CONTRATO DE ARRENDAMENTO
RENOVAÇÃO AUTOMÁTICA DO CONTRATO
NATUREZA SUPLETIVA DO PRAZO
PRIMEIRA RENOVAÇÃO
OPOSIÇÃO DO SENHORIO
Sumário

I – O prazo de renovação automática do contrato de arrendamento, consagrado no art. 1096º, nº1, do Código Civil, tem natureza supletiva, apenas operando no caso de as partes não estabelecerem, por acordo ou convenção, uma regra diversa.
II – O senhorio pode opor-se à renovação do contrato desde que comunique esse propósito ao inquilino com a antecedência prevista no art. 1097º, nºs 1 e 2, do Código Civil.
III – No caso de se tratar da primeira renovação, caso o senhorio manifeste o propósito de não manter o vínculo contratual, a oposição apenas produz efeitos decorridos três anos após a celebração do mesmo (art. 1097º, nº3, do Código Civil).
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

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Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra


I – RELATÓRIO.     

AA instaurou no Balcão do Arrendatário e do Senhorio (BAS) procedimento especial de despejo contra BB,

pedindo, com fundamento na cessação do contrato de arrendamento identificado no requerimento inicial, que se proceda à desocupação da fracção D situada no 3º andar do prédio localizado na Rua ..., ..., ....


***

A requerida deduziu oposição, sustentando que o referido contrato não cessou, atenta a circunstância de ser inválida e ineficaz a oposição à renovação comunicada pelo requerente.

A final, peticionou, caso se conclua no sentido da procedência do pedido formulado pelo requerente, o adiamento do despejo por um período de 5 meses, em virtude de necessitar de tempo para reorganizar a sua vida e encontrar um local compatível com a sua capacidade económica.


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Remetidos os autos à distribuição, foi proferido despacho, em 25/6/2025, que determinou que a requerente fosse notificada para se pronunciar sobre a matéria de excepção invocada pela requerida, mais tendo sido relegado para momento oportuno a apreciação do pedido de deferimento do despejo.

Paralelamente, foi dado conhecimento às partes que, após exercício do contraditório, os autos reuniriam todas as condições para ser proferida decisão sobre o mérito da causa, sem necessidade de realização de audiência final (julgamento).


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O requerente apresentou resposta, pronunciando-se no sentido da validade e eficácia da oposição à renovação do contrato de arrendamento.

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Em 21/7/2025, foi proferida sentença, cujo dispositivo apresenta o seguinte teor:

Por tudo o exposto, e com os fundamentos legais supra indicados, decide-se julgar procedente a presente ação e improcedente a oposição deduzida pela Requerida e em consequência:

1) declarar que o contrato de arrendamento celebrado entre o Requerente AA e a Requerida BB em 13.11.2014 cessou, por comunicação escrita de oposição à renovação do prazo do mesmo, pelo senhorio, requerente, recebida pela Requerida, arrendatária, e com efeitos no dia 30.10.2024;

2) Condenar a Requerida à restituição do locado ao Requerente, livre de pessoas e bens no prazo de 30 dias, valendo a presente decisão como autorização de entrada imediata no domicílio (artigo 15.º-I, n.º 11, do NRAU).

3) Condenar a Requerida no pagamento das custas processuais.

4) Fixa-se à ação o valor de 8.550,00€.

5) Notifique – artigo 15.º-I, n.º 13, do NRAU.

6) Registe.”.


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Não se conformando com a decisão proferida, a requerida interpôs o presente recurso, no qual formula as seguintes conclusões:

1. O presente recurso vem interposto da decisão proferida nos autos, que julgou procedente a acção de despejo intentada contra a requerida, declarando a cessação do contrato de arrendamento celebrado entre o requerente, ora recorrido, e a requerida, ora recorrente, por comunicação escrita de oposição à renovação do prazo do mesmo, pelo senhorio, com efeito no dia 30.10.2024.

2. Mais condenou a requerida à restituição do locado ao requerente, livre de pessoas e bens no prazo de 30 dias.

3. A recorrente não se conforma com a douta sentença proferida, pois considera que a comunicação de oposição à renovação efectuada pelo senhorio não poderá se considerada válida, nem eficaz, considerando a entrada em vigor da Lei n.º 13/2019

4. Inexiste divergência quanto à aplicabilidade ao caso dos autos daquela Lei e em concreto o art.º 1096, n.º 1 do Código Civil, na redacção introduzida pela Lei n.º 13/2019 de 12/02.

