I- Constituem requisitos essenciais para a procedência da impugnação de actos do devedor ou do garante que não sejam de natureza pessoal:
a) a existência de um crédito;
b) que este crédito seja anterior ao acto;
c) se o crédito for posterior, que o acto tenha sido realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor;
d) que do acto resulte a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou o agravamento dessa impossibilidade.
II- A anterioridade do crédito, para efeitos da alínea a) do artº 610 do C.C., afere-se pela data da sua constituição e não pela data do vencimento do crédito.
III – Prestada garantia mediante a subscrição de uma livrança em branco, com aval prestado à mutuária, o crédito constitui-se no momento da subscrição da livrança e da prestação do aval, embora este crédito só seja exigível aquando do preenchimento da livrança de acordo com o pacto de preenchimento.
IV- Este entendimento não é inconstitucional, nada permitindo considerar que se mostram violados os princípios contidos nos artºs 2 e 26, nº1 da nossa Constituição e ainda menos o princípio da autonomia privada.
V- O artigo 611 do C.C. consagra uma regra especial de repartição do ónus da prova, fazendo impender sobre o credor o ónus de prova da existência e do montante da dívida, para que se possa presumir a impossibilidade da respectiva satisfação ou o seu agravamento, cabendo ao devedor ou ao terceiro interessado o ónus de prova de que o obrigado possui outros bens penhoráveis de igual ou maior valor, bem como a demonstração de que, apesar da diminuição patrimonial, o acto impugnado não agravou ou impossibilitou a satisfação integral do crédito.
VI- No caso de existirem devedores solidários, para o preenchimento deste requisito importa apenas a situação do património no qual se integrava o bem objecto do acto impugnado (cfr. resulta do disposto nos artºs 512, nº1 e 518 do C.C.)
VII- A má fé na impugnação pauliana, é entendida como a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor, existente à data da prática do acto.
VIII- O ónus de prova da má fé na impugnação pauliana, por se tratar de matéria de facto constitutiva do direito, cabe ao credor (artº 342, nº1 do C.C.).
IX- O cumprimento deste ónus não é, em regra, passível de ser feita por meios de prova directa, mas antes por indícios reveladores desse estado de psíquico cognitivo (prova indirecta) e ainda por ilacções retiradas de factos conhecidos e confirmados por regras de experiência, e por princípios da lógica, que permitam afirmar o facto desconhecido (prova por presunção permitida pelos artº 349 e 351 do C.C.).
(Sumário elaborado pela Relatora)
Recorrente: AA, BB e A..., S.A.
Recorrida: Banco 1... S.A.,
Juiz Desembargador Relator: Cristina Neves
Juízes Desembargadores Adjuntos: Anabela Marques Ferreira
Luís Manuel Carvalho Ricardo
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Para fundamentar a sua pretensão, invoca a existência de um crédito sobre o 1º Réu, com fundamento nos avais por ele prestados a financiamentos concedidos a empresas do Grupo B..., atual Grupo C..., SA”, “B... Engenharia e Construção, SA” e “B... SGPS, SA”) no âmbito da reestruturação financeira operada em 6 de Setembro de 2013, formalizada através de um denominado “Acordo Quadro”, cujos montantes mutuados e respetivos juros não foram pagos nas datas dos respetivos vencimentos, com a consequente resolução dos contratos, interpelação das mutuárias e dos garantes, para pagamento do montante em dívida, no total de € 195.690.980,76 e subsequente instauração da ação executiva para o pagamento de um crédito garantido por livrança.
Alega ainda que o 1º Réu, por escritura de 30 Outubro de 2020, através de dação em pagamento para pagamento parcial de tornas, transmitiu à 2ª Ré o prédio descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...53 da freguesia ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...50 da freguesia ... e que o 1º Réu, por venda de usufruto vitalício efetuada à 2ª Ré e por venda da nua propriedade efetuada à 3ª Ré através de escritura de 13 Janeiro de 2017, transmitiu-lhes o prédio descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...54 da freguesia ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...49 da freguesia ...), sustentando em relação a ambas as transmissões que se encontram preenchidos os pressupostos da impugnação pauliana, nos termos previstos no art. 610 do C.Civil.
O 1º R. defendeu-se por exceção, sustentando a nulidade das cláusulas contratuais gerais que identifica por referência a cada um dos contratos de mútuo efetuados com a Autora, por violação dos deveres de comunicação e informação previstos nos artºs. 5 e 6 do DL nº 446/85 de 25/10, assim como dos pactos de preenchimento subscritos pelo 1º Réu.
Em sede de defesa por impugnação, alega: (i) que não teve intervenção como mutuário nos referidos contratos, tendo-se limitado a subscrever uma livrança em branco na condição de mero avalista; que tal livrança só foi preenchida pela Autora no dia 18/01/2021, sendo nessa data que nasceu o alegado crédito de que a Autora se arroga titular perante o avalista; pelo que, tendo as escrituras no âmbito das quais foram transmitidos os identificados imóveis ocorrido a 30 de outubro de 2020 e a 13 janeiro 2017, não se verifica o requisito da anterioridade do crédito face ao avalista; (ii) que sendo tal crédito posterior aos atos que se pretendem impugnar, não existiu, entre os outorgantes, qualquer intenção de impedir a credora de satisfazer o seu futuro direito de crédito, nem, muito menos, qualquer atuação de má fé.
Por último invoca a exceção de abuso de direito, sustentado a inexigibilidade do pagamento do montante em dívida, decorrente do facto de a Autora ter supostamente alimentado junto das Sociedades do Grupo B..., da sua Comissão Executiva e dos seus acionistas, a expetativa juridicamente tutelada que seria alcançada a reestruturação financeira, e que tal só não sucedeu por exclusiva imposição por parte da Autora de alterações às negociações anteriormente acordadas entre as partes.
Conclui o 1º Réu:
a) pela procedência das exceções perentórias invocadas, por violação dos deveres de comunicação e de informação previstos nos artigos 5.º e 6.º do DL 446/85, de 25 de Outubro por parte da Autora, relativamente ao clausulado constante dos documentos juntos com a PI n.ºs 7 (cláusulas 6.ª, 20.ª e 21.ª), 9 (cláusulas 8.ª, 15.ª, 16.ª), 12 (Cláusulas 8.ª, 15.ª e 16.ª), 14 (cláusulas 8.ª, 15.ª e 16.ª), 16 (cláusulas 8.ª e 15.ª), 18 (cláusulas 11.ª e 13.ª), 20 (cláusulas 13.ª, alínea a) e 12.ª) e 23 (cláusulas 15.ª e 17.ª, al. a)) e, em consequência, serem tais cláusulas excluídas dos referidos contratos, sendo declarado nulos os “Pacto de Preenchimento” das Livranças que figuram em anexo a tais contratos, nos termos do artigo 9.º, n.º 2, do DL 446/85, de 25 de Outubro, absolvendo-se os RR. da instância;
b) Pela improcedência da ação, por não provados os requisitos da impugnação pauliana;
c) Caso se entenda que a Autora tem o direito de impugnar os atos de transmissão que seja considerado que tal direito é exercido de forma abusiva, por violação dos limites impostos pela boa-fé, na modalidade de venire contra factum proprium, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 334.º do CC, absolvendo os RR. do pedido.
Mais alega que ficou acordado que o preço do 4254, no valor de 223.128,00€, seria pago, após um período de carência, em doze prestações trimestrais de 18.594,00€, dada a expetativa de que em 2020 já o espaço hoteleiro estaria concluído e pronto a funcionar e que o projeto acabou por ser reformulado, porque as candidaturas ao Portugal 2020 não abriram na data expetável, e não avançaram por força da Pandemia originada pela COVID 19.
Por último alega que o crédito que a A. se arroga só é exigível a partir de 18/01/2021, na data em que preencheu a livrança, e não no momento em que o 1º Réu avalizou as letras de câmbio para garantia dos financiamentos disponibilizados à sociedades mutuárias e que não se verifica o requisito da má fé, já que a 3ª Ré adquiriu a propriedade de 4254, sem qualquer intenção de prejudicar a Autora, ou de diminuir o património do 1º Réu, até porque, detendo este uma participação social na sociedade, a implementação, concretização e funcionamento do projeto turístico iriam fazer aumentar a sua esfera patrimonial e ainda, que procedeu ao pagamento de todas as rendas devidas entre Março e Outubro de 2020, data em que o prédio passou a ser propriedade da Ré, e pelo preço que correspondia ao seu valor patrimonial.
Mais alegou que cumpriu as obrigações de comunicação e de informação, referindo ainda que inexiste qualquer conduta abusiva da sua parte, pois que em momento algum das negociações as partes alcançaram um acordo quanto a todos os termos e condições da pretendida reestruturação financeira da dívida, sendo recorrentes os incumprimentos das obrigações assumidas pelo Grupo B... a exigir um constante acompanhamento negocial por parte da Autora, situação esta a que não estava naturalmente obrigada, nem nada houve na sua atuação que tivesse promovido a alegada confiança na conclusão do acordo visado pelo Grupo B..., tendo optado por não manter as negociações, motivada pela impossibilidade de entendimento em moldes que fossem para si minimamente satisfatórios, aliada à tomada de conhecimento de atos de dissipação de património pelos avalistas.
“1. Declarar a ineficácia, em relação à Autora, da transmissão do imóvel (prédio descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...53 da freguesia ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...50 da freguesia ...), efetuada pelo 1º Réu à 2ª Ré, através de dação em pagamento por escritura de 30 outubro de 2020 (P. 1322/21....);
2. Declarar a ineficácia, em relação à Autora, da transmissão do imóvel (prédio descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...54 da freguesia ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...49 da freguesia ...) por venda de usufruto vitalício efetuada pelo 1º Réu à 2ª Ré e por venda da nua propriedade efetuada pelo 1º Réu à 3ª Ré por escritura de 13 janeiro 2017 (P. 1322/21....);
3. Reconhecendo-se o direito da Autora à sua restituição, na medida do seu interesse, podendo executá-los no património das Rés BB e “A..., SA”, na medida do necessário para obter o pagamento/satisfação do seu crédito, bem como a praticar os atos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei.
4. Condenar os Réus no pagamento das custas da ação.”
*
Não conformada com esta decisão, impetrou o 1º R. recurso, concluindo da seguinte forma:
“1. Considerou o Tribunal recorrido que, face à factualidade dada como provada, se verificam os pressupostos enunciados nos artigos 610.º e 612.º do Código Civil, não se conformando o 1.º Réu com tal decisão, dela discordando, quer no plano dos factos dados como provados (e não provados), como igualmente dela discorda no plano normativo, ao nível da respectiva fundamentação jurídica e das conclusões que o Tribunal recorrido daí retira;
2. Impõe-se, por conseguinte, proceder, prima facie, à alteração da factualidade dada como provada (e como não provada) pelo Tribunal a quo, uma vez que uma adequada ponderação e valoração da prova por depoimento de parte, documental, testemunhal e pericial constante dos autos assim o impõe, razão pela qual o presente recurso versa ab initio sobre a impugnação da matéria de facto tendo como objecto a reapreciação da prova gravada, sendo que, e como corolário dessa necessária alteração ao nível da matéria de facto, caberá igualmente interpretar e aplicar de forma distinta as normas jurídicas mobilizadas para o caso em apreço, daí se retirando, no plano normativo, conclusões diversas das que estão reproduzidas na sentença ora colocada em crise;
3. O Tribunal recorrido, aquando da análise crítica da prova, socorre-se de “dois pesos e duas
medidas”, de forma injustificável, pois enquanto que o depoimento das testemunhas indicadas pela Autora foi percepcionado pelo Tribunal como tendo “precisão”, “detalhe” e “imparcialidade” (cfr. página 82), já o depoimento da testemunha CC não foi objecto da mesma percepção por parte do Tribunal de 1.ª instância, desde logo “dada a relação profissional que tem com o Grupo C...” (cfr. página 83), o que se revela incompreensível, atendendo a que as testemunhas da Autora mantêm todas uma relação/vínculo profissional com a Parte, enquanto que a testemunha CC é Presidente da Comissão Executiva do Grupo C... e legal representante da D..., que não são parte na presente demanda – sendo ainda significativo, a propósito da questão da “imparcialidade” das testemunhas, o depoimento da testemunha DD (Cfr. Diligencia_1322-21.2T8LRA_2024-05-15_14-13-51, entre os minutos
00:10.:39 e 00:11:51);
4. No âmbito da impugnação à matéria de facto dada como provada e não provada pelo Tribunal de 1.ª instância, deverão os factos considerados não provados n.º 1 a 29 ser considerados como provados.
5. Em primeiro lugar, porque resulta do depoimento da testemunha CC (Diligencia_1322-21.2T8LRA_2024-06-27_09-56-49, entre os minutos 00:05:57 a 00:08:52, desde o minuto 00:12:39 até ao minuto 00:18:20) que nenhum dos avalistas/accionistas das sociedades do Grupo interveio no processo negocial, tendo tal sido processo conduzido exclusivamente pela Comissão Executiva do Grupo, atendendo a que o afastamento dos accionistas/avalistas (incluindo o 1.º Réu) foi uma condição imposta pelos bancos para aceitar renegociar a dívida das sociedades do Grupo, aquando da celebração do Acordo-Quadro em 2013, o que foi confirmado também pelo teor do depoimento de parte do 1.º Réu (Diligencia_1322-21.2T8LRA_2024-05-15_10-23-33, entre os minutos 00:14:04 e 00:19:45), o depoimento da testemunha da Autora DD, entre os minutos 00:02:53 e 00:03:49 (Cfr. Diligencia_1322-21.2T8LRA_2024-05-15_15-45-14);
6. Em segundo lugar, porque resulta da prova produzida que as condições da reestruturação (vertidas no Acordo-Quadro e nos contratos de financiamento formalizados subsequentemente, que se tratam de documentos complexos do ponto de vista técnico e atendendo à sua extensão) foram as que foram previamente definidas pelos Bancos, clausuladas por parte do Escritório de Advogados (E...) que assessorou o sindicato bancário, agindo em representação e no interesse dos Bancos (pese embora os respectivos honorários tenham sido imputados às sociedades do Grupo, como mais uma condição imposta no âmbito da reestruturação), sociedade essa que elaborou o respectivo clausulado susceptível de ser aceite pela parte contrária. A confirmar tal factualidade, veja-se que isso mesmo é confirmado pelas testemunhas da Autora, desde logo a testemunha da Autora DD (Diligencia_1322-21.2T8LRA_2024-05-15_15-45-14), entre os minutos 00:03:53 e 00:05:33, o depoimento da testemunha da Autora EE (Diligencia_1322-21.2T8LRA_2024-05-29_11-20-25), entre os minutos 00:18:00 e 00:18:48, e o depoimento da testemunha CC (Diligencia_1322-21.2T8LRA_2024-06-27_09-56-49, entre os minutos 00:05:57 a 00:08:52, desde o minuto 00:12:39 até ao minuto 00:18:20);
7. Por último, e com particular relevância para prova dos factos 1 a 29 da lista de factos não provados, ficou também claro do depoimento da testemunha CC (Diligencia_1322-21.2T8LRA_2024-06-27_09-56-49, entre os minutos 00:05:57 a 00:08:52, desde o minuto 00:12:39 até ao minuto 00:18:20) que as sociedades do Grupo (e o 1.º Réu) não tiveram acesso, com antecedência, à versão definitiva dos contratos em causa, tratando-se de documentação contratual muito complexa, com centenas de páginas, dificilmente perceptível e compreendida pelo cidadão comum, o que implicou largas horas para a respectiva formalização, tendo tal clausulado sido alterado durante a assinatura dos contratos, o que obviamente inviabilizou qualquer leitura atenta do mesmo, et pour cause qualquer esclarecimento que pudesse surgir, o que foi confirmado em juízo no depoimento de parte da Ré BB (Diligencia_1322-21.2T8LRA_2024-05-15_11-05-59, entre os minutos 00:06:22 e 00:08:32), pela testemunha da Autora DD (Diligencia_1322-21.2T8LRA_2024-05-15_15-45-14), entre os minutos 00:07:21 até 00:09:45), testemunha indicada pela Autora EE (Diligencia_1322-21.2T8LRA_2024- 05-29_11-20-25 entre os minutos 00:19:50 e 00:21:20);
8. Deverão ainda ser dados como provados os seguintes (novos) factos, aditando-os à lista da
factualidade assente, a qual encontra fundamento nos seguintes meios de prova: a) Depoimento da testemunha CC (Diligencia_1322-21.2T8LRA_2024-06-27_09-56-49, entre os minutos 00:05:57 a 00:08:52, desde o minuto 00:12:39 até ao minuto 00:18:20); Depoimento de parte do 1.º Réu (Diligencia_1322-21.2T8LRA_2024-05-15_10-23-33), entre os minutos 00:14:04 e 00:19:45; Depoimento da testemunha da Autora DD (Diligencia_1322-21.2T8LRA_2024-05-15_15-45-14), entre os minutos 00:03:53 e 00:05:33; Depoimento da testemunha da Autora EE (Diligencia_1322-21.2T8LRA_2024-05-29_11-20-25), entre os minutos 00:19:50 e 00:21:20; Depoimento de parte da Ré BB (Diligencia_1322-21.2T8LRA_2024-05- 15_11-05-59) entre os minutos 00:06:22 e 00:08:32):
i. Nenhum dos avalistas/accionistas das sociedades do Grupo B... interveio no processo negocial tendente à formalização do Acordo Quadro e dos contratos de financiamento subsequentes, tendo tal sido processo conduzido exclusivamente pela Comissão Executiva do Grupo, atendendo a que o afastamento dos accionistas/avalistas (incluindo o 1.º Réu) foi uma condição imposta pelos bancos para aceitar renegociar a dívida das sociedades do Grupo, aquando da celebração do Acordo-Quadro em 2013;
ii. As condições da reestruturação (vertidas no Acordo-Quadro e nos contratos de financiamento formalizados subsequentemente, que se tratam de documentos complexos do ponto de vista técnico e atendendo à sua extensão) foram as que foram previamente definidas pelos Bancos, clausuladas por parte do Escritório de Advogados (E...) que assessorou o sindicato bancário, agindo em representação e no interesse dos Bancos (pese embora os respectivos honorários tenham sido imputados às sociedades do Grupo, como mais uma condição imposta no âmbito da reestruturação), sociedade essa que elaborou o respectivo clausulado susceptível de ser aceite pela parte contrária;
iii. As sociedades do Grupo (e o 1.º Réu) não tiveram acesso, com antecedência, à versão definitiva dos contratos em causa, tratando-se de documentação contratual muito complexa, com centenas de páginas, dificilmente perceptível e compreendida pelo cidadão comum, o que implicou largas horas para a respectiva formalização, tendo tal clausulado sido alterado durante a assinatura dos contratos, o que obviamente inviabilizou qualquer leitura atenta do mesmo, e o surgimento de qualquer esclarecimento pudesse ser suscitado pelos subscritores do Acordo.
9. Erroneamente, e sem respaldo na prova produzida e em total contravenção com a mesma, o
Tribunal de 1.ª instância dá como provada a suposta existência de uma “actuação concertada” e da “má- fé” dos Réus – factos 5 e 76 a 80 da lista de factos provados (que deverão ser dados como não provados) e factos 48 a 65 da lista de factos não provados (os quais deverão ser considerados como provados), impondo-se ainda proceder ao aditamento de um novo facto à lista de factos provados relativamente a esta matéria;
10. Do depoimento de parte do 1.º Réu (diligência_1322-21.2T8LRA_2024-05-15_10-23-33, entre os minutos 00:07:46 e 00:11:02 e entre os minutos 00:24:28 e 00:26:08), do depoimento de parte da 2.ª Ré (Diligencia_1322-21.2T8LRA_2024-05-15_11-05-59, entre os minutos 00:01:16 e 00:05:53), quanto à matéria constante dos factos 5 e 76 a 79 da lista de factos dados (indevidamente) como provados, resulta que: a) Após o divórcio, o 1.º Réu e a 2.ª Ré continuaram a residir na mesma morada, mas em pisos diferentes, porque a moradia assim o permitia; b) Após o divórcio, os Réus não mantiveram uma relação profissional próxima, tendo apenas constituído a sociedade F..., Lda. (hoje denominada G..., Lda.), num contexto de aproximação motivado pela doença de uma das filhas e a pedido das filhas do casal; c) Os 1.º e 2.º Réus foram sócios dessa sociedade e intervieram ambos na gerência da mesma, todavia tal não sucede actualmente, uma vez que o 1.º Réu renunciou à gerência da referida sociedade em 29 de janeiro de 2021, tendo procedido à transmissão da sua quota no capital social no dia 29 de novembro de 2019 (cfr. doc. 2 do processo principal e fls. 26-27 do Apenso A), registando-se uma contradição entre o facto provado n.º 7 e o facto provado n.º 79 (que refere, indevidamente, que os 1.º e 2.º Réus partilham investimentos e inclusivamente a gerência de sociedades, como a G..., Lda.); d) Os valores atribuídos aos imóveis objecto do negócio celebrado a 13 de Janeiro de 2017 e na partilha celebrada em 30 de Outubro de 2020 resultaram de um acordo entre as partes para que a 2.ª Ré ficasse com a respectiva titularidade (o direito de usufruto sobre o imóvel ...53 e o direito de usufruto vitalício sobre o imóvel ...54, cuja propriedade foi transmitida para a 3.ª Ré) pelo valor patrimonial de tais imóveis, no âmbito do acordo de partilha prévio ao divórcio das partes, sem que houvesse qualquer actuação concertada no sentido de proteger o património do 1.º Réu e de prejudicar os credores no seu alegado direito de cobrança do crédito;
11. A corroborar as considerações do ponto anterior, veja-se que o Tribunal de 1.ª instância desconsiderou igualmente o depoimento da testemunha FF, cujo depoimento se revela igualmente importante para prova dos factos (dados como não provados) números 53 a 65 (cfr. diligencia_1322-21.2T8LRA_2024-06-27_11-56-19, entre os minutos 00:05:17 e 00:12:24);
12. Resulta evidente que o Tribunal optou por, injustificadamente, desconsiderar por completo os depoimentos de parte dos 1.º e 2.ª RR. e o depoimento da testemunha FF, considerando indevidamente provados os factos n.º 5 e 76 a 79, e considerando não provados, também indevidamente, os factos 53 a 65 (os quais deveriam ter sido considerados provados).
13. A verdade é que tal factualidade também não encontra respaldo na demais prova produzida e junta aos autos, designadamente a prova documental e pericial, a qual não é de molde a contrariar os depoimentos de parte e a referida prova testemunhal, sem esquecer que o ónus da prova (relativamente aos factos dados como provados n.º 5 e 76 a 79) cabia à Autora ora recorrida, que não logrou fazer qualquer prova da “má-fé” e da “actuação concertada” dos Réus;
14. O Tribunal recorrido alicerça a sua convicção, nesta matéria, na “cronologia dos atos de transmissão” – cfr. página 60. Todavia, inexplicavelmente, começa por fundamentar a sua convicção na apreciação da factualidade dada como provada reportados aos factos 5 e 76 a 79, referindo que “só no dia 30 de Outubro de 2020, ou seja, quatro anos depois, procederam à partilha do património imobiliário comum (…)”, o que não corresponde à verdade, evidenciando-se uma vez mais uma errónea apreciação da prova (neste caso, da prova documental) junta aos autos;
15. Para se fazer a cronologia dos atos de transmissão, conjugando tais atos com a demais factualidade relevante para apreciação dos temas da prova, haverá que ter em consideração que tais actos não podem apreciados isoladamente, uma vez que, tal como referidos pelos Réus, os mesmos correspondem a um acordo global entre ambos, no âmbito do processo de divórcio e partilha de bens, o qual conheceu três momentos temporais distintos, a saber: a) 1.º e 2.ª RR. divorciaram-se no dia ../../2016; b) Nesse mesmo dia ../../2016, procederam de imediato à partilha do património conjugal que estava em condições de partilhado; c) No dia ../../2017 – ou seja, cerca de 2 meses após o divórcio e partilha de bens - e incluído no acordo de “divisão de activos” a que o 1.º Réu se referiu no seu depoimento de parte, o 1.º Réu cumpriu com o previamente acordado com a 2.ª Ré e outorgou a compra e venda do usufruto para a 2.ª Ré e da nua propriedade para a 3.ª Ré (constituída 2 meses antes e com esse específico propósito) do prédio urbano sito na Quinta ..., na Rua ..., ... (casa de morada de família de ambos e bem próprio do 1.º Réu), descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...49; d) No dia 30.10.2020, 1.º e 2.ª RR. efectuaram uma escritura de partilha (adicional), dação em pagamento e penhor, nos termos da qual foi atribuído ao 1.º Réu 1/3 indiviso dos prédios rústicos melhor descritos em 63 I e 63 II (imóveis que integram o complexo onde se situa a sede do Grupo C...), pelo valor de 1.200.000,00 €, tendo o 1.º Réu, para pagamento parcial das tornas devidas à 2.ª Ré (no valor de 600.000,00 €), dado em pagamento o imóvel ...53 (pelo valor patrimonial de 319.240,00 €), tendo o pagamento do remanescente das tornas sido efectuado mediante cessão de um crédito que o 1.º Réu detinha sobre a 3.ª Ré (no valor de 223.128,00 €) e a entrega de 57.632,00 €;
16. Assim, e com remissão para os elementos probatórios juntos aos autos, constata-se desde logo que o 1.º e a 2.ª Ré se divorciaram, mediante divórcio por mútuo consentimento (cfr. processo de divórcio por mútuo consentimento n.º ...16), no dia ../../2016, tendo procedido, de imediato, logo nesse mesmo dia ../../2016, à partilha do património conjugal (cfr. doc. 7 junto com a contestação ao processo n.º 1322/21....), sendo incompreensível que o Tribunal a quo, pese embora tenha dado como provado tal evidência (ponto 140 da lista de factos provados), omita esta realidade na fundamentação à matéria de facto dada como provada atinente aos pontos 5 e 76 a 79 da matéria de facto dada como assente (cfr. páginas 60 e 61), tanto mais que da referida partilha do património conjugal ocorrida no dia ../../2016, resulta que foram adjudicados ao 1.º Réu, bens num total de 1.310.287,07 €, valor esse superior ao valor a que tinha direito (€1.274.367,79 €) – cfr. ponto 140 da lista de factos assentes;
17. Recorrendo às mais elementares regras da experiência comum, questiona-se: se o objectivo do 1.º Réu fosse, de forma concertada, dissipar património em prejuízo da Autora, qual a razão para que, logo aquando da partilha efectuada após o divórcio ocorrido a ../../2016, lhe tenham sido adjudicados bens num total de 1.310.287,07 €, valor esse superior ao valor a que tinha direito?! se o objectivo do 1.º Réu fosse, de forma concertada, dissipar património em prejuízo da 1.º Ré, por que razão não efectuou a partilha destes bens imóveis (que eram património conjugal) logo em Novembro de 2016, permanecendo tais bens na indivisão e, por conseguinte, à “mercê” de qualquer credor que os quisesse penhorar?
18. Mais ainda: se o objectivo do 1.º Réu fosse, de forma concertada, dissipar património, qual a razão para que em 13 de Janeiro de 2017 (ou seja, dois meses após o divórcio e partilha de bens com a 2.ª Ré) apenas tivesse procedido à compra e venda do usufruto para a 2.ª Ré e da nua propriedade para a 3.ª Ré do prédio urbano ...53? Ou seja, tendo o 1.º Réu chegado a acordo com a 2.ª Ré para se divorciarem em Novembro de 2016 e nessa mesma data partilharem o património conjugal, se o objectivo fosse dissipar património em prejuízo da Autora, qual a razão para que o 1.º Réu tenha não só ficado com património que lhe foi adjudicado na sequência desse partilha de Novembro de 2016 no valor de 1.310.287,07 €, como também permanecido na sua esfera jurídica com dois bens imóveis que integravam o património conjugal (1/3 indiviso do prédio urbano com o número ...64 da freguesia ..., inscrito na matriz sob o artigo ...62, com o v.p.t. de 58.550,61 € e ... indiviso do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...42 da freguesia ..., inscrito na matriz sob o artigo ...43), permanecendo tais bens à “mercê” dos credores?
19. E se o objectivo fosse efectivamente dissipar património, qual a razão para que a transmissão do prédio urbano ...53 tenha permanecido na sua esfera jurídica até 30 de Outubro de 2020, quando em Janeiro de 2017 o 1.º Réu (em cumprimento do acordo de “divisão de activos” com a 2.ª Ré) lhe transmitiu o usufruto da casa de habitação de ambos? Qual a razão para que, na sequência da partilha adicional ocorrida em 30 de Outubro de 2020, lhe tenham sido adjudicados os dois bens imóveis que integravam o património conjugal, ou seja, 1/3 indiviso do prédio urbano com o número ...64 da freguesia ..., inscrito na matriz sob o artigo ...62, com o v.p.t. de 58.550,61 € e ... indiviso do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...42 da freguesia ..., inscrito na matriz sob o artigo ...43?
20. Se o objectivo do 1.º Réu, com tal partilha adicional ocorrida em 30 de Outubro de 2020 fosse, de facto, dissipar património em prejuízo da Autora, concertadamente e de má-fé, qual a razão para que tenham sido adjudicados aos 1.º Réu bens a que 1.º e 2.º Réu atribuíram o valor global de 1.200.000,00 € (valor esse que teve por base a avaliação solicitada pelo 1.º Réu com data de 20 de Outubro de 2020, da autoria do Engenheiro GG, prévia, por conseguinte, à partilha adicional de 30 de Outubro de 2020, junta pelo 1.º Réu com a sua contestação aos autos principais sob o documento n.º 84 e que o Tribunal recorrido igualmente desconsiderou, o qual atribuiu o valor de 7.800.000,00 € aos quatro imóveis que compõem a sede do Grupo C..., aí se inserindo os dois imóveis objecto da partilha adicional de 30 de Outubro de 2020 que foram adjudicados ao 1.º Réu)? Qual, pois, a razão para que o 1.º Réu, na sequência da partilha adicional ocorrida a 30 de Outubro de 2020, visse ingressar no seu património dois imóveis que, de acordo com a prova pericial efectuada nos autos, poderiam ser alienados (em 19.03.2023) em condições normais de mercado, por 1.009.000,00 € (1/3 de 3.027.000,00 €) no caso do 1/3 do prédio urbano com o número ...64 e por 296.000,00 € (1/3 de 888.000,00 €) no caso de 1/3 do prédio urbano com o número ...42?
21. Ou seja, qual a razão para que o 1.º Réu visse ingressar no seu património, em 30 de Outubro de 2020, bens imóveis que, de acordo com o relatório pericial junto aos autos, têm um valor de mercado de 3.915.000,00 € (correspondendo a dois dos quatro imóveis que compõem a sede do Grupo C...), sendo que 1/3 desses dois imóveis ascende a 1.305.000,00 €, que foi adjudicado ao 1.º Réu, em valor superior ao valor atribuído pelas partes na Escritura de Partilha adicional de 30 de Outubro de 2020?! – cfr. pontos 74 e 75 da lista de factos provados;
22. Analisando a globalidade das partilhas efectuadas e dos atos de transmissão em causa dos presentes autos, constata-se que o 1.º Réu viu ingressar no seu património os seguintes bens: a) Verbas n.º 5, n.º 6, n.º 7, n.º 8, n.º 9, n.º 10, n.º 12, n.º 13, n.º 14, n.º 15, n.º 16, n.º 17, n.º 18, n.º 19, n.º 20 da relação de bens (cfr. doc. 7 junto com a contestação e facto provado n.º 140) num total de activo adjudicado (pelo valor nominal) de 1.310.287,07 € (sendo que tal activo foi adjudicado ao 1.º Réu pelo valor nominal, não tendo sido feita a avaliação de tais participações sociais ao dia de hoje, cabendo esse ónus da prova à Autora, pelo que se desconhece qual o real valor de tal património detido pelo 1.º Réu e se é susceptível de responder (e em que medida) pelo alegado crédito da Autora); b) 1/3 indiviso do prédio urbano com o número ...64 da freguesia ..., inscrito na matriz sob o artigo ...62, a que foi atribuído o valor de 700.000,00 € (factos provados n.º 64 e 65), mas que, em condições normais de mercado reportadas a 19.03.2023, ascende a 1.009.000,00 € (1/3 de 3.027.000,00 €) – cfr. facto provado n.º 74; c) 1/3 indiviso do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...42 da freguesia ..., inscrito na matriz sob o artigo ...43, ao qual foi atribuído o valor de 500.000,00 € (factos provados n.º 64 e 65), mas que em condições normais de mercado reportadas a 19.03.2023, ascende a 296.000,00 € (1/3 de 888.000,00 €) – facto provado n.º 75; Tudo num total de 2.615.287,07 € (considerando, no entanto, que o activo de 1.310.287,07 € corresponde apenas ao valor nominal das participações sociais, não estando determinado o seu
real valor nos presentes autos, ao contrário do activo respeitante aos bens imóveis, o qual foi objecto de avaliação pericial com determinação do respectivo valor de mercado);
23. O Tribunal a quo desconsiderou por completo esta realidade – parte dela plasmada na factualidade dada como provada – e não retirou daí as consequências probatórias que se impunham, pelo que, por um lado, deverá a redacção do facto provado n.º 5 ser alterado, passando a constar a seguinte redacção: “Após a dissolução do casamento, o 1.º Réu e a 2.ª Ré continuaram a residir na mesma morada, mas em pisos diferentes e em zonas autónomas do edifício, com entradas separadas, tendo a relação profissional entre ambos a partir daí sido limitada à constituição da sociedade F..., Lda. (a qual sucedeu a pedido das filhas de ambos) e à sociedade A..., Lda. (constituída ainda antes do divórcio de ambos e derivada da exigência da 2.ª Ré ao 1.º Réu para concretização da partilha de bens entre ambos)” – cfr. depoimento de parte prestado pelo 1.º Réu - diligência_1322-21.2T8LRA_2024-05-15_10-23- 33, entre o minuto 00:07:46 e 00:11:02; depoimento de parte da 2.ª Ré - Diligencia_1322-21.2T8LRA_2024-05-15_11-05-59, entre o minuto 00:01:16 e 00:05:53; Depoimento da testemunha FF (diligencia_1322-21.2T8LRA_2024-06-27_11-56-19), entre o minuto 00:05:17 e 00:07:37.
24. Deverão os factos dados como provados sob os números 76 a 79 passar a não provados, por duas razões fundamentais: em primeiro lugar, a Autora não logrou fazer prova de tal factualidade, sendo que um entendimento contrário viola o artigo 342.º do Código Civil; em segundo lugar, veja-se que, na fundamentação vertida pelo Tribunal a quo para justificar ter considerado os factos 76 a 79 como provados (páginas 59 e seguintes), o Tribunal adopta uma vez mais dois pesos e duas medidas, bem revelador da forma errada como analisou a prova, pois reporta-se aos imóveis transmitidos em 13 de janeiro de 2017 (cuja propriedade foi transmitida para a 3ª Ré e o usufruto para a 2.ª Ré) a 30 de Outubro de 2020 (cuja propriedade foi transmitida para a 2.ª Ré) invocando os respectivos valores de mercado, enquanto que os imóveis que foram adjudicados na sequência da partilha adicional de 30 de outubro de 2020 ao 1.º Réu são vislumbrados pelo Tribunal pelo valor patrimonial, quando consta dos autos um relatório pericial também com os respectivos valores de mercado e está plasmado nos factos assentes (factos provados n.º 74 e 75) que tais imóveis adjudicados ao 1.º Réu têm um valor de mercado de 1.305.000,00 €! Ou seja, e contrariando inclusivamente a prova dada como provada pelo Tribunal recorrido, a sentença ora colocada em crise perspectiva os imóveis que saíram da esfera jurídica do 1.º Réu pelo valor de mercado (para dar ênfase à tese de que houve intenção de prejudicar a Autora), enquanto que os imóveis que foram adjudicados ao 1.º Réu e que entraram na sua esfera jurídica são percepcionados pelo Tribunal, na apreciação crítica da prova a estes factos provados n.º 76 a 79, pelo valor patrimonial (no sentido de reforçar a ideia errada de que os bens adjudicados ao 1.º Réu tinham valor diminuto, o que é falso e contrariado pela prova pericial e até pelos factos provados nos pontos 74 e 75);
25. Acresce que, aquando da realização da partilha subsequente ao divórcio (em ../../2016) e aquando da realização do primeiro acto de transmissão (em 13 de Janeiro de 2017) inexistia qualquer comunicação, interpelação ou manifestação de vontade da parte da Autora a dar nota ao 1.º Réu da existência de qualquer incumprimento das obrigações que aquele tinha avalizado, sendo que, ao longo dos anos em causa (2015 a 2020), não só o 1.º Réu estava totalmente afastado da gestão do grupo, como nunca interveio em qualquer reunião ou foi destinatário de qualquer comunicação por parte da Autora, evidência que encontra respaldo na prova documental junta pela própria Autora, que confirma que a primeira interpelação ao 1.º Réu data de 29 de setembro de 2020 (cfr. docs. 35 a 44 juntos com a PI), tendo isso mesmo sido confirmado em juízo pelas testemunhas da Autora DD (Diligencia_1322-21.2T8LRA_2024-05-15_15-45-14, entre os minutos 00:20:17 e 00:21:56), que confirmou em juízo que durante este moroso e complexo processo, nunca contactou com o 1.º Réu (Diligencia_1322-21.2T8LRA_2024- 05-15_15-45-14, entre os minutos 00:23:10 e 00:23:49); HH (Diligência_1322-21.2T8LRA_2024-05-29_09-53-13, entre os minutos 00:51:13 e 00:52:37);
26. Deverá igualmente ser aditado um novo ponto à matéria de facto dada como provada, relacionada com esta temática, com a seguinte redacção: “Os bens imóveis referidos em 57) e 58) dos factos provados, sendo bens próprios do 1.º Réu (cfr. facto provado n.º 58), integravam benfeitorias realizadas na constância do matrimónio entre 1.º Réu e 2.ª Ré”, sendo que tal factualidade encontra respaldo na prova produzida, em concreto no depoimento da testemunha FF (diligencia_1322-21.2T8LRA_2024-06-27_11-56-19, entre os minutos 00:08:03 e 00:12:01);
27. Deverá igualmente a redacção do facto provado n.º 80 ser alterada, passando a figurar a seguinte redacção: “Para além dos imóveis 4253 e 4254, o 1.º Réu é dono de 1/3 do prédio urbano com o número ...64 da freguesia ..., inscrito na matriz sob o artigo ...62, com o v.p.t. de 58.550,61 € e valor de mercado de 3.027.000,00 € e ... do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...42 da freguesia ..., inscrito na matriz sob o artigo ...43, com o valor de mercado de 888.000,00 €, sendo ainda titular das seguintes participações sociais: uma quota no valor nominal de 2.375,00 € titulada por AA na sociedade comercial por quotas sob a firma “H..., Lda.”, com matrícula e NIPC ...65, capital social de 20.000,00 €, integralmente realizado; uma quota no valor nominal de 7.499,00 € titulada por AA na sociedade comercial por quotas sob a firma “H..., Lda.”, com matrícula e NIPC ...65, capital social de 20.000,00 €, integralmente realizado; 3.890.666 (três milhões oitocentas e noventa mil seiscentas e sessenta e seis) acções nominativas no valor nominal de 0,01 € cada, na sociedade comercial anónima “I..., S.A.”, com o NIPC ...67, capital social de 449.841,00 €, integralmente realizado, de que é titular AA; 50.000 (cinquenta mil) acções nominativas, no valor nominal de 1,00 € cada, na sociedade comercial anónima “J... SGPS, S.A”., com o NIPC ...46, capital social de 50.000,00 €, integralmente realizado, de que é titular AA; 2.500 (duas mil e quinhentas) acções ao portador, no valor nominal de 1,00 €, na sociedade comercial anónima “K..., S.A.”, com o NIPC ...55, capital social de 200.000,00 €, integralmente realizado, de que é titular AA; 10.000 (dez mil) acções ao portador, no valor nominal de 0,01 €, na sociedade comercial anónima “L..., S.A.., com o NIPC ...55, capital social de 50.000,00 €, integralmente realizado, de que é titular AA; 85.667 (oitenta e cinco mil seiscentas e sessenta e sete) acções nominativas no valor nominal de 1,00 € cada, na sociedade comercial anónima “B... Energia, SGPS, SA.”, com o NIPC ...67, capital social de 14.300.000,00 €, integralmente realizado, de que é titular AA; 19.366 (dezanove mil trezentas e sessenta e seis) acções ao portador no valor nominal de 1,00 € cada, na sociedade comercial anónima “M..., SGPS, SA.”, com o NIPC ...16, capital social de 50.000,00 €, integralmente realizado, de que é titular AA; 67.213 (sessenta e sete mil duzentas e treze) acções ao portador, no valor nominal de 1,00 € cada, na sociedade comercial anónima “B... Indústria, SGPS, S.A.”, com o NIPC ...62, capital social de 10.000.000,00 €, integralmente realizado, de que é titular AA; 45.149 (quarenta e cinco mil cento e quarenta e nove) acções ao portador no valor nominal de 1,00 € cada, na sociedade comercial anónima “B... Hotéis e Turismo - SGPS, S.A.”, com o NIPC ...73, capital social de 5.000.000,00 €, integralmente realizado, de que é titular AA, 427.462 (quatrocentas e vinte e sete mil quatrocentas e sessenta e duas) acções ao portador, no valor nominal de 1,00 €, na sociedade comercial anónima “N..., S.A.”, com
o NIPC ...69, capital social de 1.648.591,00 €, integralmente realizado, de que é titular AA; 10.153 (dez mil cento e cinquenta e três) acções ao portador no valor nominal de 1,00 € cada, na sociedade comercial anónima “B... Agregados – Comércio de Agregados (...), S.A.”, com o NIPC ...84, capital social de 2.307.741,00 €, integralmente realizado, de que é titular AA,; 20.000 (vinte mil) acções no valor nominal de 1,00 € cada na sociedade comercial anónima “O... - SGPS, S.A.”, com o NIPC ...67, capital social de 60.000,00 €, integralmente realizado, de que é titular AA; 50.250 (cinquenta mil duzentas e cinquenta) acções ao portador no valor nominal de 5,00 € cada, na sociedade comercial anónima “P..., S.A., com o NIPC ...43, capital social de 750.000,00 €, integralmente realizado, de que é titular AA
AA, 630 (seiscentas e trinta) Unidades de Participação na “Q... - Fundo de Investimento Imobiliário, S.A”., com o NIPC ...48, de que é titular AA”.
28. Tal alteração encontra respaldo na prova produzida, designadamente: a) Documento n.º 7 junto com a contestação (e facto provado n.º 140); b) Relatório pericial de avaliação dos imóveis ...64 e ...42 junto aos autos; c) Documento n.º 84 junto com a contestação do 1.º Réu; d) Factos provados n.º 74 e 75; e) Depoimento da testemunha da Autora HH (Diligência_1322-21.2T8LRA_2024-05-29_09-53-13, entre os minutos 00:01:19 e 01:01:50, entre os minutos 01:02:48 e 01:03:24, e entre os minutos 01:06:09 e o 01:06:57);
29. De salientar, por último, e no que concerne a este facto n.º 80, que não se poderá dar como assente que, “para além dos imóveis 4253 e 4254, o 1.º Réu não é dono de quaisquer outros bens ou fontes de rendimento que sejam susceptíveis de, pelo seu valor, responderem pelo crédito da Autora”, como considerou o Tribunal recorrido, porquanto o 1.º Réu é titular das participações sociais das sociedades que compunham o Grupo B... e que lhe foram adjudicadas na partilha subsequente ao divórcio de ../../2016 (cfr. documento n.º 7 junto com a contestação e facto provado n.º 140), sendo que tais participações foram adjudicadas ao 1.º Réu pelo respectivo valor nominal, desconhecendo-se, por conseguinte, qual o concreto valor de tais participações sociais, cabendo o ónus da prova da demonstração de que o “1.º Réu não é dono de quaisquer outros bens ou fontes de rendimento que sejam suscetíveis de pelo seu valor responderem pelo crédito da Autora” à Autora.
