6; Princípio 3.º da Recomendação R (84) 4, do Comité de Ministros do Conselho da Europa sobre responsabilidades parentais, de 28-02-1984, artigos 24.º, n.º 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, 4.º, n.ºs 1, al. c), e 2, e 5.º, ambos do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, e 4.º, al. j), e 84.º, ambos da LPCJP.

A leitura feita pelas instâncias judiciais europeias tem sido a de que a Convenção não demanda, objectivamente, a audição da criança em Tribunal, como um direito absolutamente obrigatório, antes deve ser avaliada sob o prisma das circunstâncias casuísticas de cada situação trazida a juízo, idade e discernimento daquela – cf. Acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, Sahin v. Alemanha, n.º 30943/96 [GC], de 08-07-2003, e do Tribunal de Justiça da União Europeia, C-491/10 PPU, Aguirre Zarraga v. Simone Pelz, de 22-12-2010.

A recorrente fundamenta a violação dos princípios ínsitos a esta jurisdição também na preterição do direito de audição da filha e no facto de não ter sido realizada perícia psicológica, tanto a si, como à filha.   

Só uma leitura apressada pode motivar esta conclusão.

Os actos processuais têm que ser lidos conjugadamente e em sequência, resultando do despacho em crise – o de 3 de Julho de 2025 –, que foi dado prazo ao técnico gestor do processo para a junção de quesitos para que pudesse ser feita a indicada perícia, e bem assim, foi diferida para ulterior momento temporal (e não indeferida) a audição da jovem.      

O que veio a suceder, conforme consta da Acta de 4 de Agosto de 2025, contendo as suas declarações.

Mais, o próprio despacho manda notificar a recorrente para, querendo, oferecer quesitos para as perícias e para o exame para aferição das competências parentais.

Da análise cuidada desta acção protectiva verifica-se que a diligência pericial já foi ordenada e está em curso.

É compreensível e tem tutela legal o desejo dos progenitores terem consigo os respectivos filhos, mais a mais quando estes não integram habitualmente o seu agregado familiar.

Igualmente é de frisar o afecto que recorrente e filha sentem reciprocamente.

Todavia, no caso em apreço, a recorrente está inserida no mercado de trabalho apenas desde o transacto mês de Junho, com um histórico de recebimento de prestações sociais, os contornos da pessoa do sexo masculino que vive e/ou frequenta a casa onde habita (que não é própria da recorrente) não estão apurados, o resultado pericial ainda não conhecido e a beneficiária tem rotinas escolares e pessoais securitárias na residência que a mesma descreve positivamente.

É certo que há já muitos anos que se encontra residencializada – desde os seus 8 anos de idade, tendo perfeito os 16 –, mas não se tendo equacionado o projecto adoptivo ou de apadrinhamento, nem agora uma alternativa de autonomização – que não se sabe se será viável em vista do seu grau de autonomia e capacidades cognitivas, daí também a importância do relatório pericial –, não se conhecendo alternativas no meio familiar alargado, e não estando ainda reunidas as condições para o reingresso no agregado familiar materno, não restou outra solução que não fosse manter, prorrogando, a execução da medida em regime de colocação. 

Dos artigos 3.º e 4.º da LPCJP promana que a legitimidade da intervenção protectiva obedece, inter alia, aos princípios da mínima intromissão, da actualidade, proporcionalidade, necessidade, suficiência da intervenção ou da prevalência da família.

Não obstante, o primeiro e mais importante factor é o do superior interesse da criança ou o jovem em benefício do qual foi intentada a acção de promoção e protecção, pretendendo-se a definição de um projecto de vida que seja célere, promotor de bem-estar integral e, de preferência, que conte com a adesão de todos os envolvidos.

Mantém-se válida a necessidade de protecção desta jovem – ainda que o grau da situação de perigo que espoletou a abertura da acção seja menos intenso –, e no confronto entre a vontade e o desejo da recorrente de ter a sua filha permanentemente consigo, com o superior interesse da filha, prevalece sempre este último.

Finalmente diga-se que as decisões recorridas não se alicerçaram em elementos ultrapassados, nem acolheram sem mais o teor dos relatórios sociais, antes foram lavradas no respeito dos direitos processuais e em processo contraditório, com a urgência imposta pela natureza do processo e na defesa dos interesses desta jovem.    

Soçobra, pois, o recurso apresentado, sendo de manter os despachos recorridos nos seus precisos termos.

Em consonância, improcede integralmente a apelação.

Sumário:  (…).



Decisão:

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso, e, em consequência, confirmar integralmente os despachos recorridos.

Custas pela recorrente, nos termos do artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.


Coimbra, 14 de Outubro de 2025

Luís Miguel Caldas

Francisco Costeira da Rocha

Hugo Meireles





[1] Juiz Desembargador relator: Luís Miguel Caldas /Juízes Desembargadores adjuntos: Dr. Francisco Costeira da Rocha e Dr. Hugo Meireles.
[2] Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo – LPCJP