5. A questão decisiva para o presente recurso assenta na interpretação do art.º 1096º, n.º 1 do CC, da qual dependerá a sujeição do arrendamento dos autos ao prazo de renovação de um ou de três anos.

6. Na primeira hipótese a carta de oposição à renovação enviada à requerida em 24/01/2024 produziu validamente os seus efeitos na renovação anual seguinte e em consequência determinou a cessação do contrato em 31/10/2024.

7. Na segunda, porém, estando o arrendamento subordinado ao prazo de renovação de três anos, a carta de oposição enviada é ineficaz, por já se encontrar em curso a renovação.

8. O art.º 1096º, n.º do Código Civil, tem dado origem a interpretações diversas a respeito da questão, decisiva para o mérito do presente recurso, da definição do prazo de renovação do contrato de arrendamento.

9. A discórdia assenta na eventual natureza imperativa do prazo mínimo de três anos previsto para o efeito, por força do segmento que estabelece a renovação por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior.

10. Ou na natureza supletiva, em virtude da ressalva inicial da estipulação em contrário.

11. Como resulta da leitura da douta sentença recorrida, o Tribunal “a quo”, entende que se trata de uma norma supletiva e consequentemente considera válida e eficaz a comunicação de oposição à renovação.

12. Em nosso entender e salvo o devido respeito não existiu do Tribunal “a quo”, uma correcta interpretação e aplicação do Direito ao caso sub judice e em concreto, do citado art.º 1096º, n.º 1 do Código Civil.

13. Em nosso entender e sem prejuízo da validade que se reconhece aos argumentos que têm sido apontados num e noutro sentido, propendemos a aderir à interpretação segundo a qual o prazo de renovação do arrendamento urbano, de três anos, previsto no art.º 1096º, n.º 1 do Código Civil, na redacção dada pela Lei 13/2019 de 12/02, tem natureza imperativa, no sentido de vedar ao senhorio a faculdade de, válida e livremente, fazer cessar o contrato antes do final desse prazo.

14. A interpretação no sentido da imperatividade do período de renovação não inferior a três anos é, de resto, a orientação que se vem consolidando no Supremo Tribunal de Justiça.

15. Com efeito, e conforme resulta dos Acórdão referidos em sede de alegação, sempre que foi chamado a pronunciar-se sobre esta questão, o Supremo Tribunal de Justiça tem decidido que, na sequência da alteração introduzida ao nº 1 do art.º 1096.º do Código Civil pela Lei nº13/2019, de 12/02, “os contratos de arrendamento habitacionais, com prazo certo, quando renováveis, estão sujeitos à renovação pelo prazo mínimo de três anos”.

16. É certo que a letra da Lei – salvo estipulação em contrário – desacompanhada dos demais elementos que regem a interpretação legal – art.º 9º do CC – pode numa primeira abordagem, apontar um sentido diverso.

17. Mas, mesmo num plano estritamente literal, a natureza supletiva da norma é imediatamente colocada em causa, pela referência expressa do art.º 1096º, n.º 1 do CC à duração da renovação - de três anos, se esta for inferior – o que anula convenção diversa (inferior àquele prazo) dos contratantes.

18. Acresce que como determina o citado art.º 9º do CC a interpretação legal não deve cingir-se à letra da Lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições especificas do tempo em que é aplicada.

19. Acresce assim ao elemento literal, o que a doutrina chama de elemento lógico, subdividido em três elementos: elemento histórico, sistemático e teleológico.

20. Apelando à norma essencial sobre a interpretação legal consagrada no art.º 9º do CC, e analisando aqueles elementos, entende-se que, a renovação do arrendamento urbano, de três anos, previsto no art.º 1096º do CC, na redacção que emergiu da Lei n.º 13/2019 de 12/02, assume natureza imperativa, no sentido de vedar ao senhorio a faculdade de, válida e livremente, fazer cessar o contrato antes do final de tal prazo.

21. Revertendo ao caso concreto, adveio provado que no dia 13.11.2014, o Requerente e a requerida celebraram um contrato de arrendamento para habitação pelo prazo de três anos, com inicio em 13.11.2014 e termo em 31.10.2017, podendo ser renovado por períodos de um ano, caso não fosse cessado por qualquer uma das partes.