30. Tal questão – ou seja, o valor das participações sociais que foram adjudicadas ao 1.º Réu na sequência da partilha subsequente ao divórcio de ../../2016 -, é tanto mais importante se tivermos em consideração que a Autora, aquando da formalização do Acordo- Quadro em 2013 e dos subsequentes contratos de financiamento que servem de base à prova do alegado crédito de que se arroga titular e de que o 1.º Réu é avalista, nunca exigiu quaisquer garantias reais sobre imóveis dos avalistas, mas exigiu o penhor das acções do Grupo como garantia do pagamento do seu crédito, daí se devendo concluir que tais participações, pelo seu valor, eram suficientes para garantir o valor financiado - a este propósito, veja-se o depoimento da testemunha CC (Diligencia_1322-21.2T8LRA_2024-06-27_09-56-49, entre os minutos 00:19:26 e 00:23:32
31. Deverão ainda os factos (considerados não provados pelo Tribunal recorrido) n.º 48 a 65 ser considerados provados, atendendo à prova produzida junta aos autos e em audiência de discussão de julgamento. Na respectiva fundamentação, refere o Tribunal a quo que tais factos não foram referidos “de forma consistente por nenhuma testemunha”, “nem pelos 1.º e 2.º Réus, nem se coadunam com a restante matéria dada como provada referente às transmissões efectuadas e a sua realização no tempo”, o que não corresponde à verdade, sendo que, por outro lado, a supra pretendida alteração da matéria de facto no tocante aos pontos 5 e 76 a 80 fará com que caia o argumento de que os factos não provados n.º 48 a 65 não se coadunem com a restante matéria dada como provada;
32. Quanto aos pontos 48, 53 e 54 dos factos não provados, é verdadeiramente inexplicável que o Tribunal recorrido considere tal factualidade como não provada, porquanto não só o 1.º Réu fez prova do que alega, como a Autora não logrou provar nada em sentido inverso. Nesse sentido, é indiscutível que desde que foi detido no âmbito da Operação Marquês (em abril 2015) o 1º R. ficou à margem da gestão e da atividade das sociedades do Grupo, sem qualquer acesso à informação corrente atinente às questões estratégicas, financeiras, económicas das sociedades do Grupo B... e sem se envolver nos processos de decisão, vivendo afastado da vida societária das empresas do Grupo até 09 abril 2021 (cfr. facto não provado n.º 48), e que tal detenção do 1º Réu teve influência em termos conjugais e que por via desse processo o 1º Réu e a 2ª Ré deixaram de ter vida em comum enquanto casal a partir do final de 2015, passando o 2º Réu a viver no R/C do prédio sito na Quinta ..., Rua ... (até para depois poder acompanhar mais de perto os trabalhos relacionados com a criação e desenvolvimento do projeto do Hotel a implementar na Quinta ...), e a 2ª Ré no 1º andar, de forma isolada um do outro, (cfr. facto não provado n.º 53), assumindo, a partir de então, o propósito de se divorciarem, que só lograram concretizar em novembro de 2016, altura em que lograram obter acordo quanto aos termos da partilha a efetuar relativamente aos bens comuns do casal (facto não provado n.º 54). Para prova de tal factualidade, haverá que ter em consideração o depoimento de parte do 1.º Réu (diligência_1322-21.2T8LRA_2024-05-15_10-23-33, entre o minuto 00:07:46 e o minuto 00:11:02), o depoimento de parte da 2.ª Ré (Diligencia_1322-21.2T8LRA_2024-05-15_11-05-59, entre os minutos 00:01:16 e 00:05:51), e o depoimento da testemunha FF (diligencia_1322-21.2T8LRA_2024-06-27_11-56-19), entre os minutos 00:01:38 e 00:12:14;
33. Quanto aos pontos 55, 56 e 57 da matéria de facto dada como não provada, resulta claro da prova produzida em juízo (depoimentos de parte) e da prova documental junta aos autos, que os Réus tentaram uma aproximação a partir de Abril de 2018, na sequência da doença da filha mais nova do casal, recorrendo a sessões de terapia familiar para o efeito nos meses de Junho, Julho e Agosto de 2019 (cfr. factos não provados 55 e 56), o que justificou que a partilha adicional apenas tenha ocorrido após 2019, quando se tornou claro que não iriam reatar a vida em comum, apesar dos esforços nesse sentido. Tal factualidade deverá ser considerada provada em função: do depoimento de parte do 1.º Réu (diligência_1322-21.2T8LRA_2024-05-15_10-23-33, entre o minuto 00:07:46 e o minuto 00:11:02); Depoimento de parte da 2.ª Ré (Diligencia_1322- 21.2T8LRA_2024-05-15_11-05-59), entre os minutos 00:01:16 e 00:05:51; Prova documental comprovativa da realização de sessões de terapia familiar junta pelo 1.º Réu com a sua contestação com o n.º 81; Prova documental comprovativa das sessões de terapia familiar junta pela 2.ª Ré com a contestação sob os documentos n.º 2 e 3;
34. No que concerne aos factos não provados n.º 58 e 61, e uma vez mais, verifica-se que o Tribunal recorrido não só desconsidera o depoimento de parte do 1.º Réu (sem que tenha sido feita prova em sentido contrário susceptível de infirmar tal depoimento), como omite a referência à prova documental junta aos autos, não procedendo a uma análise crítica da mesma e não retirando daí as consequências e as ilações devidas: é factual que a escritura referente ao imóvel ...53 só foi realizada em 30/10/2020 por só nessa data, e como consequência das exigências da 2ª Ré, o 1º Réu ter conseguido proceder obter a respetiva licença de utilização e proceder à legalização do imóvel (cfr. facto não provado n.º 58), e que os valores atribuídos resultaram de um acordo prévio entre o 1.º Réu e a 2.ª Ré, no âmbito do acordo global de partilha subsequente ao divórcio ocorrido em 2016, visando compensar a 2.ª Ré pela adjudicação ao 1.º Réu de bens de valor superior (cfr. facto não provado n.º 61), pelo que deverão estes factos (58 e 61 da lista de factos não provados) ser dados como provados, atendendo à seguinte prova: a) Depoimento de parte do 1.º Réu (diligência_1322-21.2T8LRA_2024-05-15_10-23-33, entre o minuto 00:25:17 e o minuto 00:26:08 e entre o minuto 00:29:46 e o minuto 00:30:30), que explica cabalmente que a escritura referente ao imóvel ...53 (terreno com cerca de 8000m2) foi realizada a 30.10.2020 porque se aperceberam aquando da partilha (2016) que tal imóvel não permitia a transmissão, havendo que obter a respectiva licença de utilização e proceder à legalização do imóvel; b) Doc. 82 junto com a contestação ao Apenso A – o qual comprova que relativamente ao prédio ...53, o 1.º Réu, no âmbito da implementação do projecto relacionado com a “Quinta ...” – o qual abrange necessariamente a área deste prédio – procedeu à “alteração/mudança de afectação do prédio”. Tal mudança de afectação do prédio, de “Armazéns e actividade industrial” para “Serviços”, ocorreu a 02.05.2019 sendo que, em consequência da referida mudança de afectação do prédio, e por iniciativa do 1.º Réu, o valor patrimonial tributário do prédio aumentou de 207.420,00 € para os actuais 319.240,00 €; c) Doc. 83 junto pelo 1.º Réu com a contestação ao Apenso A – que atesta que a licença de utilização atinente ao prédio ...53 ocorreu a 28.10.2020, tendo a escritura atinente a tal imóvel sido realizada dois dias depois, ou seja, 30.10.2020;
35. Reportando-nos agora aos factos não provados n.º 59 e 60, e pese embora se trate de matéria atinente à 2.ª Ré e, por conseguinte, estranha ao 1.º Réu, sempre se dirá, por uma questão de rigor e de respeito pela verdade processual, face à prova produzida, que tal matéria terá forçosamente que ser dada como assente, atendendo: a) Ao depoimento de parte da 2.ª Ré (Diligencia_1322- 21.2T8LRA_2024-05-15_11-05-59), entre os minutos 00:02:12 e 00:02:35, entre os minutos 00:06:22 e 00:08:50, entre o minuto 00:11:57 e 00:12:50 e entre os minutos 00:16:21 e 00:16:53; b) ao depoimento da testemunha II (Diligencia_1322- 21.2T8LRA_2024-06-27_12-10-11), entre os minutos 00:01:14 e 00:02:43; c) Ao depoimento da testemunha CC (Diligencia_1322-21.2T8LRA_2024-06- 27_09-56-49), entre os minutos 00:05:57 e 00:08:04 e entre os minutos 00:59:01 e 01:02:31, do qual resulta claramente que processo de renegociação da dívida do Grupo B..., que culminou com a celebração do Acordo Quadro em 2013, foi exclusivamente liderado pela Comissão Executiva, sendo que os accionistas/avalistas foram afastados de tal processo negocial por imposição dos Bancos, aqui incluindo a Autora recorrida; os cônjuges dos accionistas/avalistas não tiveram qualquer intervenção em tal negociação; o 1.º Réu, na sequência da denominada “Operação Marquês” afastou-se por completo do Grupo, deixando inclusivamente de aparecer nas instalações/sede do Grupo nos anos de 2015 a 2019, por estar exclusivamente centrado na sua defesa no referido processo judicial;
36. Deverão ainda os factos dados como não provados n.º 62 e 63 ser considerados provados, uma vez que se revela claramente provado que a criação da 3.ª Ré, Sociedade A..., SA., criada dois meses antes do divórcio e partilha de bens entre 1.ºR. e 2.ª Ré, corresponde ao acordo global relativamente à divisão de activos do dissolvido casal, tratando-se de um projecto estimulante para o 1.º Réu, que se encontrava totalmente afastado da gestão do dia a dia das empresas do Grupo B..., visando perpetuar o legado da família AA, à luz da seguinte prova: a) Documentos n.ºs 3 e 4 juntos com a PI (Certidão Comercial e contrato de constituição da sociedade, que comprova que a A..., S.A., foi criada no dia 12 de Setembro de 2016, ou seja, dois meses antes do divórcio e partilha entre 1.º e 2.ª RR); b) documento n.º 8 junto com a contestação do 1.º Réu (contrato de arrendamento do imóvel ...54 celebrado entre o 1.º Réu e a A..., S.A. no dia 1 de Março de 2017); c) facto provado n.º 141; d) Depoimento de parte do 1.º Réu (diligência_1322-21.2T8LRA_2024-05- 15_10-23-33), entre o minuto 00:11:26 e 00:11:55 e o minuto 00:20:48 e o minuto 00:22:05; Depoimento da testemunha FF (Diligencia_1322-21.2T8LRA_2024-06-27_11- 56-19) entre os minutos 00:01:20 e 00:05:16; Depoimento da testemunha CC (Diligencia_1322-21.2T8LRA_2024-06-27_09-56-49, entre os minutos 00:32:52 e 00:36:41); Depoimento da testemunha JJ (Diligencia_1322- 21.2T8LRA_2024-06-27_12-15-28, entre os minutos 00:03:14 e 00:06:30);
37. Conjugando tal prova com a demais prova produzida (designadamente os depoimentos de parte), e recorrendo às mais elementares regras da experiência, dever-se-á concluir que a criação de tal sociedade surge incluída no acordo global de partilha e “divisão de activos” a que o 1.º Réu se refere, tendo sido a solução encontrada pelas partes para resolver o “problema da casa”, mencionado pela testemunha FF - daí que a sociedade tenha sido criada imediatamente antes do agendamento do divórcio e partilha de bens, como forma de ultrapassar o impasse na partilha da casa onde ambos os Réus residiam (bem próprio do 1.º Réu, mas cujas benfeitorias foram realizadas no decurso do matrimónio – cfr. aditamento à matéria de facto provada supra alegada), tendo sido a solução de consenso possível para evitar o recurso à partilha judicial.
38. Daí que, dois meses após o divórcio e partilha de bens, mais concretamente em Janeiro de 2017, tenha sido dado cumprimento ao acordo de partilha e divisão de bens por parte do 1.º Réu, transmitindo a propriedade do imóvel ...53 (casa de habitação) para a A..., S.A., sociedade a quem incumbia desenvolver de imediato o projecto turístico da Quinta ... - no dia 1 de Março de 2017, e com este objectivo, foi celebrado contrato de arrendamento do imóvel ...54 Terreno com pavilhões contíguo à habitação) para a A..., S.A., para que esta pudesse, assim, avançar com os estudos, projectos e candidaturas (designadamente no âmbito do Programa Portugal 2020) tendo em vista a implementação do projecto Turístico da Quinta ... – cfr. doc. 8 junto com a contestação do 1.º Réu;
39. Aliás, e corroborando esta versão dos acontecimentos, veja-se que o Tribunal recorrido deu como assente, no ponto 141 da lista de factos provados, que “o projeto de turismo referente à implementação da Quinta ... foi levado a cabo pela 3ª Ré, logo depois da respetiva constituição, com a realização de estudos, projetos arquitetónicos e apresentação de candidaturas no âmbito do Programa Portugal 2020, abrangendo, em termos de exploração, todos os artigos da Quinta ..., abrangendo os prédios ...53 e ...54), não tendo sido ainda concretizado por não reunir os requisitos necessários no sentido de ser apresentada candidatura no âmbito do Programa 2020”.
40. Deverão igualmente os factos não provados pelo Tribunal recorrido sob os números 64 e 65 ser dados como provados, pois é uma vez mais flagrante e completamente injustificada a forma como o Tribunal recorrido considera tal factualidade como não provada, sem analisar criticamente os documentos que atestam uma realidade contrária à versão veiculada pelo Tribunal de 1.ª instância.
41. É incontestadamente verdadeiro que no dia 1 de março de 2017 foi celebrado contrato de arrendamento entre o 1.º Réu e a 3.ª Ré (A..., S.A.) relativamente ao imóvel ...53, realidade que não foi contestada sequer pela Autora. (cfr. documento n.º 8 junto pelo 1.º Réu com a sua contestação).; é igualmente incontestadamente verdadeiro que a licença de utilização de tal imóvel apenas foi obtida no dia 28 de Outubro de 2020 (cfr. documento n.º 83 junto com a contestação do 1.º Réu); é, por último, incontestadamente verdade que a 3.ª Ré adquiriu outros imóveis circundantes para a implementação do projecto turístico da Quinta ....
42. Daí que seja manifestamente incompreensível que o Tribunal não considere provados os pontos 64 e 65 da lista de factos não provados, ou seja, que o contrato de arrendamento celebrado entre o 1º Réu e a 3ª Ré referente ao imóvel ...53 em Março 2017 foi efetuado por virtude da impossibilidade de transmissão da propriedade pela falta de licença de utilização do imóvel, e com o intuito único de a 3ª Ré poder dar início à concretização do projeto tendente à implementação do Hotel na Quinta ..., que envolvia também o imóvel ...54 (doc. 8 da contestação do 1º Réu), razão pela qual a 3ª Ré adquiriu os outros prédios circundantes (prédio rústico, descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...31 da freguesia ..., e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...05, freguesia ... – doc. 2 da contestação 3ª Ré); prédio rústico, descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...32 da freguesia ..., e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...06, freguesia ... - doc. n.º 3 da contestação da 3ª Ré); prédio rústico, descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...33 da freguesia ..., e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...07, freguesia ..., cfr. doc. n.º 4 da contestação da 3ª Ré) e que a 3ª Ré adquiriu a propriedade do 4254 e arrendou o 4253, pagando pontualmente as rendas devidas, com o objetivo de implementação do projeto turístico, e todos os esforços encetados tiveram em vista esse desiderato, desconhecendo qualquer dívida do Grupo B... e do 1º Réu para com a Banco 2... ou qualquer outro Banco.
43. Diga-se, aliás, e com o devido respeito, que o Tribunal recorrido confunde manifestamente a 3.ª Ré (sociedade anónima com o NIPC ...00), com os seus accionistas, extraindo conclusões (também elas erróneas) relativamente à 3.ª Ré que derivam exclusivamente da análise à composição do seu capital social, o que é evidentemente ilegítimo, devendo salientar-se que nenhum dos accionistas é administrador da sociedade, a qual tem um administrador único – cfr. doc. 3 junto com a PI;
44. A 3.ª Ré A..., S.A. foi criada em 12 de Setembro de 2016 e adquiriu a propriedade do imóvel ...54 em janeiro de 2017 – inexiste nos autos qualquer facto demonstrativo que permita concluir que entre Setembro de 2016 e Janeiro de 2017 (data em que adquiriu a propriedade do 4254) e Março de 2017 (data em que arrendou o imóvel ...53), a 3.ª Ré teria conhecimento da existência de qualquer dívida do Grupo B... para com a Banco 2... ou outro Banco, nada podendo legitimar ou levar o Tribunal a considerar que a 3.ª Ré (constituída a 12 de setembro de 2016), que tem como administrador único KK (cfr. doc. n.º 3 junto pela Autora com a PI), em janeiro de 2017 (data em que adquiriu a propriedade do imóvel ...54 ao 1.º Réu) e/ou em Março de 2017 (data em que arrendou o imóvel ...53 ao 1.º Réu) teria conhecimento da existência de alguma suposta dívida de empresas do grupo B... à Autora;
45. Assim, e em face do exposto, deverão os factos 64 e 65 da lista de factos não provados pelo tribunal de 1ª instância ser considerados provados, atendendo à seguinte prova, a qual foi
desconsiderada pelo Tribunal a quo: a) Conjugação da análise crítica do documento n.º 3 junto pela Autora com a PI (que atesta que a 3.ª Ré foi constituída no dia 12 de Setembro de 2016 e que tem como administrador único KK), com a Escritura de Pública de Compra e Venda de 13 de janeiro de 2017 (doc. 58 junto com a PI e facto provado n.º 69), com o Documento n.º 8 junto pelo 1.º Réu com a sua contestação aos autos principais, (contrato de arrendamento celebrado a 1 de Março de 2017 entre o 1.º R. e a 3.ª Ré) e a demais lista de factos provados constante da decisão recorrida; b) Documentos n.ºs 9 a 80 juntos pelo 1.º Réu com a contestação aos autos principais, que atestam as várias fases e o desenvolvimento do projecto turístico tendente à implementação do Hotel na Quinta ...; c) Documentos n.ºs 2, 3 e 4 juntos pela 3.ª Ré com a sua contestação no Apenso A aos presentes autos, comprovativos da aquisição, pela 3.ª Ré, de imóveis circundantes da Quinta ... para implementação de tal projecto turístico; d) Documentos n.ºs 5 a 33 juntos pela 3.ª Ré com a sua contestação no Apenso A aos presentes autos, que atestam o desenvolvimento do projecto tendente à implementação do Hotel na Quinta ...; e) Contradição com o Facto provado n.º 141 da lista de factos provados;
46. Deverão ainda os factos 49 a 52 da lista de factos não provados ser considerados como provados, uma vez que resultou evidente da prova produzida em audiência de discussão e julgamento que o 1º Réu desconhecia os concretos contornos negociais inerentes ao processo de renegociação da dívida que se iniciou em 2015 com a Banco 2... e os demais Bancos, provando-se igualmente que a Comissão Executiva das Sociedades do Grupo foi informando os accionistas (designadamente o 1.º Réu) apenas dos aspectos estruturantes/nucleares da evolução das negociações com os Bancos, passando um feedback positivo da respectiva evolução;
47. A circunstância de da lista de factos não provados os pontos 49 a 52 é incongruente com factualidade dada como assente pelo Tribunal a quo, designadamente com os pontos 90, 120, 121 e 122 da lista de factos provados - daí que o 1.º Réu tenha alimentado a convicção de que seria igualmente formalizado com a Banco 2... um acordo de cessão de créditos, na linha do que sucedera com o Banco 3... em Março de 2020 e aceite pela Banco 2... em Abril de 2020, razão pela qual, quando interpelado pela primeira vez pela Autora em 29 de Setembro de 2020 (cfr. facto provado n.º 48), respondeu invocando a existência de negociações pendentes, por cartas de 8 de Outubro de 2020 (cfr. facto provado n.º 49), o que explica que, em juízo, e quando confrontado com a questão do alegado incumprimento perante a Autora, disse desconhecer e ter tomado consciência do mesmo apenas aquando da instauração da acção executiva (em janeiro de 2021 – cfr. facto provado n.º 55 e doc. 61 junto pela Autora com a PI);
48. Assim, devem os factos 49 a 52 da lista de factos não provados ser considerados como provados em respeito pela seguinte prova: a) Doc. 3 junto com a contestação do 1.º Réu, que confirma a formalização do acordo de cessão de créditos com o Banco 3... no dia 6 de Março de 2020; b) Factos provados n.º 48, 49 e 55 (e documento n.º 61 junto com a PI), que comprovam que o 1.º Réu apenas foi interpelado pela primeira vez a 29 de Setembro de 2020, tendo respondido a 8 de Outubro de 2020, opondo-se ao incumprimento e invocando negociações pendentes, tendo a acção executiva sido interposta em janeiro de 2021; c) Contradição face aos factos provados n.º 90, 120, 121 e 122; Depoimento de parte do 1.º Réu (Diligencia_1322- 21.2T8LRA_2024-05-15_10-23-33, entre os minutos 00:35:27 e 00:36:57);
49. O Tribunal recorrido considera ainda como não provada a factualidade constantes dos pontos 30 a 47 da lista de factos não provados, a qual contende com o processo negocial de tentativa de renegociação da dívida do Grupo entre 2015 e 2020 - apesar de ser à Autora que impende o ónus de provar a má-fé dos Réus com os negócios jurídicos a que se reportam os presentes autos, pretendeu o 1.º Réu, com a alegação da matéria que contende com os pontos 30 a 47, provar a sua boa-fé em todo este processo, sendo que ao longo desse período (durante o qual se gerou, na perspectiva da Autora, o alegado incumprimento dos contratos geradores do seu invocado crédito) o 1.º Réu esteve completamente à margem da gestão executiva do grupo, como confirmado em juízo pelas testemunhas inquiridas sobre esta matéria, não tendo estado presente em nenhuma reunião, não sendo destinatário de nenhum email, de nenhuma comunicação formal, de nenhuma interpelação até final de setembro de 2020;
50. É objectivamente factual que a reação dos Bancos à proposta do Grupo B... apresentada bem outubro de 2015 (referida em 88 dos factos provados) foi favorável, e que das conversações encetadas entre as partes resultou o entendimento generalizado de que o processo de renegociação da dívida financeira seria concluído até, no máximo, final de 2015, sendo que naquela data, todos os créditos vencidos tinham sido pagos pelo Grupo B.... Ademais, o relatório da R... de Fevereiro de 2016 referido em 92 dos factos provados foi acolhido favoravelmente pelos Bancos, tendo todavia sido protelada a tomada de decisão quanto à proposta de reestruturação do Acordo Quadro apresentada pelo Grupo B... em Outubro 2015 (factos não provados n.ºs 30, 31 e 32), porquanto resulta da proposta constante do documento n.º 87 junto com a contestação do 1.º Réu (proposta do Grupo B... de Outubro de 2015) a inexistência de qualquer crédito vencido à data, sendo que, a contrario, resulta da factualidade alegada pela Autora e dada como provada pelo Tribunal recorrido que o alegado incumprimento das obrigações das sociedades mutuárias se iniciou no dia 15.07.2016 (cfr. facto provado n.º 47). Para prova desta específica factualidade, veja- se o depoimento da testemunha CC (Diligencia_1322- 21.2T8LRA_2024-06-27_09-56-49, entre os minutos 00:23:33 e 00:32:00); o depoimento da testemunha indicada pela Autora DD (Diligencia_1322- 21.2T8LRA_2024-05-15_15-45-14, entre os minutos 00:11:49 e 00:14:25 e entre os minutos 00:16:18 e 00:16:44); a testemunha HH, indicado pela Autora (Diligência_1322- 21.2T8LRA_2024-05-29_09-53-13, entre os minutos 00:49:17 e 00:51:40);
51. Devem igualmente os factos n.º 33 e 34 da lista de factos não provados ser dados como provados, não tendo sido analisada nem criticamente analisada a prova documental junta aos autos, designadamente os docs. 88, 89 e 90 juntos com a contestação do 1.º Réu;
52. Em estreita conexão com os pontos 35 e 36 da lista de factos não provados, que deveriam ter sido considerados provados, considerou todavia provado o Tribunal de 1.ª instância, no ponto 103 da lista de factos provados, que “ao longo do primeiro trimestre de 2018 continuaram as interações entre os Bancos do Sindicato, o Grupo B... e os seus assessores (LL e R...), com a elaboração de uma minuta de Acordo Global datada de 21.02.2018 elaborada pela LL e R..., com as últimas propostas de fichas técnicas disponibilizadas pela R.... Tal minuta (constante da lista de factos provados – cfr. acordo global revisto 20/2/2018, junto com a contestação do 1.º Réu como doc. 91) teve por base as fichas técnicas elaboradas pelos Bancos em conjugação com a R..., e foi aprovada por todas as instituições financeiras envolvidas no processo de reestruturação, incluindo a Autora. A Autora havia aprovado internamente as condições em que aceitava reestruturar a dívida do Grupo em dezembro de 2017, condições que viriam a ser posteriormente incluídas no Acordo Global cuja minuta final foi junta sob o n.º 91 com a contestação do 1.º Réu, circunstancialismo que encontra respaldo no depoimento da testemunha CC (Diligencia_1322-21.2T8LRA_2024-06-27_09-56-49, entre os minutos 00:40:56 e 00:41:46), no depoimento testemunha da Autora HH (Diligência_1322-21.2T8LRA_2024-05-29_09-53-13, entre os minutos 00:53:57 e 00:54:31), no depoimento da testemunha da Autora DD (Diligencia_1322-21.2T8LRA_2024-05-15_15-45-14, entre os minutos 00:26:16 e 00:28:54);
53. As sociedades do Grupo B... aceitaram as condições definidas, tendo encetado diligências no sentido de dar cumprimento às condições que então lhe foram exigidas pelos bancos, entre os quais a Autora, ou seja, de reestruturar a dívida nas outras Instituições de Crédito de menor envolvimento, o que foi feito – cfr. doc. 92 junto com a contestação do 1.º Réu, relevante para prova do facto não provado n.º 36. A este propósito (facto não provado n.º 36), atente-se desde logo no depoimento da testemunha CC (Diligencia_1322- 21.2T8LRA_2024-06-27_09-56-49, entre os minutos 00: 43:18 e 00:45:08); no teor do depoimento da testemunha da Autora HH nesta matéria (Diligência_1322-21.2T8LRA_2024-05- 9_09-53-13, entre os minutos 00:56:41 e 00:57:50);
54. Desconsiderou também o Tribunal recorrido, para prova da factualidade constante dos factos não provados n.º 37 a 43, a seguinte prova: a) doc. n.º 93 junto com a contestação do 1.º Réu (que atesta que a PNCB remete uma proposta que foi aceite integralmente pelas sociedades do Grupo, conforme mail de 28/6/2019 (ver mail de 28/6/2019 – doc. n.º 94 junto com a contestação do 1.º Réu); b) doc. n.º 95 junto com a contestação do 1.º Réu - email de 5/7/2019, que evidencia que próprio Banco 4..., S.A., invocado como razão para entrada na
PNCB (cfr. facto provado n.º 110), começou a solicitar elementos para o seu departamento de Compliance, claramente demonstrador de que a proposta de 28.06.2019 tinha sido aceite e que se iniciou a preparação da formalização do acordo; c) docs. n.º 96, 97 e 98 juntos com a contestação do 1.º Réu – que evidencia que, em Novembro, e fruto de uma deriva/imposição da Autora Banco 2..., são sugeridas novas condições que agravavam sobremaneira a última proposta e nada tinham a ver com qualquer proposta feita, até à altura, pela PNCB (cfr. Quadro de referência negocial da PNCB de 25/9/2018; Solução de Negociação 28/3/2019; Anexo 26.06.2019); d) Depoimento da testemunha CC (Diligencia_1322-21.2T8LRA_2024-06-27_09-56-49, entre os minutos 00:46:31 e 00:50:49);
55. Cabe ainda dar como provados os factos n.º 44 a 47 da lista de factos não provados e que encontram respaldo na seguinte prova: a) Docs. n.ºs 102, 103 e 104 juntos com a contestação do 1.º Réu – Que comprovam o envio para a Autora dos termos do Acordo formalizado com o Banco 3... e resposta da Autora, no dia 06.04.2020, a enunciar os termos aprovados pela sua Comissão Executiva no tocante às condições para se avançar com a cessão de créditos, com subsequente resposta da Comissão executiva do grupo a aceitar a condições essenciais do negócio (doc. 20 resposta da Autora); b) Depoimento da testemunha CC (Diligencia_1322-21.2T8LRA_2024-06-27_09-56-49, entre os minutos 00:50:51 e 00:54:12); depoimento da testemunha DD (Diligencia_1322-21.2T8LRA_2024-05-15_15-45-14, entre os minutos 00:29:53 e 00:31:51 e entre os minutos 00:36:14 e 00:36:37);
56. Deve, assim, e em consequência, o facto provado n.º 124 (parte final) ser alterado, passando a contar apenas provado que “124. Em 14.04.2020 decorreu uma reunião via zoom com a Dr.ª MM e o Dr. NN (na qualidade de representantes da Banco 2...)”, uma vez que a versão conferida pelo tribunal recorrido é contraditória com o actual ponto 125 da lista de factos provados e com os pontos 44 a 47 da matéria de facto não provada, a qual deverá ser considerada provada pelo Tribunal ad quem;
57. Face à sobredita alteração à matéria de facto, não se verificam os pressupostos enunciados nos artigos 610.º e 612.º do Código Civil, normas jurídicas essas que foram indevidamente mobilizadas na decisão recorrida para sustentar a procedência da impugnação pauliana;
58. Acresce que a decisão de 1.ª instância viola igualmente as mais elementares regras do ónus da prova, ex vi artigo 342.º do Código Civil, considerando indevidamente provada (como melhor explanado supra) factualidade que a Autora não logrou provar nos autos;
59. Assim, e no âmbito do recurso quanto à matéria de Direito, cabe salientar que a decisão a quo violou os artigos 1.º, n.ºs 2 e 3, 5.º, 6.º e 8.º, alíneas a) e b) e 9.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro (na versão mais recente que lhe foi conferida pelo DL n.º 123/2023, de 26/12 – e doravante “regime da CCG”), do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil e dos artigos 576.º, n.º 3 e 578.º do CPC;
60. Isto porque o Tribunal recorrido procedeu, ab initio, a uma flagrante violação do artigo 1.º, n.º 2, do Regime das CCG, limitando-se a discorrer sobre se os contratos em causa são (ou não) contratos de adesão, mas esquecendo que tal regime se aplica igualmente “às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar”, na sequência da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 249/99, de 07/07. Como corolário da impugnação/alteração ao nível da matéria de facto previamente suscitada, deverá ser dado como provado o facto não provado n.º 1 constante da sentença recorrida, ou seja, que as cláusulas e o conteúdo que integram todos os contratos aí enunciados foram previamente redigidos pela Autora, sem qualquer discussão ou negociação com o 1º Réu, que se limitou a aceitar as condições previamente determinadas, porque eram as únicas aceitáveis para o sindicato bancário de que a Autora fazia parte viabilizar a reestruturação das dívidas das sociedades do Grupo B...;
61. No entanto, e sem prejuízo da alteração à matéria de facto dada como provada e não provada, o que resulta do artigo 1.º, n.º 2, do regime das cláusulas contratuais gerais, é que essa prova – de que tais cláusulas foram objecto de prévia discussão e negociação entre as partes – cabia à Autora, mas o Tribunal recorrido não verteu na lista de factos provados nenhum facto do qual se possa retirar que a Autora cumpriu com esse ónus da prova – cfr. pontos 1 a 141 da lista de factos provados (páginas 10 a 43 da sentença ora impugnada), violando assim os números 2 e 3 do artigo 1.º do Regime das CCG e o artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil;
62. Em face do exposto, dúvidas não restam que estamos perante cláusulas contratuais gerais
inseridas em contratos individualizados, inexistindo prova nos autos que ateste o contrário, pelo que, em consequência, há um conjunto de deveres legais que impendem sobre o predisponente que se socorre de tais cláusulas e que estão consagrados nos artigos 5.º e 6.º de tal diploma legal, que foram inobservados in casu, o que foi também descurado pelo Tribunal recorrido;
63. Dos normativos previstos nos artigos 5.º e 6.º do DL 446/85 resulta que a lei impõe, não apenas o dever de comunicação das cláusulas gerais dos contratos, como ainda o dever de informação ou de aclaração do conteúdo e sentido das ditas cláusulas, sendo que, de entre as cláusulas que carecem, naturalmente, de especial informação, estão precisamente aquelas que respeitam às consequências da resolução do contrato por incumprimento das respectivas obrigações contratuais e, com relevância para o caso sub judice, aos termos em que os contratos subscritos pelo Primeiro Réu e respectivos anexos, assim como as livranças avalizadas em branco pelo Primeiro Réu deveriam ter sido preenchidos;
64. A exigência de comunicação contida no artigo 5° do diploma em apreço pressupõe, deste modo, a comunicação na íntegra e, para além disso, que tal comunicação seja adequada e atempada, o que facilmente se constata não ter sucedido no caso em apreço, uma vez que o clausulado foi alterado no dia da assinatura dos documentos, na sede da sociedade de advogados contratada para assessorar os bancos, numa reunião que se iniciou pelas 16 horas e terminou a altas horas da madrugada, sem que os intervenientes pudessem sequer ler, reler ou reflectir acerca do clausulado e/ou suas alterações, o que significa que tal comunicação - como exige o mencionado artigo 5° - tem de ser feita por forma adequada e com a antecedência necessária ao conhecimento completo e efectivo do aderente, o que não se verificou;
65. De recordar que as cláusulas inseridas nos contratos em causa (juntos como docs. nºs 7, 9, 12, 14, 16, 18, 20 e 23 com a PI) e respectivos pactos de preenchimento das livranças e demais anexos, são contratos de enorme extensão e complexidade jurídica e financeira, envolvendo uma multiplicidade de termos, conceitos, pressupostos e consequências, no plano jurídico e económico, só perceptíveis e alcançáveis com facilidade por quem lida profissionalmente com estas questões e por quem tem preparação académica e profissional nas referidas áreas. O Primeiro Réu não tem formação na área jurídica, nem na área económica ou financeira, não dominando, por isso, os conceitos e/ou a terminologia própria e específica da área jurídica e/ou da área económico-financeira.
66. Com a alteração à matéria de facto – em concreto, ao darem-se como provados os factos n.º 1 a 29 da actual lista de factos não provados e os factos aditados que se requerem supra no
segmento do recurso atinente à matéria de facto -, a consequência imediata será, obviamente, a exclusão de tais cláusulas dos contratos individualizados onde foram inseridas, por violação do artigo 5.º, do artigo 6.º e como consequência das alíneas a) e b) do artigo 8.º do Regime das CCG.
67. Em concreto, serão deverão ser excluídas dos contratos individualizados onde foram inseridas as seguintes cláusulas contratuais gerais:
i. Do “Acordo Quadro” celebrado em 6 de setembro de 2013 (doc. 7 junto com a PI): a cláusula sexta, ponto 6.5., e as cláusulas 20.º e 21.º do referido Acordo;
ii. Da Alteração ao “Contrato de Mútuo e Abertura de Crédito” celebrado em 25 de julho de 2007 (doc. 9 junto com a PI): as cláusulas 8.ª, 15.ª e 16.º do Acordo;
iii. Do Contrato de Regularização de Créditos celebrado a 19 de dezembro de 2013 (doc. 12 junto com a PI): as cláusulas 8.ª, 15.ª e 16.ª do contrato;
iv. Da “Alteração ao Contrato de Empréstimo celebrado em 23 de agosto de 2004” (doc. 14 com a PI): as cláusulas 8.ª, 15.ª e 16.ª do contrato;
v. Do Contrato de Reestruturação de Crédito” (doc. 16 com a PI): as cláusulas 8.ª e 15.ª do contrato;
vi. Do “Contrato de Financiamento sindicado à B... SGPS” (junto como doc. 18 com a PI): as cláusulas 11.ª e 15.ª do contrato;
vii. “Contrato de Abertura de Crédito e de Reconhecimento e Assunção de Dívida” (doc. 20 junto com a PI): as cláusulas 12.ª e 13ª, em concreto, a alínea a) do n.º 1 da cláusula 13.ª do contrato;
viii. Do “Contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente com Aval” (doc. 23 com a PI):
as cláusulas 15.ª e 17ª, em concreto, a alínea a) do n.º 1 da cláusula 17.ª do contrato;
68. Não foi igualmente comunicado nem informado ao Recorrente o teor dos “Pactos de Preenchimento” das Livranças por si avalizadas e que figuram como anexos aos contratos supra mencionados, pelo que tais acordos deverão ser considerados nulos, nos termos e para os efeitos previstos no n.º 2 do artigo 9.º do Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro;
69. Independentemente da sobredita alteração ao nível da matéria de facto, sempre haveria que considerar tais cláusulas excluídas dos referidos contratos, em face das regras atinentes à repartição do ónus da prova. – cfr. n.ºs 1 e 3 do artigo 5.º e artigo 6.º do Regime das CCG. Inexiste, como vimos, na lista de factos provados elaborada pelo Tribunal recorrido, um único facto do qual resulte a evidência de que a Autora cumpriu com tal ónus;
70. Estamos perante excepções peremptórias que, nos termos do artigo 576.º, n.º 3 e 578.º do CPC, impedem a produção dos efeitos jurídicos decorrentes dos factos alegados pela Autora, conduzindo, in casu, à absolvição total do 1.º Réu do pedido;
71. Acresce, por outro lado, que também não se verifica o requisito da anterioridade do crédito, violando-se igualmente o artigo 1.ª parte da alínea a) do 610.º do CC e os artigos 1.º e 75.º da LU (“Lei Uniforme”);
72. O 1.º Réu não interveio como mutuário nos contratos de financiamento dos quais emerge o alegado crédito da Autora, tratando-se de um avalista, que subscreveu subscrever uma livrança em branco;
73. A mera subscrição e entrega do título em branco não constitui uma vinculação cambiária, antes representando um simples “embrião” – como refere Carolina Cunha (“Aval e Insolvência”, Almedina, pg. 21, estamos perante uma fattispecie complexa, no sentido de que “só quando se possam dizer reunidos todos os elementos desembocará na criação de uma verdadeira obrigação cartular”. Por um lado, tal fattispecie poderia nunca chegar a ser completada, caso a(s) mutuária (s) cumpram o contrato – caso em que a obrigação cambiária também nunca se poderia dizer como tendo sido constituída; por outro, os negócios cambiários são negócios formais, pelo que o nascimento da obrigação cartular está dependente da observância dos requisitos que a lei exige e que estão consagradas nos artigos 1.º e 75.º da Lei Uniforme (“LU”), o que só se verifica no momento do preenchimento;
74. Das livranças avalizadas (em branco) pelo 1.º Réu, apenas uma foi preenchida pela Autora Banco 2... – cfr. artigo 55.º da PI e facto provado n.º 55. Tal livrança que serve de título executivo no âmbito da acção executiva intentada pela Banco 2... contra a M... e respectivos accionistas – entre os quais o aqui 1.º Réu – apenas foi preenchida no dia 18.01.2021. (cfr. doc. 4 anexo ao requerimento executivo junto como doc. 61 nos presentes autos e facto provado n.º 55), pelo que o nascimento da obrigação cartular (a única que vincula o 1.º Réu) apenas ocorreu com o preenchimento do título, no dia 18.01.2021, sob pena de um entendimento diverso violar o disposto nos artigos 1.º e 75.º da LU;
75. Tendo em consideração que a escritura pública de transmissão do usufruto e compra e venda, nos termos da qual o 1º Réu vendeu à 2ª Ré o usufruto vitalício do imóvel ...54 e vendeu à 3ª Ré a nua propriedade do Imóvel, (doc. 58 do Apenso A a fls. 375 a 377 do Apenso A) foi celebrada no dia 13 de janeiro de 2017 e que a Escritura de Partilha por Divórcio, Dação em Pagamento e Penhor, no âmbito do qual foi transmitido o imóvel ...53 à 2ª Ré, através de dação em pagamento para pagamento parcial das tornas devidas à 2ª Ré, ocorreu a 30 de Outubro de 2020, não se verifica o requisito da anterioridade do crédito previsto na 1.ª parte da alínea a) do artigo 610.º do CC.
76. Seria constitucionalmente inadmissível a interpretação do artigo 610.º do CC no sentido de se propugnar que, para aplicação da alínea a), o momento relevante para apurar a anterioridade do crédito face à data da transmissão, quando aquele se baseia em livrança avalizada em branco, é o da constituição do aval, por violação do princípio da autonomia privada (e dentro desta, de uma das suas mais relevantes manifestações, qual seja a da liberdade contratual), implicitamente prevista no artigo 2.º e n.º 1 do artigo 26.º da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade essa que desde já se invoca para os devidos e legais efeitos, por violação dos preceitos constitucionais supra aludidos, os quais encontram consagração legal expressa no artigo 405.º do CC, pois seria intolerável admitir que, por referência a avales prestados em branco destinados a garantir o cumprimento de responsabilidades de terceiros, o avalista se visse cerceado (durante a pendência dos contratos que servem de base à subscrição e avalização das livranças e em momento anterior ao preenchimento do título que determina o nascimento da obrigação cartular), no que toca à sua autonomia privada e liberdade contratual, da possibilidade de celebrar negócios jurídicos (onerosos ou gratuitos) quando e com quem bem entender, estando de boa-fé e não tendo qualquer intenção de prejudicar os (potenciais) credores – como sucedeu no caso sub judice;
77. Por outro lado, a Autora não provou que os actos em causa se traduziram numa diminuição da garantia patrimonial do crédito;
78. Como corolário da supra intencionada alteração à matéria de facto dada como provada – designadamente ao ponto n.º 80 da actual lista de factos provados -, e analisando a globalidade das partilhas efectuadas e dos atos de transmissão em causa dos presentes autos, constata-se que o 1.º Réu viu ingressar no seu património activos num total de 2.615.287,07 € (considerando, no entanto, que o activo de 1.310.287,07 € corresponde apenas ao valor nominal das participações sociais, não estando determinado o seu real valor nos presentes autos, ao contrário do activo respeitante aos bens imóveis, o qual foi objecto de avaliação pericial com determinação do respectivo valor de mercado); consta dos factos provados que os actos em causa objecto dos presentes autos implicaram a alienação pelo 1.º Réu do imóvel ...54 pelo valor patrimonial tributário (conforme acordado com a 2.ª Ré no âmbito do divórcio e subsequente partilha dos activos), que à data da sua alienação teria um valor de mercado de 1.309.000,00 € e do imóvel ...53, que à data da transmissão teria um valor de mercado de 1.289.000,00 €, num total de 2.598.000,00 €;
79. Por último, e como consequência da alteração à matéria de facto, designadamente e quanto a este requisito, ao ponto número 76, não fica indiciada ou provada qualquer actuação concertada dos Réus e a má-fé do 1.º Réu. Aliás, cabendo à Autora a prova dessa mesma má-fé, inexiste qualquer prova bastante nos autos da qual se possa extrair tal conclusão;
80. O 1.º Réu nunca agiu com o fito de que os actos objecto da presente demanda pudessem prejudicar qualquer potencial credor.
81. Consequência da procedência do recurso e da alteração à matéria de facto, será a constatação disso mesmo, ou seja, de que o 1.º Réu não só não agiu de má-fé, como o seu comportamento foi de acordo com os ditames da boa-fé, dando cumprimento ao acordado com a 2.ª Ré no âmbito do divórcio e sempre crendo que a reestruturação negociada com a Autora seria concretizada com sucesso, à semelhança do que sucedeu com o Banco 3...;.
82. Ao dar como provada a má-fé do 1.º Réu, o Tribunal de 1.ª instância viola o disposto no artigo 342.º do Código Civil, porquanto a Autora não logrou fazer qualquer prova relacionada com a má- fé do 1.º Réu.
Nestes termos e nos demais de Direito, deverá o presente recurso ser julgado totalmente procedente, por provado e, em consequência, Revogar-se a decisão recorrida, absolvendo-se o 1.º Réu da instância, Assim se fazendo JUSTIÇA!”
I - O recurso interposto pelo Recorrente carece em absoluto de fundamento, visando unicamente obstar ao cumprimento judicial das suas obrigações.
II - Conforme resulta do disposto no artigo 608.º, n.º 2, em conjugação com os artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, todos do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objeto.
III - O Recorrente considera que não se verificam os pressupostos do instituto da impugnação pauliana, requerendo em primeiro lugar a alteração da factualidade dada como provada e posteriormente a interpretação e aplicação diversa das regras aplicáveis ao presente caso.
IV - Quanto à impugnação da decisão da matéria de facto, o Recorrente considera que os factos dados como não provados sob os números 1 a 29, que se reportam à qualificação dos contratos de financiamento celebrados entre a Recorrida, o Recorrente e a 2.ª Ré, devem ser dados como provados, pois, segundo aquele, foi produzida prova suficiente para os qualificar como contratos de adesão, nomeadamente decorrente do depoimento de parte do Recorrente e do depoimento da testemunha CC.
V - Basta uma análise superficial dos contratos de financiamento em questão para chegar à conclusão de que os mesmos não podem ser qualificados como contratos de adesão e, como tal, não estão sujeitos ao regime jurídico das cláusulas contratuais gerais.
VI - São contratos extensíssimos e complexos, tendo sido prolongadamente discutidos entre os intervenientes e que terminaram com a sua formalização, tendo o Recorrente expressamente consentido com o estipulado ao apor a sua assinatura neles.
VII - Nem de outra forma poderia imaginar-se ser, dado que o Acordo Quadro configura uma reestruturação financeira de mais de 400 milhões de euros, celebrado em sindicato bancário entre a Recorrida, o Banco 5..., a Caixa Leasing e Factoring e o Banco 3..., por um lado, e diversas sociedades do Grupo B... e os seus acionistas por outro, pelo que é inconcebível pensar-se que se trata de um contrato de mera adesão.