22. Que no dia 24 de janeiro de 2024, por escrito, mediante carta registada com aviso de receção, o Requerente comunicou à Requerida a cessação do contrato com efeito a 31.10.2024, opondo-se à renovação do prazo do mesmo.

23. A sentença recorrida considerou válida a comunicação da cessação do contrato.

24. Em nosso entender e salvo o devido respeito, ao assim decidir, fez do art.º 1096º, n.º 1 do Código Civil uma incorrecta interpretação e aplicação.

25. Considerando, como se defendeu e defende, a natureza imperativa daquela norma, na data em que o requerente, ora recorrido, comunicou a oposição à renovação, fixando-lhe o efeito a 31.10.2024, encontrava-se e encontra-se, a decorrer o prazo de renovação, mantendo-se o contrato em vigor.

26. Pelo que a comunicação efectuada pelo senhorio, ora recorrido, é inválida e ineficaz, mantendo-se o contrato em vigor.

27. Devendo consequentemente, improceder a acção.”.


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Não foram apresentadas contra-alegações.

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Questão objecto do recurso: validade/eficácia da oposição à renovação do contrato de arrendamento a que os autos se reportam.

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II – FUNDAMENTOS.

2.1. Factos provados.

A 1ª instância considerou assentes os seguintes factos [1]:

1. No dia 13.11.2014, o Requerente AA acordou, por escrito, com a Requerida BB, que aquele cederia a esta a fração autónoma designada pela letra D, 3.º andar, pertencente ao prédio urbano sito na Rua ..., ..., em ..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia e concelho ..., sob o n.º ...54, para a sua habitação.

2. Pelo documento referido em 1, o Requerente AA e a Requerida BB acordaram também que a cedência da fração autónoma descrita em 1 decorreria pelo prazo de 3 anos, com início em 13.11.2014 e termo em 31.10.2017, podendo ser renovado por períodos de um ano, caso não fosse cessado por qualquer uma das partes.

3. Mais acordaram, o Requerente AA e a Requerida BB, que esta ficaria obrigada a pagar àquele a quantia de 285,00€, mensalmente, a título de renda, a qual seria atualizada de acordo com a lei, entre o dia 1 e o dia 8 de cada mês.

4. No dia 24 de janeiro de 2024, por escrito, mediante carta registada com aviso de receção, o Requerente AA comunicou à Requerida BB a cessação do acordo descrito em 1 a 3, no dia 31.10.2024, opondo-se à renovação do prazo do mesmo, e devendo a Requerida entregar o imóvel descrito em 1 ao Requerente, livre de pessoais e bens naquela data.

5. A carta referida em 4 foi recebida pela Requerida no dia 26.01.2024.      


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2.2. Enquadramento jurídico.

Problemática largamente debatida a nível jurisprudencial, a matéria referente aos moldes em que opera a renovação automática do contrato de arrendamento, prevista no art. 1096º, nº1, do Código Civil, não tem colhido, da parte dos nossos Tribunais Superiores, um entendimento uniforme, existindo duas correntes interpretativas que encaram, de modo substancialmente diverso, a natureza do prazo estabelecido na referida norma.

Com efeito, o citado art. 1096º, nº1, na redacção introduzida  pela Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro [2], prescreve que “Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior (…), acrescentando o nº3 do mesmo preceito que “Qualquer das partes pode opor-se à renovação, nos termos dos artigos seguintes.”

No caso em apreço, uma vez que a oposição à renovação do contrato foi manifestada pelo senhorio, tem ainda de se considerar o disposto no art. 1097º do mesmo Código, o qual apresenta o seguinte teor:

1 - O senhorio pode impedir a renovação automática do contrato mediante comunicação ao arrendatário com a antecedência mínima seguinte:

a) 240 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis anos;

b) 120 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a um ano e inferior a seis anos;

c) 60 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis meses e inferior a um ano;

d) Um terço do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação, tratando-se de prazo inferior a seis meses.

2 - A antecedência a que se refere o número anterior reporta-se ao termo do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação.

3 - A oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

4 - Excetua-se do número anterior a necessidade de habitação pelo próprio ou pelos seus descendentes em 1.º grau, aplicando-se, com as devidas adaptações, o disposto no artigo 1102.º e nos n.os 1, 5 e 9 do artigo 1103.º”.

A apelante, como vimos, sustenta que o prazo de três anos a que alude o art. 1096º, nº1, do Código Civil tem natureza imperativa e aplica-se a todas as renovações, o que significa, de acordo com a sua tese, que o senhorio não poderia opor-se à renovação (automática) do contrato de arrendamento na data que vem indicada no ponto 4 da factualidade assente.

Será assim ?

Vejamos.

Partindo do texto legal, uma parte da jurisprudência tem entendido que estamos perante uma norma supletiva, dada a referência que é feita à “estipulação em contrário”.

Neste sentido, podem consultar-se, entre outros [3], os seguintes Arestos:

- Acórdão da Relação de Lisboa de 17/6/2025 (disponível em https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/13741cd0629db70780258cbd003b77d4?OpenDocument);

- Acórdão da Relação do Porto de 4/6/2025 (disponível em https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/bc7cbc5e74b6dd6b80258cab00375f30?OpenDocument) [4];

- Acórdão da Relação de Coimbra de 27/5/2025 (disponível em https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/11a7b91dced2a68280258ca40056b66a?OpenDocument);

- Acórdão da Relação de Lisboa de 13/5/2025 (disponível em https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/1ef13b8303a510b580258c920047f813?OpenDocument);

- Acórdão da Relação do Porto de 8/5/2025 (disponível em https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/d8e81fff44551df680258c8c004c1bc7?OpenDocument) [5];

- Acórdão da Relação de Lisboa de 29/4/2025 (disponível em https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/de238b3e9de4cc6b80258c8900551be7?OpenDocument);

- Acórdão da Relação de Lisboa de 11/3/2025 (disponível em https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/1b926e652bb36d8c80258c5a0042af85?OpenDocument);

- Acórdão da Relação de Lisboa, 13/2/2025 (disponível em https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/b38f3149c911e9e380258c6800522ae3?OpenDocument);

- Acórdão da Relação de Lisboa de 21/1/2025 (disponível em https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/bc0e6bf1df05232e80258c28005462c8?OpenDocument).

Em sentido contrário, podem consultar-se, também a título meramente exemplificativo, os seguintes Arestos:

- Acórdão do STJ de 13/3/2025 (disponível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/95a73a115d2f399080258c4c0062e8c2?OpenDocument     ) [6];

- Acórdão da Relação do Porto de 26/5/2025 (disponível em https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/53df1ebf1a85214480258ca6003d3776?OpenDocument) [7];

- Acórdão da Relação do Porto de 8/5/2025 (disponível em https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/00858fc73ae0bf3180258c8f0047f708?OpenDocument) [8];

- Acórdão da Relação de Guimarães de 20/2/2025 (disponível em https://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/fc4828e629b0318080258c42005354c9?OpenDocument);

- Acórdão da Relação do Porto de 20/2/2025 (disponível em https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/9d200eebaa5f418580258c420033e7ec?OpenDocument) [9].

Se analisarmos os antecedentes da norma em questão, poderemos verificar que o legislador já tinha previsto a possibilidade de o contrato de arrendamento se renovar automaticamente por períodos mínimos de três anos, sem prejuízo de as partes estabelecerem um prazo diverso.

Efectivamente, o art. 1096º, nº1, do Código Civil, na redacção introduzida pelo NRAU [10], apresentava o seguinte teor:

Excepto se celebrado para habitação não permanente ou para fim especial transitório, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos mínimos sucessivos de três anos, se outros não estiverem contratualmente previstos.”.

O regime de renovação automática do contrato de arrendamento que foi prevista no NRAU não constituiu, como é sabido, uma novidade, uma vez que o quadro normativo anterior, concretamente o art. 100º, nº1, do RAU, já o previa.

Com efeito, o art. 100º, nº1, do RAU [11], dispunha que “Os contratos de duração limitada celebrados nos termos do artigo 98.º [12] renovam-se, automaticamente, no fim do prazo e por períodos mínimos de três anos, se outro não estiver especialmente previsto, quando não sejam denunciados por qualquer das partes.”.

Ora, o art. 1096º, nº1, do Código Civil, na redacção originária do NRAU - tal como o art. 100º, nº1 do RAU – não previa a possibilidade de as partes, por acordo, afastarem a renovação automática do contrato de arrendamento.

Nesse âmbito existia, salvo melhor entendimento, uma verdadeira regra imperativa, embora, é certo, mitigada pela possibilidade de oposição à renovação ou de denúncia do respectivo vínculo contratual.  