VIII - Todos os intervenientes estiveram devidamente assessorados, tendo o Recorrente e a sua ex-mulher tido a assessoria jurídica quer dos advogados internos do Grupo B..., quer da sociedade de advogados OO ao longo dos vários meses da discussão e negociação do teor das cláusulas contratuais.
IX - É evidente que os assessores jurídicos procuraram salvaguardar os interesses dos avalistas durante o longo período negocial. Nesse sentido e com particular relevância para a questão em discussão, veja-se a título exemplificativo os documentos juntos como Docs. 4 a 8 da resposta da Recorrida às exceções deduzidas pelo Recorrente a propósito das discussões em curso acerca das minutas do Acordo Quadro e demais contratos associados, bem como os
respetivos anexos entre os quais constam os Pactos de Preenchimento das livranças. Nestes demonstra-se, por exemplo, que por exigência do Grupo B... se consignou a obrigação de devolução ou distrate das anteriores livranças, substituindo-as por novas, o que evidencia que os interesses dos avalistas estavam devidamente acautelados pelos seus assessores jurídicos.
X - Importa também ter presente que a reestruturação operada por via do Acordo Quadro, em setembro de 2013, incidia sobre financiamentos anteriores em incumprimento (designadamente a Tranche I do Acordo Quadro que se reporta à Reestruturação dos financiamentos anteriores em incumprimento), os quais tinham já na sua maioria o aval dos acionistas – entre os quais o aqui Recorrente.
XI - Não é portanto crível que o Recorrente, acionista majoritário de um dos maiores grupos empresariais nacionais, com vasta experiência em contratos de financiamento, desconhecesse os termos de um acordo de reestruturação tão relevante, especialmente quando as cláusulas em questão, referentes à mora, capitalização, sanação, vencimento antecipado, preenchimento de livranças, etc., são cláusulas comuns neste tipo de contratos.
XII - É falso que haja dois pesos e duas medidas na valoração do Tribunal a quo dos depoimentos das testemunhas. O que sucedeu é que aquele, ao abrigo do rincípio da livre apreciação da prova, considerou que a testemunha CC não era um simples colaborador das empresas do Grupo B..., agora Grupo C..., tal como as testemunhas arroladas pela Recorrida são colaboradores da mesma, sendo antes uma parte verdadeiramente interessada no desfecho da ação, por não só ser o CEO do Grupo C..., como também o CEO e acionista da D..., empresa que se propôs comprar os créditos detidos pela Recorrida e por outras entidades bancárias sobre as sociedades do Grupo B.... Se a argumentação do Grupo B... vingasse e daí resultasse a inexistência dos créditos detidos pela Recorrida sobre as empresas do Grupo B... e do Recorrente, então o passivo das mutuárias seria drasticamente reduzido, o que beneficiaria a posição da D..., detentora do passivo remanescente e, consequentemente, beneficiaria pessoalmente a testemunha CC.
XIII - Contrariamente, as testemunhas arroladas pela Recorrida mostraram-se imparciais e com um conhecimento direto e detalhado dos factos. Quanto à questão da negociação do Acordo Quadro e dos restantes contratos de financiamento salienta-se o depoimento da testemunha EE (Diligencia_1322-21.2T8LRA_2024-05-29_11-20-25 entre os minutos 00:04:27 e 00:13:43), que confirmou a negociação até à exaustão de cada cláusula, que o Recorrente e a 2.ª Ré estiveram sempre devidamente assessorados, que já tinham intervindo anteriormente em contratos celebrados com a Recorrida, cuja reestruturação do crédito vencido estava então a ser negociado, tendo ainda confirmado que no dia da assinatura do Acordo Quadro foi apenas necessária a atualização do valor dos juros em mora.
XIV - Confirmou também que os demais contratos de financiamento, dependentes do Acordo Quadro foram negociados com o mesmo grau de detalhe e discussão e que as partes estavam assessoradas pelos advogados internos (Diligencia_1322- 21.2T8LRA_2024-05-29_11-20-25 entre os minutos 00:13:48 e 00:16:08).
XV - Pelo que, bem considerou o Tribunal a quo que os contratos em questão não correspondem a contratos de adesão, e, mesmo que o fossem, ficou devidamente demonstrado que a Recorrida informou e explicou devidamente os termos dos contratos. Por outro lado, não foi feita qualquer prova de que o Recorrente, ou as sociedades do Grupo B..., tenham solicitado qualquer esclarecimento que não tenha sido respondido.
XVI - Como tal resulta claro que bem andou o Tribunal a quo ao considerar como não provados os factos n.ºs 1 a 29, pelo que a pretensão na alteração da qualificação destes factos, e a pretensão do aditamento do novo facto quanto a esta matéria não deve ser admitida.
XVII - O Recorrente não concorda também com a decisão do Tribunal a quo de considerar como provados os factos n.ºs 5 e 76 a 79 que se reportam à habitação na mesma morada por parte do Recorrente e a 2.ª Ré e pela sua atuação concertada nas transmissões dos prédios ...53 e ...54 com vista a proteger o património dos interesses dos credores.
XVIII - Alicerça o Recorrente a sua pretensão nos depoimentos de parte do Recorrente e da 2.ª Ré, bem como no depoimento da testemunha FF.
XIX - Ora, os depoimentos de parte têm o propósito essencial de obter uma confissão do depoente, logo, dificilmente poderia, por si só, comprovar os factos favoráveis de que o Recorrente se pretende socorrer, quando não são corroborados por quaisquer outros elementos probatórios.
XX - Querer atribuir um valor probatório (favorável) aos depoimentos de parte idêntico ao valor probatório das demais testemunhas, que se revelaram imparciais, é inadmissível, pois os Réus, tendo óbvio interesse no desfecho da ação, não depuseram de forma a comprometer a sua posição, como era expectável.
XXI - Por outro lado, o depoimento da testemunha FF foi, no máximo e com boa vontade, simplesmente vago. Na verdade, esta testemunha, irmã da 2.ª Ré, não referiu qualquer facto do qual tivesse conhecimento direto e detalhado, limitando-se a tecer comentários genéricos e sem concretização sobre o que ouviu dizer, pelo que bem esteve o Tribunal a quo ao relativizar o valor probatório do seu depoimento.
XXII - Quanto à residência do Recorrente e da 2.ª Ré no prédio ...54, ambos os Réus confessaram no seu depoimento de parte que residem nessa mesma morada, embora tenham clarificado que vivem em pisos diferentes o que, para os efeitos que aqui nos trazem, pouca ou nenhuma relevância tem.
XXIII - É que, para além de partilharem a mesma residência, tal como resulta da certidão comercial junta como Doc. 2 da Petição Inicial e do facto dado como provado sob o n.º 6, em 10 de outubro de 2018, o Recorrente e a 2.ª Ré constituíram, juntamente com outros dois sócios, a sociedade F..., Lda., atualmente denominada G..., tendo aqueles assumido a gerência conjunta desde 18 de maio de 2020. Ambos também constituíram, em 12 de setembro de 2016, ou seja, dois meses antes da dissolução do respetivo casamento, a sociedade A..., S.A., juntamente com as sua duas filhas, então com 22 e 18 anos, e com KK, tendo este último ficado com apenas 0,01% do capital social e a família do Recorrente com 99,99%, conforme documentos juntos com a Petição Inicial nºs 2 e 3.
XXIV - Daqui decorre que, além de partilharem o mesmo teto, efetivamente o Recorrente e a 2.ª Ré mantiveram uma relação profissional próxima, para além de manterem a relação pessoal, quer partilhando a gerência de uma sociedade constituída já após a dissolução do casamento (a F..., Lda.), quer através da realização de projetos conjuntos através da sociedade A..., S.A, pelo que nenhum reparo merece a decisão do Tribunal a quo quanto aos factos dados como provados sob os n.ºs 5 e 79.
XXV - Quanto à atuação concertada dos Réus com vista à proteção do seu património, o Recorrente entende que nenhuma prova foi produzida nesse sentido, antes pelo contrário, tendo sido contrariada pelos depoimentos de parte do Recorrente e da 2.ª Ré.
XXVI - A má fé dos Réus, que a Recorrida logrou demonstrar e que no caso das ações de impugnação pauliana se traduz na consciência de que a transmissão causa prejuízo ao credor, é, naturalmente, um requisito legal de difícil demonstração, exatamente porque os Réus de uma ação de impugnação pauliana nunca admitem que transmitiram o bem para proteger o seu património face aos credores, nem existem elementos escritos ou prova testemunhal que
comprovem tal intenção.
XXVII - Não havendo uma confissão expressa por parte dos Réus, como por regra não existe, a decisão tem de partir da conciliação de todos os elementos objetivos disponíveis com os juízos presuntivos obtidos a partir da prova produzida à luz dos critérios de experiência, lógica e normalidade.
XXVIII - A nossa jurisprudência é consensual ao entender que nas ações de impugnação pauliana assume especial relevância a prova indirecta, por presunção judicial, ilações que o julgador tira de um facto conhecido (facto base da presunção) para afirmar um facto desconhecido (facto presumido), segundo as regras da experiência da vida, da normalidade, dos conhecimentos das várias disciplinas científicas, ou da lógica (cfr. Ac. TRC, de 14.09.2020, Proc. 3006/15.1T8LRA.C1, Relator Jorge Arcanjo, disponível em ww.dgsi.pt).
XXIX - No caso em concreto, foram estes os factos que resultaram demonstrados e que levaram o Tribunal a quo a determinar a atuação concertada dos réus:
a. O incumprimento das obrigações decorrentes do Acordo Quadro iniciou-se em 2014, mas generalizou-se em julho de 2016, conforme factos dados como provados sob os n.ºs 44, 47 e 84 a 88;
b. O Recorrente e a 2.ª Ré dissolveram o seu casamento em ../../2016, quatro meses após o incumprimento generalizado das obrigações do Acordo Quadro;
c. A sociedade A..., S.A., que o Recorrente, a 2.ª Ré e as suas duas filhas detêm em 99.99%, foi constituída no dia 12 de setembro de 2016, dois meses após o incumprimento generalizado das obrigações assumidas no Acordo quadro, conforme factos dados como provados sob os n.ºs 8 a 11;
d. No dia 13 de janeiro de 2017, quatro meses após a constituição da sociedade A..., S.A., o Recorrente vendeu-lhe a nua propriedade do prédio ...54, a sua casa de morada, pelo valor de € 223.128,00, conforme Doc. 68 da Petição Inicial;
e. No mesmo ato, o Recorrente vendeu à 2ª Ré, dois meses após a dissolução do seu casamento, o direito ao usufruto vitalício do prédio ...54, pelo valor de € 148.752,00, ainda que tenham os dois continuado a habitar a casa;
f. Em conjunto, o Recorrente vendeu a nua propriedade e o direito de usufruto do prédio ...54 por € 371.880,00, tendo sido apurado através da perícia realizada que o valor de mercado do prédio ...54 à data da transmissão era de € 1.309.000,00, conforme facto dado como provado
sob o n.º 72;
g. O preço da nua propriedade seria pago pela sociedade A..., S.A., após um período de carência de dois anos, em doze prestações trimestrais sucessivas, no valor de € 18.594,00, cada, o que é uma forma de pagamento fora da normalidade comercial e em claro
prejuízo do Recorrente, vide Doc. 68 da Petição Inicial;
h. A Recorrida interpelou o Recorrente para o pagamento da dívida em 29 de setembro de 2020 e, por carta datada de 22 de outubro de 2020, comunicou-lhe o vencimento antecipado da totalidade da dívida, concedendo-lhe um prazo de 10 dias para regularizar a situação, conforme factos dados como provados sob os n.ºs 48 a 50;
i. Ora, dentro do referido prazo concedido, o Recorrente não procedeu ao pagamento da dívida, mas transmitiu o prédio ...53 à sua ex-mulher, aqui 2.ª Ré;
j. Na verdade, por escritura de partilha por divórcio, dação em pagamento e penhor, celebrada em 30 de outubro de 2020, o Recorrente transmitiu o prédio ...53 à 2.ª Ré através de dação em pagamento para pagamento parcial das tornas, conforme Doc. 63 da Petição Inicial;
k. Ao prédio ...53 foi atribuído o valor de € 319.240,00, sendo que resultou da perícia que este imóvel tinha à data da transmissão o valor comercial de € 1.289.000,00, conforme facto dado como provado sob o n.º 73;
l. Salienta-se que o remanescente montante de tornas a pagar pelo Recorrente à 2.ª Ré, no valor de € 280.760,00, seria pago através da cessão do crédito que o Recorrente detinha sobre a A..., S.A., no valor de € 223.128,00, demonstrando que esta sociedade não pagou qualquer prestação pela aquisição do direito à nua propriedade do prédio ...54 e de um pagamento da quantia de € 57.632,00 de forma integral ou parcial a efetuar pelo Recorrente até 31 de outubro de 2030, o que novamente não corresponde aos normais termos comerciais,
conforme resulta do Doc. 63 junto com a Petição Inicial.
XXX - Destes factos resulta que o Recorrente entregou dois imóveis à sua ex-mulher e à sociedade que constituiu com esta e as duas filhas de ambos, pelo valor global de € 691.120,00, quando o valor comercial conjunto dos dois imóveis à data das transmissões ascendia a € 2.598.000,00, conforme resulta do relatório pericial.
XXXI - Por sua vez, a refutação do Recorrente assenta num alegado acordo global de partilha, onde, o Recorrente visava compensar a 2.ª Ré com as transmissões destes dois imóveis por ter recebido ações de menor valor na partilha anterior.
XXXII - Sucede que esta explicação dos Réus não tem qualquer sustentação probatória, pois, para além dos seus depoimentos de parte, apenas a testemunha FF mencionou algo relacionado com este acordo global, mas sem que nenhum deles o conseguisse sequer detalhar ou explicar.
XXXIII - Recaía sobre o Recorrente o ónus de prova quanto a esse alegado acordo global de partilha e também quanto à alegada necessidade de compensar a sua ex mulher decorrente de um desequilíbrio na partilha original, o que não se verificou.
XXXIV - Assim, o que releva para a ação é o que consta dos elementos probatórios, em especial o teor das escrituras das transmissões impugnadas. É que estas em nada estão relacionadas com a partilha conjugal.
XXXV - Com efeito, a transmissão do prédio ...54 em nada está relacionado com a partilha, pois é uma compra e venda de direitos reais sobre o imóvel. A contrapartida para a venda dos direitos é o preço, que foi fixado em € 371.880,00, quando o imóvel tinha o valor de € 1.309.000,00.
XXXVI - Já o prédio ...53 foi dado em pagamento para pagamento parcial de tornas, tendo-lhe sido atribuído o valor de € 319.240,00, quando o imóvel tinha o valor de € 1.289.000,00.
XXXVII - Como se viu, as partilhas em nada interferem com as transmissões impugnadas, pelo que esse alegado acordo global de partilha de nada relevaria para a decisão da presente ação. De qualquer das formas, veja-se que da referida partilha ocorrida em 2016, não só ingressou na esfera jurídica do Recorrente um conjunto de participações sociais no valor de € 1.310.287,07, como naturalmente e em contrapartida, saiu do seu património para integrar o da 2.ª Ré um conjunto de participações sociais no valor de € 1.238.448,50 (vide Doc. 7 junto com a Contestação do Recorrente), pelo que a diferença é meramente residual. Qualquer argumentação de que o Recorrente necessitava de compensar a ex-mulher pelo desequilibro dessa partilha, como aquele invoca, é pura especulação, pois nenhuma prova foi produzida nesse sentido.
XXXVIII - Recaía também sobre o Recorrente, nos termos do disposto no artigo 611.º do Código Civil, o ónus de prova de que aquelas participações sociais poderiam satisfazer o crédito da Recorrida, o que não foi feito.
XXXIX - Mesmo se, por mero exercício académico, considerássemos que a contrapartida do prédio ...53 fosse a metade de um terço indivisível do prédio ...64 e ...42 e não o valor que os Réus atribuíram na dação em pagamento (uma vez que o terço indivisível do prédio ...64 foi avaliado pelo perito em € 921.700,00 e o terço indiviso do prédio ...42 foi avaliado pelo perito em € 270.700,00, conforme resulta dos factos dados como provados sob os n.ºs 74 e 75), então o património comum dos Réus tinha o valor de € 1.192.400,00, pelo que cada Réu teria direito à correspondente metade, logo € 596.200,00.
XL - Daqui resulta que para receber esses dois prédios (metade do terço indiviso dos prédios ...64 e ...42), com o valor de € 596.200,00, o Recorrente entregou à 2.ª Ré o prédio ...53, com o valor de mercado de € 1.289.000,00, tendo ainda cedido àquela um crédito no valor de € 223.118,00 que detinha sobre a A..., S.A., e tendo ainda de pagar àquela a quantia de € 57.632,00.
XLI - Pelo que bem andou o Tribunal a quo ao considerar provados os factos n.ºs 76 a 79.
XLII - O Recorrente reclama ainda o aditamento de um novo facto à matéria dada como provada quanto às alegadas benfeitorias realizadas nos prédios ...53 e ...54 na constância do matrimónio entre o Recorrente e a 2.ª Ré. Sucede que, nem o Recorrente, nem os demais Réus alegaram qualquer facto quanto a esta matéria, pelo que a pretensão daquele não poderá ser acolhida.
XLIII - Acresce que a fundamentação da sua pretensão reside no depoimento prestado pela testemunha FF, que não apresentou nem rigor, nem substância para o efeito. Basta ver que a testemunha não concretizou quando nem que benfeitorias teriam sido feitas, pelo que de nada vale o seu depoimento para este efeito.
XLIV - O Recorrente pretende também alterar a redação do facto dado como provado sob o n.º 80 por forma a fazer constar um conjunto de outros bens como sendo da sua titularidade, nomeadamente imóveis e participações sociais. Quanto a esta pretensão faz-se novamente notar que o ónus de prova de que o devedor tem outros bens suscetíveis de satisfazer o crédito recai sobre o Recorrente. Como tal, não tendo sido feita prova cabal, nomeadamente documental, quanto ao mesmo, mas apenas sido lateralmente mencionado por testemunhas em sede de audiência de julgamento, não deve a redação do facto ser alterada.
XLV - O Tribunal a quo considerou como não provado que desde que foi detido (em abril 2015) o 1º R. ficou à margem da gestão e da atividade das sociedades do Grupo, sem qualquer acesso à informação corrente atinente às questões estratégicas, financeiras, económicas das sociedades do Grupo B... e de se envolver nos processos de decisão, vivendo à margem da vida societária das empresas do Grupo até 09 abril 2021 (data em que foi proferido despacho de não pronúncia do 1º Réu no âmbito do referido processo (facto dado como não provado sob o n.º 48). Também não considerou como provados os factos n.ºs 53 e 54 relacionados com a cessação da vida em comum enquanto casal dos Réus e o propósito de se divorciarem após a detenção do Recorrente.
XLVI - A única testemunha que depôs sobre esta matéria foi a irmã da 2.ª Ré, FF, que, como o Tribunal a quo bem assinalou, apenas confirmou o divórcio dos Réus e as contrariedades pessoais vivenciadas, sendo o seu depoimento naturalmente parcial face à relação familiar que tem com a 2.ª Ré.
XLVII - Bem andou o Tribunal a quo ao dar como não provados estes factos pois não é verosímil que o Recorrente, acionista maioritário de um dos maiores grupos de construção nacional, ficasse completamente à margem da gestão das empresas de que é dono, ao ponto de não fazer ideia se os empréstimos que avalizou, na ordem das quatro centenas de milhões de euros, estavam a ser cumpridos ou não.
XLVIII - Compreende-se a pretensão do Recorrente em ficcionar o pretenso afastamento da vida do Grupo B... em 2015, dado que o incumprimento generalizado das obrigações das sociedades do Grupo B... apenas ocorreu em 2016, para assim poder argumentar que o desconhecia. Sucede que o Acordo Quadro, celebrado em setembro de 2013, era já uma reestruturação de dívidas vencidas anteriores, tal como consta do facto provado n.º 13, e que logo a partir de 2014, as mutuárias entraram em incumprimento, como resulta do facto provado n.º 44, pelo que o Recorrente tinha bem noção do incumprimento em que as sociedades do Grupo B... se encontravam.
XLIX - Veja-se que, como decorreu do depoimento de parte do Recorrente, este reconheceu que até 2015 a Comissão Executiva lhe ia dando o ponto de situação das sociedades do Grupo B... (diligência_1322321.2T8LRA_2024-05-15_10-23-33, entre o minuto 00:34:11 e 00:35:57), tendo a testemunha CC também indicado que até 2015 prestava todas as informações relevantes aos acionistas nos denominados Conselhos de Transformação, e que depois desse momento informava os acionistas dos momentos chave das negociações (Diligencia_1322-21.2T8LRA_2024-06-27-09-56-49 entre os minutos 01:43:47 e 01:44:40).
L - Aceita-se que o Recorrente possa não ter intervindo diretamente nas negociações da reestruturação a partir de 2015, mas é seguro que lhe foram sempre sendo prestadas todas as informações por parte da Comissão Executiva quanto aos aspetos mais relevantes e não haverá, certamente, aspeto mais relevante que o incumprimento de um financiamento na ordem dos 400 milhões de euros.
LI - Não é também coerente e muito menos crível o Recorrente afirmar que se afastou totalmente da atividade das sociedades do Grupo B..., ao ponto de desconhecer sequer os incumprimentos das obrigações contratuais que avalizou, para se centrar na defesa do seu bom nome na Operação Marquês, quando o mesmo se encontrava ativamente a iniciar novos projetos societários, inclusivamente em conjunto com a sua ex-mulher.
LII - Acresce que nada foi demonstrado relativamente à intenção de os Réus pretenderem divorciar-se desde 2015, mas apenas em 2016 o terem logrado fazer, pelo que assim não merece qualquer censura a decisão do Tribunal a quo de considerar como não provados os factos sob os n.ºs 48, 53 e 54.
LIII - O mesmo se pode dizer quanto aos factos dados como não provados sob os n.ºs 55, 56 e 57, relativos ao distanciamento dos Réus a partir de 2016 e à decisão de não reatar a vida comum que determinou a conclusão do acordo de partilha em 2019. Quanto a estes factos nenhuma testemunha depôs consistentemente, como bem reconheceu o Tribunal a quo, sendo que os únicos documentos carreados para os autos quanto a esta matéria foram os comprovativos de sessões de terapia familiar ocorridas já no verão em 2019 e que não logra provar as teorias do Recorrente.
LIV - O Recorrente discorda também na decisão do Tribunal a quo quanto à qualificação como não provados dos factos n.ºs 58 e 61 que versam sobre o alegado acordo global de partilha. O facto n.º 58 reporta-se à data em que foi celebrada a transmissão do prédio ...53, que de acordo com o alegado pelo Recorrente apenas então sucedeu porque só nessa data foi obtida a necessária licença de utilização. Já o facto n.º 61 é relacionado com os termos do alegado acordo global de partilha e à necessidade de o Recorrente compensar a 2.ª Ré.
LV - Ora, como já referido por diversas vezes, estes factos não podiam ser dados como provados por não existirem elementos probatórios que os corroborassem. O Recorrente invoca factos meramente incidentais, sem qualquer nexo causal, para demonstrar esse alegado acordo global de partilha.
LVI - Nesse sentido, cumpre clarificar que a mera alteração da afetação do prédio ...53, de “armazéns e atividade industrial” para “serviços”, que aumentou o seu valor patrimonial tributário para € 319.240,00, conforme resulta do Doc. 82 da Contestação do Recorrente, em nada favorece a pretensão do Recorrente. Por um lado, não comprova os factos descritos sob os n.ºs 58 e 61 e, por outro, acaba por valorizar o imóvel de forma a prejudicar ainda mais os credores pela transmissão que foi efetuada.
LVII - De igual forma, o Doc. 83 junto com a Contestação do Recorrente, não demonstra nem que a transmissão do prédio ...53 pelo Recorrente à 2.ª Ré decorre do alegado acordo de partilha global, nem que aquela transmissão só foi possível após a obtenção da licença de utilização. Nada disso se retira do documento em questão.
LVIII - Pelo que não deve ser admitida qualquer alteração aos factos dados como não provados sob os n.ºs 58 e 61.
LIX - O Recorrente requer também a alteração dos factos não provados sob os n.ºs 59 e 60 que se reportam ao alegado desconhecimento da 2.ª Ré dos contratos de financiamento celebrados pelas sociedades do Grupo B... com os Bancos e dos respetivos incumprimentos por estas sociedades do Grupo B... aquando das transmissões.
LX - O Tribunal a quo considerou não ser crível que dadas as relações familiares e profissionais mantidas, nem a 2ª Ré, nem os sócios da 3ª Ré (ainda que esta última prosseguisse com o projeto pretendido), não estivessem cientes das dívidas e obrigações do 1º Réu, que não fossem conhecedoras do seu património, até pelos próprios preços negociados e a ausência de qualquer contraprestação efetiva, decisão que se aplaude, por ser essa a normal conclusão se ponderados os elementos carreados para os autos, calibrados com as regras de experiência comum.
LXI - Nesse sentido, recordem-se os factos dados como provados:
- A 2.ª Ré detinha em conjunto com o Recorrente várias sociedades. Isto não só demonstra a proximidade pessoal e profissional entre os dois, como também o facto de a 2.ª Ré ser alguém com conhecimento na área financeira e empresarial. - Mesmo após as partilhas, a 2.ª Ré manteve as participações sociais em várias sociedades como a S..., S.A., a T..., Lda., e a U..., Lda., tal como resulta do teor da relação de bens a partilhar, dado como provado sob o facto n.º 140.
- A 2.ª Ré, tal como confessa no artigo 7.º da sua Contestação, foi avalista de livranças de mútuos feitos ao Grupo B... e é garante das obrigações assumidas pelas empresas do Grupo B... no Acordo Quadro, tendo constituído penhor sobre as ações representativas do capital social da M... SGPS, S.A. Tal resulta da cláusula 13/5 do contrato de financiamento do New Money – Tranche 2, junto como Doc. 20 da Petição Inicial.
- A 2.ª Ré esteve presente na assinatura do Acordo Quadro, estando assessorada pelos advogados internos e externos do Grupo B... e pelo CEO e CFO do Grupo B..., pelo que sabia que o seu marido e ela própria eram garantes de uma dívida avultada perante o sindicato bancário, como resulta do seu depoimento de parte (Diligencia:1322-21.2T8LRA_2024-05-15_11-05-59 entre os minutos 00:06:50 e 00:08:09), do depoimento das testemunha EE (Diligencia_1322-21.2T8LRA_2024-05-29_11-20-25) entre os minutos 00:13:01 e 00:13:43) e do de DD (Diligencia_1322-21.2T8LRA_2024-05-15_15-45-14 entre os minutos 00:06:29 e 00:07:30)
- O Recorrente confessou que tinha conhecimento da situação de incumprimento quando ainda estava casado com a 2.ª Ré (Diligencia_1322-21.2T8LRA_2024-05-15_10-23-33 entre os minutos 00:34:11 e 00:36:15).
LXII - Ora, se considerarmos que o i) Recorrente tinha perfeito conhecimento da astronómica dívida que garantia pessoalmente e que se encontrava já em incumprimento; ii) que a 2.ª Ré tinha igualmente garantido tal dívida; iii) que ambos tinham sido devidamente assessorados aquando da celebração do Acordo Quadro; iv) que esse Acordo Quadro era já uma reestruturação de dívida passada vencida que também tinham garantido; v) que ambos tinham larga experiência no mundo empresarial e nos respetivos financiamento bancários e
vi) que o incumprimento se iniciou em 2014, quando ambos eram casados, faziam vida conjugal e partilhavam investimentos, é inverosímil considerar que a 2.ª Ré não tinha conhecimento da situação de incumprimento aquando das transmissões ocorridas em 2017 e 2020.
LXIII - Toda a demais cronologia já evidenciada concretiza ainda de forma mais visível o conhecimento do incumprimento das obrigações assumidas pelas sociedades do Grupo B... e o risco de ver o património do Recorrente ser executado, motivando as transmissões impugnadas:
- Os Réus divorciaram-se em ../../2016, quatro meses somente após o incumprimento generalizado das obrigações as empresas do Grupo B....
- Apesar do divórcio, que alegadamente estaria já em discussão desde a detenção do Recorrente em 2015, os Réus decidiram constituir a sociedade A..., S.A., no dia 12 de setembro de 2016, após o incumprimento generalizado das empresas do Grupo B... e apenas dois meses antes do divórcio dos Réus.
- Recorde-se que o Recorrente alegou que se queria afastar da sua vida empresarial a partir de 2015, pois queria focar-se na defesa do seu bom nome na Operação Marquês, mas tal não o coibiu de constituir esta empresa para supostamente iniciar um novo projeto hoteleiro.
- A estrutura acionista da sociedade era 9.99% do Recorrente, 10% da 2.ª Ré, 40% de cada uma das filhas e 0,01% de KK, sendo que as filhas àquela data tinham 22 anos (PP) e 18 anos (BB), conforme assentos de nascimento juntos como Docs. 5 e 6 da Petição Inicial, logo previsivelmente sem qualquer experiência societária ou empresarial, muito menos para assumir a exploração de projetos turísticos.
- A 2.ª Ré comprou o direito de usufruto vitalício da casa de morada de família (prédio ...54) pelo valor de € 148.752,00, tendo a A..., S.A., comprado a nua propriedade por € 223.128,00, em 13 de janeiro de 2017, ou seja, logo após o incumprimento generalizado, quando o imóvel tinha o valor de mercado àquela data de € 1.309.000,00.
- Apesar de o Recorrente ter vendido a casa de morada de família continuou e continua a residir nela.
- Após o divórcio, os Réus constituíram ainda a sociedade F..., Lda., assumindo a gerência conjunta da mesma desde 18 de maio de 2020.
- As cartas de interpelação dirigidas ao Recorrente foram expedidas pela Recorrida nos dias 29 de setembro de 2020 e 22 de outubro de 2020 e dirigidas para a casa de morada de família, onde quem habita formalmente é a 2.ª Ré. A última das cartas conferia um prazo de 10 dias para proceder ao pagamento, sob pena de prosseguir a cobrança do crédito judicialmente.
- Em resposta, no dia 30 de outubro de 2020 (8 dias após a carta de vencimento antecipado e ainda dentro do prazo concedido de 10 dias para proceder ao pagamento), o Recorrente deu em pagamento à 2.º Ré o prédio ...53, cujo valor de mercado àquela data era de € 1.289.000,00, tendo-lhe ao invés atribuído o valor de € 319.240,00 no negócio impugnado.
- Nessa partilha de 30 de outubro de 2020, em que o Recorrente tinha de pagar € 600.000,00 a título de tornas à 2.ª Ré, para além da dação do prédio ...53 por € 319.240,00, aquele pagou o remanescente do preço com a cessão do crédito que detinha sobre a A..., S.A., resultando daí que esse valor nunca tenha sido pago, ao arrepio do contratualizado no negócio de 13 de janeiro de 2017, demonstrando que estes negócios e transmissões não passam de um ato formal, sem correspondência material, apenas para proteger o património dos credores.
LXIV - Pelo que é ostensivo o conhecimento da 2.ª Ré do incumprimento das obrigações do Acordo Quadro pelas sociedades do Grupo B... e o seu propósito em proteger o património familiar dos credores, concluindo-se que não deve ser admitida qualquer alteração aos factos dados como não provados sob os n.ºs 59 e 60.
LXV - O Recorrente pretende ainda a alteração da qualificação dos factos não provados sob os n.ºs 62 e 63 para provados. Estes factos estão relacionados com a justificação para a criação da sociedade A..., S.A., e o seu propósito.
LXVI - Ora, mais uma vez, a justificação adiantada pelo Recorrente não tem qualquer estribo nas provas produzidas.
LXVII - Quanto ao Facto não provado n.º 63, para além de não ter qualquer sustentação probatória, confirmando-se, portanto, a correção da decisão do Tribunal a quo, cumpre esclarecer que pode o projeto hoteleiro ser legítimo e corresponder a um desejo efetivo dos Réus, sem que com isso a impugnação pauliana deixe de ser fundada e procedente, de molde a salvaguardar os interesses da Recorrida que viu a garantia patrimonial para satisfação do seu crédito por tal transmissão ficar diminuída.
LXVIII - Pelo que não deve ser feita qualquer alteração aos factos não provados sob os
n.ºs 62 e 63.
LXIX - O Tribunal a quo considerou como não provados os factos sob os n.ºs 64 e 65,
relativos ao propósito e razão para a celebração do contrato de arrendamento celebrado entre o Recorrente e a 3.ª Ré e que tem por objeto o prédio ...53 e para a compra dos prédios circundantes e para a compra do prédio ...54.
LXX - Bem andou o Tribunal a quo, pois, ao contrário do alegado pelo Recorrente, da prova carreada para os autos, nomeadamente a certidão do registo comercial da sociedade A..., S.A., a escritura de 13 de janeiro de 2017, o contrato de arrendamento celebrado entre o Recorrente e a 3.ª Ré, os documentos referentes ao projeto turístico e os documentos comprovativos da aquisição dos terrenos contíguos, apenas se poderia dar como provado o teor dos mesmos e não a motivação das partes na celebração de tais negócios, pois
nenhuma outra prova foi produzida nesse sentido.
LXXI - Também não é admissível defender-se o desconhecimento pela 3.ª Ré do incumprimento das obrigações das sociedades do Grupo B.... Se a 3.ª Ré foi constituída pelo Recorrente em 2017, que, como se viu, tinha perfeito conhecimento do incumprimento desde 2014, é certo que a 3.ª Ré também tinha conhecimento da dívida existente perante a Recorrida.
LXXII - O Recorrente socorre-se do formalismo, por não lhe restar outro argumento, para afirmar que a 3.ª Ré não teve conhecimento da dívida pois nunca foi aquela, nem o seu Administrador Único interpelados, ou informados da dívida.
LXXIII - Cumpre pois ponderar os seguintes factos: i) o momento em que a 3-ª Ré foi constituída - logo após o incumprimento generalizado das sociedades do Grupo B... e dois meses antes do divórcio do Recorrente com a 2.ª Ré, ii) a constituição acionista da 3.ª Ré, onde o Recorrente, a 2.ª Ré e as duas filhas destes (então com 18 e 22 anos) detêm 99,99% do capital social daquela, iii) a transmissão efetuada pelo Recorrente para a 3.ª Ré da nua propriedade da casa da morada de família apenas quatro meses após a sua constituição e iv) o preço, a forma de pagamento e o seu não cumprimento (valor muito reduzido face ao seu valor de mercado, a ser pago em doze prestações trimestrais após dois anos de carência, que, como se apurou pela escritura de partilha de 30 de outubro 2020 nunca foi pago). Concluiu o Tribunal a quo, nem poderia ser de outra forma, que a 3.ª Ré foi constituída com o propósito de proteger o património do Recorrente, disso sabendo os familiares diretos daquele, que com ele habitavam, partilhavam negócios e que detinham 99,99% do capital social da 3.ª Ré.
LXXIV - Se fosse exigível uma interpelação formal ao Administrador Único, que detém apenas 0,01% do capital social da 3.ª Ré, ou uma confissão expressa deste desse conhecimento, como o Recorrente alega, então estava encontrado o subterfúgio perfeito para as sociedades comerciais se eximirem às suas responsabilidades em circunstâncias como a dos autos, o que não pode colher.
LXXV - Não merece, pois, qualquer censura a decisão do Tribunal a quo ao qualificar o
este facto como não provado, concluindo de forma natural que seria irrazoável e incompreensível que não houvesse consciência, por parte da 2º Ré e das pessoas que estatutariamente compõem a 3ª Ré, da existência de vários créditos concedidos ao Grupo B... pelos Bancos (factos que eram do domínio público), e que os mesmos não estavam pagos.
LXXVI - O Recorrente considera que o Tribunal a quo deveria ter considerado como provados os factos não provados sob os n.ºs 49 a 52 que se reportam ao desconhecimento pelo Recorrente dos termos das negociações para a reestruturação que se iniciou em 2015 e ao desconhecimento de que se registava o incumprimento das obrigações assumidas pelas sociedades do Grupo B... no Acordo Quadro. O facto n.º 52 versa sobre a convicção do Recorrente de que a formalização do acordo celebrado em março de 2020 com o Banco 3... resolveria também a reestruturação com a Recorrida, alicerçando a sua pretensão no seu depoimento de parte e no depoimento da testemunha CC.
LXXVII - Contudo, como já exposto, resultou provado que a Comissão Executiva do Grupo B... foi informando os acionistas da vida das sociedades, primeiro de forma periódica e regular nos Conselhos de Administração e, após 2015, de forma pontual, quanto aos aspetos estruturantes da evolução das negociações .
XXVIII - Não é coerente que o Recorrente reconheça ter sido informado pela Comissão Executiva de que as sociedades do Grupo B... lograram reestruturar a dívida bancária com o Banco 3..., conforme facto provado n.º 120, tendo reforçado a convicção já anteriormente passada ao 1.º Réu de que tudo se iria resolver também com a Banco 2..., e afirme desconhecer os contornos das negociações, bem como que existiam incumprimentos.
LXXIX - Se não havia incumprimento, então por que razão havia negociações para a reestruturação? Por que razão foi alcançado um acordo com o Banco 3...?
LXXX - Não é credível a posição do Recorrente de que a Comissão Executiva só o informava de alguns aspetos essenciais, como a reestruturação do crédito do Banco 3..., mas já não o informava acerca dos incumprimentos junto da Recorrida, ou do teor das negociações para reestruturar a dívida que tinha garantido pessoalmente. Este era um empréstimo de cerca de 400 milhões, quase 200 milhões devidos apenas à Recorrida. Não era uma questão de somenos para a Comissão Executiva não informar os acionistas garantes, quando os informava de outros aspetos da vida das sociedades.
LXXXI - Como tal, devem os referidos factos ser mantidos como não provados, não estando os mesmos em contradição com os factos dados como provados pelo Tribunal a quo sob os números 90, 120, 121, 122, ao contrário do alegado pelo Recorrente.
LXXXII - O Recorrente entende que o Tribunal a quo errou ao não considerar provados os factos sob os n.ºs 30 a 32 referentes à expectativa das sociedades do Grupo B... e do sindicato bancário alcançarem um acordo até final de 2015 face à receção favorável por parte desta da nova proposta de outubro de 2015 e que nessa data todos os créditos vencidos tinham sido pagos pelo Grupo B....
LXXXIII - Ora, conforme foi detalhadamente explicado pela testemunha HH, coordenador da Direção de Acompanhamento de Empresas, que aí exerceu funções desde 2012 e que acompanhou a reestruturação do Grupo B... até 2018, a proposta que o Grupo B... endereçou aos Bancos em outubro de 2015, que previa a injeção de mais 65 milhões de euros, apenas dois anos após a reestruturação do Acordo Quadro, no qual já tinha sido feita uma injeção de capital de 80 milhões de euros, não foi naturalmente recebida de forma favorável, tal como decorre do seu depoimento (Diligencia_1322-152-21.2T8LRA_2024-05-29_09-53-13 entre os minutos 00:04:09 e 00:18:05 e entreos minutos 00:24:18 e 00:25:54).
LXXXIV - Esta testemunha referiu que este novo pedido de injeção de capital não só não
foi visto como favorável, como fez soar os alarmes no Sindicato Bancário, o que é perfeitamente natural e credível. Do depoimento do mesmo resultou igualmente que o pedido do Grupo B... teria de ser validado por uma consultora, a qual apenas apresentou o seu relatório em fevereiro de 2016, pelo que o Recorrente não poderia ter a expectativa de formalizar a reestruturação até final de 2015.
LXXXV - A testemunha também esclareceu que não estavam pagos todos os créditos, explicando que se encontravam em dívida várias prestações de juros, que foram já tardiamente regularizadas, mas que as prestações de capital nunca foram pagas (Diligencia_1322-21.2T8LRA_2024-05-29_09-53-13 entre os minutos 00:27:53 e 00:31:18).
LXXXVI - O que resulta do depoimento desta testemunha é, de forma clara, que as sociedades do Grupo B... logo após a celebração do Acordo Quadro incumpriram as obrigações assumidas, tendo-lhes sido inclusivamente disponibilizados novos montantes para suprir as dificuldades de caixa, pagamentos a fornecedores e trabalhadores, pelo que a argumentação do Recorrente é completamente desprovida de sentido e não tem qualquer sustentação factual.
LXXXVII - Como tal, o Tribunal a quo esteve bem ao considerar como não provados os factos 30 a 32.
LXXXVIII - Como também esteve bem em considerar como não provados os factos n.ºs 33 e 34. O Recorrente pretende que se considere provado que o Sindicato Bancário exigiu que os valores da obra da Venezuela fossem aplicados maioritariamente no pagamento da dívida em falta. Ora, como foi explicado pela testemunha HH isso não corresponde à verdade.
LXXXIX - Acresce que o teor do e-mail que a Recorrida enviou às sociedades do Grupo B... em 3 de agosto de 2016, junto como Doc. 89 da Contestação do Recorrente é perfeitamente claro: “Depois de analisada a sua proposta, os Bancos vêm reafirmar a necessidade de serem pagos de imediato todos os juros vencidos e respetivos encargos, das linhas reestruturadas em setembro de 2013. Tal como referido na n/ comunicação de 22 julho passado, sem que este passo seja concretizado os Bancos não têm condições para continuar a negociar a nova reestruturação de créditos do Grupo B...” (negrito nosso). Ou seja, os Bancos apenas exigiram o pagamento dos juros vencidos.
XC - Quanto aos factos não provados sob os n.ºs 35 e 36, o Recorrente entendeu que deve ser dado como provado que a minuta do Acordo Global, elaborada pela LL e pela R... (junta como Doc. 91 da Contestação do Recorrente) e mencionada no facto dado como provado sob o n.º 103 foi aprovada pela Recorrida.
XCI - Este entendimento é direta frontalmente contrariado pelo depoimento da testemunha HH que explicou que essa minuta incorporava várias condições que a Recorrida não aceitava e que estavam em oposição às condições já pré-aprovadas pela mesma (Diligencia_1322-21.2T8LRA_2024-05-29_09-53- 13 entre os minutos 00:35:05 e 00:40:48).
XCII - Pelo que nenhuma alteração deve ser efetuada aos factos n.ºs 35 e 36 da lista de factos não provados, nem consequentemente ao facto n.º 108 dos factos provados.
XCIII - Relativamente às negociações estabelecidas dentro da PNCB entre 2018 e final de 2019, a que correspondem os factos não provados n.ºs 37 a 43, o próprio Recorrente reconhece que esta matéria não tem relevância para a boa decisão da causa, mas pretende demonstrar a sua alegada boa fé ao querer evidenciar que acreditava que o acordo para a reestruturação estava bem encaminhado quando efetuou as transmissões.
XCIV - O que esta posição do Recorrente evidencia, uma vez mais, é a sua clara contradição de posições: se tinha a expectativa de se alcançar uma reestruturação, então tinha necessariamente consciência de que as sociedades do Grupo B... estavam em incumprimento e também tinha conhecimento do estado das negociações.
XCV - Quanto a estes factos, o Tribunal a quo considerou como não provado que a afetação da gestão dos créditos do Grupo B... à PNBC resultou de uma decisão unilateral das instituições financeiras - Banco 3..., Banco 2... e CLF, pois resulta expressamente da comunicação que as sociedades do Grupo B... remeteram aos Bancos e à PNCB, datada de 24 de abril de 2018 que estas consideram “que a referida negociação integrada no quadro da PNCB é também do interesse do Grupo B.... Por esta razão, solicitamos que os créditos detidos por todos os Bancos, bem como as garantias que lhes estão associadas, sejam negociadas pela PNCB de modo integrado”.
XCVI - Também não corresponde à verdade que a proposta apresentada pela PNCB ao Grupo B... em 27 de junho de 2019 tenha sido aceite. Aliás, o Grupo B..., através do seu CEO CC remeteu um e-mail de resposta no dia 28 de junho de 2019, junto como Doc. 94 da Contestação do Réu que começa exatamente por indicar que não aceita a proposta nos termos indicados.
XCVII - A testemunha NN, Diretor Central da área de acompanhamento de empresas da Banco 1... e que acompanhou as negociações com o Grupo B... a partir de 2019, detalhou no seu depoimento todos os avanços e recuos nas negociações (entre os minutos 00:07:53 e 00:12:03).
XCVIII - Os demais factos a que o Recorrente se refere na presente secção (factos não provados n.ºs 39 a 43) também não têm qualquer sustentação documental, nem testemunhal. Contrariamente, a testemunha NN explicou a motivação das alterações que a Recorrida apresentou, sendo a reação natural às prévias alterações sugeridas pelo Grupo B... (entre os minutos 00:14:44 e 00:16:42 e entre os minutos 00:19:26 e 00:20:32).
XCIX - Também a decisão do Tribunal a quo quanto aos factos não provados sob os n.ºs 44 a 47 referentes ao regresso à negociação bilateral com a Recorrida em 2020, deve ser mantida.
C - O Recorrente alega que a Recorrida apenas respondeu ao e-mail das sociedades do Grupo B... em setembro de 2020 e que durante esse período, incluindo setembro e outubro, prosseguiram as negociações, pelo que o segundo ato de transmissão em causa ocorreu ainda num contexto de negociações, donde o Recorrente não teria conhecimento da frustração das negociações.
CI - Ora, tal não corresponde à verdade, pois, conforme resulta dos factos dados como provados, logo na reunião ocorrida no dia 14 de abril de 2020, a Recorrida informou o Grupo B... que as alterações introduzidas à proposta não eram aceitáveis, havendo, posteriormente, uma nova reunião, no dia 10 de setembro de 2020, em que o Grupo B... foi informado de que não seria já possível chegar a um entendimento e de seguida foram remetidas as cartas de interpelação e de vencimento antecipado da dívida. A comunicação de 22 de outubro de 2020
conferia um prazo de 10 dias para pagamento e a segunda transmissão ocorreu no dia 30 de outubro de 2020, pelo que não pode o Recorrente alegar que não tinha conhecimento da frustração das negociações.
CII - Nenhuma das pretensões do Recorrente quanto à alteração da decisão sobre a matéria de facto é de acolher, uma vez que não tem qualquer tradução nos elementos carreados para os autos, nem na prova produzida em sede de audiência de julgamento.
CIII - Como tal, não havendo alterações à decisão da matéria de facto e considerando que a aplicação do Direito aos factos apurados pelo Tribunal a quo foi devidamente aplicada e fundamentada, a sentença é inatacável.
CIV - Todos os pressupostos para o funcionamento do instituto da impugnação pauliana encontram-se verificados: a existência do crédito da Recorrida sobre o Recorrente transmitente; a realização pelo mesmo de um ato que diminuiu a garantia patrimonial do crédito; a anterioridade do crédito; a má fé dos Réus e o agravamento da satisfação do crédito resultante de tal transmissão.
CV - Quanto ao requisito da anterioridade, a mais recente jurisprudência é unânime no entendimento de que o momento relevante para apurar a anterioridade do crédito face à data da transmissão, quando aquele se baseia em livrança avalizada em branco, é exatamente o momento da constituição do aval. O aval foi constituído em setembro de 2013, previamente às duas transmissões impugnadas, tendo o crédito emergido logo no início de 2014.
CVI - Acresce que, o Acordo Quadro serviu efetivamente para reestruturar uma dívida anterior já vencida, pelo que também por aí ter-se-ia de considerar a anterioridade do crédito face às transmissões, tal como a jurisprudência tem reconhecido.
CVII - Por fim, diga-se que mesmo que o crédito não fosse anterior às transmissões, o que não se concede, a Recorrida poderia ainda assim lançar mão do instituto da impugnação pauliana no caso sub judice, considerando a prática concertada dos Réus no sentido de dolosamente impedirem a satisfação do crédito daquela, protegendo o seu património, tal como o Tribunal a quo deu como provado e face ao tudo o que foi expendido nestas Contra-Alegações.
CVIII - Face ao supra exposto, a sentença recorrida não merece qualquer censura, devendo ser confirmada, julgando-se o recurso totalmente improcedente.
Nestes termos e nos demais de Direito, requer-se a Vossas Excelências, Venerandos Juízes Desembargadores, se dignem negar provimento ao presente recurso, mantendo integralmente a decisão recorrida, assim fazendo o que é de inteira Justiça!”
Por sua vez, veio a 2ª R. veio interpor recurso desta sentença, concluindo da seguinte forma:
“A. Na apreciação da matéria de facto – e, em concreto, no que toca a apurar se houve da parte de todos os contraentes “consciência do prejuízo” que os negócios que celebravam causavam ao credor – a sentença recorrida trilhou um raciocínio de sentido inverso ao que era devido: partiu do juízo que fez de tais negócios para concluir que todos os contraentes – incluindo a 2.ª ré – tinham naquele momento conhecimento da existência de um débito do 1.º
réu para com a autora.
B. A sentença recorrida primeiro concluiu ter havido intenção de ambos os contraentes em prejudicar a autora, entendendo de seguida (só então e apenas por força daquela primeira conclusão) que se assim foi, então é porque sabiam da existência do débito do 1.º réu para com a autora. O raciocínio usado pelo Tribunal a quo foi o de que se tiveram intenção de prejudicar (e já tinha concluído que tiveram!), então é óbvio que sabiam que havia créditos da
autora sobre o 1.º réu por pagar!
C. A sentença recorrida deveria ter feito exactamente o contrário: primeiro apurar – com base na prova produzida – se a 2.ª ré tinha ou não conhecimento dos débitos e, na afirmativa, depois – só depois – apreciar se houve intenção fraudulenta.
D. Não pode ser pelos juízos valorativos (tentando adivinhar intenções) que faz de determinados factos, que o Tribunal pode concluir pelo conhecimento do débito por parte da 2.ª ré. Esse é um raciocínio viciado.
E. O ónus da prova do conhecimento, pela 2.ª ré, da existência do débito do 1.º réu para com a autora, cabia a esta. Não tendo logrado provar tal facto constitutivo do direito a que se arroga, tem que soçobrar a pretensão que aqui deduziu.
F. Pelas razões expendidas nos pontos 8. a 35. supra das presentes alegações deve eliminar-se o item 76. do elenco dos factos tidos por provados na sentença recorrida, passando antes os factos dele constantes a ali integrar o rol dos factos tidos por não provados.
G. O conhecimento exigível à 2.ª ré não era o da existência de débitos das empresas do Grupo B... para com a autora mas sim o da existência de débitos do 1.º réu para com a autora.
H. A 2.ª ré, a partir da subscrição do Acordo Quadro, ocorrida a 6 de Setembro de 2013, deixou de ser avalista de qualquer livrança de garantia dos débitos das empresas do Grupo B..., não lhe sendo exigível que adivinhasse que o mesmo não se passava com o seu então marido, aqui 1.º réu.
I. Tanto assim que se demonstrou que nunca a autora interpelou a 2.ª ré para qualquer incumprimento a esse propósito.
J. Face àqueles mesmos argumentos não podem, pelo contrário, deixar de se ter como provados parte dos factos constantes dos itens 59) e 60) do elenco que a sentença recorrida faz dos factos que entendeu não se terem provado, eliminando-se esses itens desse rol e aditando-se dois novos itens ao elenco dos factos provados com o seguinte teor:
“A 2.ª ré, aquando das escrituras de 13/01/2017 e de 30/10/2020, desconhecia a existência de quaisquer débitos ou incumprimentos do 1.º réu para com a autora.”.
“A 2.ª ré não teve intervenção na reestruturação operada em setembro 2013 e não obstante ter anteriormente avalizado, enquanto esposa do 1º Réu e juntamente com ele, outros financiamentos anteriores, nunca teve nada a ver com o que quer que seja que dissesse respeito ao Grupo B...; nem tinha conhecimento que as sociedades a ela afetas contraíam financiamentos bancários; e, após a formalização do divórcio, desconhecia a existência dos financiamentos derivados do Acordo Quadro firmado em 6/09/2013 e as garantias dadas pelo 1.º réu.”.
K. Pelos motivos invocados nos itens 40. a 42. supra destas alegações, deve o item 61) do elenco dos factos tidos por não provados ser eliminado e, ao invés, ser aditado ao elenco dos “FACTOS PROVADOS” um item com o seguinte teor:
“A dação em pagamento do prédio ...53 (artigo ...50) e o valor que lhe foi atribuído na escritura de 20/10/2020, assim como aos terços indivisos dos imóveis 5064 e ...42, assim como a compra e venda do usufruto e da nua propriedade do prédio ...54 (artigo ...49) e o valor atribuído a tais direitos na escritura de 13/01/2017, bem como a data em que tais escrituras foram celebradas, derivou de acordo prévio entre o 1.º réu e a 2.ª ré, por exigência desta, visando compensar esta pela adjudicação àquele, na partilha efectuada logo aquando do divórcio (a ../../2016, através da escritura a que alude o item 140. Dos factos aqui dados como provados), das participações sociais nas empresas do Grupo B..., que entenderam terem um valor muito superior ao dos bens então adjudicados à 2.ª ré.”.
L. Como deve, mercê do excerto então transcrito do depoimento de parte do 1.º réu e por tais factos não serem contrariados por nenhuma outra prova produzida nos autos, passar-se ao elenco dos “FACTOS PROVADOS” (aí se aditando um novo item com tal teor) parte do que consta do item 58) dos factos que a sentença recorrida teve como não provados, a saber:
“A escritura referente ao imóvel ...53 só foi realizada em 30/10/2020 por só nessa data se ter obtido a respectiva licença de utilização e conseguido a legalização do prédio.”.
M. O Tribunal não pode – por não se ter produzido prova a esse propósito (não sendo, por isso, possível transcrever qualquer excerto de depoimento(s) do qual resulte o mau fundamento da decisão que deu tais factos por provados) – dar como provado o que os réus sabiam ou não do valor de cada um dos prédios. A avaliação feita no âmbito destes autos, permite dar como provado que os prédios em causa foram agora avaliados por aqueles valores que ali se refere. Não mais do que isso. Mormente quando se sabe que os réus tinham então também avaliações (no que toca aos imóveis onde se encontram as instalações das empresas do Grupo B... – cfr. o Doc. 16 junto com as contestações da 2.ª ré) que apontavam para valores distintos.
N. Depois, dizer-se que este ou aquele valor é superior ou inferior àquele outro é, obviamente, uma conclusão e não um facto. Nos “factos provados” apenas se podem incluir factos, objectivos, – como seja o valor que a cada um dos prédios foi atribuído pela avaliação efectuada nos autos – e não quaisquer conclusões que se retirem a partir de tais factos
O. De tudo quanto se refere nos itens 77. e 78. dos factos tidos por provados, apenas importaria que se desse como provado que na avaliação efectuada nos autos foram atribuídos aos prédios os valores nela referidos. Contudo, tais factos já se encontram contemplados nos itens 72. a 75. do rol dos “FACTOS PROVADOS” feito pela sentença recorrida. Como o está o que foi declarado pelos outorgantes nos diversos negócios (concretizados em três escrituras
públicas) que aqui estão em causa – razão pela qual aqueles itens 77. e 78. devem, pura e simplesmente, ser eliminados do elenco dos “factos” que a decisão recorrida deu como provados.
P. No que toca aos itens 72. a 75., em vez de se dizer que cada um daqueles prédios “podia ser vendido” pelo preço que ali vai referido, deverá antes dizer-se – porque isso é que em boa verdade ficou provado – que “No relatório da perícia de avaliação efectuada nos presentes autos fez-se constar que o prédio (...) podia ser vendido (melhor preço obtido), em condições normais de marcado (...)”. Ou seja, não se deve deixar consignado nos factos provados que qualquer um dos prédios podia ser vendido pelo preço que ali se assinala mas sim que isso foi o que foi feito constar do relatório pericial de avaliação efectuado.
Q. Pelas razões de que supra se deu nota nos pontos 50. a 59. das presentes alegações, deve eliminar-se (por se encontrar duplicado com o item 79.) o item 5. do rol de factos tidos por provados pela sentença recorrida e conferir-se ao item 79. daquele elenco a seguinte redacção:
“79. Os 1º e 2º Réus continuam a viver no prédio ...54, sendo que após o divórcio o 1.º réu passou a habitar o se rés-do-chão e a 1.ª ré passou a habitar o seu 1º andar, pisos estes que são autónomos e independentes um do outro.”.
R. Qualquer relação profissional que o 1.º réu e a 2.ª ré porventura tivessem mantido neste contexto sempre seria absolutamente inócua para o que há a decidir nestes autos. A única que
poderia aqui importar, a existir, seria uma qualquer relação profissional entre aqueles réus no que toca às empresas do Grupo B.... Mas essa não existe nem nunca existiu.
S. Por assim ser, tem também que ser eliminado da sentença recorrida o item 53) dos factos que ali foram tidos por não provados.
T. A sentença recorrida acolhe a tesa da autora no sentido de que os negócios havidos entre os réus esvaziaram o património ao 1.º réu. Esquece, contudo, os bens que com esses negócios entraram naquele património do 1.º réu, em concreto, as meações da 2.ª ré quer na quota parte de 1/3 de dois dos imóveis que constituem a sede das empresas do Grupo B... quer em todas as acções das sociedades daquele Grupo.
U. É que não se está aqui apenas perante os dois negócios cuja ineficácia se pretende ver decretada. Está aqui também em causa – e daqueles dois não pode ser dissociado – o negócio
de partilha de que dá nota o item 140. do elenco de “FACTOS PROVADOS” feito pela sentença sob recurso.
V. Atento o valor desses bens cujas meações passaram a integrar em exclusivo o património do 1.º réu, com os negócios aqui impugnados tal património não foi depreciado. Bem pelo contrário!
W. Aquando da concessão dos financiamentos às empresas do Grupo B..., a autora exigiu como garantia o penhor daquelas acções (que entendeu como valiosas o bastante para garantir os seus créditos) e menosprezou os prédios cuja transmissão agora impugna, não tendo exigido qualquer hipoteca sobre os mesmos (ou seja, não lhes atribuiu valor relevante para que ficassem a garantir aqueles seus créditos).
X. A autora defende agora que os negócios impugnados lhe causaram prejuízo porque saiu do património do 1.º réu algo que ela, autora, não considerou importante (com valor para) ficar como garantia da dívida, tendo, em contrapartida, ali ingressado algo que, isso sim, considerou importante (com valor para) ficar como garantia da dívida.
Y. Defender-se, agora, que o património do 1.º réu ficou empobrecido quando dali viu sair o que antes se teve por irrelevante para garantir o crédito e ali viu ingressar o que antes tinha reconhecido como valioso para garantia desse crédito, é postura que roça a má-fé processual (na modalidade do “venire contra factum proprium”).
Z. Por aqui se demonstra que não existiu da parte da 2.ª ré qualquer consciência de prejuízo causado pelos negócios que estava a celebrar: ela recebeu o que a autora não entendeu como valioso para garantia do crédito e transferiu para o 1.º réu o que a autora entendeu como valioso para garantia do seu crédito. Assim sendo, não podia ter noção de estar a causar qualquer prejuízo à autora.
AA. Face ao exposto nos pontos 66. a 71. supra deverá aditar-se à matéria de facto dada como provada na sentença aqui sob recurso um novo item com o seguinte teor:
“Como garantia dos créditos concedidos a algumas das empresas do Grupo B... a autora exigiu dos avalistas dos mesmos (entre os quais o casal então formado pelo 1.º réu e pela 2.ª ré), o penhor das acções por si detidas nas diversas sociedades do Grupo B... e que vieram a ser adjudicadas ao 1.º réu na partilha a que se alude no item 140. infra.”.
AB. Pelas razões expostas nos itens 73. a 75. supra das presentes alegações, devem ser aditados ao rol de “FACTOS PROVADOS” constante da sentença sob recurso os seguintes três novos itens:
“- O suplemento “1000 maiores” empresas do jornal “Expresso” de 28/11/2015, classificou a “B... – Engenharia e Construções, S. A.” como a 109ª maior empresa do país e a “Auto-Estradas do Atlântico” como a 576ª.
- Aquele mesmo suplemento mas da edição de 26/11/2016, classificou aquela empresas, por aquela ordem, como a 113ª e a 569ª maiores empresas do país.
- A revista “100 Maiores e Melhores Empresas”, suplemento de 2015 do semanário “Região ...”, classificou, no âmbito do distrito ... e concelho ..., a “B... – Engenharia e Construções, S. A.” em 1º lugar, a “V..., S. A.” em 20º lugar e a “W..., S. A.” em 66º lugar.”.
AC. Face ao exposto e à adjudicação ao 1.º réu, em partilha ocorrida logo em ../../2016, das acções das sociedades do Grupo B... (facto este dado como provado no item 140. do rol dos factos provados constante da sentença recorrida), deve o item 80. daquela relação ser corrigido, passando a ter o seguinte teor:
“80. Para além dos imóveis 4253 e 4254 e das acções e demais posições societárias nas empresas do Grupo B... que lhe foram adjudicadas na partilha a que se alude em 140. infra, o 1º Réu não era, à data dos negócios impugnados, dono de quaisquer outros bens ou fontes de rendimento que sejam susceptíveis de, pelo seu valor, responderem pelo crédito da Autora.”.
AD. Assim, dos negócios aqui impugnados não resultou a impossibilidade de satisfação do crédito da autora nem agravamento dessa impossibilidade: o património do devedor (o aqui 1.º réu) não foi diminuído, tendo, à data, ficado até robustecido – ficou ele apenas o titular de todas as (muitas e então muito valiosas, nunca é demais repeti-lo) participações sociais nas diversas empresas do Grupo B.... Falha, pois, também esse requisito necessário à procedência da impugnação pauliana: o de que do acto impugnado resulte a impossibilidade de satisfação do crédito ou o agravamento da mesma.
AE. E há ainda a meação da 2.ª ré – e que foi adjudicada ao 1.º réu – na quota parte de 1/3 de que eram proprietários em dois dos imóveis em que se encontram as instalações das empresas do “Grupo B...”.
AF. Pelas razões expendidas nos itens 79. a 81. supra, deverá aditar-se ao rol de factos que na sentença recorrida se deu como provados, o seguinte item:
“Em relatório de avaliação efectuado com data de 20 de Outubro de 2020 ao conjunto dos 4 imóveis em que se situam as instalações do Grupo B... foi atribuído o valor de € 7.800.000,00.”.
AG. Face ao teor dos Docs. 4, 5, 17, 18, 19 e 20 juntos com a contestação da 2.ª ré e dos Docs. 65 e 66 juntos com a petição inicial, ao mencionado rol de factos provados constantes da sentença recorrida deve aditar-se também este novo facto:
“Os mencionados quatro imóveis em que se encontram as instalações do Grupo B... têm áreas distintas, sendo de 27.840 metros quadrados a soma de todas elas.”.
AH. E face ao Doc. 4 junto à contestação da 2.ª ré e ao Doc. 65 junto com a petição inicial, deverá aditar-se ao elenco dos factos provados da sentença recorrida o seguinte novo item:
“O primeiro dos imóveis em que o 1.º réu e a 2.ª ré tinham uma quota de 1/3 (ao qual corresponde a descrição nº ...64 da ... Conservatória do Registo Predial ... e o artigo matricial ...62 da União de Freguesias ...) tem uma área de 18.400 metros quadrados.”.
AI. Já face ao Doc. 5 junto à mesma contestação e ao Doc. 66 junto com a petição inicial, deverá aditar-se ao mencionado rol de “FACTOS PROVADOS” o seguinte novo item:
“O segundo dos imóveis em que 1.º réu e 2.ª ré tinham uma quota de 1/3 (ao qual corresponde a descrição nº ...42 da ... Conservatória do Registo Predial ... e o artigo matricial ...43) tem uma área de 5.400 metros quadrados”.
AJ. Atentos os Docs. 17 e 18 juntos à contestação da 2.ª ré, deverá aditar-se ao acervo dos factos provados feito pela sentença recorrida o seguinte novo item:
“O primeiro dos imóveis nos quais se encontram as instalações do Grupo B... mas em que 1.º réu e 2.ª ré não tinham qualquer quota-parte (ao qual corresponde a descrição nº ...72 da ... Conservatória do Registo Predial ... e o artigo matricial ...13) tem, segundo a descrição predial uma área de 2.200 metros quadrados e segundo a matriz uma área de 160 metros quadrados.”.
AK. E vistos os Docs. 19 e 20 juntos à contestação da 2.ª ré, terá que se aditar aos factos tidos por provados pela sentença recorrida um novo, nos seguintes termos:
“O segundo dos imóveis nos quais se encontram as instalações do Grupo B... mas em que 1.º réu e 2.ª ré não tinham qualquer quota-parte (ao qual corresponde a descrição nº ...73 da ... Conservatória do Registo Predial ... e o artigo matricial ...14) tem uma área de 1.840 metros quadrados.”.
AL. Perante o que vai dito, na perspectiva da avaliação realizada, o artigo matricial ...62 valia € 5.155.172,41; logo, o 1/3 de que o 1.º réu e a 2.ª ré eram proprietários valia € 1.718.390,80; e o artigo matricial ...43 valia € 1.512.931,03; logo, o 1/3 de que o 1.º réu e a 2.ª ré eram proprietários valia € 504.310,34.
AM. Os negócios que a autora aqui impugna não podem ser dissociados da partilha originariamente feita entre o 1.º réu e a 2.ª ré, logo após o divórcio, e da qual dá nota o item 140. do rol de factos que a sentença recorrida deu como provados. Todos esses negócios são subsequentes àquele divórcio, encontram nele a sua razão de ser e estão interligados.
AN. Os negócios que aqui se impugnam não se fizeram “não obstante os réus estarem divorciados”; faz-se, pelo contrário, precisamente porque se divorciaram. Porque, na sequência do divórcio, tiveram que partilhar. E tendo o 1.º ré exigido ficar, nessa partilha, com os mais vultuosos bens comuns do casal (acções das sociedades do Grupo B... e quotas parte de 1/3 em dois imóveis onde se encontram as instalações de tais sociedades), a solução – única possível – foi a de a 2.ª ré ser “inteirada” com bens que eram próprios do 1.º réu.
AO. A sentença da presente acção não pode ignorar que se é verdade que no conjunto daqueles negócios há bens que saíram do património do 1.º réu não menos verdade é que há também bens que entraram no património do 1.º réu. Bens que eram, em comunhão conjugal, dele e da 2.ª ré, e que, por partilha, passaram a ser apenas dele, 1.º réu.
AP. Isso resulta como provado dos autos (itens. 140., 63. e 66. do elenco dos factos assim tidos) mas é questão a que a sentença recorrida, erradamente, não atribui qualquer relevo.
AQ. O valor, atribuído pela avaliação efectuada nos autos, somado dos 1/3 de que os réus eram proprietários nos prédios em que se encontram as instalações do Grupo B... (que é de € 1.217.700,00), excede a soma dos valores atribuídos na partilha àquelas mesmas quotas de 1/3 (e que foi o de apenas € 1.200.000,00). Ou seja, os réus, em partilha, adjudicam ao 1.º réu bens por um valor inferior ao que eles efectivamente tinham – o que é bem demonstrativo da completa ausência de má-fé (da intenção de causar prejuízo) na celebração de tais negócios.
AR. A autora peticiona nesta acção a ineficácia do negócio em que, como contrapartida daquilo de que abre mão, o 1.º réu passou a ser o proprietário exclusivo daqueles dois 1/3 dos imóveis (por essas duas quotas partes lhe terem sido adjudicadas naquela partilha) mas, ao mesmo tempo, em execução pendente, penhorou tais 1/3 dos prédios na sua totalidade, como se apenas do 1.º réu fossem, assim conseguindo ter “sol na eira e chuva no nabal”.
AS. Outro dado do processo que demonstra cabalmente a inexistência de qualquer má-fé dos réus nos negócios que realizaram e que aqui se pretende ver destituídos de eficácia reside nos factos dados como provados no item 141. do elenco a esse propósito feito pela sentença recorrida. Daí resulta bem demonstrada a veracidade de tudo quanto alegaram a propósito das partilhas, da negociação para o efeito, da complementaridade de todos os negócios havidos e da partilha parcial feita logo aquando do divórcio, a que alude o item 140. do elenco dos factos tidos por provados.
AT. Face ao que – bem! – se deu como provado no item 141. da relação de factos que se entendeu terem sido provados, não se pode deixar de dar também como provado (sob pena de absoluta falta de coerência no todo da matéria de facto) o constante dos itens 62) e 63) da relação de factos tidos por não provados. Deve, pois, daí eliminar-se tais itens e aditar-se ao rol de factos provados dois novos itens com o seguinte teor:
“ - A criação da sociedade “A..., SA” e a distribuição das participações sociais derivou de exigência da 2ª Ré ao 1º Réu aquando da partilha subsequente ao divórcio.
- O projeto para o qual a 3ª Ré foi constituída teve como único propósito perpetuar o legado da família AA relativamente aos imóveis em causa, assim como permitia ao 1º Réu combater a depressão criada por força da “Operação Marquês” e poder iniciar um projeto empresarial estimulante, já que estava totalmente afastado da gestão e do dia a dia das empresas do Grupo B....”.
AU. A sentença recorrida não pode – como faz – desvalorizar em absoluto o divórcio dos réus, não dando sequer como provado que os mesmos deixaram de ter vida em comum e partindo dessa desconfiança para os juízos que faz sobre os negócios cuja ineficácia relativamente à autora acabou por decidir.
AV. Atento o exposto nos itens 97. a 99. supra destas alegações devem também eliminar- se dos elenco dos factos tidos por não provados os itens que aí constam sob os números 53), 54) e 55) e aditar tais factos ao rol dos “FACTOS PROVADOS” feito pela sentença recorrida.
AW. Face aos documentos que a 2.ª ré juntou aos autos a propósito do facto de ter feito, com o 1.º réu, terapia de casal (mensagens a esse propósito trocadas entre ela e o terapeuta em causa, Dr. QQ, e declaração por este subscrita dando nota disso mesmo – Docs. 2 e 3 juntos à sua contestação da 2.ª ré), tendo em consideração que tais documentos não foram impugnados e atenta a sua relevância para a demonstração de uma cisão conjugal (que o Tribunal a quo não aceitou) entre os réus, deve aditar-se um novo item ao elenco dos “FACTOS PROVADOS” com o seguinte teor:
“Em meados de 2019 os réus iniciaram a frequência de sessões de terapia familiar.”.
AX. Em consequência, deverá eliminar-se a parte final (em concreto a expressão “e para isso tiveram que recorrer a sessões de terapia familiar nos meses de junho, julho e agosto 2019”) do item 56) do elenco de factos tidos por não provados pela sentença recorrida.
AY. Assim, na situação de que tratam os presentes autos não se provou que tivesse havido da parte da 2.ª ré, aqui recorrente, consciência de que os actos que estava a praticar pudessem causar qualquer prejuízo a quem quer que fosse; não se provou sequer que ela naquele momento soubesse da existência de um qualquer crédito da autora sobre o 1.º réu. E, antes disso, não se provou sequer que o património do 1.º réu tivesse ficado desvalorizado – ou seja, que tivesse havido prejuízo sequer. Com o que a acção tem que improceder.
AZ. A ignorância do crédito à data da realização dos negócios impugnados impede a conclusão de que a 2.ª ré tenha aqui agido sequer com negligência (consciente ou não): se ela desconhecia a existência de qualquer crédito, então não teve – não podia ter tido! – a consciência de qualquer prejuízo que os actos que praticou (os negócios que celebrou) pudessem causar (e não causaram, como se viu) à aqui autora ou a quem quer que seja.
AAA. Os negócios que aqui se pretende impugnar, embora acordados previamente (imediatamente antes do divórcio), foram formalizados a 13 de Janeiro de 2017 e a 30 de Outubro de 2020. Acontece que o crédito a que a autora se arroga (e que emerge da livrança avalizada pelo aqui 1.º réu) é posterior ao acto (ou negócio) que aqui se pretende impugnar, uma vez que se provou (item 81. do elenco dos factos tidos por provados) que aquele título de
crédito apenas foi preenchido a 18 de Janeiro de 2021.
AAB. Sendo dessa livrança – apenas dessa livrança – que emerge a responsabilidade do 1.º réu – apenas enquanto avalista de um tal título de crédito – pela satisfação dos mencionados créditos detidos sobre as empresas do Grupo B..., o crédito sobre o 1.º réu (que é meramente cartular) não poderá ser anterior ao acto (único) do qual emerge – o preenchimento do título (a livrança).
AAC. Sustentar-se que o crédito sobre o avalista de livrança em branco se constitui no momento em que ele, nessa qualidade, assina aquele título, equivale a sustentar-se que o crédito nasceu num momento... em que não há ainda qualquer direito creditório sobre tal garante (o qual, repete-se, só se constituirá se e quando houver incumprimento definitivo por parte do subscritor da livrança).
AAD. Sendo o crédito posterior ao acto, a sua impugnação sempre estaria dependente, nos termos do disposto na segunda parte da alínea a) do art. 610.º do Código Civil, já não da mera consciência do prejuízo causado ao credor mas do propósito, intencional, de impedir a satisfação do direito do credor. Isto é, não basta já uma conduta meramente negligente, antes se exigindo uma conduta dolosa.
AAE. Devendo dar-se como não provados (pelas razões aduzidas supra, nos itens 8. a 36. das presentes alegações) os factos constantes do item 76. do elenco que a sentença recorrida faz dos que entendeu terem sido provados, então fica por provar qualquer má-fé, qualquer intenção fraudulenta, dos réus (mormente da 2.ª ré) – o que, por si só (e mesmo perante a eventualidade – que se não aceita mas por mero dever de patrocínio se refere – de se entender que houve da parte desta última, consciência do prejuízo), dita o insucesso da presente acção, com a consequente absolvição do pedido.
AAF. De qualquer forma, não era a 2.ª ré que tinha que provar que à data de celebração dos negócios “impugnados” desconhecia a existência de um tal débito. O ónus da prova era da autora, que o não cumpriu.
DISPOSIÇÕES VIOLADAS: Art. 414.º do Código de Processo Civil e arts. 342.º e 612.º do
Código Civil.
Termos em que, sendo fixado efeito suspensivo ao presente recurso, deve o mesmo, a final, ser julgado procedente e, em consequência, ser alterada a decisão sob recurso nos termos supra pugnados, com a consequente absolvição dos réus dos pedidos contra eles formulados e
todas as demais legais consequências.
Assim decidindo farão V.ªs Ex.ªs a costumada JUSTIÇA”.
*
A este recurso, veio o A. responder em contra-alegações, concluindo da seguinte forma:
“I - O recurso interposto pela Recorrente carece em absoluto de fundamento.
II - Conforme resulta do disposto no artigo 608.º, n.º 2, em conjugação com os artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, todos do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objeto.
III - A Recorrente considera que não se verificam os pressupostos do instituto da impugnação pauliana, entendendo que não está preenchido o requisito da má fé dos Réus, nem o da anterioridade do crédito.
IV - A impugnação da decisão da matéria de facto por parte da Recorrente versa essencialmente sobre os factos que contradizem duas ideias que aquela entende terem ficado demonstradas: o alegado desconhecimento por parte da Recorrente do incumprimento das obrigações assumidas pelas sociedades do Grupo B... e pelo 1.º Réu no Acordo Quadro, daí resultando a sua alegada falta de consciência do prejuízo que as transmissões causariam à Recorrida, e a existência de um alegado acordo global de partilha, onde o 1.º Réu teria sido beneficiado, aquando da partilha de ../../2016, tendo, como consequência, de compensar posteriormente a Recorrente por tal desequilíbrio, fazendo a compensação através das transmissões aqui impugnadas.
V - A Recorrente considera que o Tribunal a quo não fez constar da decisão de facto, como provado ou como não provado, o facto relativo à consciência do prejuízo causado à Recorrida por parte da Recorrente decorrente das transmissões impugnadas, o que não é correto, pois tal encontra-se expressamente contido no facto dado como provado sob o n.º 76.
VI - Aliás, veja-se que apesar de a Recorrente entender que o Tribunal a quo não se pronunciou quanto ao seu desconhecimento da existência de um débito e, como tal, do prejuízo que causaria aos credores com as impugnações impugnadas, ainda assim teve necessidade de contestar a decisão sobre a matéria de facto quanto ao referido facto n.º 76, requerendo a sua eliminação, o que é contraditório e demonstra a fragilidade, incoerência e dispersão dos argumentos da Recorrente.
VII - A má fé dos Réus, requisito que a Recorrida teve de demonstrar, de acordo com as regras de distribuição do ónus da prova, e que no caso das ações de impugnação pauliana se traduz na consciência de que a transmissão causa prejuízo ao credor é, naturalmente, um requisito de difícil demonstração, exatamente porque os Réus de uma ação de impugnação pauliana nunca confessam que transmitiram o bem para proteger o seu património face aos credores, nem tal intenção decorre de forma expressa dos elementos documentais ou testemunhais carreados para os autos.
VIII - Não havendo uma confissão expressa por parte dos Réus, a decisão tem de partir da conciliação de todos os elementos objetivos disponíveis nos autos com os juízos presuntivos obtidos a partir da prova produzida à luz dos critérios de experiência, lógica e normalidade.
IX - A nossa jurisprudência é consensual ao entender que nas ações de impugnação pauliana assume especial relevância a prova indirecta, por presunção judicial, ilações que o julgador tira de um facto conhecido (facto base da presunção) para afirmar um facto desconhecido (facto presumido), segundo as regras da experiência da vida, da normalidade, dos conhecimentos das várias disciplina científicas, ou da lógica (cfr. Ac. TRC, de 14.09.2020, Proc. 3006/15.1T8LRA.C1, Relator Jorge Arcanjo, disponível em ww.dgsi.pt).
X - No caso em concreto, foram estes os factos que resultaram demonstrados e que levaram o Tribunal a quo a determinar a atuação concertada dos réus:
a. O incumprimento das obrigações decorrentes do Acordo Quadro iniciou-se em 2014, mas generalizou-se em julho de 2016, conforme factos dados como provados sob os n.ºs 44, 47 e 84 a 88;
b. A Recorrente e o 1.º Réu dissolveram o seu casamento em ../../2016, quatro meses após o incumprimento generalizado das obrigações do Acordo Quadro;
c. A sociedade A..., S.A., que o 1.º Réu, a Recorrente e as suas duas filhas detêm em 99.99%, foi constituída no dia 12 de setembro de 2016, dois meses após o incumprimento generalizado das obrigações assumidas no Acordo quadro, conforme factos dados como provados sob os n.ºs 8 a 11;
d. Àquela data, as filhas dos Réus tinham 22 anos (PP) e 18 anos (BB), conforme assentos de nascimento juntos como Docs. 5 e 6 da Petição Inicial, logo previsivelmente sem qualquer experiência societária ou empresarial, muito menos para assumir a exploração de projetos turísticos de raiz;
e. No dia 13 de janeiro de 2017, quatro meses após a constituição da sociedade A..., S.A., o 1.º Réu vendeu-lhe a nua propriedade do prédio ...54, a sua casa de morada, pelo valor de € 223.128,00, conforme Doc. 68 da Petição Inicial;
f. No mesmo ato, o 1.º Réu vendeu à Recorrente, dois meses após a dissolução do seu casamento, o direito ao usufruto vitalício do prédio ...54, pelo valor de € 148.752,00, ainda que tenham os dois continuado a habitar a casa;
g. Em conjunto, o 1.º Réu vendeu a nua propriedade e o direito de usufruto do prédio ...54 por € 371.880,00, tendo sido apurado através da perícia realizada que o valor de mercado do prédio ...54 à data da transmissão era de € 1.309.000,00, conforme facto dado como provado sob o n.º 72;
h. O preço da nua propriedade seria pago pela sociedade A..., S.A., após um período de carência de dois anos, em doze prestações trimestrais sucessivas, no valor de € 18.594,00, cada, o que é uma forma de pagamento fora da normalidade comercial e em claro prejuízo do 1.º Réu, vide Doc. 68 da Petição Inicial;
i. Os Réus constituíram já depois do divórcio outra sociedade em conjunto, a F..., Lda., depois denominada G..., constituída em 10 de outubro de 2018, assumindo os réus a gerência conjunta desde 18 de maio de 2020 até 29 de janeiro de 2021;
j. A Recorrida interpelou o 1.º Réu para o pagamento da dívida em 29 de setembro de 2020 e, por carta datada de 22 de outubro de 2020, comunicou-lhe o vencimento antecipado da totalidade da dívida, concedendo-lhe um prazo de 10 dias para regularizar a situação, conforme factos dados como provados sob os n.ºs 48 a 50. As referidas comunicações foram expedidas para o prédio ...54, onde ambos os Réus residiam e continuam a residir;
k. Dentro do referido prazo concedido, o 1.º Réu não procedeu ao pagamento da dívida, mas transmitiu o prédio ...53 à sua ex-mulher, aqui Recorrente;
l. Na verdade, por escritura de partilha por divórcio, dação em pagamento e penhor, celebrada em 30 de outubro de 2020, o 1.º Réu transmitiu o prédio ...53 à Recorrente através de dação em pagamento para pagamento parcial das tornas, conforme Doc. 63 da Petição Inicial;
m. Ao prédio ...53 foi atribuído o valor de € 319.240,00, sendo que resultou da perícia que este imóvel tinha à data da transmissão o valor comercial de € 1.289.000,00, conforme facto dado como provado sob o n.º 73;
n. Salienta-se que o remanescente montante de tornas a pagar pelo 1.º Réu à Recorrente, no valor de € 280.760,00, seria pago através da cessão do crédito que o Recorrente detinha sobre a A..., S.A., no valor de € 223.128,00, demonstrando que esta sociedade não pagou qualquer prestação pela aquisição do direito à nua propriedade do prédio ...54 e de um pagamento da quantia de € 57.632,00 de forma integral ou parcial a efetuar pelo Recorrente até 31 de outubro de 2030, o que novamente não corresponde aos normais termos comerciais, conforme resulta do Doc. 63 junto com a Petição Inicial;
XI - Destes factos resulta que o 1.º Réu entregou dois imóveis à Recorrente, sua exmulher, e à sociedade que constituiu com esta e as duas filhas de ambos, pelo valor global de € 691.120,00, quando o valor comercial conjunto dos dois imóveis à data das transmissões ascendia a € 2.598.000,00, conforme resulta do relatório pericial;
XII - Foi com base nestes elementos objetivos, calibrados pelo Tribunal a quo com as regras de experiência comum, que este considerou, e bem, que houve efetivamente uma prática concertada por parte dos Réus para salvaguardar o património do 1.º Réu em detrimento dos credores;
XIII - Acresce que a Recorrente detinha conjuntamente com o 1.º Réu várias sociedades, partilhando-as e constituindo-as após a dissolução do casamento e com aquele dividindo a gerência das mesmas;
XIV - Por outro lado, como confessa no artigo 7.º da sua Contestação, a Recorrente foi avalista de livranças e mútuos para garantia de obrigações do Grupo B.... Foi também garante das obrigações assumidas pelas sociedades do Grupo B... no âmbito do Acordo Quadro, constituindo penhor financeiro sobre as ações representativas do capital social da M..., SGPS, S.A., como resulta da cláusula 13.ª, n.º 5, do contrato de financiamento do New Money – Tranche 2, junto como Doc. 20 da Petição Inicial.
XV - A Recorrente interveio, portanto, no Acordo Quadro, tendo estado presente na data da celebração do mesmo e tendo sempre sido assessorada, durante a negociação e celebração, quer pelos advogados internos, quer pelos advogados externos do Grupo B..., bem como pelo CFO e CEO do Grupo B..., tal como resulta do seu depoimento de parte (entre os minutos 00:06:50 e 00:08:09), o que foi igualmente confirmado pelas testemunhas EE (entre os minutos 00:13:01 e 00:13:43),que integrava a Direção de Acompanhamento de Empresas, tendo acompanhado a reestruturação da dívida do Grupo B... desde 2012 e pela testemunha DD (entre os minutos 00:06:28 e 00:07:21), Diretora Adjunta na Direção de acompanhamento de empresas e que acompanhou todo o processo de reestruturação e negociação com o Grupo B....
XVI - Resultando de todos esses meios probatórios a natural convicção de que a Recorrente é uma pessoa com experiência e conhecimento dos meios empresariais e das negociações financeiras, não sendo, portanto, crível que a mesma desconhecesse que tinha garantido um financiamento, o Acordo Quadro, que, recorde-se, era já uma reestruturação de dívidas vencidas (conforme factos dados como provados sob os n.ºs 13, 14 e 82) que o Grupo B... apresentava para com a Recorrida, o então Banco 5... e o Banco 3..., de algumas centenas de milhões de euros.
XVII - Cumpre também trazer à colação que foi dado como provado que o 1.º Réu manteve, pelo menos até meados de 2015, um acompanhamento próximo da atividade societária do Grupo B... (facto provado n.º 138) e que as sociedades mutuárias do Grupo B... entraram em incumprimento logo em 2014 (factos provados n.ºs 44, 84 a 88).
XVIII - Tendo também o 1.º Réu confessado que ainda era casado com a Recorrente quando se verificou o incumprimento, conforme o seu depoimento de parte entre os minutos 00:34:11 e 00:36:09.
XIX - Ora, se considerarmos que i) o 1.º Réu tinha perfeito conhecimento da astronómica dívida que garantia pessoalmente e que se encontrava já em incumprimento; ii) que a própria Recorrente tinha igualmente garantido tal dívida; iii) que ambos tinham sido devidamente assessorados aquando da celebração do Acordo Quadro; iv) que esse Acordo Quadro era já uma reestruturação de dívida passada vencida que também tinham garantido; v) que ambos tinham larga experiência no mundo empresarial e nos respetivos financiamento bancários e vi) que o incumprimento se iniciou em 2014, quando ambos eram casados, faziam vida conjugal e partilhavam investimentos, não se pode chegar a outra conclusão, com base nas regras de experiência comum, se não que a Recorrente tinha conhecimento da situação de incumprimento aquando das transmissões ocorridas em 2017 e 2020.
XX - Reconstituída a cronologia dos eventos e os montantes praticados pelos Réus, é ostensiva a concertação destes no intento de proteger o património familiar em detrimento dos interesses dos credores, sendo óbvio e natural o conhecimento da Recorrente da situação de incumprimento das sociedades do Grupo B... aquando das transmissões impugnadas, bem como a sua consciência do prejuízo que tais transmissões causariam na expectativa da recuperação patrimonial por parte dos Credores.
XXI - Estes factos foram devidamente alegados e demonstrados pela Recorrida, cabendo naturalmente ao Tribunal a quo, para ponderar da qualificação da conduta dos Réus, valorá-los ao abrigo das regras de experiência comum para chegar à sua decisão, que, face ao exposto, não merece qualquer censura.
XXII - Por outro lado, nenhum dos elementos probatórios indicados pela Recorrente tem relevância, ou sequer imparcialidade e coerência, para poder alterar a convicção do Tribunal a quo.
XXIII - O depoimento da testemunha II, secretária da Administração da B... – Engenharia e Construções, S.A., não pode relevar para demonstrar o desconhecimento da Recorrente acerca do débito do 1.º Réu, pois o conhecimento da testemunha é bastante limitado e circunstancial, podendo esta atestar, no limite, que nunca contactou ou viu a Recorrente contactar tratar dos assuntos empresariais do Grupo B....
XXIV - Foi correta a valoração por parte do Tribunal a quo do depoimento da testemunha CC. Como resultou demonstrado e reconhecido pela própria testemunha, esta é não só CEO do Grupo C..., mas também CEO e acionista da D..., a empresa que propôs comprar os créditos detidos pela Recorrida e por outras entidades bancárias sobre as sociedades do Grupo B... (tendo já comprado os detidos pelo Banco 3...). Ou seja, se resultasse provada a inexistência dos créditos detidos pela Recorrida sobre as empresas do Grupo B... e do 1.º Réu, então o passivo das mutuárias e do 1.º Réu seria drasticamente reduzido, o que beneficiaria a posição da D..., detentora do passivo remanescente, o que o beneficiaria pessoalmente, pelo que o seu depoimento não pode ser considerado imparcial e desinteressado.
XXV - Face a tudo o que foi exposto, não merece qualquer censura a decisão de facto do Tribunal a quo quanto ao facto dado como provado sob o n.º 76 e quanto aos factos dados como não provados sob os n.ºs 59 e 60.
XXVI - O alegado acordo global de partilha, onde a Recorrente invoca que como contrapartida por ter entregado as participações sociais das sociedades do Grupo B... ao 1.º Réu aquando da partilha efetuada em ../../2016, uma vez que estas tinham um valor muito elevado, o 1.º Réu teria de a compensar nas partilhas subsequentes, não tem qualquer correspondência com o teor das escrituras públicas e não tem qualquer sustentação documental ou sequer testemunhal.
XXVII - A única testemunha que abordou esse alegado acordo global de partilha foi a irmã da Recorrente, FF, que apresentou um discurso parcial, genérico e impreciso, sem relevância probatória para contradizer as declarações dos Réus expressas nas escrituras públicas das transmissões em questão.
XXVIII - Também o 1.º Réu procurou explicar no seu depoimento de parte este alegado acordo global de partilhas, mas não conseguiu verdadeiramente explicar os termos do mesmo, nem esse depoimento pode valer, por si só, para prova de factos que lhe são favoráveis quando inexistem outros elementos que os corroborem.
XXIX - Ora, apesar de a Recorrente procurar lançar a confusão, misturando as participações sociais com as transmissões impugnadas na presente a ação, a verdade é que estas transmissões em nada estão relacionadas com os termos das partilhas e, como tal, têm de ser analisadas isoladamente, ponderando-se o que foi entregue pelo transmitente e a respetiva contrapartida.