Com o advento da Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, o art. 1096º, nº1, do Código Civil, foi alterado, passando a apresentar a seguinte redacção: “Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração, sem prejuízo do disposto no número seguinte.”.

Na redacção actual, como vimos, introduzida pela Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro, mantem-se a referência à possibilidade de “estipulação em contrário”, incidindo a alteração, unicamente, sobre o prazo da renovação automática.    

Confrontando o texto que resultava do NRAU e o que passou a vigorar após a publicação da Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto – nesta parte mantido pela Lei n.º 13/2019 – verifica-se que existe uma alteração significativa, traduzida na possibilidade de as partes, por acordo, estabelecerem um regime diverso (“estipulação em contrário”).

Que significado tem a alteração legislativa ?

Em nosso entender, também salvo melhor opinião, a referência que o legislador introduziu no preceito em causa (nº 1 do art. 1096º do Código Civil) teve em vista facultar às partes o afastamento da regra que incide sobre a renovação automática do contrato de arrendamento e, concomitantemente, da regra que diz respeito ao prazo dessa renovação.

Na verdade, recorrendo aos princípios interpretativos que resultam do art. 9º do Código Civil [13], não vemos que possa sustentar-se uma posição diversa, pois na hipótese de se considerar que se trata de uma norma imperativa, ficaria sem qualquer utilidade ou relevância o segmento normativo que admite a “estipulação em contrário” [14]

Aliás, note-se, não existe nos trabalhos parlamentares que deram origem à Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro, qualquer referência à eventual imperatividade do prazo previsto no nº1 do art. 1096º do Código Civil [15], não podendo, desta forma, presumir-se que a intenção do legislador foi no sentido de impedir que as partes, por acordo, estabelecessem um regime diverso.

Ainda no que diz respeito ao carácter imperativo do prazo de renovação automática, não pode concluir-se que o art. 1097º, n3, do Código Civil [16], lido em conjugação com o art. 1096º, nº1, estabeleça uma regra a esse propósito, uma vez que o art. 1097º, nº3, reporta-se, unicamente, à oposição à primeira renovação do contrato, garantindo que a mesma apenas produz efeitos decorridos três anos após a outorga do respectivo vínculo.

Sobre esta matéria e no sentido que defendemos, importa colher os ensinamentos que resultam dos seguintes Arestos – já atrás citados e que apenas referimos para ilustrar a posição adoptada:

- Acórdão da Relação de Lisboa 13/2/2025:

I - A interpretação do artº 1096º nº 1 do Código Civil, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 13/2019, de 12/02, não prescinde da sua concatenação com o nº 3 do artº 1097º aditado por essa mesma lei.

II - A tutela do inquilino pela estabilidade do arrendamento reside no aditado nº 3 do artº 1097º e não no nº 1 do artº 1096º, ambos do CCivil.

III - A oposição do senhorio à renovação do contrato, estando esta nele prevista, está apenas condicionada, por via da aplicação do nº 3 do artº 1097º, à vigência ininterrupta do contrato por um período de três anos contado da data da sua celebração, não afastando o artº 1096º nº 1 do Código Civil a aplicabilidade de cláusula contratual que preveja a renovação do contrato por período inferior a três anos.

IV - Esta é, a nosso ver, a interpretação que, respeitando a intenção legislativa de protecção do inquilino por estabilidade do arrendamento confere, concomitantemente, maior coerência e unidade ao regime jurídico em causa.”

- Acórdão da Relação de Lisboa de 29/4/2025:

1. A norma enunciada no n.º 1 do art. 1096.º do Cód. Civil não fixa prazos (ou períodos) mínimos (nem máximos) de duração da relação contratual – isto é, não fixa limites ou balizas para a convenção das partes.

2. A ressalva inicial do enunciado do n.º 1 do art. 1096.º do Cód. Civil vale para toda a sua estatuição, cunhando-a com a natureza supletiva.

3. A norma enunciada no n.º 3 do art. 1097.º do Cód. Civil regula um caso de diferimento da eficácia da primeira oposição à renovação comunicada pelo senhorio, não estabelecendo uma renovação do contrato nem alterando o prazo acordado para a sua duração.”