XXX - Nos termos da escritura pública de transmissão do usufruto e compra e venda, celebrada no dia 13 de janeiro de 2017, o 1.º Réu vendeu à Recorrente o usufruto vitalício do prédio ...54 pelo preço de € 148.752,00 e vendeu à 3.ª Ré a nua propriedade do mesmo imóvel pelo preço de € 223.128,00. A contrapartida desta transmissão foi o preço, que no total ascendeu a € 371.888,00, quando o valor de mercado do imóvel na data da transmissão era de € 1.309.000,00.
XXXI - Nos termos da escritura de partilha por divórcio, dação em pagamento e penhor, celebrada em 30 de outubro de 2020, o 1.º Réu transmitiu o prédio ...53 através de dação em pagamento para pagamento parcial de tornas, tendo os Réus atribuído a esse imóvel o valor de € 319.240,00, sendo essa a verdadeira contrapartida da transmissão, quando o valor de mercado do imóvel na data da transmissão era de € 1.289.000,00.
XXXII - Criando um cenário alternativo à factualidade provada, a Recorrente invoca que a contrapartida das transmissões impugnadas foi o recebimento pelo 1.º Réu das participações sociais das sociedades do Grupo B..., bem como a meação de um terço dos prédios ...64 e ...42.
XXXIII - Mesmo se se acompanhasse este raciocínio enviesado da Recorrente de incluir na equação as participações sociais trocadas em 2016, cumpre esclarecer que dessa partilha ingressou efetivamente na esfera jurídica do 1.º Réu um conjunto de participações sociais no valor de € 1.310.287,07 (as participações referentes às sociedades do Grupo B...), mas também, naturalmente, saiu do seu património para integrar o da Recorrente um conjunto de participações sociais no valor de € 1.238.448,50 (vide Doc. 7 junto com a Contestação do Recorrente), pelo que a diferença é meramente residual.
XXXIV - Os valores atribuídos às participações sociais na escritura de partilha de 2016 foram livremente estipulados pelos Réus, pelo que, se a Recorrente entendia que aquelas participações apresentavam um valor diferente, então caber-lhe-ia fazer prova dessa diferença, e nunca à Recorrida como aquela alega.
XXXV - O argumento da Recorrente falha assim em dois aspetos essenciais: primeiro, não logrou demonstrar que a contrapartida entregue ao 1.º Réu pelas transmissões impugnadas incluía as participações sociais das empresas do Grupo B..., ou o direito à meação de um terço dos prédios ...64 e ...42; depois, por não ter procurado sequer fazer prova do valor dessas participações sociais para sustentar devidamente o seu argumento.
XXXVI - Quanto ao valor dos imóveis recebidos na partilha pelo 1.º Réu (e não como contrapartida da transmissão do prédio ...53), foi dado como provado que o terço indiviso do prédio ...64 foi avaliado pela perícia judicial em € 921.700,00 e o terço indiviso do prédio ...42 foi avaliado pela perícia judicial em € 270.700,00, conforme resulta dos factos dados como provados sob os n.ºs 74 e 75.
XXXVII - Assim, o património comum dos Réus tinha o valor de € 1.192.400,00, pelo que cada Réu teria direito à correspondente metade, logo € 596.200,00.
XXXVIII - Daqui resulta que para receber esses dois prédios (metade do terço indiviso dos prédios ...64 e ...42), com o valor de € 596.200,00, o 1.º Réu entregou à Recorrente o prédio ...53, com o valor de mercado de € 1.289.000,00, tendo ainda cedido àquela um crédito no valor de € 223.118,00 que detinha sobre a A..., S.A., e obrigando-se ainda a pagar àquela a quantia de € 57.632,00, ficando, também neste cenário alternativo, demonstrado à saciedade o prejuízo da transmissão impugnada.
XXXIX - Pelo que não merece qualquer reparo a decisão de facto do Tribunal a quo quanto aos factos dados como provados sob os n.ºs 58 e 61 e quanto aos factos dados como não provados sob os n.ºs 62 e 63, não devendo ser aditados os factos que a Recorrente descreve nos seus §§ 72 a 75 e 81 a 86 das Alegações.
XL - Quanto ao Facto não provado n.º 63, para além de não ter qualquer sustentação probatória, confirmando-se, portanto, a correção da decisão do Tribunal a quo, cumpre esclarecer que pode o projeto hoteleiro ser legítimo e corresponder a um desejo efetivo dos Réus, sem que com isso a impugnação pauliana não deixe de ser fundada e procedente, com vista a salvaguardar os interesses da Recorrida que viu a garantia patrimonial para satisfação do seu crédito por tal transmissão resultar diminuída.
XLI - Não deve também ser corrigida a redação do facto dado como provado sob o n.º 80, pois o 1.º Réu não fez prova de que ainda é titular das participações sociais que recebeu em resultado do acordo de partilha de 2016, sendo que a mera junção aos autos da escritura de partilha, não demonstra a titularidade atual das participações então recebidas pelo 1.º Réu.
XLII - Não deve também ser alterada a qualificação dos factos dados como não provados sob os n.ºs 53, 54 e 55, como a Recorrente invoca, pois como o Tribunal a quo bem fundamentou na sua decisão, tais factos não foram referidos de forma consistente por nenhuma testemunha13, o que, percorrendo toda a prova produzida se confirma, resultando inclusivamente o inverso dos factos dados como apurados.
XLIII - Os comprovativos da realização de sessões de terapia familiar no verão de 2019 não demonstram, por si só, que os Réus apenas se reaproximaram em abril de 2018, nem que das mesmas resultou que os Réus não pretendiam reatar a vida em comum, sendo então exigido pela Recorrente ao 1.º Réu que se concluísse o alegado acordo de partilha discutido em 2019.
XLIV - Tudo isto são meras especulações e fabulações da Recorrente para acomodar a sua teoria quanto ao alegado acordo de partilha global, mas que não têm qualquer correspondência nem sustentação probatória, pelo que não deve ser aditado qualquer facto à lista de factos provados referente a esta matéria, tal como a Recorrente requer no §100 das Alegações.
XLV - Por fim, quanto à impugnação da matéria de facto, não se compreende a posição da Recorrente quanto à impugnação dos factos n.ºs 77 e 78. O Tribunal a quo deu como provado que os Réus sabiam i) que os prédios ...53 e ...54 tinham um valor de mercado superior ao valor patrimonial tributário, ii) que o prédio ...53 entregue à Recorrente tinha um valor superior ao das tornas e iii) a que se reportava o direito de crédito sobre a A... S.A. cedido na partilha de 30 de outubro de 2020.
XLVI - É do senso comum que o valor comercial de um imóvel, qualquer que ele seja, é superior ao seu valor patrimonial tributário. Além disso, não podem também os réus alegar que não sabiam qual a origem do crédito detido pelo 1.º Réu sobre a A..., S.A., desde logo porque intervieram nessa escritura da qual emergiu o crédito e também porque são acionistas desta sociedade.
XLVII - Não se compreende também a posição da Recorrente na sua impugnação à matéria constante do facto n.º 79 dado como provado, pois ambos os Réus confessaram no seu depoimento de parte que residem nessa mesma morada, embora tenham clarificado que vivem em pisos diferentes o que, para os efeitos que aqui nos trazem, pouca ou nenhuma relevância tem. O facto de ambos continuarem a habitar na mesma casa demonstra que a transmissão impugnada não teve efeitos materiais. Torna, assim, ainda mais incredível a posição da Recorrente ao invocar o desconhecimento do incumprimento do seu ex-marido das obrigações assumidas no Acordo Quadro.
XLVIII - Resultou também provado, inclusivamente por via da confissão dos Réus, que estes partilham investimentos e constituíram sociedades depois da dissolução do casamento, pelo que é insustentável que a Recorrente defenda, em consciência, que não mantém uma relação profissional com 1.º Réu.
XLIX - Todos estes factos demonstram à saciedade que as transmissões foram materialmente vazias e sem reflexo na realidade. O 1.º Réu continua a habitar na casa que vendeu à Recorrente (prédio ...54); o 1.º Réu continua a ter total controlo sobre os destinos do prédio ...53; os Réus continuam a constituir empresas em conjunto e a geri-las. E, como tal, é perfeitamente lógico, que a Recorrente soubesse devidamente do incumprimento do 1.º Réu perante a Recorrida e qual a razão pela qual se efetuarem as transmissões nos termos em que foram feitas.
L - Pelo que nenhum reparo deve ser também feito à decisão da matéria de facto do Tribunal a quo quanto aos factos dados como provados sob os n.ºs 77, 78 e 79.
LI - Como tal, não havendo alterações à decisão da matéria de facto e considerando que a aplicação de Direito aos factos apurados pelo Tribunal a quo foi corretamente efetuada e fundamentada, a sentença é inatacável.
LII - Todos os pressupostos para o funcionamento do instituto da impugnação pauliana encontram-se verificados: a existência do crédito da Recorrida sobre o 1.º Réu transmitente; a realização pelo mesmo de um ato que diminuiu a garantia patrimonial do crédito; a anterioridade do crédito; a má fé dos Réus e o agravamento da satisfação do crédito resultante de tal transmissão.
LIII - Quanto ao requisito da anterioridade, a mais recente jurisprudência é unânime no entendimento de que o momento relevante para apurar da anterioridade do crédito face à data da transmissão, quando aquele se baseia em livrança avalizada em branco, é exatamente o momento da constituição do aval. O aval foi constituído em setembro de 2013, previamente às duas transmissões impugnadas, tendo o crédito emergido logo no início de 2014.
LIV - Acresce que, o Acordo Quadro serviu efetivamente para reestruturar uma dívida anterior já vencida, pelo que também por aí ter-se-ia de considerar a anterioridade do crédito face às transmissões, tal como a jurisprudência tem reconhecido.
LV - Por fim, diga-se que mesmo que o crédito da Recorrida não fosse anterior às transmissões, no que não se concede, a Recorrida poderia ainda assim lançar mão do instituto da impugnação pauliana no caso sub judice, considerando a prática concertada dos Réus no sentido de dolosamente impedir a satisfação do crédito daquela, protegendo o seu património, tal como o Tribunal a quo deu como provado e face o tudo o que foi expendido nestas Contra-Alegações.
LVI - Face ao supra exposto, a sentença recorrida não merece qualquer censura, devendo a mesma ser confirmada, julgando-se o recurso totalmente improcedente.
Nestes termos e nos demais de Direito, requer-se a Vossas Excelências, Venerandos Juízes Desembargadores, se dignem negar provimento ao presente recurso, mantendo integralmente a decisão recorrida, assim fazendo o que é de inteira Justiça!”
A – O tribunal recorrido veio declarar a a ineficácia, em relação à A., da transmissão do imóvel (prédio descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...54 da freguesia ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...49 da freguesia ...) (…) por venda da nua propriedade efetuada pelo 1.º Réu à 3.ª Ré por escritura de 13 janeiro, reconhecendo-se o direito da A. à sua restituição, na medida do seu interesse, podendo executá-los no património das Rés BB e “A..., S.A.”, na medida do necessário para obter o pagamento/satisfação do seu crédito, bem como a praticar os atos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei, por entender estarem cumpridos os requisitos elencados dos art. 610.º e 612.º do Código Civil.
B – Decidiu erradamente aquele tribunal, ao colher a tese da Autora de que todos os contraentes tinham consciência do prejuízo causado à Autora, padecendo a decisão de primeira instância, quanto à matéria de facto, de incorreções de julgamento e insuficiência, atentos os meios probatórios constantes do processo – documentos e depoimentos das testemunhas, que impunham decisão diversa da recorrida.
C - A sentença enferma de erro de julgamento e interpreta defeituosamente a factualidade apurada, aplica erradamente a Lei e as orientações jurisprudenciais, e sem prejuízo da modificação da decisão sobre a matéria de facto que, no caso em apreço, se impõe, também o Tribunal a quo fez errada aplicação e interpretação da lei e não atendeu sequer às normas legais aplicáveis à situação sub judice.
D – O Tribunal a quo socorreu-se para a sua decisão maioritariamente no depoimento das testemunhas apresentadas pela Autora, ora Recorrida, que são ou foram trabalhadores daquela, tendo, ao longo dos seus depoimentos, por um lado, relatado situações contraditórias, e por outro lado, demonstrado nítida parcialidade, porquanto os seus depoimentos foram absolutamente apaixonados e centrados em prestar declarações que beneficiassem a tese defendida pela Autora.
E – A sentença recorrida deveria ter valorado o depoimento das testemunhas da autora com especial sentido crítico face à sua parcialidade e falta de isenção, e a contrário valorado os depoimentos das testemunhas das Rés, essas sim isentas e imparciais, porque nada ganham ou perdem com o desfecho da acção.
F - A Meritíssima Juiz a quo na motivação da sentença fundamentou-se amplamente na prova documental junta pela Autora, fazendo tábua rasa aos depoimentos prestados no decorrer de toda a audiência de discussão e julgamento, criando a convicção de que a decisão já havia sido tomada apenas e só com a sua leitura, e desmerecendo quaisquer esclarecimentos que hajam sido verdadeiramente reveladores da verdade material dos factos, mas que, porque contrários aos documentos (juntos pela Autora, refira-se!), foram sempre relegados para elementos “pouco importantes ou relevantes”.
G – Urge um olhar atento na apreciação da matéria de facto, tendo em conta que é manifestamente contraditório que aos depoimentos das testemunhas RR, HH, EE, e NN, seja dada completa credibilidade, ainda que todos eles tenham uma relação de dependência para com a Autora, ou tenham tido, como é o caso da testemunha EE, que se encontra em situação de pré reforma, e ao depoimento da testemunha dos 1.º e 2.ª Réus CC, não tenha sido dada qualquer relevância.
H - A ponderação da prova testemunhal tem de ser coerente e isenta, e o Tribunal a quo não foi isento, na medida em que para as testemunhas da Autora a relação profissional não teve qualquer enfoque, sendo certo que todas as testemunhas são ou foram trabalhadoras da Autora, mas usa do mesmo critério para basear um especial enfoque crítico na ponderação do
depoimento da testemunha dos 1.º e 2.ª Rés, CC, pela negativa.
I - O depoimento das testemunhas, assalariadas da Autora, não deveria ter sido valorado, e muito menos sido alvo de enfoque pela sua “imparcialidade” e “precisão”, sendo certo que tanto a testemunha DD, como a testemunha HH demonstraram parcialidade notória nos seus depoimentos, pelo que os mesmos não podiam ter sido valorados, tendo usado o tribunal dois pesos e duas medidas para a valoração da prova testemunhal!
J - A testemunha DD enfatizou que o que lhe importava é que estavam 200 milhões em dívida (Diligencia_1322-21.2T8LRA_2024-05-15_15-45-14), no minuto 00:35:33): “Mas o Sr Dr quer eu olhe para quê? Com franqueza, a franqueza que eu quero olhar, é tem 200 milhões de dívidas. Eu tenho 200 milhões de dívidas para o qual não recebo, recebo zero pronto, é só isso que eu tenho que olhar é só isso que eu tenho que ter consciência….”
K - A testemunha levou apontamentos para a audiência de discussão e julgamento, tendo “apoiado” o seu testemunho em notas pré-redigidas (Diligencia_1322-21.2T8LRA_2024-05-15_14-13-51), entre os minutos 00:10:53 e 00:11:53), notoriamente pré preparadas em função do litígio em apreço, estando o seu testemunho irremediavelmente inquinado.
L - A testemunha HH enfatizou que a dívida era de 195 milhões, e que só isso lhe interessava saber! (Diligencia_1322-21.2T8LRA_2024-05-29_04-53-13), entre os minutos 01:00.:38 e 01:04:18).
M - O Tribunal a quo na ponderação da prova, refere “nesta produção testemunhal sobrelevou-se a capacidade de perceção dos primeiros três testemunhos, a precisão e detalhe dos factos narrados no iter negocial percorrido, tendo por base o suporte documental oferecido, indicado a propósito de cada um deles, e de que tais testemunhos são a reprodução fiel, relevando-se ainda a imparcialidade demonstrada; não assim quanto à testemunha CC, cuja narração e capacidade de perceção se apreciou com especial enfoque crítico, dada a relação profissional que tem com o Grupo C..., e enquanto legal representante da D..., empresa que surge interessada na aquisição dos créditos da Banco 2..., com várias concessões; de todo o modo, em nenhuma parte do seu depoimento se retira que em qualquer fase das negociações (entre 2015 a 2020) tivesse sido alcançado um acordo quanto a todos os termos e condições da pretendida reestruturação financeira da dívida, que já houvesse condições acordadas pelas partes ou que estas fossem alteradas unilateralmente, muito menos que fossem alimentadas pela Banco 2... quaisquer expetativas juridicamente tuteladas para a obtenção de acordo, assumindo até que em setembro 2020 tiveram a perceção que não ira haver acordo. É ilógico e irrazoável sustentar-se que pelo facto de a Autora ter anuído em encetar e manter negociações, e por só ter interpelado e acionado judicialmente os devedores cerca de cinco anos após o incumprimento da dívida, tivesse que manter o seu propósito de reestruturação quando o devedor se propõe pagar uma parte residual da dívida, nos termos e condições que mais reputa conveniente, apesar da insatisfação que daí resulta para a Banco 2....”
N – Errou o tribunal a quo na valoração da prova, sendo certo que, a sentença recorrida deveria ter apurado em conformidade com o normativo legal a anterioridade do crédito, e só depois a consciência do prejuízo, por parte de todos os contratantes.
O – Os factos n.º 44 e 47 devem ser excluídos da lista dos factos provados, passando a integrar a lista de factos não provados, visto que não se provou que as mutuárias entraram em incumprimento logo em 2014, uma vez que do depoimento da testemunha HH (Diligencia_1322-21.2T8LRA_2024-05-29_04-53-13), entre os minutos 01:10:40 e 01:13:51), se retira que os bancos sempre estiveram ao lado do Grupo B... para possível restruturação “Eu falo de 2018 porque depois também deixei de acompanhar, mas os bancos estiveram sempre a trabalhar com o Grupo B....Seja ela em que moldes for, com haircuts ou sem haircuts, os bancos tiveram sempre a trabalhar com o grupo B....”.
P- À data da celebração do negócio cuja ineficácia o Tribunal a quo decretou, inexistia incumprimento definitivo, porquanto em Fevereiro de 2018 houve um acordo pronto a assinar com os três bancos, sendo tal facto corroborado pelo depoimento da testemunha CC Diligencia_1322-21.2T8LRA_2024-06-27_09-56-49), entre os minutos 00:23:33 e 00:32:23).
Q – O crédito não se encontrava vencido à data da celebração do contrato de compra e venda da nua propriedade do 1.º Réu à aqui Recorrente, devendo para tal o tribunal atender ao depoimento da testemunha CC, ao qual deve ser dado relevante valor, e acrescido ao depoimento da testemunha HH, pelo que o tribunal não poderia ter dado como provada a anterioridade do crédito.
R – A Autora só avançou para a interpelação de incumprimento definitivo quando as negociações de restruturação saíram malograda, e só o fez em Outubro de 2020, pelo que à data da celebração do contrato de compra e venda da nua propriedade do prédio ...54, não existia incumprimento do crédito, tendo decorrido cerca de 3 anos após a sua celebração até que a Autora interpelasse o 1.º Réu para pagamento.
S – Em Julho de 2016, a B... Engenharia Construções S.A., recebeu novo pagamento da Venezuela, tendo os Bancos recebido tal valor, facto que o Tribunal a quo vem indicar nos factos dados como provados nos factos provados do n.º 94 a 97.
T – Decidiu mal o Tribunal a quo ao concluir que a 3.ª Ré tinha conhecimento da anterioridade do crédito, porquanto não foi feita qualquer prova que pudesse levar a tal conclusão.
U – A Recorrente foi criada em 12 de Setembro de 2016 e adquiriu a propriedade do imóvel ...54 em janeiro de 2017, e nunca a Recorrente interveio nas negociações e renegociações dos créditos constantes nos autos; não foi interveniente no preenchimento do aval, nem teve conhecimento do pacto de preenchimento. Nunca participou em quaisquer reuniões com a Autora, nem garantiu que a solução para o pagamento integral da divida estava assegurado, não lhe foi comunicado qualquer vencimento de qualquer crédito ou incumprimento.
V– Não existe na lista de factos dados como provados, qualquer facto que resulte na concretização da conclusão de que a 3.ª Ré, aqui recorrente tivesse tal conhecimento.
W – O ónus da prova do conhecimento da 3.ª Ré, aqui Recorrente, da existência de um crédito para com a Autora, era desta. Não tendo sido feita prova desse conhecimento, o direito a que a Autora se arroga na presente acção não pode proceder.
X - O Tribunal a quo inverte as regras do ónus da prova no que concerne ao alegado conhecimento do crédito por parte da 3.ª Ré, aqui Recorrente, desrespeitando por completo a prova produzida, e motivando a sua decisão ao arrepio dos factos dados por si como provados.
Y - Não foi feita qualquer prova por parte da Autora, que tenha levado à conclusão de que os 1.º e 2.ª Réus, juntamente com a 3.ª Ré, tenham querido prejudicar a credora Autora, com a disposição dos imóveis 4253 e 4254.
Z - O Tribunal a quo baseia a sua motivação através de presunções e juízos valorativos, o que, quando em causa está uma pessoa colectiva, implica que seja feita a desconstrução societária, através do instituto da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade, que não fez.
AA – Não decorre de todo o depoimento de parte da 2.ª Ré (Diligencia_1322-21.2T8LRA_2024-05-15_11-05-59, entre os minutos 00:00:14 e 00:17:20), qualquer alusão aos negócios jurídicos cuja ineficácia o Tribunal decretou, sendo completamente contrário à fundamentação vertida na sentença de que “apesar de todos os esforços no decurso da prestação dos seus depoimentos em audiência, no sentido de convencer o tribunal de que com a disposição dos imóveis 4253 e 4254 que empreenderam, juntamente com a 3.ª Ré, nunca quiseram prejudicar a credora autora, e que jamais tiveram o propósito de protecção do património do 1.º Réu por parte de todos os Réus (considerando-se, quanto à 3ª Ré, a sua composição estatutária), o tribunal disso não se persuadiu”.
AB - Tanto o depoimento de parte do 1.º Réu como da 2.ª Ré são contrários a conclusão retirada na motivação do Tribunal a quo quanto à intenção concertada dos mesmos, em conjunto com a 3.ª Ré (considerando a sua composição estatutária) de prejudicar a credora autora, querendo proteger o património do 1.º Réu.
AC – Deve ser eliminado da lista de factos provados o facto n.º 78, e ser incluído na lista de factos não provados, por não resultar da prova produzida a intenção de prejudicar o credor por parte dos Réus.
AD - O Tribunal a quo não poderia ter concluído da má-fé da 3.ª Ré na celebração do negócio jurídico, primeiro porque a 3.ª Ré desconhecia a existência de crédito, segundo porque a 3.ª Ré, sendo uma sociedade, não se lhe pode aferir do grau de consciência, sem antes se proceder à desconsideração da personalidade jurídica da mesma.
AE - Não basta, nem pode bastar, ao arrepio das mais elementares normas jurídicas, ao Tribunal, referir que a 3.ª Ré sabia do crédito, está de má-fé e tem consciência da criação de prejuízo na esfera patrimonial da credora autora, com uma mera alusão à consideração da sua composição estatutária!
AF – A má-fé é aferida atendendo a factos de foro interno ou de natureza psicológica, verificável través de comportamentos exteriores que, indiciem condutas e atitudes, de índole cognitiva, afetiva ou volitiva, dos agentes visados.
AG - Os critérios para a aferição da má-fé são exclusivamente pessoais, e portanto, não podem ser atribuídos a pessoa colectiva, sem que, seja feita a sua desconsideração de personalidade jurídica.
AH – Cabia igualmente à autora o ónus da prova da consciência dos Réus, mormente da 3.ª Ré de que com a celebração do negócio jurídico de compra e venda estaria a prejudicar o seu crédito, o que não fez, não tendo sequer alegado o levantamento da composição estatutária da 3.ªa Ré, através do instituto da desconsideração da personalidade jurídica.
AI – Em momento algum da sentença aqui recorrida, o Tribunal a quo, procede ao levantamento da personalidade colectiva da 3.ª Ré, apenas se referindo à sua composição societária, sem mais delongas.
AJ – O tribunal a quo não podia ter concluído que a 3.ª Ré tenha agido de má-fé, uma vez que não procedeu à desconsideração da personalidade jurídica da 3.ª Ré, desconstruindo a sua composição estatutária, e aferindo individualmente o estado cognoscível de todos os seus órgãos estatutários.
AK – Decorre dos factos dados como provados dos n.º 8 a 11 a composição estatutária da 3.ª Ré, nomeadamente que a o 1.º Réu detinha à data da sua constituição 9,99%, a 2.ª Ré 10%, PP 40%, BB 40% e KK 0,01%.
AL – Da leitura dos referidos factos constata-se que 1.º e 2.ª Ré detêm uma parte minoritária das acções da 3.ª Ré, sendo que, os restantes accionistas, PP e BB e KK não são parte na acção, nem foram ouvidos nos autos.
AM - Pelos documentos juntos pela própria autora na sua petição inicial, sob os doc. n.º 3 e 4, afere-se que nem o 1.º Réu, nem a 2.ª Ré, nem as suas filhas, são administradores da sociedade, sendo que mesmo que o Tribunal tentasse desconsiderar a personalidade jurídica da 3.ª Ré, fazendo a sua desconstrução societária, sempre teria o Tribunal que ter ao seu alcance, através da prova produzida em juízo, elementos que lhe permitissem apurar, ainda que através de critérios de ponderação e por via do recurso às regras da experiência comum de vida, partindo de elementos (factuais) indiciários que, segundo essa experiência comum, permitissem depois induzir a ocorrência dos mesmos, que aqueles accionistas, que compõem a maioria estatutária haviam agido de má-fé.
AN - A 3.ª Ré sempre agiu na prossecução do seu escopo societário, tanto assim é que tal foi dado como provado pelo Tribunal a quo, no facto provado n.º 141 “O projeto de turismo referente à implementação da Quinta ... foi levado a cabo pela 3ª Ré, logo depois da respetiva constituição, com a realização de estudos, projetos arquitetónicos e apresentação de candidaturas no âmbito do Programa Portugal 2020, abrangendo, em termos de exploração, todos os artigos da Quinta ..., abrangendo os prédios ...53 e ...54), não tendo sido ainda concretizado por não reunir os requisitos necessários no sentido de ser apresentada candidatura no âmbito do Programa 2020.”
AO – Ficou largamente provado, através da prova documental junta e do depoimento de parte do 1.º Réu e do depoimento da testemunha JJ (Diligencia_1322-21.2T8LRA_2024-06-27_12-15-28, entre os minutos 00:03:14 e 00:07:16), que foram encetadas várias diligências para levar a cabo o projecto turístico referente à implementação da Quinta ..., tendo sido realizados vários estudos, projectos arquitectónicos e apresentação de candidaturas no âmbito do programa de Portugal 2020.
AP – O desígnio de continuidade do projecto, é um facto assente e aceite pelo tribunal, e levou ao dispêndio de vários milhares de euros por parte da 3.ª Ré, estando comprovada a prossecução do escopo social.
AQ - Assim, não resultou da prova testemunhal e documental, nem logrou a Autora ter provado a má-fé por parte da ora Recorrente no negócio jurídico em apreço, pelo que o Tribunal a quo não podia ter concluído que a 3.ª Ré agiu em conluio com os 1.º e 2.ª Rés, com a consciência de prejudicar o crédito da Autora.
AR - Resulta claramente provado nos autos, que a constituição da ora Recorrente, a 16 de Setembro de 2016, com o depoimento de parte do 1.º Réu, bem como da testemunha FF, corresponde ao acordo global de partilha referente à divisão de activos do 1.º e 2.ª Réus, e para perpetuação do legado da família AA diligência_1322-21.2T8LRA_2024-05-15_10-23-33), entre o minuto 00:11:26 e 00:11:55 e o minuto 00:20:48 e o minuto 00:22:05 e (Diligencia_1322-21.2T8LRA_2024-06-27_11-56-19) entre os minutos 00:01:20 e 00:05:16.
AS – É no seguimento do acordado entre 1.º e 2.ª Réus que para além do contrato de compra e venda da nua propriedade do prédio urbano cuja ineficácia foi decidida pelo Tribunal a quo que é celebrado igualmente um contrato de arrendamento do prédio urbano ...54 entre o 1.º Réu e a 3.ª Ré, a 01 de Março de 2017, como se pode verificar pelo documento n.º 1 da contestação da aqui Recorrente, o qual versava sobre o terreno com pavilhões contíguo à habitação, para que a 3.ª Ré pudesse concretizar o seu escopo, avançando com os estudos, projectos e candidaturas (designadamente no âmbito do Programa Portugal 2020) tendo em vista a implementação do projecto Turístico da Quinta ....
AT – A 3.ª Ré foi criada no seguimento do Acordo de partilhas do 1.º e 2.ª Réus, sendo que a negociação do referido acordo e a complementariedade de todos os negócios celebrados entre aqueles, e que envolveram a 3.ª Ré o foram para resolver a situação da casa, conforme depoimento da testemunha FF (Diligencia_1322-21.2T8LRA_2024-06-27_11-56-19) entre os minutos 00:01:20 e 00:05:16.
AU – Pelo que, da análise dos depoimentos das testemunhas coadjuvado com o depoimento de parte do 1.º Réu e ainda com os documentos juntos devem ser os factos n.º 62 e 63 dos factos não provados considerados como provados, aditando-se aos factos provados os dois itens com a seguinte redação:
a) – “A criação da sociedade “A..., SA” e a distribuição das participações sociais derivou de exigência da 2.ª Ré ao 1.º Réu aquando da partilha subsequente ao divórcio.”
b) – O projecto para o qual a 3.ª Ré foi constituída teve como único propósito perpetuar o legado da família AA relativamente aos imóveis em causa, assim como permitia ao 1.º Réu combater a depressão criada por força da “Operação Marquês” e poder iniciar um projecto empresarial estimulante, já que estava totalmente afastado da gestão do dia a dia das empresas do Grupo B....”
AV - Dando como provado que a 3.ª Ré, ora Recorrente, logo após a sua constituição, levou a cabo um projecto de turismo para implementação da Quinta ..., com a realização de estudos, projectos arquitectónicos e apresentação de candidaturas no âmbito do Programa Portugal 2020, não podia o Tribunal a quo ter dado como não provados os factos 64 e 65.
AW – Não pode a sentença recorrida ignorar a prova documental junta com a Contestação da aqui Recorrente, mais concretamente o contrato de arrendamento celebrado a 01 de Março de 2017 entre o 1.º Réu e a 3.ª Ré, aqui Recorrente, e da licença de utilização do prédio objecto daquele contrato, obtida apenas a 28 de Outubro de 2020, nem que tal prova documental não foi contestada pela Autora.
AX – Os factos 64 e 65 dos factos dados como não provados, deverão ser dados como provados, ingressando a lista de factos provados, aditando-se aos factos provados os dois itens com a seguinte redação:
a) O contrato de arrendamento celebrado entre o 1º Réu e a 3ª Ré referente ao imóvel ...53 em Março 2017 foi efetuado por virtude da impossibilidade de transmissão da propriedade pela falta de licença de utilização do imóvel, e com o intuito único de a 3ª Ré poder dar início à
concretização do projeto tendente à implementação do Hotel na Quinta ..., que envolvia também o imóvel ...54 (doc. 8 da contestação do 1º Réu), razão pela qual a 3ª Ré adquiriu os outros prédios circundantes (prédio rústico, descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...31 da freguesia ..., e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...05, freguesia ... – doc. 2 da contestação 3ª Ré); prédio rústico, descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...32 da freguesia ..., e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...06, freguesia ... - doc. n.º 3 da contestação da 3ª Ré); prédio rústico, descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...33 da freguesia ..., e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...07, freguesia ..., cfr. doc. n.º 4 da contestação da 3ª Ré).
b) A 3ª Ré adquiriu a propriedade do 4254 e arrendou o 4253, pagando pontualmente as rendas devidas, apenas com o objetivo de implementação do projeto turístico, e todos os esforços encetados tiveram em vista esse desiderato, desconhecendo qualquer dívida do Grupo B... e do 1º Réu para com a Banco 2... ou qualquer outro Banco.- A 3.ª Ré foi criada para prossecução de um complexo turístico nos imóveis 4253, 4254 e restantes prédios circundantes àqueles, tendo aliás sido considerado como provado, e bem, enfatize-se, no facto 141 dos factos provados;
AY – Perante a necessária alteração à matéria de facto que se expôs, resulta claramente que não se verificam os pressupostos enunciados nos artigos 610.o e 612.o do Código Civil, tendo o Tribunal a quo interpretado erradamente as competentes normas jurídicas por forma a decidir no sentido que decidiu, de procedência da acção de impugnação pauliana.
AZ – Decorre ainda de todo o exposto que a decisão proferida pelo Tribunal a quo viola as regras do ónus da prova, ao considerar como provados factos que a Autora não logrou provar nos autos.
BA – Não se encontra preenchido o critério da anterioridade do crédito (art. 610.º, al. a) do Código Civil), na medida em que o crédito de que a Autora se arroga é posterior à celebração do contrato de compra e venda da nua propriedade do prédio ...54 pelo 1.º Réu e 3.ª Ré.
BB – O crédito sub iudice surge de uma livrança avalizada pelo 1.º Réu, e que fora entregue em branco, a qual apenas foi preenchida a 18 de Janeiro de 2021, conforme o facto provado n. 81, e o negócio jurídico cuja ineficácia foi decretada pelo Tribunal a quo é datado de 1 de Janeiro de 2017, conforme aliás resulta dos factos provados, no facto provado n.º 69, pelo que violou o Tribunal a quo o disposto no art. 610.º, al. a) do Código Civil.
BC – O 1.º Réu não era o titular dos contratos de crédito celebrados, mas tão só avalista. Ora, sendo avalista, o crédito na sua esfera jurídica só surge quando é preenchida a livrança, surgindo aí um crédito em se nome, para satisfação dos créditos subscritos pelo Grupo B..., e não antes.
BD - Como refere Carolina Cunha, in “Aval e Insolvência”, Almedina, pág. 21, a mera subscrição e entrega do título em branco não constitui uma vinculação cambiária, antes representando um simples “embrião”, sendo que estando perante uma obrigação cartular a verdade é que o seu nascimento está dependente da observância dos requisitos que a lei exige e que estão consagradas nos artigos 1.º e 75.º da Lei Uniforme (“LU”).
BE - Até ao seu preenchimento, o aval dado nem sequer consubstancia um negócio jurídico por si só, uma vez que só aí estão reunidos todos os elementos.
BF - Ainda Carolina Cunha, in “Aval e Insolvência”, Almedina, pág. 21, refere que “é importante frisar que, antes de preenchido o título, o próprio aval não existe sequer como negócio jurídico: o que temos é a vinculação jurídica constante do acordo de preenchimento, mais a vinculação cambiária em estado embrionário (através da assinatura aposta no título) e o poder fáctico de o portador do título o vir a preencher”.
BG – A escritura de compra e venda da nua propriedade do prédio urbano ...54 por parte do 1.º Réu à aqui Recorrente é datada de 13 de Janeiro de 2017, e o preenchimento da livrança é datado de 20 de setembro de 2020, pelo que o requisito de anterioridade do crédito não se verifica.
BH – Exigir que o crédito se considere constituído no momento do preenchimento da livrança levaria a que os garantes ficassem presos a uma obrigação que desconhecem se alguma vez vai surgir, porquanto dependente do cumprimento do devedor garantido.
BI - Não estando, portanto, preenchido o requisito da anterioridade do crédito, o crédito nasce na esfera jurídica do 1.º Réu após a celebração do negócio jurídico sub iudice, pelo que à Autora caberia ter provado o propósito intencional de impedir a satisfação do direito do credor, e já não a mera consciência do prejuízo causado.
BJ – Acresce que a Autora não provou que tenha existido uma diminuição da garantia patrimonial, tal como preceituado no art. 610.º do C.C.
BK - Pese embora tenha sido provado o valor das dívidas (no caso, o crédito da Autora) e, não tendo sido feita a prova de que o 1.º Réu não possui bens penhoráveis de valor igual ou superior, até porque, erradamente, o tribunal a quo não considerou o incremento patrimonial com a partilha dos bens comuns entre 1.º Réu e 2.ª Ré, da totalidade (porque já não sujeito a meação) de 1/3 dos prédios que compõem as instalações do Grupo C..., bem como das acções do Grupo, impõe-se concluir, por efeito de aplicação das regras inerentes ao ónus de prova pela não verificação do requisito enunciado na alínea b) do citado art. 610.º do C.C..
BL - Estando ínsito que o negócio jurídico cuja ineficácia foi declarada pelo Tribunal a quo, se trata de um acto oneroso, um dos requisitos essenciais para a procedência da impugnação pauliana está dependente da prova da má-fé das partes contraentes na celebração do negócio.
BM – Competia à Autora provar da má-fé da aqui Recorrente, uma vez que constitui um ónus de prova que impende sobre o credor impugnante, de que devedor de terceiro tenham agido de má-fé, nos termos do artº. 612º do C.C..
BN – Verificada que está a não anterioridade do crédito, a má-fé que havia de ter sido ponderada pelo Tribunal a quo teria de ter resultado da prova inequívoca de que os Réus haviam agido com o propósito intencional de impedir a satisfação do direito do credor, exigindo assim uma conduta dolosa, o que não se logrou ser provado.
BO – É aliás, face à característica societária da 3.ª Ré, aqui recorrente, necessário para se aferir do grau de consciência da mesma, que seja precedida da desconsideração da personalidade jurídica da mesma, sendo que estando numa área que tem a ver com factos de foro interno ou de natureza psicológica, cuja prova se mostra, normalmente, difícil, por não serem, por via de regra, passíveis de demonstração direta, ao contrário de quando em causa está uma pessoa singular, a dificuldade de prova não pode ser ultrapassada através do recurso a circunstâncias e comportamentos exteriores que, à luz da experiência comum, indiciem condutas, atitudes, de índole cognitiva, afetiva ou volitiva dos agentes visados, como o tribunal a quo fez com uma mera alusão à consideração da sua composição estatutária.
BP - Não foi alegada, e por outro lado em momento algum da sentença aqui recorrida, o Tribunal a quo, procede ao levantamento da personalidade colectiva da 3.ª Ré, apenas se referindo à sua composição societária, sem mais delongas, violando o preceituado no art. 342.º do C.C.
BQ - Ao não proceder à desconsideração da personalidade jurídica da 3.ª Ré, desconstruindo a sua composição estatutária, e aferindo individualmente o estado cognoscível de todos os seus órgãos estatutários, não pode o tribunal concluir que a 3.ª Ré tenha actuado de má-fé.
BR – Sendo dado como não provado o facto 78 da lista dos factos provados, fica por provar qualquer má-fé, qualquer propósito intencional, ou até sequer a mera consciência do prejuízo causado à Autora, sendo que a presente acção terá de soçobrar, com a consequente absolvição do pedido, tendo o tribunal a quo violado os artigos 610.º e 612.º do Código Civil
Normas violadas: Art. 414.º do Código de processo Civil e art. 342.º e 612.º do Código Civil.
TERMOS EM QUE, DEVE O PRESENTE RECURSO MERECER PROVIMENTO, SENDO A PRESENTE DECISÃO REVOGADA E SUBSTITUIDA POR OUTRA EM CONFORMIDADE COM O AQUI ALEGADO, COM TODAS AS DEMÃOS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, COMO É DE INTEIRA JUSTIÇA!”
I - O recurso interposto pela Recorrente carece em absoluto de fundamento.
II - Conforme resulta do disposto no artigo 608.º, n.º 2, em conjugação com os artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, todos do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objeto.
III - A Recorrente considera que não se verificam os pressupostos do instituto da impugnação pauliana, entendendo que não estão preenchidos o requisito da má fé dos Réus, nem o da anterioridade do crédito, nem que da transmissão tenha resultado um agravamento da impossibilidade de recuperação do crédito pela Recorrida.
IV - A impugnação da decisão da matéria de facto por parte da Recorrente versa essencialmente sobre os factos que contradizem duas ideias que aquela entende terem ficado demonstradas: que à data da transmissão impugnada (13 de janeiro de 2017) inexistia um incumprimento das obrigações assumidas pelas mutuárias no Acordo Quadro das obrigações assumidas pelas sociedades do Grupo B... e pelo 1.º Réu no Acordo Quadro, daí resultando a sua alegada falta de consciência do prejuízo que a transmissão causaria à Recorrida.
V - A Recorrente faz uma crítica generalizada à apreciação do Tribunal a quo da prova testemunhal produzida em sede de julgamento, entendendo que aquele fez uma sobrevalorização dos depoimentos das testemunhas arroladas pela Recorrida em detrimento dos depoimentos das testemunhas arroladas pelos Réus.
VI - Considera que o Tribunal a quo teve dois pesos e duas medidas pois alegadamente teria considerado o depoimento da testemunha CC como sendo menos imparcial, pelo facto de o mesmo ter uma relação profissional com o Grupo B..., agora Grupo C..., quando as testemunhas arroladas pela Recorrida também mantêm uma relação profissional com esta, e não merecendo esse mesmo enfoque crítico por parte do Tribunal.
VII - Ora, ao contrário do que a Recorrente pretende fazer crer, com assinalável desonestidade intelectual, a perceção do Tribunal a quo da menor imparcialidade do depoimento da testemunha CC não decorre da relação profissional com o Grupo C..., mas da sua atuação “enquanto legal representante da D..., empresa que surge interessada na aquisição dos créditos da Banco 2..., com várias concessões”, como se alcança com clareza da motivação da Sentença (p. 82 e 83).
VIII - Como tal, aquela testemunha é parte verdadeiramente interessada no desfecho da presente ação, pois se resultasse provada a inexistência dos créditos detidos pela Recorrida sobre as empresas do Grupo B... e do 1.º Réu, então o passivo das mutuárias e do 1.º Réu seria drasticamente reduzido, o que beneficiaria a posição da D..., detentora do passivo remanescente e, portanto, dos seus acionistas (da própria testemunha), pelo que esteve bem o Tribunal a quo ao valorar corretamente o depoimento desta testemunha.
IX - Não merece também qualquer censura a valoração dada pelo Tribunal a quo ao depoimento das testemunhas arroladas pela Recorrida, em particular as testemunhas DD e HH, sendo completamente descabido o argumento da Recorrente de que as mesmas apresentaram um discurso apaixonado e parcial como se uma dívida a eles próprios se tratasse.
X - O facto de as testemunhas terem apresentado um depoimento preciso e detalhado, resultado do diligente cumprimento das suas funções profissionais ao longo dos anos em que acompanharam o Grupo B..., não pode descredibilizar o seu depoimento, antes atestando a sua idoneidade, pelo que bem esteve o Tribunal a quo ao relevar a precisão e detalhe dos factos narrados no iter negocial percorrido, tendo por base o suporte documental oferecido, indicado a proposito de cada um deles, e de que tais testemunhos são a reprodução fiel, relevando-se ainda a imparcialidade demonstrada25.
XI - Não merece também qualquer reparo o facto de a testemunha DD ter prestado o seu depoimento munida das suas notas pessoais, conforme lhe é permitido por lei (cfr. artigo 461.º, n.º 2, ex vi do n.º 7 do artigo 516.º, ambos do CPC), face à extensa cronologia em discussão, tendo o Tribunal a quo esclarecido devidamente em sede de audiência de julgamento o teor de tais anotações.
XII - A Recorrente alega que não se provou que as mutuárias tenham entrado em incumprimento logo a partir de 2014, requerendo que sejam retirados os factos dados como provados sob os n.ºs 44 e 47, para concluir que à data da transmissão impugnada e aqui em questão, ocorrida em 13 de janeiro de 2017, ainda não havia qualquer incumprimento definitivo. No entanto não impugnou outra factualidade dada como provada, da qual se retira o incumprimento das sociedades mutuárias antes da transmissão ocorrida em 13 de janeiro de 2017 (factos dados como provados sob os números 45, 83, 84, 85, 87 e 97), o que faz ruir automaticamente a pretensão da Recorrente.
XIII - Mesmo assim, a decisão de matéria de facto do Tribunal quanto aos factos dados como provados sob os n.ºs 44 e 47 não merece qualquer censura, pois os mesmos não foram contraditados por nenhum elemento probatório, muito menos pelos depoimentos transcritos pela Recorrente. Do depoimento da testemunha HH, transcrito pela Recorrente, apenas se retira que os Bancos estariam disponíveis para uma possível reestruturação da dívida do Grupo B..., demonstrando, como tal, que existia uma dívida vencida que necessitava de reestruturação.
XIV - Acresce que a testemunha HH explicou detalhadamente que logo a partir de 2014 as sociedades mutuárias entraram em incumprimento, tendo-lhes sido autorizado o deferimento no tempo do pagamento das prestações e sido inclusivamente concedidos outros financiamentos para suportarem dívidas a fornecedores e trabalhadores, mas que em janeiro de 2016 estavam já em dívida todas as prestações de capital, no valor global de 50 milhões de euros (entre os minutos 00:14:27.1 a 00:20:45.9), tendo este depoimento sido corroborado pelo depoimento da testemunha DD (entre os minutos 00:32:03.8 a 00:33:20.9).
XV - Por outro lado, do depoimento da testemunha CC, CEO do Grupo B.../C... resultou que quer a testemunha, quer os acionistas, entre os quais o 1.º Réu, sabiam desde a data da celebração do Acordo Quadro (setembro de 2013) que as sociedades mutuárias não conseguiriam cumprir com as obrigações dali decorrentes (entre 00:25:16 e 00:25:49 e entre 01:15:46 e 01:19:09).
XVI - O pagamento recebido pelo X..., em julho de 2016, logrou apenas liquidar as prestações de juros já vencidas, permanecendo àquela data por pagar a totalidade do capital vencido, no valor de 50 milhões de euros.
XVII - Pelo que não merece qualquer censura a decisão da matéria de facto do Tribunal a quo relativa aos factos dados como provados sob os n.ºs 44 e 47, confirmando-se assim que já existia incumprimento das obrigações assumidas pelas mutuárias decorrentes do Acordo Quadro aquando da transmissão do prédio ...54 em janeiro de 2017.
XVIII - É falso que a Recorrente desconhecesse do incumprimento das obrigações assumidas pelas mutuárias no Acordo Quadro pelo facto de não ter intervindo nesse instrumento financeiro, nem nas negociações de reestruturação, ou não lhe ter sido comunicado diretamente o incumprimento.
XIX - Sucede que, quanto a este pressuposto do funcionamento do instituto da impugnação pauliana, a Recorrente apenas impugnou o facto dado como provado sob o n.º 78 e requereu que os factos dados como não provados sob os n.ºs 62 a 65 fossem dados como provados. A pretensão da Recorrente quanto à não verificação da sua má fé, tem necessariamente de soçobrar pela insuficiente impugnação da decisão de matéria de facto ao não abranger o facto dado como provado sob o n.º 76, onde se reconhece a sua má fé e intenção de prejudicar os credores no seu direito de cobrança do crédito.
XX - A insuficiente impugnação da matéria de facto, deixando de fora o facto dado como provado sob o n.º 76, onde se dá por provado a prática concertada da Recorrente com os outros Réus, para proteger o património de maior valor, prejudicando a garantia da cobrança do crédito dos credores, é suficiente para fazer ruir toda a argumentação da Recorrente quanto à alegada bondade das transmissões e do propósito da sua constituição.
XXI - Por mero dever de ofício, sempre se dirá ainda que a má fé da Recorrente e dos demais Réus é evidente no presente caso.
XXII - A Recorrente defende, e bem, que sempre teria o Tribunal que ter ao seu alcance, através da prova produzida em juízo, elementos que lhe permitissem apurar, ainda que através de critérios de ponderação e por via do recurso às regras da experiência comum de vida, partindo de elementos (factuais) indiciários que, segundo essa experiência comum, permitissem depois induzir a ocorrência dos mesmos, que aqueles acionistas, que compõem a maioria estatutária haviam agido de má-fé26, exercício que o Tribunal a quo fez diligentemente.
XXIII - O Tribunal a quo teve efetivamente, não só em consideração os termos dos negócios impugnados, que são ostensivamente desadequados face às práticas normais de mercado, mas também outros factos indiciários que foram valorados pelo Tribunal a quo para criar a convicção da consciência da Recorrente acerca do prejuízo que as transmissões causariam aos credores, tal como a Recorrente defende.
XXIV - A má fé dos Réus, requisito que a Recorrida teve de demonstrar, de acordo com as regras de distribuição do ónus da prova, e que no caso das ações de impugnação pauliana se traduz na consciência de que a transmissão causa prejuízo ao credor é, naturalmente, um requisito de difícil demonstração, exatamente porque os Réus de uma ação de impugnação pauliana nunca confessam que transmitiram o bem para proteger o seu património face aos credores, nem tal intenção decorre de forma expressa dos elementos documentais ou testemunhais carreados para os autos.
XXV - Não havendo uma confissão expressa por parte dos Réus, a decisão tem de partir da conciliação de todos os elementos objetivos disponíveis nos autos com os juízos presuntivos obtidos a partir da prova produzida à luz dos critérios de experiência, lógica e normalidade.
XXVI - A nossa jurisprudência é consensual ao entender que nas ações de impugnação pauliana assume especial relevância a prova indirecta, por presunção judicial, ilações que o julgador tira de um facto conhecido (facto base da presunção) para afirmar um facto desconhecido (facto presumido), segundo as regras da experiência da vida, da normalidade, dos conhecimentos das várias disciplinas científicas, ou da lógica (cfr. Ac. TRC, de 14.09.2020, Proc. 3006/15.1T8LRA.C1, Relator Jorge Arcanjo, disponível em ww.dgsi.pt).
XXVII - No caso em concreto, foram estes os factos que resultaram demonstrados e que levaram o Tribunal a quo a determinar a atuação concertada dos réus:
a. O incumprimento das obrigações decorrentes do Acordo Quadro iniciou-se em 2014, mas generalizou-se em julho de 2016, conforme factos dados como provados sob os n.ºs 44, 47 e 84 a 88;
b. O 1.º Réu e a 2.ª Ré dissolveram o seu casamento em ../../2016, quatro meses após o incumprimento generalizado das obrigações do Acordo Quadro;
c. A sociedade A..., S.A., aqui Recorrente, que o 1.º Réu, a 2.ª Ré e as suas duas filhas detêm em 99.99%, foi constituída no dia 12 de setembro de 2016, dois meses após o incumprimento generalizado das obrigações assumidas no Acordo Quadro, conforme factos dados como provados sob os n.ºs 8 a 11;
d. No dia 13 de janeiro de 2017, quatro meses após a constituição da Recorrente, o 1.º Réu vendeu-lhe a nua propriedade do prédio ...54, a casa onde residia e reside, pelo valor de € 223.128,00, conforme Doc. 68 da Petição Inicial;
e. No mesmo ato, o 1.º Réu vendeu à 2.ª Ré, dois meses após a dissolução do seu casamento, o direito ao usufruto vitalício do prédio ...54, pelo valor de € 148.752,00, ainda que tivessem os dois continuado a habitar a casa;
f. Em conjunto, 1.º Réu vendeu a nua propriedade e o direito de usufruto do prédio ...54 por € 371.880,00, tendo sido apurado através da perícia realizada que o valor de mercado do prédio ...54 à data da transmissão era de € 1.309.000,00, conforme facto dado como provado sob o n.º 72;
g. O preço da nua propriedade seria pago pela Recorrente, após um período de carência de dois anos, em doze prestações trimestrais sucessivas, no valor de € 18.594,00, cada, o que é uma forma de pagamento fora da normalidade comercial e em claro prejuízo do Recorrente, vide Doc. 68 da Petição Inicial;
h. A Recorrida interpelou o 1.º Réu para o pagamento da dívida em 29 de setembro de 2020 e, por carta datada de 22 de outubro de 2020, comunicou-lhe o vencimento antecipado da totalidade da dívida, concedendo-lhe um prazo de 10 dias para regularizar a situação, conforme factos dados como provados sob os n.ºs 48 a 50;
i. Ora, dentro do referido prazo concedido, o 1.º Réu não procedeu ao pagamento da dívida, mas transmitiu o prédio ...53 à sua ex-mulher;
j. Na verdade, por escritura de partilha por divórcio, dação em pagamento e penhor, celebrada em 30 de outubro de 2020, o 1.º Réu transmitiu o prédio ...53 à 2.ª Ré através de dação em pagamento para pagamento parcial das tornas, conforme Doc. 63 da Petição Inicial;
k. Ao prédio ...53 foi atribuído o valor de € 319.240,00, sendo que resultou da perícia que este imóvel tinha à data da transmissão o valor comercial de € 1.289.000,00, conforme facto dado como provado sob o n.º 73;
l. Salienta-se que o remanescente montante de tornas a pagar pelo 1.º Réu à 2.ª ré, no valor de € 280.760,00, seria pago através da cessão do crédito que 1.º Réu detinha sobre a Recorrente, no valor de € 223.128,00, demonstrando que esta sociedade não pagou qualquer prestação pela aquisição do direito à nua propriedade do prédio ...54, e de um pagamento da quantia de € 57.632,00 de forma integral ou parcial a efetuar pelo 1.º Réu até 31 de outubro de 2030, o que novamente não corresponde aos normais termos comerciais, conforme resulta do Doc.
63 junto com a Petição Inicial.
XXVIII - Destes factos resulta que o 1.º Réu entregou dois imóveis à sua ex-mulher, e à sociedade que constituiu com esta e as duas filhas de ambos, pelo valor global de € 691.120,00, quando o valor comercial conjunto dos dois imóveis à data das transmissões ascendia a € 2.598.000,00, conforme resulta do relatório pericial;
XXIX - Foi com base nestes elementos objetivos, calibrados pelo Tribunal a quo com as regras de experiência comum, que este considerou, e bem, que houve efetivamente uma prática concertada por parte dos Réus para salvaguardar o património do 1.º Réu em detrimento dos credores.
XXX - A conclusão a que se tem de chegar face a todos os elementos carreados para os autos é, como o Tribunal a quo muito bem assinalou, a de não ser crível que dadas as relações familiares e profissionais mantidas, nem a 2ª Ré, nem os sócios da 3ª Ré (ainda que esta última prosseguisse com o projeto pretendido), não estivessem cientes das dívidas e obrigações do 1º Réu, que não fossem conhecedoras do seu património, até pelos próprios preços negociados e a ausência de qualquer contraprestação efetiva.27
XXXI - Acresce que a 2.ª Ré detinha conjuntamente com o 1.º Réu várias sociedades, partilhando-as e constituindo-as após a dissolução do casamento e com aquele dividindo a gerência das mesmas.
XXXII - Por outro lado, não só o 1.º Réu interveio em diversos contratos de financiamento ao longo da sua vida profissional, como também a 2.ª Ré o fez. Esta confessou no artigo 7.º da sua Contestação que foi avalista de livranças e mútuos para garantia de obrigações do Grupo B.... Foi também garante das obrigações assumidas pelas sociedades do Grupo B... no âmbito do Acordo Quadro, constituindo penhor financeiro sobre as ações representativas do capital social da M..., SGPS, S.A., como resulta da cláusula 13.ª, n.º 5, do contrato de financiamento do New Money – Tranche 2, junto como Doc. 20 da Petição Inicial.
XXXIII - Quer o 1.º Réu, quer a 2.ª Ré intervieram, portanto, no Acordo Quadro, tendo estado presentes na data da celebração do mesmo e tendo sempre sido assessorados, durante a negociação e celebração, quer pelos advogados internos, quer pelos advogados externos do Grupo B..., bem como pelo CFO e CEO do Grupo B..., tal como resulta do seu depoimento de parte (entre os minutos 00:06:50 e 00:08:09), o que foi igualmente confirmado pelas testemunhas EE (entre os minutos 00:13:01 e 00:13:43),que integrava a Direção de Acompanhamento de Empresas, tendo acompanhado a reestruturação da dívida do Grupo B... desde 2012 e pela testemunha DD (entre os minutos 00:06:28 e 00:07:21), Diretora Adjunta na Direção de acompanhamento de empresas e que acompanhou todo o processo de reestruturação e negociação com o Grupo B....
XXXIV - Resultando de todos esses meios probatórios a natural convicção de que os 1.º e 2.ª Réus são pessoas com experiência e conhecimento dos meios empresariais e das negociações financeiras, não sendo, portanto, crível que desconhecessem que tinham avalizado e garantido um financiamento, o Acordo Quadro, que, recorde-se, era já uma reestruturação de dívidas vencidas (conforme factos dados como provados sob os n.ºs 13, 14 e 82) que o Grupo B... apresentava para com a Recorrida, o então Banco 5... e o Banco 3..., de algumas centenas de milhões de euros.
XXXV - Cumpre também trazer à colação que foi dado como provado que o 1.º Réu manteve, pelo menos até meados de 2015, um acompanhamento próximo da atividade societária do Grupo B... (facto provado n.º 138) e que as sociedades mutuárias do Grupo B... entraram em incumprimento logo em 2014 (factos provados n.ºs 44, 84 a 88).
XXXVI - Tendo também o 1.º Réu confessado que ainda era casado com a 2.ª Ré quando se verificou o incumprimento, conforme o seu depoimento de parte entre os minutos 00:34:11 e 00:36:09.
XXXVII - Ora, se considerarmos que i) o 1.º Réu tinha perfeito conhecimento da astronómica dívida que garantia pessoalmente e que se encontrava já em incumprimento; ii) que a própria 2.ª Ré tinha igualmente garantido tal dívida; iii) que ambos tinham sido devidamente assessorados aquando da celebração do Acordo Quadro; iv) que esse Acordo Quadro era já uma reestruturação de dívida passada vencida que também tinham garantido; v) que ambos tinham larga experiência no mundo empresarial e nos respetivos financiamento bancários e vi) que o incumprimento se iniciou em 2014, quando ambos eram casados, faziam vida conjugal e partilhavam investimentos, não se pode chegar a outra conclusão, com base nas regras de experiência comum, se não a de que a 2.ª Ré tinha conhecimento da situação de incumprimento aquando das transmissões ocorridas em 2017 e 2020.
XXXVIII - Tendo os 1.º e 2.ª Réus perfeito conhecimento da situação de incumprimento, não se pode, em consciência, argumentar que a Recorrente, não teria também conhecimento da situação de incumprimento aquando da transmissão ocorrida em 13 de janeiro de 2017.
XXXIX - Veja-se que os 1.º e 2.ª Réus divorciaram-se em ../../2016, somente quatro meses após o incumprimento generalizado das obrigações as empresas do Grupo B..., mas apenas dois meses antes do seu divórcio, no dia 12 de setembro de 2016, já após o incumprimento generalizado das empresas do Grupo B..., constituíram a sociedade Recorrente, em que o capital social da sociedade está concentrado no 1.º Réu e sua família em 99,99%.
XL - Àquela data, as filhas dos Réus tinham 22 anos (PP) e 18 anos (BB), conforme assentos de nascimento juntos como Docs. 5 e 6 da Petição Inicial, logo previsivelmente sem qualquer experiência societária ou empresarial, muito menos para assumir a exploração de projetos turísticos.
XLI - A 2.ª Ré comprou o direito de usufruto vitalício da casa de morada de família (prédio ...54) pelo valor de € 148.752,00, tendo a Recorrente comprado a nua propriedade por € 223.128,00 em 13 de janeiro de 2017, ou seja, logo após a verificação de incumprimento generalizado, sendo que o valor de mercado daquele imóvel na data da transmissão era de € 1.309.000,00.
XLII - A Recorrente obrigou-se a pagar o preço através de 12 prestações iguais, trimestrais e sucessivas, vencendo-se a primeira somente em 31 de março de 2019, mas nenhuma foi paga.
XLIII - Apesar de os 1.º e 2.ª Réus se terem divorciado, a verdade é que continuaram a habitar a mesma casa (cuja nua propriedade foi transmitida à Recorrente), continuaram a constituir e a partilhar a gerência de sociedade.
XLIV - Em reação às cartas expedidas pela Recorrida para o 1.º Réu (para a casa de morada de família) a declarar o vencimento antecipado das obrigações ainda não vencidas e a conferir um prazo de 10 para pagamento, datadas de 22 de outubro de 2020, o 1.º Réu deu em pagamento à 2.ª Ré o prédio ...53, cujo valor de mercado àquela data era de € 1.289.000,00, tendo-lhe ao invés atribuído o valor de € 319.240,00 no negócio impugnado. Esta transmissão ocorreu no dia 30 de outubro de 2020, dois dias antes do termo do prazo concedido pela Recorrida para a regularização da dívida.
XLV - Nessa partilha de 30 de outubro de 2020, em que o 1.º Réu tinha de pagar à 2.ª Ré € 600.000,00 a título de tornas, para além da dação do prédio ...53 por € 319.240,00, aquele pagou o remanescente do preço com a cessão do crédito que detinha sobre a sociedade Recorrente, (ou seja, sobre si próprio), o qual nunca foi pago, ao arrepio do contratualizado no negócio de 13 de janeiro de 2017, demonstrando que tudo não passa de uma enorme fabricação para salvaguardar o seu património em detrimento dos interesses dos credores.
XLVI - Reconstituída a cronologia dos eventos e os montantes praticados pelos Réus, é ostensiva a concertação destes no intento de proteger o património familiar em detrimento dos interesses dos credores, sendo óbvio e natural o conhecimento da Recorrente da situação de incumprimento das sociedades do Grupo B... aquando das transmissões impugnadas, bem como a sua consciência do prejuízo que tais transmissões causariam na expectativa da recuperação patrimonial por parte dos Credores.
XLVII - Não se pode dissociar a Recorrente dos 1.º e 2.ª Réus considerando i) o momento em que a Recorrente foi constituída - logo após o incumprimento generalizado das sociedades do Grupo B... e dois meses antes do divórcio do 1.º Réu com a 2.ª Ré, ii) a constituição acionista da Recorrente, onde o 1.º Réu, a 2.ª Ré e as duas filhas destes (então com 18 e 22 anos) detêm 99,99% do capital social daquela, iii) a transmissão efetuada pelo 1.º Réu para a Recorrente da nua propriedade da casa da morada de família apenas quatro meses após a sua
constituição e iv) o preço, a forma de pagamento e o seu não cumprimento (valor muito reduzido face ao seu valor de mercado, a ser pago através de doze prestações trimestrais após dois anos de carência, que, como se apurou pela escritura de partilha de 30 de outubro 2020 nunca foi pago), resultando que a Recorrente foi constituída com o propósito de proteger o património do 1.º Réu.
XLVIII - Estes factos foram devidamente alegados e demonstrados pela Recorrida, cabendo naturalmente ao Tribunal a quo, para ponderar da qualificação da conduta dos Réus, valorá-los ao abrigo das regras de experiência comum para chegar à sua decisão, que, face ao exposto, não merece qualquer censura.
XLIX - Por outro lado, nenhum dos elementos probatórios indicados pela Recorrente tem relevância, ou revela sequer imparcialidade e coerência, para poder alterar a convicção do Tribunal a quo.
L - A argumentação da Recorrente de que o seu Administrador Único não tinha consciência da dívida não pode colher. Se se entendesse ser necessário uma interpelação formal ao Administrador Único, que detém apenas 0,01% do capital social da sociedade Recorrente, ou uma confissão expressa deste acerca desse conhecimento, como a Recorrente alega, então estava encontrado o subterfúgio perfeito para as sociedades comerciais se eximirem às suas responsabilidades em circunstâncias como a dos autos, o que é inaceitável.
LI - Pelo contrário, os factos dados como provados pelo Tribunal a quo, não impugnados pela Recorrente, determinam que esta tinha efetiva consciência do prejuízo que a transmissão causaria aos credores.
LII - Pelo que bem andou o Tribunal a quo ao concluir de forma natural que seria irrazoável e incompreensível que não houvesse consciência, por parte da 2º Ré e das pessoas que estatutariamente compõem a Recorrente, da existência de vários créditos concedidos ao Grupo B... pelos Bancos (factos que eram do domínio público), e que os mesmos não estavam pagos.28
LIII - É descabida a argumentação da Recorrente de que havia necessidade de se proceder à desconsideração da sua personalidade jurídica para apurar a má fé dos seus acionistas. É a sociedade Recorrente a adquirente do direito cuja transmissão foi impugnada, pelo que é a sua conduta que tem de ser diretamente valorada pelo Tribunal, logo, não é lógica a invocação da
necessidade da desconsideração da sua personalidade jurídica.
LIV - A má fé da Sociedade manifesta-se naturalmente pelos atos dos seus acionistas, o que o Tribunal a quo bem valorou.
LV - É do senso comum que o valor comercial de um imóvel, qualquer que seja, é superior ao seu valor patrimonial tributário. Por outro, não podem também os Réus alegar que não sabiam qual a origem do crédito detido pelo 1.º Réu sobre a sociedade Recorrente, desde logo porque intervieram nessa escritura da qual emergiu o crédito e também porque os 1.º e 2.ª Réus são acionistas desta sociedade. Pelo que não merece qualquer reparo a decisão do Tribunal a quo quanto ao facto dado como provado sob o n.º 78.
LVI - Quanto aos factos dados como não provados sob os n.ºs 62 e 63, o Tribunal a quo considerou e bem não terem sido referidos de forma consistente por nenhuma testemunha. Com efeito, a única testemunha que depôs sobre esta matéria foi a irmã da 2.ª Ré, FF, que, como o Tribunal a quo bem assinalou, apenas confirmou o divórcio dos Réus e as contrariedades pessoais vivenciadas, sendo o seu depoimento naturalmente parcial face à relação familiar que tem com a 2.ª Ré.
LVII - Nem os Réus nos seus depoimentos de parte conseguiram explicar de que forma a constituição da sociedade Recorrente estaria relacionada com o alegado acordo alargado de partilhas.
LVIII - Ainda quanto ao facto não provado n.º 63, para além de não ter qualquer sustentação probatória, confirmando-se, portanto, a correção da decisão do Tribunal a quo, cumpre esclarecer que pode o projeto hoteleiro ser legítimo e corresponder a um desejo efetivo dos Réus, sem que com isso a impugnação pauliana não deixe de ser fundada e procedente, com vista a salvaguardar os interesses da Recorrida que viu a garantia patrimonial para satisfação do seu crédito por tal transmissão resultar diminuída.
LIX - Também quanto aos factos dados como não provados sob os n.ºs 64 e 65 não merece qualquer censura a decisão do Tribunal a quo. Em face da prova documental carreada para os autos, o Tribunal a quo pode apenas dar por provado o teor desses documentos, mas já não poderia dar como provada a motivação que alegadamente levou à elaboração do contrato de arrendamento, ou à aquisição dos imóveis contíguos, ou ao desenvolvimento do projeto turístico.
LX - Nenhuma prova foi produzida quanto à motivação que levou à prática desses atos, pelo que não poderia o Tribunal a quo dar como provado que o contrato de arrendamento foi celebrado face à impossibilidade de transmissão do imóvel pela falta da licença de utilização desse imóvel – a qual, de resto, também é necessária para a celebração do arrendamento; ou que o intuito único sociedade Recorrente seria dar início ao projeto de implementação do Hotel na Quinta ...; ou que foi por essa razão que a sociedade Recorrente adquiriu os terrenos contíguos.
LXI - Quanto ao facto dado como não provado sob o n.º 65, verifica-se, desde logo, uma circunstância que impossibilitaria que o mesmo fosse dado como provado: o alegado desconhecimento da sociedade Recorrente da dívida à Recorrida.
LXII - Como tal, não havendo alterações à decisão da matéria de facto e considerando que a aplicação de Direito aos factos apurados pelo Tribunal a quo foi corretamente efetuada e fundamentada, a sentença é inatacável.
LXIII - Todos os pressupostos para o funcionamento do instituto da impugnação pauliana encontram-se verificados: a existência do crédito da Recorrida sobre o 1.º Réu transmitente; a realização pelo mesmo de um ato que diminuiu a garantia patrimonial do crédito; a anterioridade do crédito; a má fé dos Réus e o agravamento da satisfação do crédito resultante de tal transmissão.
LXIV - Quanto ao requisito da anterioridade, a mais recente jurisprudência é unânime no entendimento de que o momento relevante para apurar da anterioridade do crédito face à data da transmissão, quando aquele se baseia em livrança avalizada em branco, é exatamente o momento da constituição do aval. O aval foi constituído em setembro de 2013, previamente às duas transmissões impugnadas, tendo o crédito emergido logo em 2014.
LXV - Acresce que, o Acordo Quadro serviu efetivamente para reestruturar uma dívida anterior já vencida, pelo que também por aí ter-se-ia de considerar a anterioridade do crédito face às transmissões, tal como a jurisprudência tem reconhecido.
LXVI - Por fim, diga-se que mesmo que o crédito da Recorrida não fosse anterior às transmissões, no que não se concede, a Recorrida poderia ainda assim lançar mão do instituto da impugnação pauliana no caso sub judice, considerando a prática concertada dos Réus no sentido de dolosamente impedir a satisfação do crédito daquela, protegendo o seu património, tal como o Tribunal a quo deu como provado e face o tudo o que foi expendido nestas Contra-Alegações.
LXVII - Também resultou de forma clara que a transmissão impugnada diminuiu a garantia patrimonial do crédito.
LXVIII - A Recorrente alega que o Tribunal a quo não considerou o incremento patrimonial decorrente da partilha, desconsiderando alegadamente o valor das participações sociais e da meação dos prédios ...64 e ...42 recebidos pelo 1.º Réu. Sucede que esses bens não se traduzem nas contrapartidas efetivas das transmissões efetuadas, tal como resulta dos factos dados como provados sob os n.ºs 62 a 75, os quais não foram impugnados pela Recorrente, pelo que a sua pretensão terá de soçobrar.
LXIX - Todas as teorias de compensação pelas transmissões anteriores são meras fabulações, destinadas a criar uma aparência de verosimilhança nos negócios impugnados, mas que não têm qualquer sustentação probatória.
LXX - Diga-se, ainda assim, que mesmo se admitíssemos este alegado acordo global de partilhas, teria de se ter em consideração que o 1.º Réu recebeu participações sociais (sem qualquer conexão com os negócios impugnados, reitera-se) às quais foi atribuído o valor de € 1.310.287,07, mas, em contrapartida, entregou à 2.ª Ré participações sociais no valor de € 1.238.448,50, pelo que a diferença entre o que recebeu e entregou a título de participações sociais é residual. Se as participações sociais apresentavam valores de mercado diferentes daqueles que os Réus voluntariamente lhes atribuíram aquando da partilha, então recaía sobre
os mesmos fazer disso prova, o que não sucedeu.
LXXI - Assim, o argumento da Recorrente falha em dois aspetos essenciais: primeiro, não logrou demonstrar que a contrapartida entregue ao 1.º Réu pelas transmissões impugnadas incluía as participações sociais das empresas do Grupo B..., ou o direito à meação de um terço dos prédios ...64 e ...42; depois, por não ter procurado sequer fazer prova do valor dessas participações sociais para sustentar devidamente o seu argumento.
LXXII - Pelo que o que releva são os efetivos termos da transmissão aqui em discussão e que foram vertidos para a escritura pública. Assim, quanto ao prédio ...54, o 1.º Réu vendeu o direito à nua propriedade e o direito ao usufruto vitalício pelo valor global de € 371.880,00, quando o valor de mercado desse imóvel à data da transmissão ascendia a € 1.309.000,00, demonstrando a clara perda de garantia patrimonial para a Recorrida.
LXXIII - Por outro lado, ao contrário do que a Recorrente incompreensivelmente alega, era sobre os devedores que recaía o ónus de prova da suficiência patrimonial para satisfazer o crédito e não sobre a credora, aqui Recorrida, conforme decorre do artigo 611.º do Código Civil.
LXXIV - Quanto à alegada ausência de má fé da Recorrente, conforme exposto na Secção II B destas Contra-Alegações, fica demonstrado da cronologia dos factos, dos montantes em questão, dos destinatários das transmissões, da forma de pagamento, etc., resulta numa evidente prática concertada do 1.º Réu com a sua ex-mulher e suas filhas no sentido de proteger o património daquele dos seus credores, constituindo para tal a sociedade Recorrente.
LXXV - Acresce que a Recorrente não impugnou o facto dado como provado sob o n.º 76, donde resulta provada a prática concertada dos Réus com vista à salvaguarda do património familiar por forma a prejudicar os credores na cobrança do seu crédito, pelo que, estando esse facto dado como provado não subsiste outra possibilidade que não a de se considerar que o requisito da má fé dos Réus está preenchido.
LXXVI - Face ao supra exposto, a sentença recorrida não merece qualquer censura, devendo ser confirmada, julgando-se o recurso totalmente improcedente.
Nestes termos e nos demais de Direito, requer-se a Vossas Excelências, Venerandos Juízes Desembargadores, se dignem negar provimento ao presente recurso, mantendo integralmente a decisão recorrida, assim fazendo o que é de inteira Justiça!”
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QUESTÕES A DECIDIR
Nestes termos, as questões a decidir que delimitam o objecto dos recursos interpostos pelos RR., consistem em apurar:
a) Se deve ser alterada a matéria de facto adquirida pelo tribunal a quo.
b) Se, nessa sequência, deve ser considerado que se não verificam os requisitos da impugnação pauliana.
Corridos que se mostram os vistos aos Srs. Juízes Desembargadores adjuntos, cumpre decidir.
“A) FACTOS PROVADOS:
Discutida a causa, resulta demonstrado que:
1. A Autora é uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, que se dedica à atividade bancária nos mais amplos termos permitidos por lei.
2. O 1º Réu e a 2ª Ré casaram entre si em ../../1991, sob o regime de comunhão de adquiridos, tendo o seu casamento sido dissolvido por decisão de divórcio por mútuo consentimento, decretada em ../../2016 e transitada em julgado na mesma data (assento de casamento junto como doc. 1 – fls. 27 verso e 28 do processo principal, e fls. 25 e verso do Apenso A);
3. O 1º Réu é acionista de diversas empresas que integram o Grupo C..., anteriormente denominado Grupo B..., com quem a Autora manteve uma relação comercial ao longo dos últimos anos.
4. São igualmente acionistas das empresas que integram o Grupo C..., os dois irmãos do Primeiro Réu: SS e TT.
5. Após a dissolução do casamento, o 1º Réu e a 2ª Ré continuaram a residir na mesma morada e mantiveram uma relação profissional próxima, constituindo as seguintes sociedades:
6. Em 10 de outubro de 2018, o 1º Réu e a 2ª Ré constituíram, juntamente com outros dois sócios, a sociedade F..., Lda., atualmente denominada G..., Lda., assumindo os Réus a gerência conjunta desde 18 de maio de 2020 (certidão comercial junta como doc. 2 – fls. 28 verso a 30 do processo principal e fls. 26-27 do apenso A);
7. O 1º Réu renunciou à gerência da referida sociedade em 29 de janeiro 2021, tendo procedido à transmissão da sua quota no capital social no dia 29 de novembro de 2019 – mesmo doc. 2;
8. Em 12 de setembro de 2016 (cerca de dois meses antes da dissolução do respetivo casamento), o 1º Réu e a 2ª Ré, juntamente com PP, BB e KK, constituíram a sociedade A..., S.A., que tem como objeto social o turismo no espaço rural, exploração de atividades turísticas hoteleiras, compra, venda e arrendamento de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim (certidão e pacto social juntos como docs. 3 e 4 – a fls. 30 verso/31 e 32/40 do processo principal e fls. 28-29 e 29 verso-37 do Apenso A);
9. As referidas PP e BB são filhas do 1º Réu e da 2ª Ré (certidões de nascimento juntas como docs. 5 e 6 – a fls. 40 verso/41 e 41 verso/42 o processo principal e a fls. 38 e 39 do Apenso A);
10. Aquando da constituição da sociedade, a estrutura acionista da A..., S.A., era a seguinte: - Primeiro Réu – 9,99%; - Segunda Ré – 10,00%; PP – 40,00%; - BB – 40,00%; - KK – 0,01% (doc. 4);
11. Sendo, assim, 99,99% do capital social da A..., S.A., detido pelos Réus e suas filhas.
12. No âmbito da sua atividade comercial a Autora celebrou diversos contratos de financiamento com as empresas que integram o Grupo C....
13. Dada a situação financeira das empresas do Grupo C..., que resultou em sucessivos incumprimentos das obrigações decorrentes dos referidos financiamentos, em 2013, a Autora, juntamente com outras entidades bancárias, e as sociedades do Grupo C... acordaram em proceder a uma reestruturação financeira das sociedades comerciais que integravam o referido Grupo e dos respetivos compromissos contratuais de financiamento.
14. Tal reestruturação foi formalizada através do contrato denominado "Acordo Quadro", celebrado no dia 6 de setembro de 2013, que teve como intervenientes, por um lado, a Autora (Banco 1..., SA), o Banco 3..., S.A., o Banco 5..., S.A., o Banco 6..., S.A. (“Bancos”), a Y..., S.A., e, por outro, a B... SGPS, S.A., a B... Engenharia e Construção SGPS, S.A., a B... Engenharia e Construções, S.A., e a Z..., S.A., ali designadas por “Sociedades do Grupo B...”, e TT, SS e o 1º Réu, AA, naquele designados por “Acionistas” (“Acordo Quadro” junto como doc. 7 – a fls. 42 verso/79 do processo principal e a fls. 40-78 do Apenso A);
15. No âmbito do Acordo Quadro, as Partes acordaram: i) a Reestruturação dos Financiamentos das Sociedades Holding, ii) o Financiamento Sindicado à B..., SGPS, S.A., e iii) o Novo Financiamento à B... Engenharia e Construções, S.A.;
16. Relativamente à Reestruturação dos Financiamentos das Sociedades Holding, as “Sociedades do Grupo B...” e os “Acionistas” confessaram-se devedores à Autora da quantia de € 57.621.782,81, referente à dívida da M... SGPS, S.A., e da quantia de € 25.197.080,90, referente à dívida da B... SGPS, S.A. – cfr. cláusula sexta do Acordo Quadro e do Mapa de Financiamentos que corresponde ao Anexo I daquele, junto tal Anexo como doc. 8 – a fls. 81 do processo principal e a fls. 78 verso/79 do Apenso A);
17. As Partes do Acordo Quadro acordaram adaptar os contratos de financiamento existentes das Sociedades Holding ao clausulado estipulado no Acordo Quadro (cláusula 6.2.);
18. Ficou ainda estipulado que cada uma das Sociedades Holding subscreveria uma livrança em branco por cada financiamento reestruturado, que os Acionistas, entre os quais o aqui 1º Réu, avalizariam (cláusula 6.5);
19. Em conformidade, as Partes celebraram os novos contratos de financiamento que substituíram os contratos de financiamento então em vigor, nos termos do Acordo Quadro.
20. Deste modo, no dia 13 de dezembro de 2013, a Autora, a Caixa Banco de Investimento, S.A., a M..., SGPS, S.A., a B... SGPS, S.A., e os Acionistas, entre os quais o 1º Réu, celebraram o acordo escrito que designaram como "Alteração ao Contrato de Mútuo e Abertura de Crédito celebrado em 25 de julho de 2007" (Alteração ao Contrato de Mútuo e Abertura de Crédito celebrado em 25 julho 2007 junto como doc. 9 – a fls. 82/103 do processo principal e a fls. 79 verso/100 do Apenso A);
21. Nos termos da cláusula primeira do referido acordo de alteração, o 1º Réu, bem como os outros devedores, reconheceu e confessou a dívida perante a Autora no valor de €56.422.320,00, referente aos mútuos com os números ...91 e ...2. Para garantia do cumprimento de todas as responsabilidades decorrentes dos referidos mútuos, a M... SGPS, S.A., subscreveu, e os Acionistas, entre os quais o 1º Réu, avalizaram a livrança n.º ...50 e a livrança n.º ...41, tendo-as entregado à Autora com os campos respeitantes ao montante e vencimento em branco (conforme cláusula sexta do Acordo Quadro e cláusula décima do contrato junto como doc. 9 e Livranças juntas como docs. 10 e 11 – a fls. 103 verso/107 do processo principal e a fls. 101/104 do Apenso A);
23. De igual forma, por contrato celebrado em 19 de dezembro de 2013, denominado “Contrato de Regularização de Créditos” (ao qual foi atribuído o n.º ...91), a M..., SGPS, S.A. e os Acionistas, entre os quais o aqui 1º Réu, confessaram a sua dívida perante a Autora no montante de €1.187.598,73 (conforme cláusula primeira do contrato junto como doc. 12 – a fls. 107 verso/127 do processo principal e a fls. 105/125 do Apenso A);
24. Para garantia do cumprimento de todas as responsabilidades decorrentes do referido mútuo, a M... SGPS, S.A., subscreveu, e os Acionistas, entre os quais o 1º Réu, avalizaram a livrança n.º ...68, tendo-a entregado à Autora com os campos respeitantes ao montante e ao vencimento em branco, conforme cláusula sexta do Acordo Quadro e cláusula décima quinta do contrato junto como doc. 12 (Livrança junta como doc. 13 – a fls. 127/verso128 do processo principal e a fls. 126 do Apenso A);
25. Também os financiamentos concedidos pela Autora à B... SGPS, S.A., objeto da reestruturação efetuada no Acordo Quadro tiveram de ser adaptados às condições ali estipuladas.
26. Assim, por acordo escrito datado de 13 de dezembro de 2013, denominado “Alteração ao Contrato de Empréstimo Celebrado em 23 de agosto de 2004” (ao qual foi atribuído o n.º ...91), a B... SGPS, S.A., a B... Engenharia e Construções, S.A., e os Acionistas confessaram a sua dívida perante a Autora no montante de €2.147.080,90 (cfr. cláusula primeira do contrato junto como doc. 14 – a fls. 133-153 do processo principal e fls. 129-149 do Apenso A);
27. Para garantia do cumprimento de todas as responsabilidades decorrentes do referido mútuo, a B... SGPS, S.A., subscreveu, e os Acionistas, entre os quais o 1º Réu, avalizaram a livrança n.º ...76, tendo-a entregado à Autora com os campos respeitantes ao montante e ao vencimento em branco, conforme cláusula sexta do Acordo Quadro e cláusula décima quinta do contrato junto como doc. 14 (Livrança e pacto preenchimento juntos como doc. 15 – a fls. 153verso-156 do processo principal e fls. 149verso-152 do Apenso A);
28. Por contrato datado de 13 de dezembro de 2013, denominado “Contrato de Reestruturação de Crédito” (ao qual foi atribuído o n.º ...91), a B... SGPS, S.A., TT, SS e o 1º Réu confessaram a sua dívida perante a Autora no montante de €2.000.000,00 (cfr. cláusula primeira do contrato junto como doc. 16 a fls. 156verso-173 do processo principal e fls. 152-169 do Apenso A);
29. Para garantia do cumprimento de todas as responsabilidades decorrentes do referido mútuo, a B... SGPS, S.A., subscreveu, e os Acionistas, entre os quais o 1º Réu, avalizaram a livrança n.º ...17, junta como Doc. 17, tendo-a entregado à Autora com os campos respeitantes ao montante e ao vencimento em branco, conforme cláusula sexta do Acordo Quadro e cláusula décima quinta do contrato junto como doc. 16 (cfr. livrança e pacto preenchimento juntos como doc. 17 a fls. 173 verso-176 do processo principal e fls. 169 verso-172 do Apenso A);
30. Nos termos da cláusula oitava do Acordo Quadro, os Bancos concederam um crédito à B... SGPS, S.A., no montante global de € 31.650.000,00, que tinha por finalidade liquidar total ou parcialmente diversos financiamentos previamente concedidos e que se encontravam em incumprimento, sendo aquele montante disponibilizado numa única tranche, no valor de €10.550.000,00 por cada Banco.
31. Tal financiamento foi formalizado através do contrato denominado “Contrato de Financiamento Sindicado à B... SGPS”, celebrado em 6 de setembro de 2013, ao qual foi atribuído o n.º ...91 (cfr. Contrato junto como doc. 18 a fls. 178-209 do processo principal e fls. 174-205 do Apenso A);
32. Para garantia do cumprimento de todas as responsabilidades decorrentes do referido mútuo, a B... SGPS, S.A., subscreveu, e os Acionistas, entre os quais o 1º Réu, avalizaram a livrança n.º ...09, tendo-a entregado à Autora com os campos respeitantes ao montante e ao vencimento em branco (conforme cláusula décima terceira do contrato junto como doc. 18 (cfr. Livrança e pacto preenchimento juntos como doc. 19 fls. 209 verso-212 do processo principal e fls. 205verso-208 do Apenso A);
33. Nos termos da cláusula nona do Acordo Quadro, os Bancos concederam à B... Engenharia e Construções, S.A., e à Z..., entretanto incorporada por fusão naquela, um novo financiamento sob a forma de abertura de crédito no montante máximo global de €205.324.202,14.
34. Do referido montante, a quantia de €124.947.155,71 (primeira tranche) tinha como finalidade exclusiva o reembolso aos Bancos da dívida emergente dos compromissos financeiros anteriormente assumidos e a quantia de €80.377.046,43 (segunda tranche), correspondente a New Money, tinha como finalidade regularizar os empréstimos intercalares concedidos pelos Bancos e o pagamento a fornecedores e prestadores de serviços das Sociedades do Grupo B....
35. Daquele montante global, a Autora disponibilizou à B... Engenharia e Construções, S.A., o montante de €73.417.084,22, correspondendo o montante de 48.242.344,81 à primeira tranche (tendo sido atribuído a este financiamento o n.º ...91) e o montante de €25.174.739,41 (ao qual foi atribuído o n.º ...91), correspondente à segunda tranche.
36. O financiamento supramencionado foi formalizado através do contrato denominado “Contrato de Abertura de Crédito e de Reconhecimento e Assunção de Dívida”, celebrado em 6 de setembro de 2013 (cfr. contrato junto como doc. 20 a fls. 214verso-236 do processo principal e a fls. 210verso-232 do apenso A);
37. Para garantia do cumprimento de todas as responsabilidades decorrentes dos referidos mútuos (primeira e segunda tranches), a B... Engenharia e Construções, S.A., subscreveu, e os Acionistas, entre os quais o 1º Réu, avalizaram a livrança n.º ...95, tendo-a entregado à Autora com os campos respeitantes ao montante e ao vencimento em branco (conforme alínea a) da cláusula décima terceira do contrato junto como doc. 20 e Livrança e pacto preenchimento juntos como doc. 21 a fls. 236 verso-239 do processo principal e fls. 232 verso-236 do Apenso A);
38. No âmbito do referido Acordo Quadro, a B... Engenharia e Construções, S.A., reconheceu ainda perante a Y..., S.A. – entretanto incorporada na Autora por fusão – a dívida no montante de € 27.418.129,12 (cláusula nona, n.º 7 do Acordo Quadro), decorrente do incumprimento dos contratos de Factoring com os n.ºs ...71, ...90, ...48 e ...42 e dos contratos de ... com os n.ºs ...97 e ...65.
39. Tal reconhecimento foi ainda formalizado no supra identificado Contrato de Abertura de Crédito e de Reconhecimento e Assunção de Dívida, junto como Doc. 20, conforme previsto no n.º 7 da cláusula segunda, tendo ficado igualmente estipuladas as condições do reembolso do montante em dívida, sendo atribuído a este financiamento o n.º ...92, entretanto renumerado para ...91.
40. Para garantia do cumprimento de todas as responsabilidades decorrentes deste financiamento, a B... Engenharia e Construções, S.A., subscreveu, e os Acionistas, entre os quais o Primeiro Réu, avalizaram a livrança n.º ...39, tendo-a entregado à Autora com os campos respeitantes ao montante e ao vencimento em branco (cfr. a alínea a) da cláusula décima terceira do contrato junto como doc. 20 e Livrança junta como doc. 22 a fls. 240 verso-241 do processo principal e fls. 236verso-237 do Apenso A);
41. Por contrato datado de 12 de outubro de 2015, denominado “Contrato de Abertura de Crédito em Conta-Corrente com Aval” (ao qual foi atribuído o n.º ...92), a Autora concedeu à B... Engenharia e Construções, S.A. um empréstimo no valor de € 3.132.080,68 (Contrato junto como doc. 23 a fls. 241 verso-255 do processo principal e a fls. 237 verso-251 do apenso A);
42. Para garantia do cumprimento de todas as responsabilidades decorrentes deste financiamento, a B... Engenharia e Construções, S.A., subscreveu, e a B... SGPS, S.A. e os Acionistas, entre os quais o 1º Réu, avalizaram a livrança n.º ...99, tendo-a entregado à Autora com o montante e vencimento em branco (conforme a alínea a) da cláusula décima sétima do contrato junto como doc. 23 e Livrança junta como doc. 24 a fls. 255 verso-256 do processo principal e fls. 251verso-252 do Apenso A);
43. A Autora cumpriu todas as obrigações assumidas nos contratos de financiamento supra identificados, tendo disponibilizado às mutuárias todos os montantes contratualmente acordados (conforme extratos de conta referentes ao capital em dívida de cada operação juntos como docs. 25 a 34 a fls. 256 verso-264 do processo principal e fls. 252 verso a 265 do Apenso A);
44. Logo a partir de 2014, as mutuárias entraram em incumprimento das prestações contratuais assumidas, por não serem capazes de proceder ao pagamento das prestações de juros que se venciam;
45. Tendo solicitado sucessivamente, junto da Autora, que as mesmas pudessem ser pagas posteriormente ou fossem perdoadas.
46. E o “Contrato de Abertura de Crédito em Conta-Corrente com Aval” de 12 de outubro de 2015 teve por finalidade parcial o pagamento das prestações em atraso relativas aos demais contratos objeto do Acordo Quadro.