- Acórdão da Relação de Lisboa de 13/5/2025:

I. O artigo 1096º/1 do Código Civil, na redacção que lhe foi dada pela Lei 13/2019, de 12 de Fevereiro, é uma norma supletiva, pelo que, nos termos da liberdade contratual (art. 405º/1 do Código Civil), podem as partes não só afastar a renovação do contrato de arrendamento, como, em caso de renovação, estabelecer prazos diferenciados.

II. O direito de oposição à renovação do contrato por parte do senhorio, quando seja prevista essa renovação, está apenas condicionado à vigência ininterrupta do contrato por um período de três anos, contado da data da sua celebração (art. 1097º/3 do Código Civil).”

Em face do exposto, tendo em conta que a oposição à renovação contratual foi exercida atempadamente, improcede o recurso em análise, devendo, consequentemente, manter-se a decisão impugnada, com os efeitos daí resultantes.         


***

III – DECISÃO.

Nestes termos, decide-se julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.

Custas pela apelante.


Coimbra, 14 de Outubro de 2025

(assinado digitalmente)

Luís Manuel de Carvalho Ricardo

(relator)

Hugo Meireles

(1ª adjunto)

Francisco Costeira da Rocha

(2º adjunto



[1] Foi consignado na sentença recorrida que não existem factos não provados.
[2] Diploma que estabelece “Medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade.”.
[3] A jurisprudência citada é meramente ilustrativa, dado que existem inúmeros Arestos, disponíveis nas competentes bases de dados, que se pronunciaram sobre esta matéria.
[4] Tem voto de vencido do 2º adjunto.
[5] Tem voto de vencida da 2ª adjunta.
[6] Tem voto, em sentido oposto, da Exmª Conselheira Maria de Deus Correia (2ª adjunta no Aresto citado).
[7] Tem voto de vencido do 1º adjunto.
[8] Tem voto de vencido do 2º adjunto.
[9] Tem voto de vencida da 2ª adjunta.
[10] Novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro.
[11] Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo DL n.º 321-B/90, de 15 de Outubro.
[12] O art. 98º do RAU, sob a epígrafe “Estipulação de prazo efectivo”, estabelecia o seguinte:
1 - As partes podem estipular um prazo para a duração efectiva dos arrendamentos urbanos para habitação desde que a respectiva cláusula seja inserida no texto escrito do contrato, assinado pelas partes.
2 - O prazo referido no número anterior não pode, contudo, ser inferior a cinco anos.
3 - As sociedades de gestão e investimento imobiliário e os fundos de investimento imobiliário podem celebrar contratos de arrendamento de duração limitada, pelo prazo mínimo de três anos, desde que se encontrem nas condições a definir para o efeito.”.
[13] Art. 9º do Código Civil: “1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”.
[14] Relativamente a esta questão, tem particular importância a voto exarado pela Exmª Conselheira Maria de Deus Correia no âmbito do Acórdão do STJ de 13/3/2025 (disponível, como já se referiu em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/95a73a115d2f399080258c4c0062e8c2?OpenDocument).
É o seguinte o seu teor:
Voto vencida pois, contrariamente à tese seguida no acórdão, entendo que o prazo de renovação automática do contrato de arrendamento, previsto no art.º 1096.° n.°l do Código Civil, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.° 13/2019 de 12-02 é supletivo, encontrando-se abrangido pela ressalva da norma "salvo estipulação em contrário".
Confirmaria, por conseguinte, o acórdão recorrido.
Com efeito, tal como escrevemos no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27-04-2023 1, aliás citado no acórdão recorrido, entre outros, defendendo igual entendimento- "não distinguindo a lei, não vemos por que motivo a ressalva da estipulação em contrário, se haveria de aplicar apenas à faculdade de as partes estipularem a renovação automática. Por outro lado, seria incongruente que as partes pudessem afastar a possibilidade de renovação automática, num contrato que, nos termos do disposto no art.° 1095.° n.°2 do Código Civil, poderá ter a duração de um ano, mas caso o quisessem renovar, já o teriam de fazer, imperativamente, por três anos".
Acompanho, assim, o entendimento manifestado no voto de vencido constante do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-09-2023 2.
1 Processo n.° 1390/22.0YLPRT.L1-6, disponível em www.dgsi.pt
2 Processo n.°3966/21.3T8GDM.Pl.Sl”.
[15] Cf. as informações que nos são disponibilizadas em https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=42542.
[16] Art. 1097º, nº3, do Código Civil: “A oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data, sem prejuízo do disposto no número seguinte.               “.