47. Mesmo com a concessão de novos empréstimos para o pagamento das prestações já vencidas e em mora, as mutuárias continuaram a não conseguir cumprir as suas obrigações para com a Autora, deixando de pagar nas seguintes datas:
| Mutuária | Contrato | Data do Incumprimento |
| M... SGPS, S.A. | ...91 | 15.07.2016 |
| M... SGPS, S.A. | ...91 | 15.07.2016 |
| M... SGPS, S.A. | ...91 | 15.07.2016 |
| B... SGPS, S.A. | ...91 | 15.07.2016 |
| B... SGPS, S.A. | ...91 | 15.07.2016 |
| B... SGPS, S.A. | ...91 | 15.07.2016 |
| B... Engenharia e Construções, S.A. | ...91 | 15.07.2016 |
| B... Engenharia e
Construções S.A. B... Engenharia e Construções S.A. | ...91
...91
| 18.01.2016
15.07.2016
|
B... Engenharia e ...17
Construções, S.A.
48. A Autora interpelou as mutuárias para o pagamento das prestações em dívida, por cartas datadas de 29 de setembro de 2020, assim como o 1º Réu, na qualidade de avalista e na mesma data (cartas juntas como docs. 35 a 44 a fls. 264verso-274 do processo principal e a fls. 265verso-275 do Apenso A);
49. O 1º Réu respondeu às referidas interpelações, por cartas datadas de 8 de outubro de 2020, invocando a existência de negociações pendentes, opondo-se ao vencimento da dívida (docs. 45 a 47 juntos a fls. 274 verso-285 do processo principal);
50. Por cartas datadas de 21 de outubro de 2020, a Autora respondeu ao 1º Réu, salientando que, muito embora tivessem anteriormente ocorrido negociações entre as Partes, não fora possível alcançar um acordo, pelo que os montantes em dívida deveriam ser pagos no prazo concedido, sob pena de a Autora recorrer aos meios necessários à cobrança coerciva dos mesmos (docs. 48 a 50 juntos a fls. 286 verso-289 do processo principal);
51. Nem as mutuárias, nem o 1º Réu, procederam à regularização das prestações, tendo a Autora interpelado aquelas para o pagamento da totalidade dos montantes em dívida relativamente a cada contrato.
52. A Autora interpelou também o 1º Réu para o mesmo efeito, conforme cartas datadas de 22 de outubro de 2020 (docs. 51 a 60 juntos a fls. 289verso-299 do processo principal e doc. 45 a 54 junto a fls. 275verso a 285 do apenso A);
53. Àquela data, os valores em dívida pelas mutuárias e garantidos pelo 1º Réu relativos a cada contrato eram os seguintes:
| Mutuária | Contrato | Valor em dívida | |
| M... SGPS, S.A. | ...91 | 45 823 910,65 € | |
| M... SGPS, S.A. | ...91 | 12 822 107,00 € | |
| M... SGPS, S.A. | ...91 | 1 234 403,97 € | |
| B... SGPS, S.A. | ...91 | 2 074 316,66 € | |
| B... SGPS, S.A. | ...91 | 2 227 020,52 € | |
| B... SGPS, S.A. | ...91 | 10 911 726,41 € | |
| B... Engenharia e Construções, S.A. | ...91 | 53 547 682,74 € | |
| B... Engenharia e Construções, S.A. | ...91 | 33 796 339,98 € | |
| B... Engenharia e Construções, S.A. | ...91 | 30 219 588,48 € | |
| B... Engenharia e Construções, S.A. | ...92 | 3 033 884,35 € | |
| Total | 195 690 980,76 € | ||
55. A Autora instaurou uma ação executiva contra a “M... SGPS, S.A.”, o Primeiro Réu e os outros Acionistas, na qual deu à execução a livrança n.º ...50, que garante o contrato de financiamento n.º ...91, que corre termos pelo Juízo de Execução de Ansião – Juiz 1, sob o n.º 92/21.... e apresenta a quantia exequenda de €13.012.612,74 (certidão judicial do requerimento executivo junta como doc. 61 a fls. 301-382 do processo principal e como doc. 55 a fls. 287-368 do Apenso A);
56. O prédio urbano sito na Quinta ..., com uma área total de 8.150m2, sendo a área coberta de 1.588,34m2, composto por edifício com 2 pisos e anexo para serviços e logradouro, descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...53 da freguesia ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...50 da freguesia ..., tinha o Primeiro Réu como titular inscrito do direito de propriedade até 30 de outubro de 2020 – cfr. certidão do registo predial junta como doc. 62 a fls. 382-383 o processo principal);
57. O prédio urbano sito na Quinta ..., na Rua ..., ..., com uma área total de 3.240m2, sendo a área bruta de construção de 2.072,58m2, composto de casa de cave para arrumos, rés-do-chão e 1º andar para habitação, dependência para garagem, edifício anexo com 3 pisos, subcave, cave, rés-do-chão e logradouro, descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...54 da freguesia ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...49 da freguesia ..., com o valor patrimonial tributário de € 371.880,00, tinha o Primeiro Réu como titular inscrito do direito de propriedade até ../../2017 – cfr. certidão do registo predial junta como docs. 56 e 57 do Apenso A a fls. 370 a 375);
58. Ambos os imóveis foram adquiridos pelo 1º Réu, em 5 de abril de 2000, por sucessão com adjudicação em partilha (cfr. docs. 62 do processo principal e 56 do Apenso A);
59. O imóvel ...53 é parte integrante da Quinta ..., propriedade da família AA; o imóvel ...54 é onde o 1º Réu e a 2ª Ré têm a sua residência, que é parte integrante da Quinta ...;
60. A Quinta ... é composta por diversos prédios, os quais são ou foram conjunta ou separadamente propriedade do 1º Réu e dos seus irmãos, TT e SS.
61. Alguns dos referidos prédios estão afetos à atividade do Grupo C..., sendo lá que se situa a sua sede, e outros estão destinados a habitação.
62. Por escritura de partilha por divórcio, dação em pagamento e penhor, celebrada no dia 30 de outubro de 2020, no Cartório Notarial ..., em Coimbra, o 1º Réu transmitiu o imóvel ...53 à 2ª Ré, através de dação em pagamento para pagamento parcial das tornas devidas à 2ª Ré – doc. 63 junto a fls. 384-387 do processo principal e doc. 59 do Apenso A).
63. Naquela escritura, os Réus procederam à partilha do património comum, que era constituído por:
I. Um terço indiviso do prédio urbano, composto de parcela de terreno para construção, sito na Rua ..., Quinta ..., União de Freguesias ..., concelho ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...64 da freguesia ..., inscrito na matriz sob o artigo ...62, com o valor patrimonial tributário (de 175.651,82€) de € 58.550,6, correspondente a 1/3 (doc. 65 do processo principal e doc. 60 do Apenso A);
II. Um terço indiviso do prédio rústico, composto de pinhal com mato e terra de cultura com oliveiras, atravessado pelo caminho, sito em Quinta ..., União de Freguesias ..., concelho ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...42 da freguesia ..., inscrito na matriz sob o artigo ...43, com o valor patrimonial tributário de € 15,34 (doc. 66 do processo principal e doc. 61 do Apenso A);
64. Ao terço indiviso do prédio urbano descrito em 63 I) os Réus atribuíram o valor de €700.000,00 e ao terço indiviso do prédio rústico descrito em 63 II), o valor de €500.000,00.
65. Atribuindo assim, os Réus, ao património comum que partilharam, um valor de € 1.200.000,00, cabendo uma meação de € 600.000,00 a cada um dos Réus.
66. Os dois imóveis foram adjudicados ao 1º Réu, ficando a dever à 2ª Ré o montante de € 600.000,00 a título de tornas.
67. Para pagamento parcial das tornas, o 1º Réu deu em pagamento o imóvel ...53 (bem próprio do 1º Réu) à 2ª Ré, tendo-lhe sido atribuído o valor de € 319.240,00, correspondente ao seu valor patrimonial tributário apurado em 2019 (docs. 64 do processo principal e 62 e 63 do Apenso A).
68. Ficou ainda estabelecido o pagamento do remanescente das tornas, no valor de € 280.760,00, mediante:
A) A cessão, realizada na mesma escritura, de um crédito que o Primeiro Réu detinha sobre a sociedade A..., S.A., no valor de € 223.128,00;
B) A entrega da quantia de € 57.632,00 de forma integral ou parcial a efetuar pelo Primeiro Réu até 31 de outubro de 2030.
69. Por escritura pública de transmissão do usufruto e compra e venda, celebrada no dia 13 de janeiro de 2017, no Cartório Notarial ..., em Coimbra, o 1º Réu vendeu à 2ª Ré o usufruto vitalício do imóvel ...54 (bem próprio do 1º Réu), pelo preço de €148.752,00, e vendeu à 3ª Ré a nua propriedade do Imóvel, pelo valor de € 223.128,00 (doc. 58 do Apenso A a fls. 375 a 377 do Apenso A);
70. A soma do preço relativo à venda do direito de usufruto vitalício acordado entre o 1º Réu e a 2ª Ré (€148.752,00) com o preço para a venda da nua propriedade acordado entre o 1º Réu e a 3ª Ré (€ 223.128,00), corresponde aproximadamente ao valor patrimonial tributário do Imóvel (€371.888,00) (doc. 58 Apenso A));
71. Na mesma escritura (69) o 1º Réu declarou que já havia recebido o valor da venda de usufruto da 2ª Ré, e o 1º Réu e a 3ª Ré acordaram que o preço de venda da nua propriedade seria pago, após um período de carência de dois anos, em doze prestações trimestrais, iguais e sucessivas, no valor de €18.594,00 cada, vencendo-se a primeira em 31 de março de 2019;
72. O prédio urbano sito na Quinta ..., na Rua ..., ..., com uma área total de 3.240m2, sendo a área bruta de construção de 2.072,58m2, composto de casa de cave para arrumos, rés-do-chão e 1º andar para habitação, dependência para garagem, edifício anexo com 3 pisos, subcave, cave, rés-do-chão e logradouro, descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...54 da freguesia ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...49 da freguesia ..., poderia ser vendido (melhor preço obtido), em condições normais de mercado, à data de à data de 13 de janeiro de 2017, por €1.309.000,00 e em 05/03/2023 por €1.816.000,00;
73. O prédio urbano sito na Quinta ..., com uma área total de 8.150m2, sendo a área coberta de 1.588,34m2, composto por edifício com 2 pisos e anexo para serviços e logradouro, descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...53 da freguesia ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...50 da freguesia ..., poderia ser vendido (melhor preço obtido), em condições normais de mercado, à data de 30/10/2020, por € 1.289.000,00, e em 19/03/2023 por €1.421.000,00.
74. Um terço indiviso do prédio urbano, composto de parcela de terreno para construção, sito na Rua ..., Quinta ..., União de Freguesias ..., concelho ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...64 da freguesia ..., inscrito na matriz sob o artigo ...62, poderia ser vendido (melhor preço obtido), em condições normais de mercado, à data de 30/10/2020, por € €921.700,00 (1/3 de €2.765.000,00) caso se considerasse o terreno e as benfeitorias ali edificadas e por € 78.000,00 (1/3 de € 234.000,00) caso se considerasse apenas o valor do terreno, e em 19/03/2023 por €1.009.000,00 (1/3 de €3.027.000,00) se se considerasse o terreno e benfeitorias aí edificadas, e de €87.000,00 (1/3 de 261.000,00€) caso se considerasse apenas o valor do terreno;
75. Um terço indiviso do prédio rústico, composto de pinhal com mato e terra de cultura com oliveiras, atravessado pelo caminho, sito em Quinta ..., União de Freguesias ..., concelho ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...42 da freguesia ..., inscrito na matriz sob o artigo ...43, poderia ser vendido (melhor preço obtido), em condições normais de mercado, à data de 30/10/2020, por € 270.000,00 (1/3 de €812.000,00) caso se considerasse o terreno e as benfeitorias ali edificadas e por € 23.000,00 (1/3 de € 69.000,00) caso se considerasse apenas o valor do terreno, e em 19/03/2023 por € 296.000,00 (1/3 de 888.000,00€) se se considerasse o terreno e benfeitorias aí edificadas, e de 25.700,00€ (1/3 de 77.000,00€) caso se considerasse apenas o valor do terreno;
76. Ao efetuar as escrituras referidas em 62 e 69, os Réus atuaram de forma concertada, com intenção de proteger o património de valor mais elevado e mais facilmente penhorável, transferindo-o da sua esfera jurídica para quem lhe fosse próximo e da sua total confiança, bem sabendo que por seu intermédio provocavam a diminuição do património do 1º Réu suscetível de responder pelo crédito da Autora, por forma a prejudicar os credores no seu direito de cobrança do seu crédito.
77. Sabiam o 1º e 2º Réus:
- que o valor atribuído aos imóveis objeto da partilha era superior ao seu valor patrimonial tributário e mesmo ao seu valor de mercado;
- que os imóveis recebidos pelo 1º Réu no âmbito da partilha têm um valor patrimonial tributário e de mercado muito inferior ao imóvel entregue pelo Primeiro Réu.
- que o valor patrimonial do imóvel ...53 era inferior ao seu valor de mercado;
- que o imóvel que a 2ª Ré recebeu em dação para pagamento das tornas tinha valor superior aos das tornas que lhe eram devidas pela adjudicação de um terço indiviso de dois prédios em partilha ao 1º Réu;
78. Assim como sabiam os 1º, 2º e 3º Réus:
- que o valor patrimonial do imóvel ...54 era inferior ao seu valor de mercado;
- que o direito de crédito sobre a A..., S.A., no valor de € 223.128,00, relativo ao preço devido pela venda da nua propriedade deste imóvel, foi o que o 1º Réu cedeu à 2ª Ré para pagamento parcial das tornas a que havia lugar;
79. Os 1º e 2º Réus continuam a viver no prédio ...54 e mantêm relação profissional, partilhando investimentos e, inclusivamente, a gerência de sociedades, como a “G..., Lda.”;
80. Para além dos imóveis 4253 e 4254, o 1º Réu não é dono de quaisquer outros bens ou fontes de rendimento que sejam suscetíveis de, pelo seu valor, responderem pelo crédito da Autora;
81. A livrança que serve de título executivo no âmbito da ação executiva intentada pela Banco 2... contra a M... e respetivos acionistas – entre os quais o aqui 1.º Réu (referida em 55) foi preenchida no dia 18.01.2021 (cfr. doc. 4 anexo ao requerimento executivo junto como doc. 61 na PI);
82. O Acordo Quadro celebrado em 2013 constituía uma reestruturação da dívida que as sociedades do Grupo B... tinham para com um Sindicato Bancário (do qual fazia parte a Banco 2...);
83. Por força de vários constrangimentos, essencialmente relacionados com a crise petrolífera em Angola, a ausência de divisas na Venezuela e a decisão da Banco 2... em não renovar as garantias bancárias para as obras que o Grupo tinha em curso na Argélia, as sociedades do Grupo B... tiveram dificuldade em cumprir os termos do Acordo Quadro assinado em 2013;
84. Pouco após a celebração do Acordo Quadro, em julho 2014, o Grupo B... solicitou à Banco 2... a primeira prorrogação (waiver) relativa à data de pagamento de juros da primeira tranche disponibilizada e, em outubro desse ano, solicitou novo waiver quanto ao pagamento de juros da segunda tranche;
85. Em 15 de outubro de 2014 ficou por realizar o pagamento de uma prestação de capital prevista no Acordo Quadro;
86. Durante o período de abril de 2015 a janeiro de 2018, o Sindicato Bancário, do qual a Banco 2... fazia parte, aprovou diversas medidas no sentido de fomentar as condições necessárias para evitar o incumprimento;
87. Logo em abril de 2015 as sociedades do Grupo B... apresentaram um pedido de apoio de tesouraria, no valor de 20 milhões de euros, sendo: 5 milhões para pagamento de juros de reestruturação, 2,55 milhões para remunerações e 12,45 milhões para fornecedores;
88. Em outubro de 2015, pelas sociedades do Grupo B..., em reunião com os Bancos, foi apresentada uma proposta de reestruturação do Acordo-Quadro, que previa:
a) Reperfilamento da Tranche I e Tranche II com manutenção do pricing, iniciando-se o pagamento da Tranche I após amortização da Tranche II, esta com início em outubro de 2017;
b) Contratação pelo Grupo de uma conta corrente caucionada com limite de 20 milhões de euros (o que significava um acréscimo de 10 milhões face ao convencionado no Acordo-Quadro), prevendo-se a sua liquidação quando fossem recebidos valores provindos da atividade desenvolvida na Venezuela;
c) Utilização de um montante mínimo de 25 milhões de euros para financiar o fundo de maneio e investimento;
89. Aquando da apresentação de tal proposta, os Bancos deram nota de que iriam iniciar a respetiva análise, embora a decisão final ficasse sempre dependente da validação do Business Plan por uma auditora a escolher de entre as mais reputadas pelo mercado (as chamadas Big Four), tendo para o efeito contratado a “R...”;
90. O 1º Réu foi informado pela Comissão Executiva das Sociedades do Grupo B... de que as conversações para a renegociação da dívida estavam a correr favoravelmente e que a perspetiva seria a da sua conclusão até ao final de 2015;
91. Em fevereiro de 2016, a “R...” apresentou o relatório de análise de negócio (Independent Business Review – IBR) – doc. 17 junto com a resposta à contestação do 1º Réu;
92. Tal relatório, além de propugnar pela reestruturação do passivo, apresentava a necessidade de disponibilização de novo financiamento por parte dos Bancos de 65 milhões de euros, tendo sido recebido com alguma apreensão, tal como foi transmitido em reunião ocorrida em 15.06.2016;
93. Razão pela qual foi pedido ao Grupo B... que promovesse junto da R... a elaboração de novo relatório IBR, com informação adicional, designadamente a avaliação de ativos relevantes do Grupo que pudessem ser vendidos, nomeadamente Eneólica e Concessões Rodoviárias (AEO-Auto Estradas Oeste), por forma a mitigar as necessidades de novo financiamento (New Money), o que apenas sucedeu em maio de 2016;
94. Em julho 2016 (9 meses após a reestruturação da proposta de reestruturação do Acordo-Quadro), a B... Engenharia Construções, SA” recebeu novo pagamento da Venezuela referente ao valor da dívida vencida até dezembro de 2013, atinente à atividade desenvolvida naquele país, no valor de 31M USD (equivalente a 28 milhões de euros);
95. Os Bancos receberam tal valor, dos quais apenas 7,6M€ foram afetados à dívida detida perante os Bancos do Sindicato, dado que, com referido, “Sem essa liquidação o processo de análise ao novo pedido de reestruturação será suspenso” – email de resposta dos bancos de 22/07/2016 – doc. 88 da contestação do 1º Réu;
96. Apos negociações entre os Bancos e o Grupo B..., as sociedades do Grupo B... receberam em 03/08/2016 mail do Banco 4..., SA, com o seguinte teor: “Depois de analisada a sua proposta os Bancos vêm reafirmar a necessidade de serem pagos de imediato todos os juros vencidos e respetivos encargos, das linhas estruturadas em setembro de 2013. Tal como referido na n/ comunicação de 22 Julho passado sem que este passo seja concretizado os Bancos não têm condições para continuar a negociar a nova reestruturação de créditos do Grupo B...” – doc. 89 da contestação do 1º Réu;
97. Assim, da referida verba de 28M€ foi possível assegurar que fosse canalizado o valor necessário apenas para a liquidação integral dos juros perante os 3 Bancos do Sindicato, a CLF e o Haitong, com o compromisso de os Bancos apreciarem uma proposta de novo aumento do financiamento em conta-corrente (que, entretanto, já havia sido incrementada de 10M€ para 12,28M€, dos quais 3,85M€ na Banco 2...) em mais 5,5M€, e que teria como garantia o penhor de ações Eneólica;
98. Os Bancos aprovaram a isenção integral de qualquer tipo de comissões de recuperação de valores em dívida, ou outras, e respetivos juros de mora associados, tendo a Banco 2... aprovado, no final de agosto 2016, a renovação do limite de Garantias Bancárias em Sindicato Bancário (20M€ para a Banco 2..., no total de 60M€ até ao final de 2016);
99. Em 26.12.2016, por mail, a Banco 2... comunicou às sociedades do Grupo B... não ter condições de despachar o apoio intercalar com pedido renovado em 23.12.2016, antes do final de janeiro de 2017 (doc. 90 contestação 1º Réu);
100. Em 19.01.2018 realizou-se uma reunião entre as partes, nas instalações da sede da Banco 2..., onde estiveram presentes, entre outros, os 3 Bancos do Sindicato, o Grupo B... (representado pelos Drs. CC e Dr. UU) e os seus assessores legais e financeiros (respetivamente, os seus advogados da LL e a R...), com o objetivo de fazer um ponto da situação sobre a reestruturação do perímetro de construção, analisando as questões de divergência entre as partes;
101. O Grupo B... reiterou a necessidade de se avançar com a reestruturação e de se operacionalizar a linha de Garantias Bancárias de 6M€, uma vez que considerava que já não tinha condições para manter a “operação viva” face aos constrangimentos (nomeadamente, sem garantias bancárias que permitissem libertar verbas de obras em curso e iniciar trabalhos em obras angariadas);
102. O Banco 4... informou que os temas em discussão e os níveis de exposição no Grupo B... obrigavam a que qualquer proposta fosse submetida a decisão na administração do Banco e, de seguida, a decisão do Fundo de Resolução, pelo que só iriam considerar uma proposta final de reestruturação;
103. Ao longo do primeiro trimestre de 2018 continuaram as interações entre os Bancos do Sindicato, o Grupo B... e os seus assessores (LL e R...), com a elaboração de uma minuta de Acordo Global datada de 21.02.2018 elaborada pela LL e R..., com as últimas propostas de fichas técnicas disponibilizadas pela R... – doc. 91 da contestação do 1º Réu;
104. Foi neste contexto de dificuldades de consensualização entre os Bancos de todos os pontos das fichas técnicas, bem como de aprovação dos pressupostos da reestruturação, sobretudo devido às circunstâncias em que se encontrava o Banco 4..., que a gestão dos créditos dos 3 Bancos para o Grupo B... passou para a gestão da Plataforma Integrada de Negociação de Crédito Bancário, ACE (PNBC);
105. Foi a “PNBC” – entidade jurídica autónoma, constituída e atuando sob a forma de um Agrupamento Complementar de Empresas (ACE), da qual faziam parte, entre outros, a Banco 2... – que passou a entabular as negociações com o Grupo B... em abril/maio de 2018;
106. A minuta referida em 103 circulou pelos Bancos do Sindicato a fim de recolher os seus comentários, para análise e discussão, sem qualquer efeito vinculativo;
107. Os Bancos do Sindicato exigiram que as condições que viessem a ser aprovadas para os bancos fossem similares às celebradas com todos os outros Bancos com quem o Grupo B... mantinha relações (Montepio, Santander, Eurobic, Bankinter, Parvalorem), pedindo que este demonstrasse que estava a negociar com essas instituições as condições que então propunha aos Bancos do Sindicato.
108. O Banco 3..., a Banco 2... e a CLF não aprovaram a minuta do contrato.
109. O Banco 4... deu o seu parecer favorável às condições do acordo, mas questões relacionadas com a sua organização interna não lhe permitiram tomar uma decisão definitiva.
110. As negociações referentes ao processo de reestruturação financeira das sociedades do Grupo B... passaram para a PNCB também por forma a ultrapassar as dificuldades na obtenção de uma decisão de aprovação por parte do Banco 4..., em maio de 2018;
111. A afetação da gestão dos créditos sobre o Grupo B... à PNBC mereceu a adesão do Grupo B... e do 1º Réu, por carta de 24.04.2018 – doc. 18 da resposta à contestação – reconhecendo estes expressamente que tal acordo “não implica qualquer vinculação, por parte da PNBC ou dos referidos Bancos, à obtenção de financiamentos adicionais para o Grupo B..., nem constitui qualquer obrigação de resultado pela mesma PNBC em ordem à reestruturação do passivo financeiro do Grupo B..., nem à viabilização do Grupo B..., aceitando, desde já, que a PNBC possa não lograr concluir com sucesso o processo negocial que lhe será solicitado pelos Bancos”;
112. Em julho 2018, a Gestão Executiva das sociedades do Grupo B... decidiu adquirir os créditos das instituições financeiras, obrigando a nova avaliação das condições do negócio;
113. A aquisição pela Comissão Executiva visava a posterior venda a um terceiro investidor, por forma a preservar o trabalho feito, garantindo postos de trabalho, produção nacional e exportações, com a redução da dívida às instituições financeiras desde 2010 (ano em que tomaram posse, os atuais Presidente e Vice-presidente da CE e adquiriram uma empresa -“D...” , para se apresentarem aos bancos como uma proposta de compra dos créditos);
114. Na sequência, foi apresentada uma proposta formal a cada uma das instituições financeiras envolvidas no processo de reestruturação.
115. A PNBC remeteu uma proposta em 27.06.2019 às sociedades do Grupo B... (junta como doc. 93 da contestação do 1º Réu);
116. Em resposta, por mail de 28.06.2019 (doc. 94 junto com a contestação do 1º Réu), as Sociedades do Grupo B... apresentaram uma “operação que contempla a quase totalidade dos pressupostos da vossa última proposta mas que inclui uma ligeira reformulação do preço dos créditos em função de um aporte adicional de capital, a realizar de imediato pela D... (…), solicitando um conjunto de alterações à proposta apresentada;
117. Por email de 22.11.2029, o Presidente da PNBC enviou “Proposta de Solução em Negociação” (doc. 96 da contestação do 1º Réu), transmitindo ao Dr. CC as condições aprovadas (ajustadas às decisões dos 3 Bancos do Sindicato) para a cessão de créditos, que divergiam da proposta apresentada pela Banco 2... em quatro pontos:
a) Acrescentou-se ao preço a pagar 29,84M€, correspondente ao valor nominal da dívida emergente das garantias bancárias executadas, encargos, impostos e comissões dedse 2018.11.26 até à data da promessa da cessão de créditos;
b) O Banco 3... e o Banco 4... vieram também propor beneficiar da put option, tendo o valor sido alterado para 89,2M€;
c) Por indicação do Banco 4... foi sugerido constituir penhor financeiro sobre as ações representativas do capital social da D..., também como garantia do pagamento d preço.
118. Em 09.01.2020 a PNBC comunicou por carta ao Grupo B... as derradeiras condições da versão revista para a “Proposta de Solução de Negociação” (cessão de créditos) e solicitou uma resposta à mesma até 13.01.2020, fazendo uma resenha das propostas apresentadas pela PNBC e que foram sendo recusadas pelo Grupo B..., mais indicando que caso esta última proposta não mereça aceitação integral, o processo seria imediatamente devolvido a cada um dos Bancos, satisfazendo assim o pedido feito pelo Grupo B... – cfr. doc. 19 da resposta à contestação do 1º Réu.
119. O processo de negociação seguiu a partir daí de forma individualizada, com cada um dos Bancos, fora da Plataforma da PNBC;
120. As sociedades do Grupo B... lograram reestruturar a dívida bancária com o Banco 3..., SA., a qual foi formalizada em 06 de março de 2020 (Cfr. doc. n.º 3 da contestação do 1º Réu), estando a cumprir o acordado.
121. Em 07.02.2020 foi apresentada pela D... à Banco 2... uma proposta para aquisição dos créditos que esta detém sobre o Grupo B... - docs. 102 e 103 de contestação;
122. Em 06.04.2020 a Banco 2... comunicou as condições aprovadas em Comissão executiva – doc. 104 da contestação;
123. O Grupo B... respondeu, por email de 09.04.2020 – doc. 20 da resposta – na qual é proposto pelo Presidente do Grupo B... uma série de alterações ao que foi aventado pela Banco 2..., e que se traduziam numa diminuição de 3,215M no valor que seria recebido por esta, representando uma redução de 10% do valor a pagar – doc. 21 da resposta;
124. Em 14.04.2020 decorreu uma reunião via zoom com a Dr.ª MM e o Dr. NN (na qualidade de representantes da Banco 2...), na qual foi referido que as modificações introduzidas pelo Grupo B... à proposta que a Banco 2... havia apresentado em 06.04.2020 eram inaceitáveis do ponto de vista da Banco 2..., não dando qualquer indicação de aceitação da proposta;
125. Nessa sequência, a Banco 2..., em 07.05.2020, solicitou os elementos da D..., para remeter “para análise ao Gabinete Compliance”:
126. Em reunião realizada com os representantes do Grupo B..., em 10.09.2020, a Banco 2... transmitiu que uma vez que as condições propostas pela Banco 2... com vista a um acordo de reestruturação nunca tinham sido integralmente aceites pelo Grupo B..., não havendo possibilidade de acordo, que no início desse mês tinha sido formalmente tomada a decisão de encetar o processo de cobrança coerciva do crédito;
127. Após o referido em 126, os representantes do Grupo B... apresentaram várias comunicações para pedidos de reuniões para apresentarem propostas alternativas de acordo – vide comunicações datadas de 25.09.2020, 23.10.2020, e 29.10.2020, constantes docs. 1 e 2 da contestação e doc. 22 da resposta;
128. O Acordo Quadro alcançado em setembro de 2013 traduz o resultado de longos meses de negociações;
129. Nessas negociações, todos os intervenientes estiveram acompanhados por escritórios de advogados portugueses, sendo as sociedades e os acionistas (que intervieram como avalistas, entre os quais o 1º Réu) do Grupo B... sido representados pela OO e a Banco 2... e a CLF, juntamente com os demais Bancos do Sindicato, pela E..., contando ainda, em diversas reuniões, com a participação dos advogados internos do Grupo B..., Dr. UU e Dr. VV;
130. À parte das reuniões ocorridas com vista à negociação do Acordo Quadro, as Partes trocaram diversas comunicações escritas, com vários anexos, sobre as versões a introduzir no clausulado;
131. A reestruturação operada por via do Acordo Quadro, em setembro 2013, incidia sobre financiamentos anteriores (Tranche I – Reestruturação), que tinham na sua maioria o aval dos acionistas, AA, TT e SS.
132. Os contratos holding, celebrados em dezembro 2013 (docs. 9,12,14 e 16 da PI) foram celebrados nos termos e condições negociadas aquando do Acordo Quadro, em setembro de 2013, os quais já constavam do seu anexo 13;
133. O texto desses contratos foi objeto de discussão e aprovação específicas entre as partes;
134. Quando em julho 2015 foi solicitado pelo Grupo B... um apoio intercalar de tesouraria ao Sindicato Bancário, que depois foi celebrado individualmente com cada Banco (correspondendo o da Banco 2... ao doc. 23 da PI), também nesta ocasião os termos e condições foram expressamente aceites pelo Grupo B...;
135. As sociedades do Grupo B... e os seus acionistas – o 1º Réu (que interveio nos contratos em causa não apenas como avalista, mas também como representante legal da M... e de outra sociedade do Grupo), TT e SS são pessoas experientes neste tipo de atos e de transações, tendo vasta experiência na celebração de contratos de financiamento, acordos de reestruturação e de pagamento e na prestação de garantias associadas;
136. Até 2010, o 1º Réu integrou a Comissão Executiva das várias sociedades do Grupo B..., designadamente a M... SGPS, SA, a B... SGPS, SA e a B... Engenharia e Construções, SA.;
137. A partir de 2010, entrou em funções uma nova Comissão Executiva, tendo o 1º Réu deixado de participar em qualquer órgão executivo das sociedades;
138. Desde 2010 até meados de 2015, o 1º Réu manteve um acompanhamento próximo da atividade societária;
139. Em abril de 2015 o 1º Réu foi detido no âmbito do processo “Operação Marquês”, tendo-lhe sido aplicada a medida de coação de “obrigação de permanência na habitação”, que se manteve até final de julho de 2015;
140. Aquando da concretização do divórcio por mútuo consentimento (processo n.º ...16), e no mesmo dia (../../2016), procederam o 1.º Réu e a 2.ª Ré à partilha do património conjugal, nos seguintes termos (cfr. doc. 7 contestação 1º Réu):
“RELAÇÃO DE BENS A PARTILHAR
I. ACTIVO
1) PARTICIPAÇÕES SOCIAIS SUJEITAS A REGISTO
Verba n.º 1: Quota no valor nominal de 2.500,00 € titulada por BB na sociedade comercial por quotas sob a firma “U..., Lda.”, com matrícula e NIPC ...70, capital social de 5.000,00 €, integralmente realizado, com o valor atribuído de 2.500,00 €;
Verba n.º 2: Quota no valor nominal de 2.500,00 € titulada por AA na sociedade comercial por quotas sob a firma “U..., Lda.”, com matrícula e NIPC ...70, capital social de 5.000,00 €, integralmente realizado, com o valor atribuído de 2.500,00 €
Verba n.º 3: Quota no valor nominal de 2.500,00 € titulada por BB na sociedade comercial por quotas sob a firma “T..., Lda.”, com matrícula e NIPC ...61, capital social de 5.000,00 €, integralmente realizado, com o valor atribuído de 2.500,00 €;
Verba n.º 4: Quota no valor nominal de 2.500,00 € titulada por AA na sociedade comercial por quotas sob a firma “T..., Lda.”, com matrícula e NIPC ...61, capital social de 5.000,00 €, integralmente realizado, com o valor atribuído de 2.500,00 €
Verba n.º 5: Quota no valor nominal de 2.375,00 € titulada por AA na sociedade comercial por quotas sob a firma “H..., Lda.”, com matrícula e NIPC ...65, capital social de 20.000,00 €, integralmente realizado, com o valor atribuído de 2.375,00 €.
Verba n.º 6: Quota no valor nominal de 7.499,00 € titulada por AA na sociedade comercial por quotas sob a firma “H..., Lda.”, com matrícula e NIPC ...65, capital social de 20.000,00 €, integralmente realizado, com o valor atribuído de 7.499,00 €
OUTROS BENS
Verba n.º 7: 3.890.666 (três milhões oitocentas e noventa mil seiscentas e sessenta e seis) acções nominativas no valor nominal de 0,01 € cada, na sociedade comercial anónima “I..., S.A.”, com o NIPC ...67, capital social de 449.841,00 €, integralmente realizado, de que é titular AA, com o valor atribuído de 38.906,66 €.
Verba n.º 8: 50.000 (cinquenta mil) acções nominativas, no valor nominal de 1,00 € cada, na sociedade comercial anónima “J... SGPS, S.A”., com o NIPC ...46, capital social de 50.000,00 €, integralmente realizado, de que é titular AA, com o valor atribuído de 50.000,00 €.
Verba n.º 9: 2.500 (duas mil e quinhentas) acções ao portador, no valor nominal de 1,00 €, na sociedade comercial anónima “K..., S.A.”, com o NIPC ...55, capital social de 200.000,00 €, integralmente realizado, de que é titular AA, com o valor atribuído de 2.500,00 €
Verba n.º 10: 10.000 (dez mil) acções ao portador, no valor nominal de 0,01 €, na sociedade comercial anónima “L..., S.A.., com o NIPC ...55, capital social de 50.000,00 €, integralmente realizado, de que é titular AA, com o valor atribuído de 100,00 €;
Verba n.º 11: 31.000 (trinta e uma mil) acções ao portador no valor nominal de 1,00 € cada, na sociedade comercial anónima “S..., S.A.”, com o NIPC ...25, capital social de 50.000,00 €, integralmente realizado, de que é titular AA, com o valor atribuído de 31.000,00 €;
Verba n.º 12: 85.667 (oitenta e cinco mil seiscentas e sessenta e sete) acções nominativas no valor nominal de 1,00 € cada, na sociedade comercial anónima “B..., SGPS, SA.”, com o NIPC ...67, capital social de 14.300.000,00 €, integralmente realizado, de que é titular AA, com o valor atribuído de 85.667,00 €.
Verba n.º 13: 19.366 (dezanove mil trezentas e sessenta e seis) acções ao portador no valor nominal de 1,00 € cada, na sociedade comercial anónima “M..., SGPS, SA.”, com o NIPC ...16, capital social de 50.000,00 €, integralmente realizado, de que é titular AA, com o valor atribuído de 299.000,00 €.
Verba n.º 14: 67.213 (sessenta e sete mil duzentas e treze) acções ao portador, no valor nominal de 1,00 € cada, na sociedade comercial anónima “B... Indústria, SGPS, S.A.”, com o NIPC ...62, capital social de 10.000.000,00 €, integralmente realizado, de que é titular AA, com o valor atribuído de 67.213,00 €.
Verba n.º 15: 45.149 (quarenta e cinco mil cento e quarenta e nove) acções ao portador no valor nominal de 1,00 € cada, na sociedade comercial anónima “B... Hotéis e Turismo - SGPS, S.A.”, com o NIPC ...73, capital social de 5.000.000,00 €, integralmente realizado, de que é titular AA, com o valor atribuído de 45.149,00 €.
Verba n.º 16: 427.462 (quatrocentas e vinte e sete mil quatrocentas e sessenta e duas) acções ao portador, no valor nominal de 1,00 €, na sociedade comercial anónima “N..., S.A.”, com o NIPC ...69, capital social de 1.648.591,00 €, integralmente realizado, de que é titular AA, com o valor atribuído de 427.462,00 €.
Verba n.º 17: 10.153 (dez mil cento e cinquenta e três) acções ao portador no valor nominal de 1,00 € cada, na sociedade comercial anónima “B... Agregados – Comércio de Agregados (...), S.A.”, com o NIPC ...84, capital social de 2.307.741,00 €, integralmente realizado, de que é titular AA, com o valor atribuído de 10.153,00 €.
Verba n.º 18: 20.000 (vinte mil) acções no valor nominal de 1,00 € cada na sociedade comercial anónima “O... - SGPS, S.A.”, com o NIPC ...67, capital social de 60.000,00 €, integralmente realizado, de que é titular AA, com o valor atribuído de 20.000,00 €.
Verba n.º 19: 50.250 (cinquenta mil duzentas e cinquenta) acções ao portador no valor nominal de 5,00 € cada, na sociedade comercial anónima “P..., S.A., com o NIPC ...43, capital social de 750.000,00 €, integralmente realizado, de que é titular AA, com o valor atribuído de 251.250,00 €;
Verba n.º 20: 630 (seiscentas e trinta) Unidades de Participação na “Q... - Fundo de Investimento Imobiliário, S.A”., com o NIPC ...48, de que é titular AA, com o valor atribuído de 3.012,41 €;
Verba n.º 21: Crédito resultante de um empréstimo feito pelos cônjuges na constância do casamento, com dinheiro comum do casal, à sociedade comercial anónima “S..., S.A.”, sociedade com o NIPC ...25, no valor de 995.421,80 €.
Verba n.º 22: Crédito resultante de um empréstimo feito pelos cônjuges na constância do casamento, com dinheiro comum do casal, à sociedade comercial anónima “S..., S.A.”, sociedade com o NIPC ...25, no valor de 31.561,10 €.
Verba n.º 23: Crédito resultante de um suprimento feito pela partilhante BB, com dinheiro comum do casal, à sociedade comercial por quotas “U..., Lda.”., no valor de 6.200,00 €
Verba n.º 24: Crédito resultante de um suprimento feito pela partilhante BB, com dinheiro comum do casal, à sociedade comercial por quotas “U..., Lda.”, no valor de 48.732,01 €
Verba n.º 25: Crédito resultante de um suprimento feito pelo partilhante AA, com dinheiro comum do casal, à sociedade comercial por quotas “U..., Lda.”, no valor de 41.200,00 €
Verba n.º 26: Crédito resultante de um suprimento feito pela partilhante BB, com dinheiro comum do casal, à sociedade comercial por quotas “T..., Lda.”, no valor de 74.156,38 €
Verba n.º 28: Crédito resultante um suprimento feito pelo partilhante AA, com dinheiro comum do casal, à sociedade comercial por quotas “T..., Lda.”, no valor de 177,21 €.
PARTILHA
Conferidos e aceites os valores do activo constantes da relação de bens apresentada supra, os partihantes acordaram na partilha pela forma seguinte:
Bens comuns do casal dissolvido:
Valor dos bens comuns: €2.548.735,57 €
Valor líquido dos bens comuns do casal dissolvido: €2.548735,57 €
Valor da meação: €1.274.367,79 €
Apuramento:
ADJUDICAÇÕES
Apurados os valores, acordam fazer a partilha da forma seguinte:
AA: Verba n.º 5, Verba n.º 6, Verba n.º 7, Verba n.º 8, Verba n.º 9, Verba n.º 10, Verba n.º 12, Verba n.º 13, Verba n.º 14, Verba n.º 15, Verba n.º 16, Verba n.º 17, Verba n.º 18, Verba n.º 19, Verba n.º 20
Valor ativo adjudicado: 1.310.287,07 €
Valor líquido adjudicado: 1.310.287,07 €
Valor a que tinha direito: 1.274.367,79 €
Tornas receber: 0,00 €
Tornas a devolver: 35.919,29 €
BB: Verba n.º 1, Verba n.º 2, Verba n.º 3, Verba n.º 4, Verba n.º 11, Verba n.º 21, Verba n.º 22, Verba n.º 23, Verba n.º 24, Verba n.º 25, Verba n.º 26, Verba n.º 27
Valor ativo adjudicado: 1.238.448,50 €
Valor líquido adjudicado: 1.238.448,50 €
Valor a que tinha direito: 1.274.367,79 €
Tornas a receber: € 35.919,29
Tornas a devolver: € 0,00”
141. O projeto de turismo referente à implementação da Quinta ... foi levado a cabo pela 3ª Ré, logo depois da respetiva constituição, com a realização de estudos, projetos arquitetónicos e apresentação de candidaturas no âmbito do Programa Portugal 2020, abrangendo, em termos de exploração, todos os artigos da Quinta ..., abrangendo os prédios ...53 e ...54), não tendo sido ainda concretizado por não reunir os requisitos necessários no sentido de ser apresentada candidatura no âmbito do Programa 2020.
B) FACTOS NÃO PROVADOS:
1) As cláusulas e o conteúdo que integram quer o “Acordo-Quadro” (doc. 7 junto com a PI), quer o “Contrato de Mútuo e Abertura de Crédito, celebrado a 25 de Julho de 2007, que foi alterado a 13 de Dezembro de 2013, (cfr. doc. 9 junto com a PI), quer o contrato celebrado a 19 de Dezembro de 2013, denominado “Contrato de Regularização de Créditos” (doc. 12 com a PI), quer o contrato de 13 de Dezembro de 2013, denominado “Alteração ao Contrato de Empréstimo celebrado a 23 de Agosto de 2004” (doc. 14 junto com a PI), quer também o contrato de 13 de Dezembro de 2013, denominado “Contrato de Reestruturação de Crédito” (doc. 16 junto com a PI), quer igualmente o “Contrato de Financiamento Sindicado à B... SGPS”, celebrado em 6 de Setembro de 2013 (doc. 18 com a PI), quer o contrato de 6 de Setembro de 2013 denominado “Contrato de Abertura de Crédito e de Reconhecimento e Assunção de Dívida” (cfr. doc. 20 com a PI), quer, o contrato datado de 12 de Outubro de 2015, denominado “Contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente com Aval” (doc. 23 junto com a PI), quer os anexos a tais contratos, que incluem os Pactos de preenchimento das livranças avalizadas pelo 1º Réu, foram previamente redigidos pela Autora, sem qualquer discussão ou negociação com as sociedades do Grupo B... e os acionistas, entre os quais o 1º Réu;
2) Os acionistas e o 1º Réu limitaram-se a aceitar e a subscrever as respetivas cláusulas, sem qualquer possibilidade de as alterar, sob pena de não obterem a reestruturação e os financiamentos que necessitavam para tais sociedades;
3) A Autora, antes da respetiva assinatura, não comunicou nem explicou de forma integral, adequada, tempestiva e cabal, às mutuárias e avalistas, incluindo o 1º Réu, o conteúdo de todas as cláusulas constantes dos docs. nºs 7, 9, 12, 14, 16, 18, 20 e 23, assim como os respetivos anexos e teor dos pactos de preenchimento das livranças avalizadas pelo 1º Réu;
4) Apenas foi transmitido ao 1º Réu, aquando das sucessivas vinculações contratuais, que se tratavam de formalidades habituais e necessárias para a concretização da pretendida reestruturação financeira das sociedades do grupo, e que era necessária a sua assinatura, desconhecendo, por isso, as consequências, no plano jurídico e financeiro, que para si derivavam da respetiva vinculação;
5) O 1º Réu desconhecia o teor da cláusula sexta, ponto 6.5, do “Acordo Quadro” (doc. 7 da PI), designadamente que a Autora poderia executar o seu património antes de excutido o património das sociedades das quais é acionista, e que a Autora poderia preencher a livrança em branco por si avalizada sem previamente excutir o património da (s) sociedade (s) que a (s) subscreveu (eram);
6) O 1º Réu desconhecia o teor das cláusulas 20.º e 21º do referido Acordo, designadamente que o não pagamento dos juros permitiria aos Bancos o vencimento antecipado do capital, e por outro, que os Bancos intervenientes no “Acordo Quadro” pudessem avançar para uma cobrança coerciva do (s) seu (s) crédito (s) isoladamente, sem a intervenção dos demais Bancos que o subscreveram;
7) O 1º Réu desconhecia que a Autora podia avançar com a cobrança coerciva de qualquer crédito correlacionado com o “Acordo Quadro” de forma isolada, sem coenvolver obrigatoriamente todos os Bancos aí intervenientes;
8) O 1º Réu, no que concerne à “Alteração ao Contrato de Mútuo e Abertura de Crédito celebrado em 25 de julho de 2007” (doc. 9 junto com a PI) desconhecia o teor das cláusulas 15.ª e 16.º, designadamente que a Banco 2... pudesse, livremente, preencher a livrança em branco;
9) O 1º Réu desconhecia que ao subscrever tal acordo, a Banco 2... pudesse avançar para a cobrança coerciva de qualquer quantia em dívida, sem previamente excutir o património da mutuária “M...”, que se considerou devedora das quantias enunciadas na cláusula primeira;
10) E desconhecia o teor da cláusula oitava, não sabendo que a Autora Banco 2... pudesse preencher em branco uma livrança por si avalizada aí colocando a totalidade do capital mutuado, acrescido de juros e impostos, tanto mais que, com a alteração ao referido contrato de mútuo, a perceção com que ficou foi no sentido de que o capital apenas teria que ser liquidado a 6 de setembro de 2028 (cfr. cláusula segunda do contrato, que alterou a cláusula quarta do primitivo contrato de mútuo);
11) O 1º Réu, no que concerne ao contrato celebrado a 19 de dezembro de 2013, denominado “Contrato de Regularização de Créditos” (doc. 12 junto com a PI), desconhecia o teor das cláusulas 15.ª e 16.ª, designadamente que a Banco 2... pudesse, livremente, preencher a livrança em branco;
12) O 1º Réu desconhecia que ao subscrever tal acordo, a Banco 2... pudesse avançar para a cobrança coerciva de qualquer quantia em dívida, sem previamente excutir o património da mutuária “M...”, que se considerou devedora das quantias enunciadas na cláusula primeira;
13) E desconhecia o teor da cláusula oitava, não sabendo que a Autora Banco 2... pudesse preencher em branco uma livrança por si avalizada aí colocando a totalidade do capital mutuado, acrescido de juros e impostos;
14) O 1º Réu, no que concerne à “Alteração ao Contrato de Empréstimo celebrado em 23 de agosto de 2004” (doc. 14 com a PI), desconhecia o teor das cláusulas 15.ª e 16.ª, designadamente que a Banco 2... pudesse, livremente, preencher a livrança em branco;
15) O 1º Réu desconhecia que ao subscrever tal acordo, a Banco 2... pudesse avançar para a cobrança coerciva de qualquer quantia em dívida, sem previamente excutir o património das mutuárias B... SGPS, S.A., B... – Engenharia e Construções, S.A., que se consideraram devedoras das quantias enunciadas na cláusula primeira;
16) E desconhecia o teor da cláusula oitava, não sabendo que a Autora Banco 2... pudesse preencher em branco uma livrança por si avalizada aí colocando a totalidade do capital mutuado, acrescido de juros e impostos;
17) O 1º Réu, no que concerne ao “Contrato de Reestruturação de Crédito” (doc. 16 com a PI), desconhecia o teor da cláusula 15.ª, designadamente que a Banco 2... pudesse, livremente, preencher a livrança em branco, aí podendo colocar a totalidade do capital acrescido de juros, despesas e impostos;
18) O 1º Réu desconhecia que ao subscrever tal acordo, a Banco 2... pudesse avançar para a cobrança coerciva de qualquer quantia em dívida, sem previamente excutir o património da creditada B... SGPS, S.A., que se considerou devedora das quantias enunciadas na cláusula primeira;
19) E desconhecia o teor da cláusula oitava, não sabendo que a Autora Banco 2... pudesse preencher em branco uma livrança por si avalizada aí colocando a totalidade do capital mutuado, acrescido de juros e impostos;
20) O 1º Réu, no que diz respeito ao “Contrato de Financiamento sindicado à B... SGPS” (junto como doc. 18 com a PI), desconhecia o teor da sua cláusula 15.ª, designadamente que a Banco 2... pudesse, livremente, preencher a livrança em branco, podendo preenchê-la com a totalidade do capital mutuado, acrescido de juros, impostos e despesas;
21) O 1º Réu desconhecia que ao subscrever tal acordo, a Banco 2... pudesse avançar para a cobrança coerciva de qualquer quantia em dívida, sem previamente excutir o património das mutuadas B... SGPS, S.A., B... – Engenharia e Construções, SGPS, S.A. e B... –Engenharia e Construções, S.A.;
22) E desconhecia o teor da cláusula 11.ª, não sabendo que a Autora Banco 2... pudesse preencher em branco uma livrança por si avalizada aí colocando a totalidade do capital mutuado, acrescido de juros e impostos;
23) O 1º Réu, no tocante ao “Contrato de Abertura de Crédito e de Reconhecimento e Assunção de Dívida” (doc. 20 junto com a PI), desconhecia o teor da sua cláusula 13ª, em concreto, a alínea a) do n.º 1 da cláusula 13.ª, designadamente que a Banco 2... pudesse, livremente, preencher a livrança em branco, podendo preenchê-la com a totalidade do capital mutuado, acrescido de juros, impostos e despesas;
24) O 1º Réu desconhecia que ao subscrever tal acordo, a Banco 2... pudesse avançar para a cobrança coerciva de qualquer quantia em dívida, sem previamente excutir o património das devedoras Z..., S.A. e B... – Engenharia e Construções, S.A.;
25) E desconhecia o teor da cláusula 12.ª, não sabendo que a Autora Banco 2... pudesse preencher em branco uma livrança por si avalizada aí colocando a totalidade do capital mutuado, acrescido de juros e impostos;
26) O 1º Réu, por referência ao “Contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente com Aval” junto aos autos como doc.23 com a PI, desconhecia o teor da cláusula 17ª, em concreto, a alínea a) do n.º 1 da cláusula 17.ª, designadamente que a Banco 2... pudesse, livremente, preencher a livrança em branco, podendo preenchê-la com a totalidade do capital mutuado, acrescido de juros, impostos e despesas;
27) O 1º Réu desconhecia que ao subscrever tal acordo, a Banco 2... pudesse avançar para a cobrança coerciva de qualquer quantia em dívida, sem previamente excutir o património das devedoras “B... SGPS, S.A.” e Aa..., S.A.;
28) E desconhecia o teor da cláusula 15.ª, não sabendo que a Autora Banco 2... pudesse preencher em branco uma livrança por si avalizada aí colocando a totalidade do capital mutuado, acrescido de juros e impostos, não tendo sido informado sobre os termos em que ocorreria o incumprimento e a possibilidade de exigibilidade antecipada;
29) O 1º Réu, por referência aos “Pactos de Preenchimento” das Livranças, que figuram como Anexos aos docs. 7, 9, 12, 14, 16, 18, 20 e 23 com a PI, desconhecia que a Autora Banco 2... poderia preencher em branco uma livrança por si avalizada, sem co intervenção dos demais Bancos, sem previamente excutir o património das sociedades mutuárias/devedoras intervenientes nos referidos contratos, não sabendo igualmente que a Banco 2... pudesse preencher tais livranças, aí colocando a totalidade do capital mutuado mesmo antes do vencimento, acrescido de juros e impostos;
30) A reação dos Bancos à proposta do Grupo B... apresentada em outubro de 2015 (referida em 88) foi favorável, e das conversações encetadas entre as partes resultou o entendimento generalizado de que o processo de renegociação da dívida financeira seria concluído até, no máximo, final de 2015;
31) Naquela data, todos os créditos vencidos tinham sido pagos pelo Grupo B...;
32) O relatório referido em 92 foi acolhido favoravelmente pelos Bancos, tendo todavia continuado a protelar a tomada de decisão quanto à proposta de reestruturação do Acordo Quadro apresentada pelo Grupo B... em Outubro 2015;
33) Na ocasião referida em 94 e 95, os Bancos exigiram que os valores da obra da Venezuela fossem aplicados maioritariamente no pagamento da dívida em falta;
34) Aquando do referido em 98 e 99, os Bancos criaram nas sociedades do Grupo B... a expetativa de concluir o processo de reestruturação, e que tal aconteceria rapidamente (ou até final de 2016);
35) A minuta referida em 103 dos factos provados e a reestruturação nela implícita foi aprovada pela Banco 2...;
36) Na ocasião referida em 103, os Bancos do Sindicato exigiram uma reestruturação prévia nas outras instituições de crédito com quem o Grupo B... mantinha relações de menor envolvimento nas condições definidas pela tríade de instituições financeiras compostas pelo Banco 4..., Banco 3... e Banco 2...;
37) A afetação da gestão dos créditos do Grupo B... à PNBC resultou de uma decisão unilateral das instituições financeiras - Banco 3..., Banco 2... e CLF;
38) Aquando da intervenção da PNBC, a reestruturação financeira estava em vias de conclusão, com contrato revisto e aceite por todos, incluindo a Banco 2... – que mais uma vez protelou tal reestruturação;
39) A proposta referida em 115 foi aceite integralmente pelas sociedades do Grupo B...;
40) Após a aceitação da proposta por todos, os intervenientes começaram a preparar a formalização do acordo de reestruturação;
41) As alterações referidas em 117 foram impostas exclusivamente pela Banco 2..., que impôs novas condições contra tudo o que havia sido acordado, que agravavam a última proposta e nada tinham a ver com qualquer proposta feita, até à altura, pela PNBC;
42) O retorno à negociação individual com cada um dos Bancos, fora da Plataforma da PNBC, partiu de uma sugestão da PNBC;
43) A proposta apresentada pela Banco 2... no seio da PNBC era insustentável;
44) A Banco 2... solicitou os elementos referidos em 125 para preparar a formalização do acordo;
45) Na reunião de 14.04.2020 o que foi transmitido pela Banco 2... foi no sentido de que se iria alcançar, finalmente, uma solução viabilizada pela Banco 2...;
46) Apesar de todas as tentativas de interação no sentido se avançar para a formalização do acordo, a partir do referido em 125 a Banco 2... remeteu-se ao silêncio, não formalizando o acordo;
47) Ao nunca ter interpelado as sociedades e avalistas desde 2015 a Banco 2... deu a entender que o seu crédito nunca seria coercitivamente cobrado;
48) Desde que foi detido (em abril 2015) o 1º R. ficou à margem da gestão e da atividade das sociedades do Grupo, sem qualquer acesso à informação corrente atinente às questões estratégicas, financeiras, económicas das sociedades do Grupo B... e de se envolver nos processos de decisão, vivendo à margem da vida societária das empresas do Grupo até 09 abril 2021 (data em que foi proferido despacho de não pronúncia do 1º Réu no âmbito do referido processo);
49) O 1º Réu desconhece os contornos negociais inerentes ao processo de renegociação da dívida que se iniciou em 2015 com a Banco 2... e os demais Bancos;
50) Durante esse período (abril 2015 a abril 2021), o 1º Réu apenas tinha conhecimento que, desde 2015, estava em curso um processo de renegociação da dívida das sociedades do Grupo com os principais credores bancários (entre os quais a Banco 2...), liderado pela Comissão Executiva das sociedades do Grupo B..., que seria concretizada e que só não era formalizada por causa de aspetos formais/burocráticos;
51) Desconhecendo se se registavam quaisquer incumprimentos perante a Banco 2... (e/ou outros credores) relativamente aos financiamentos realizados em 2013 e 2015;
52) Em março de 2020, na sequência da formalização do acordo com o Banco 3..., o 1º Réu ficou absolutamente convencido que tudo estaria resolvido com a Banco 2..., e que esta nunca o demandaria na qualidade de avalista;
Também não se provou:
53) A influência que a detenção do 1º Réu teve em termos conjugais e que por via desse processo o 1º Réu e a 2ª Ré deixaram de ter vida em comum enquanto casal a partir do final de 2015; passando o 2º Réu a viver no R/C do prédio sito na Quinta ..., Rua ... (até para depois poder acompanhar mais de perto os trabalhos relacionados com a criação e desenvolvimento do projeto do Hotel a implementar na Quinta ...), e a 2ª Ré no 1º andar, de forma isolada um do outro;
54) Assumindo, a partir de então, o propósito de se divorciarem, que só lograram concretizar em novembro de 2016, altura em que lograram obter acordo quanto aos termos da partilha a efetuar relativamente aos bens comuns do casal;
55) Ao longo dos anos de 2016 e 2017 os 1º e 2º Réus mantiveram uma relação distante, limitando-se aos contactos estritamente necessários por questões profissionais ou relacionados com as filhas de ambos;
56) Só se reaproximaram a partir de abril de 2018, na sequência da doença da filha mais nova do casal (BB), e para isso tiveram que recorrer a sessões de terapia familiar nos meses de junho, julho e agosto 2019;
57) Foi porque mantiveram o propósito de não reatar a vida em comum, que a 2ª Ré exigiu ao 1º Réu que se concluísse o acordo de partilha firmado em 2019 o mais depressa possível;
58) A escritura referente ao imóvel ...53 só foi realizada em 30/10/2020 por só nessa data, e como consequência das exigências da 2ª Ré, o 1º Réu ter conseguido proceder obter a respetiva licença de utilização e proceder à legalização do imóvel;
59) A 2ª Ré, aquando das escrituras de 13/01/2017 e 30/0/2020, agiu convicta que não existiam débitos nem incumprimentos das empresas do Grupo B... para com quaisquer Bancos ou terceiros, e que o 1º Réu nunca poderia ser responsabilizado pelo respetivo pagamento;
60) Por não ter intervenção direta na reestruturação operada em setembro 2013, tendo estado mais envolvida na gestão das sociedades “U..., Ld.ª” e “T..., Ld.ª” (e ainda com a “S..., S.A.”), e não obstante ter avalizado, enquanto esposa do 1º Réu e juntamente com ele, outros financiamentos anteriores, a 2ª Ré:
-» nunca teve nada a ver com o que quer que seja que dissesse respeito ao Grupo B...;
-» nem tinha conhecimento que as sociedades a ela afetas contraíam financiamentos bancários;
-» após a formalização do divórcio, desconhecia a existência dos financiamentos derivados do Acordo Quadro firmado em 6/09/2013 e as garantias dadas pelo 1º Réu;
E que:
61) A dação em pagamento do prédio ...53 (artigo ...50) e o valor que lhe foi atribuído na escritura de 20/10/2020, assim como aos terços indivisos dos imóveis 5064 e ...42, assim como a compra e venda do usufruto e da nua propriedade do prédio ...54 (artigo ...49) e o valor atribuído a tais direitos na escritura de 13/01/2017, bem como a data em que tais escrituras foram celebradas, derivou de acordo prévio entre o 1º Réu e a 2ª Ré, por exigência desta, visando compensar a segunda pela adjudicação ao primeiro, aquando do divórcio (a ../../2016), de bens de valor superior;
Nem que:
62) a criação da sociedade “A..., SA” e a distribuição das participações sociais derivou de exigência da 2ª Ré ao 1º Réu aquando da partilha subsequente ao divórcio;
63) O projeto para o qual a 3ª Ré foi constituída teve como único propósito perpetuar o legado da família AA relativamente aos imóveis em causa, assim como permitia ao 1º Réu combater a depressão criada por força da “Operação Marquês” e poder iniciar um projeto empresarial estimulante, já que estava totalmente afastado da gestão e do dia a dia das empresas do Grupo B...;
64) O contrato de arrendamento celebrado entre o 1º Réu e a 3ª Ré referente ao imóvel ...53 em Março 2017 foi efetuado por virtude da impossibilidade de transmissão da propriedade pela falta de licença de utilização do imóvel, e com o intuito único de a 3ª Ré poder dar início à concretização do projeto tendente à implementação do Hotel na Quinta ..., que envolvia também o imóvel ...54 (doc. 8 da contestação do 1º Réu), razão pela qual a 3ª Ré adquiriu os outros prédios circundantes (prédio rústico, descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...31 da freguesia ..., e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...05, freguesia ... – doc. 2 da contestação 3ª Ré); prédio rústico, descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...32 da freguesia ..., e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...06, freguesia ... - doc. n.º 3 da contestação da 3ª Ré); prédio rústico, descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...33 da freguesia ..., e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...07, freguesia ..., cfr. doc. n.º 4 da contestação da 3ª Ré).
65) A 3ª Ré adquiriu a propriedade do 4254 e arrendou o 4253, pagando pontualmente as rendas devidas, apenas com o objetivo de implementação do projeto turístico, e todos os esforços encetados tiveram em vista esse desiderato, desconhecendo qualquer dívida do Grupo B... e do 1º Réu para com a Banco 2... ou qualquer outro Banco.
*
DA IMPUGNAÇÂO DA MATÈRIA DE FACTO
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”
Por sua vez, quanto à especificação dos meios probatórios, decorre do nº 2 al. a) deste preceito legal que «Quando os meios probatórios invocados (…) tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.
Do nº2, al. b), deste preceito, decorre que “Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes”.
Quer isto dizer que ao recorrente não basta fazer uma impugnação genérica da matéria de facto, com remissão para meios de prova igualmente genéricos e sem os delimitar em relação a cada facto. As exigências contidas neste preceito impõem que “esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respectivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos”[1], uma vez que a relação está, por um lado, delimitada pela concreta impugnação fáctica, não podendo conhecer oficiosamente dos demais pontos de facto, excepto em caso de violação das regras de direito probatório material ou quando se verifiquem as circunstâncias previstas no artº 662, nº1 do C.P.C., por outro lado pelos meios de prova indicados pelo recorrente e, eventualmente, pelo recorrido, sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa que cabem a este tribunal quando verifique existirem no processo outros meios de prova que contrariem os indicados.
No entanto, as exigências contidas neste preceito, que obstam a uma impugnação genérica e não motivada da matéria de facto, não impedem que o recorrente, desde que cumpridos estes ónus, impugne qualquer um dos pontos de facto ou até impugne em conjunto vários factos sobre a mesma matéria.
Com efeito, conforme se refere em Ac. do STJ 16/12/20 [2], do disposto no artº 640 do C.P.C. resulta a imposição de dois ónus ao recorrente que pretenda impugnar a matéria de facto: “- um ónus principal, consistente na delimitação do objecto da impugnação (indicação dos pontos de facto que considera incorrectamente julgados) e na fundamentação desse erro (com indicação dos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação que impunham decisão diversa e o sentido dessa decisão) – art. 640.º, n.º 1, do CPC; e - um ónus secundário, consistente na indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados – art. 640.º, n.º 2, al. a), do CPC.
Mais refere o aludido aresto que “Este ónus secundário não visa propriamente fundamentar e delimitar o recurso, mas sim facilitar o trabalho da Relação no acesso aos meios de prova achados relevantes.” pelo que, deve a relação proceder à apreciação da impugnação quando, “apesar da indicação do recorrente não ser, porventura, totalmente exacta e precisa, não exista dificuldade relevantes na localização pelo tribunal dos excertos de gravação em que a parte se haja fundado para demonstrar o invocado erro de julgamento – como ocorre nos casos em que, para além de o apelante referenciar, em função do conteúdo da acta, os momentos temporais em que foi prestado o depoimento, tal indicação é complementada com a indicação do início e termo dos depoimentos, com a indicação do início das passagens dos depoimentos com a referência ao tempo de gravação e ainda com a transcrição de excertos desses depoimentos.”
No mesmo sentido veio o Ac. do STJ de 29/02/2024[3], defender que “enquanto a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº 1, alíneas a), b) e c) do referido artigo 640º implica a imediata rejeição do recurso, já quanto à falta ou imprecisão da indicação das passagens da gravação dos depoimentos a que alude o nº 2 do mesmo artigo, tal sanção só se justifica nos casos em que essa omissão ou inexatidão dificulte, gravemente o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame pelo tribunal de recurso.”
Assim sendo, só se justifica a rejeição do recurso quanto à matéria de facto quando “(i) falte nas conclusões a referência à impugnação da decisão sobre a matéria de facto (arts. 635.º, n.os 2 e 4, 639.º, n.º 1, 641.º, n.º 2, al. b), do CPC); (ii) quando falte nas conclusões, pelo menos, a menção aos «concretos pontos de facto» que se considerem incorrectamente julgados (art. 640.º, n.º 1, al. a)), sendo de admitir que as restantes exigências das als. b) e c) do art. 640.º, n.º 1, em articulação com o respectivo n.º 2, sejam cumpridas no corpo das alegações.”[4]
O disposto no artº 640 do C.P.C. também não obsta a que este tribunal de recurso, examinando os meios de prova produzidos, chegue a uma convicção diversa do tribunal de primeira instância. Na verdade, no que toca à possibilidade e limites da reapreciação da matéria de facto, do disposto no artº 640 nº2 al b) e 662 do C.P.C. resulta assegurado aos recorrentes um duplo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, impondo-se ao tribunal de recurso a alteração da matéria de facto se a decisão proferida pelo tribunal recorrido tenha violado as regras de ciência, razoabilidade e experiência, contidos no princípio da livre apreciação da prova pelo julgador, previsto no artº 607 nº 5 do C. P. Civil, ou se verificar que foram violadas regras de direito probatório material ou se a prova produzida, os factos tidos como assentes ou um documento superveniente, impuserem decisão diversa.
Conforme acertadamente refere Miguel Teixeira de Sousa[5], o princípio da livre apreciação da prova “baseia-se na prudente convicção do Tribunal sobre a prova produzida (art.º 655.º, n.º1), ou seja, as regras da ciência e do raciocínio e em máximas da experiência”, não sendo lícito a fixação de factos que não assentem nestas regras. É, no entanto, certo, que este tribunal já não beneficia dos princípios da oralidade e da mediação de que beneficiou o tribunal de primeira instância, pelo que como bem salienta Ana Luísa Geraldes[6], a apreciação deste tribunal tem de ter em conta a ausência destes princípios, pelo que, “(e)m caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova”.
Volvendo à concreta impugnação da matéria de facto e iniciando o nosso julgamento pelos factos que o R. AA impugna, alega este que os factos 1 a 29, foram incorrectamente julgados, devendo ser dados como provados e, ainda serem aditados os seguintes factos:
“i. Nenhum dos avalistas/accionistas das sociedades do Grupo B... interveio no processo negocial tendente à formalização do Acordo Quadro e dos contratos de financiamento subsequentes, tendo tal sido processo conduzido exclusivamente pela Comissão Executiva do Grupo, atendendo a que o afastamento dos accionistas/avalistas (incluindo o 1.º Réu) foi uma condição imposta pelos bancos para aceitar renegociar a dívida das sociedades do Grupo, aquando da celebração do Acordo-Quadro em 2013;
ii. As condições da reestruturação (vertidas no Acordo-Quadro e nos contratos de financiamento formalizados subsequentemente, que se tratam de documentos complexos do ponto de vista técnico e atendendo à sua extensão) foram as que foram previamente definidas pelos Bancos, clausuladas por parte do Escritório de Advogados (E...) que assessorou o sindicato bancário, agindo em representação e no interesse dos Bancos (pese embora os respectivos honorários tenham sido imputados às sociedades do Grupo, como mais uma condição imposta no âmbito da reestruturação), sociedade essa que elaborou o respectivo clausulado susceptível de ser aceite pela parte contrária;
iii. As sociedades do Grupo (e o 1.º Réu) não tiveram acesso, com antecedência, à versão definitiva dos contratos em causa, tratando-se de documentação contratual muito complexa, com centenas de páginas, dificilmente perceptível e compreendida pelo cidadão comum, o que implicou largas horas para a respectiva formalização, tendo tal clausulado sido alterado durante a assinatura dos contratos, o que obviamente inviabilizou qualquer leitura atenta do mesmo, e o surgimento de qualquer esclarecimento pudesse ser suscitado pelos subscritores do Acordo.”
Para o efeito, alega que o tribunal conferiu uma indevida credibilidade à testemunha DD, uma vez que esta é funcionária da A. e, por essa via, com interesse na causa, depôs socorrendo-se de notas escritas, não sendo o seu depoimento credível, pretendendo, no entanto, aproveitar-se de parte deste depoimento no qual refere que as negociações não foram conduzidas directamente com o R. avalista, que era um contrato muito complexo, o que foi confirmado também pela testemunha EE, igualmente funcionária da A. e, nessa medida, não facilmente compreensível pelos accionistas.
Destas parcelas dos depoimentos acima referidos em conjunto com o depoimento da “única testemunha ouvida em juízo que acompanhou todo o processo negocial (desde a negociação que culminou com a celebração do Acordo-Quadro em 2013 até à presente data) (…) CC (CEO do Grupo C... em exercício de funções).”, bem como do seu depoimento de parte e da R. BB, entende que foi feita a prova de que não teve conhecimento, nem intervenção directa na elaboração destes contratos, que as clausulas não lhe foram explicadas, nem previamente negociadas com as sociedade do “Grupo B...”, ou com qualquer dos seus accionistas, mas antes unilateralmente impostas pelo Banco e aceites sem negociação, com o fim de permitir a restruturação.
O tribunal recorrido fixou a seguinte convicção quanto a estes factos:
“De facto, o Acordo Quadro reflete o acordo de reestruturação financeira alcançado em setembro de 2013 entre as diversas sociedades do Grupo B... (Grupo C...), designadamente a M... e a B... SGPS;SA (esta representada pelo 1º Réu) e os seus avalistas, entre os quais o 1º Réu, e os seus maiores financiadores – a Banco 2... (Autora), a Y..., SA, o Banco 3... e o Banco 4..., e traduz o resultado de longos meses de negociações, atenta a complexidade do seu objeto e os valores significativos em causa.
De igual modo, os demais contratos celebrados em 2013 implementam os termos e condições de reestruturação financeira estabelecida no Acordo Quadro, regulando em concreto as novas condições de reembolso por parte dos mutuários e as garantias prestadas (no caso concreto, a livrança em branco e as condições do respetivo preenchimento).
Relativamente à Reestruturação dos Financiamentos das Sociedades Holding, as “Sociedades do Grupo B...” e os “Acionistas” confessaram-se devedores à Autora da quantia de € 57.621.782,81, referente à dívida da M... SGPS, S.A., e da quantia de € 25.197.080,90, referente à dívida da B... SGPS, S.A. – vide cláusula sexta do Acordo Quadro e do Mapa de Financiamentos (Anexo I) – facto 16.
As Partes do Acordo Quadro acordaram adaptar os contratos de financiamento existentes das Sociedades Holding ao clausulado estipulado no Acordo Quadro – vide cláusula 6.2. – facto 17.
Ficou ainda estipulado, na cláusula 6.5, que:
(…) 6.5. Adicionalmente, cada uma das Sociedades Holding, na presente data, subscreve uma livrança em branco e entrega aos Bancos e ao BESI, por cada uma das facilidades de crédito, a favor de cada um dos Bancos e do BESI, devidamente avalizada pelos Acionistas, para garantia das respetivas dívidas estruturadas ou para garantia dos financiamentos substituídos que venham a ser concedidos ao abrigo do ponto (ii) da cláusula 6.2, pelo montante total da dívida reestruturada por cada Banco e pelo BESI, nos termos e condições estabelecidos no pacto de preenchimento, que constitui o Anexo 14, cujas cópias se juntam como Anexo 15 ao presente Acordo Quadro, obrigando-se os Bancos e o BESI a proceder à devolução ou distrate das anteriores livranças emitidas para garantia da Dívida Bancária das Sociedades Holding no momento em que o Documento Financeiro relevante seja alterado pelas Partes, ou que os eventuais novos financiamentos estejam formalizados, o que deve ocorrer no prazo referido na cláusula 6.2 supra. (…)”.
O Pacto de Preenchimento (vide citada cláusula 6.5) foi celebrado entre a Banco 2..., por um lado, e as devedoras e os avalistas, por outro, no mesmo dia em que se celebrou o acordo Quadro (06.09.2013).
Na mesma data, foi subscrita pela M..., representada pelo 1º Réu e outro, e avalizada também pelo 1º Réu, a livrança (ainda em branco) que depois de devidamente preenchida é dada à execução.
Os demais contratos foram subscritos nos termos e condições definidas naquele Acordo Quadro, constando expressamente da cláusula 15ª que (a devedora já entregara uma livrança) dos contratos juntos como docs. 9,12,14 e 16 com a pet. incial.
Constando da cl. 16º daqueles contratos que:
“Os Avalistas declaram que têm perfeito e integral conhecimento dos termos e condições do Acordo Quadro e dos seus Anexos e que a sua subscrição, em caso algum, importa a sua desoneração do cumprimento das obrigações que para si resultam dos avales prestados aquando da celebração do contrato, manifestando a sua concordância relativamente ao teor da presente alteração contratual”.
A mesma cláusula consta dos docs. 18 e 20 (cl. 13ª) e doc. 23 (cl. 17ª).
Nenhum dos contratos em análise se coaduna com a instantaneidade dos contratos de adesão, cuja base está pré-concebida e é aplicável a diversos negócios similares entre si; são o produto de diversas negociações, cujo contexto traduz o detalhe do caso concerto.
Para além do período em que perduraram as negociações, todas as partes – financiadores/credores, financiados/devedores e acionistas – foram devidamente assessoradas nas várias reuniões ocorridas, trocaram correspondência, fizeram anotações, comentários, discutiram todos os aspetos a verter no respetivo texto, partindo do caso concreto, para finalmente chegarem à versão final.
Pelo que, atentas as circunstâncias em que os contratos foram discutidos, negociados e firmados pelos seus intervenientes, não podem subsistir dúvidas de que quaisquer esclarecimentos que o 1º Réu ou os seus mandatários estimassem necessários sobre o teor de qualquer das suas cláusulas contratuais seriam imediatamente prestados e clarificados o seu alcance.
Não constando dos autos que tenha sido efetuado qualquer pedido de esclarecimento ou explicação, justamente por ser desnecessário, visto que as obrigações assumidas eram conhecidas do 1º Réu e o teor destes documentos foi exaustivamente debatido entre as partes e os seus mandatários.
Efetivamente, atento o contexto em que estes contratos foram celebrados, bem como a abundante troca de correspondência e discussão acerca do seu teor, não pode o 1º Réu alegar que, aquando da assinatura daqueles documentos, não estava esclarecido sobre o teor ou os seus efeitos jurídicos.
Nem pode imputar tal desconhecimento à Autora alegando-se a falta de cumprimento de deveres de comunicação e informação.
Desde logo, o 1º Réu assinou os contratos em causa.
As sociedades do Grupo B... e os seus acionistas, designadamente o 1º Réu (que interveio nos contratos em causa não apenas como avalista, mas também como representante legal da M... e de outra sociedade do Grupo), TT e SS não são pessoas inexperientes neste tipo de atos e de transações, tendo vasta experiência na celebração de contratos de financiamento, acordos de reestruturação e de pagamento e na prestação de garantias associadas.
Ou seja, são pessoas experientes e conhecedoras destas operações, com capacidade e conhecimentos técnicos para perceberem todo o seu sentido e alcance, não fosse acionista e garante de sociedades que integram à data um dos maiores grupos empresariais do país.
Disposições contratuais como a que consta da Cláusula 6.ª do Acordo Quadro, onde se prevê a reestruturação dos financiamentos existentes das sociedades holding do Grupo, bem como a subscrição e aval de livranças em branco, a preencher nos termos do Pacto de Preenchimento, cuja minuta se encontrava anexa (e cujo texto foi objeto de comentários e exigências do Grupo B..., que foram acolhidos); ou as das Cláusulas 20.ª e 21.ª do Acordo Quadro que dispõem sobre a mora, capitalização e sanação e sobre o vencimento antecipado e a resolução, são cláusulas usuais neste tipo de negócios jurídicos e típicas de contratos de financiamento ou de reestruturação.
Tal é o caso, em particular, de disposições como a de que o não pagamento pontual de qualquer obrigação pecuniária estipulada entre as partes – por exemplo, a do pagamento de juros devidos – permitiria aos Bancos (incluindo a Banco 2...) a resolução e/ou a declaração do vencimento antecipado da dívida, consequência que, além de estar expressamente prevista na Cláusula 21.ª do Acordo Quadro decorreria sempre da aplicação do regime geral previsto na Lei, de acordo com o disposto no artigo 781.º do Código Civil21.
Ou a faculdade de os Bancos individualmente exigirem o cumprimento do seu crédito, consubstanciado no financiamento reestruturado que foi celebrado com cada Banco, no seguimento e de acordo com o disposto no Acordo Quadro, onde se encontram genericamente designados por “...”.
Também as Cláusulas 15.º e 16.º dos contratos celebrados em dezembro de 2013 e juntos como Docs. 9, 12, 14 e 16 da petição inicial, que dão conta de que, aquando da celebração do Acordo Quadro, fora já entregue à Banco 2... uma livrança em branco, subscrita pela M..., nesse ato representada pelo Primeiro Réu e outro, e avalizada pelos seus acionistas, entre os quais o Primeiro Réu, e de que os avalistas estavam perfeitamente cientes do que ficou então estabelecido e que a subscrição do Acordo Quadro não importa a sua desoneração das obrigações que para si resultam dos avales prestados, além de autoexplicativas, são consistentes com todo o quadro obrigacional negociado entre as partes e depois firmado no Acordo Quadro.
Não podendo assim o 1º Réu não podia desconhecer que a Banco 2... pudesse preencher a livrança em branco e apresentá-la à execução.
Da mesma forma, em relação ao Pacto de Preenchimento, não é sustentável dizer-se que o 1º Réu ignorava que a Banco 2... pudesse preencher e dar à execução a livrança que subscreveu em branco sem a co intervenção dos demais Bancos, com a totalidade do capital mutuado acrescido de juros e impostos. Desde logo porque além das negociações intensas travadas a respeito das obrigações que constariam de todos estes elementos contratuais previstos no Acordo Quadro, houve correspondência específica entre as partes sobre o texto do Pacto de Preenchimento.
Depois porque as livranças subscritas e avalizadas em branco foram emitidas individualmente por cada Banco, e, portanto, emitidas a favor de cada um dos Bancos emissores, conforme resulta das cópias de todas as livranças entregues nessa data, que constam do Anexo 15 ao Acordo Quadro.
E, finalmente, porque o n.º 5 da Cláusula 20.ª do Acordo Quadro, cujo conhecimento o Primeiro Réu não põe em causa, expressamente adverte que: “Caso alguma das Sociedades do Grupo B... se encontre em incumprimento de qualquer uma das Obrigações assumidas no Acordo Quadro, poderão os Bancos (…), isoladamente, declarar o vencimento antecipado e/ou a resolução do Acordo Quadro, e, em consequência:
a) Considerar a dívida das Sociedades do Grupo B... imediatamente vencida, com a consequente exigibilidade do pagamento do montante global que estiver em dívida;
b) Demandar judicialmente as Sociedades do Grupo B...;
c) Executar as garantias prestadas, nos termos do Acordo Quadro.
Logo não é verosímil dizer-se que o 1º Réu ignorava que o preenchimento de cada livrança exigiria a intervenção de todos os Bancos.
Por outra via, a Autora deu conhecimento do teor dos contratos às sociedades do Grupo B... e aos seus acionistas, discutindo e debatendo as suas cláusulas, no âmbito das negociações desenvolvidas entre as partes e os respetivos mandatários.
Até porque o 1º Réu, enquanto um dos destinatários dessa proposta contratual, dispunha de experiência e conhecimentos bastantes para a compreender em pleno, por si só e/ou com a assessoria dos seus mandatários, podendo ainda solicitar todos os esclarecimentos que entendesse pertinentes a qualquer momento da negociação.”
Ouvida a totalidade dos depoimentos prestados e examinada a prova documental junta como docs. 7 a 24 à petição inicial, concorda-se inteiramente com a convicção expressa pelo tribunal.
Em primeiro lugar, não vemos razões para afastar a credibilidade das testemunhas DD e EE, apenas por serem funcionárias do Banco A., sendo certo que ambas participaram nas negociações, que as houve e extensas, conforme referiu a testemunha DD, prolongando-se por meses, com elaboração de 12/13 fichas técnicas antes de finalmente se chegar a um consenso, sendo as sociedades deste “Grupo B...” e os accionistas representados por Advogados internos e ainda pela sociedade de Advogados OO. Acresce que, ainda de acordo com o depoimento destas testemunhas, em especial da testemunha MM, foram sendo apresentados várias alterações pelas empresas e accionistas, nomeadamente substituição dos avais por fiança (o que não foi aceite) e retirada dos cônjuges dos accionistas da obrigação de prestar aval (esta aceite), andando posteriormente, segundo esta testemunha “o contrato cá e lá”, entre as sociedades de advogados, para discussão do teor e redacção das suas clausulas.
Estes depoimentos afiguraram-se credíveis, apesar da relação funcional das testemunhas com a A. - que é diversa de terem interesse directo no desfecho da demanda - não sendo a credibilidade da 1ª testemunha posta em causa pelo consultar de notas por si elaboradas, de apoio, tendo em conta a extensão e pormenor da inquirição (que incidiu sobre estes contratos, montante dos financiamentos, datas, garantias ) e atento o número de anos já decorrido, afigurando-se impossível que qualquer testemunha, sem suporte documental, se pudesse lembrar de valores, datas e garantias específicas. Aliás, a possibilidade de consulta de apontamentos de datas ou de factos é expressamente permitida por via do disposto no artº 461, n.º 2, ex vi do n.º 7 do artº 516, ambos do CPC, precisamente tendo em vista estes casos, em que o depoimento visa sobre factos extensos, dilatados no tempo e complexos.
Estes depoimentos são ainda apoiados pela prova documental (o contrato quadro e os demais contratos celebrados na sequência deste e as livranças e pactos de preenchimento juntos aos autos com a p.i.) e pelo teor de uma declaração subscrita pelos accionistas e avalistas (no contrato quadro) na qual se refere que “Os Avalistas declaram que têm perfeito e integral conhecimento dos termos e condições do Acordo Quadro e dos seus Anexos e que a sua subscrição, em caso algum, importa a sua desoneração do cumprimento das obrigações que para si resultam dos avales prestados aquando da celebração do contrato, manifestando a sua concordância relativamente ao teor da presente alteração contratual”. Esta declaração, que não foi posta em causa pelo recorrente, demonstra que este tinha perfeito conhecimento de todas as clausulas do Acordo-Quadro que aliás se destinou a restruturar dívida já existente, conforme referiu a testemunha DD.
Acresce o facto de estes avalistas/accionistas, serem todos pessoas com vasta experiência empresarial, terem já subscrito contratos anteriores com as instituições bancárias, e estado presente na assinatura do contrato, não tendo em momento algum questionado qualquer destas clausulas, sequer os avais prestados e objeto de negociação com os Bancos.
As declarações da testemunha CC não afastam esta realidade, antes tentaram perpassar a ideia de inferioridade (negocial) das empresas cuja restruturação se intentava, ou seja, que apesar de existir um processo negocial demorado, estes (os Bancos) na realidade não cediam a qualquer pretensão deste grupo em causa. Em relação ao 1º R., afirmou que os accionistas foram afastados da gestão executiva da empresa, realidade muito diferente de estes, em concreto o 1º R., nada saberem sobre as garantias que iam subscrever, que é o que aqui está em causa, pois que o que o 1º R. pretende por via desta impugnação, é eliminar as clausulas respeitantes aos avais por si prestados e os respectivos pactos de preenchimento das livranças.
As declarações desta testemunha afiguram-se incongruentes e contra todas as máximas de experiência e de senso comum, tendo em conta que o 1º R. era acionista, com vastíssima experiencia profissional e avalizou as obrigações da mutuária em centenas de milhões de euros, conforme já tinha avalizado anteriormente outras obrigações conforme resultou do depoimento da testemunha DD.
Os depoimentos de parte dos RR., peticionados com vista à confissão de factos indicados pelo A. e efectivamente confessórios na parte reduzida a assentada (nos termos do artº 463 do C.P.C.), não afastam a conclusão a que o tribunal chegou. Podendo o tribunal valorar as declarações prestadas na parte não confessória, de acordo com o princípio da livre valoração da prova, há que atentar a que os RR. têm notório interesse na causa e que os factos acima referidos assentaram essencialmente em prova documental, na prova testemunhal prestada e acima referida e em regras de experiencia e senso comuns.
Improcede a pretensão do 1º R. quanto a estes factos.
Pretende ainda este R. a reapreciação dos factos provados nºs 5 e 76 a 80 da lista de factos provados (que deverão ser dados como não provados, sendo alterada a redacção do ponto 5) e factos 48 a 65 da lista de factos não provados (os quais deverão ser considerados como provados), bem como o aditamento de um ponto de facto com a seguinte redacção:
“Os bens imóveis referidos em 57) e 58) dos factos provados, sendo bens próprios do 1.º Réu (cfr. facto provado n.º 58), integravam benfeitorias realizadas na constância do matrimónio entre 1.º Réu e 2.ª Ré”
Para o efeito, indica o seu depoimento de parte e da R. BB, bem como o depoimento da testemunha FF, irmã da R., o teor da escritura de partilhas celebrada na sequência do divórcio entre os RR. (doc. 7), da qual, segundo o R., resulta que os actos que aqui se pretendem ver declarados ineficazes, foram praticados na sequência dessa escritura, outorgada antes do preenchimento da livrança e do conhecimento pelo 1º R. da dívida (invocando ainda o depoimento das testemunhas da A. DD e HH), alegando erro na apreciação da prova por parte do tribunal recorrido, tendo em conta que da escritura de partilha e da escritura de 30 de Outubro de 2020 (doc. 63), resulta que o 1º R. recebeu em partilhas património avultado, não tendo a A. cumprido com o ónus de prova que lhe cabia destes factos.
Em relação aos factos 5 e 76 a 80 acima impugnados, o tribunal a quo, formulou a seguinte convicção: “Estes factos resultaram apurados, com segurança, com base na prova produzida, conjugando os elementos documentais infra destacados com os depoimentos de parte dos 1º e 2ºRéus ouvidos em audiência de julgamento, nos termos infra expostos:
O 1º Réu, AA, ouvido em depoimento de parte, confirma que em 2013 assinou os contratos referentes ao processo de restruturação do Grupo B..., referindo que em 2010 deixou de ter qualquer cargo executivo no Grupo B... e que a partir daí todos os negócios referentes a tal processo quer com a Banco 2... quer com quaisquer outros Bancos foram tratados pelo CEO do Grupo, que depois assinava.
Quanto ao Acordo Quadro de setembro 2013, foi-lhe transmitido que perante um movimento de reestruturação do Grupo era necessário proceder a um conjunto de documentos para serem assinados, que tinham como objetivo a viabilidade do Grupo, e que lhe davam a assinar sem discussão.
Que lhe diziam que se não assinasse não havia qualquer reestruturação e que até 2028 havia tempo para o Grupo se regenerar e, por isso, sempre confiando, assinou os referidos contratos.
Que o negócio de compra e venda com as 2ª e 3ª Rés tinha como objetivo a implementação de um projeto turístico, que se tivesse corrido bem seria um negócio sustentável, razão pela qual foi crida a 3ª Ré, para quem os ativos emigraram, e que com o tempo seria pago.
Todo o processo de partilha dos bens, e datas de concretização, foram efetuados por acordo com a 2ªa Ré em face das exigências por esta impostas.
A partir de 2015 centrou a sua defesa no âmbito do Processo denominado “Marquês” no qual foi detido, confiando nas informações que recebia do CEO e que tudo estava a ser resolvido.
A 2ª Ré, BB, também ouvida em depoimento de parte, quanto à celebração do Acordo Quadro em setembro 2013, diz que a dada altura o 1º Réu lhe disse que tinha de ir a ... para assinar uns papéis, e que tal processo de assinatura durou várias horas tendo assinado outros documentos também em dezembro desse ano.
Assinou vários documentos, durante várias horas, os quais não negociou nem tem conhecimento do seu teor; na ocasião perguntou ao advogado do Grupo, o Dr. UU, o que é que estava ali a fazer e este transmitiu-lhe que a empresa estava a negociar com os Bancos com os quais trabalhava para que pudesse haver a reestruturação e que as empresa do Grupo iam ter muitos anos para pagar.
Que depois do divórcio continuou a gerir as empresas “U...” e a lavandaria, sem qualquer interferência com as empresas do Grupo B....
Ambos (1º e 2º Réus) admitiram que continuaram a residir na mesma morada, em pisos separados, nenhum pondo em causa a proximidade estabelecida em termos profissionais aquando da constituição das sociedades indicadas.
Apesar de todos esforços, no decurso da prestação dos seus depoimentos em audiência, no sentido de convencer o tribunal de que com a disposição dos imóveis 4253 e 4254 que empreenderam, juntamente com a 3ª Ré, nunca quiseram prejudicar a credora Autora, e que jamais tiveram o propósito de proteção do património do 1º Réu por parte de todos os Réus (considerando-se, quanto à 3ª Ré, a sua composição estatutária), o tribunal disso não se persuadiu em face do contexto objetivo dos documentos que titulam as transmissões, revelados pela cronologia dos atos de transmissão e os valores neles atribuídos aos respetivos prédios.
O 1º Réu e a 2ª Ré dissolveram o seu casamento no dia ../../2016, quatro meses após a verificação de incumprimento generalizado das obrigações por parte das mutuárias, e, à data da escritura (13/01/2017), apesar de divorciados, nada obstou a que o 1º vendesse à 2ª Ré, sua ex-mulher, o usufruto vitalício do 4254, onde ambos residiam.
Também a sociedade A..., S.A., foi constituída no dia 12 de setembro de 2016, pelo 1º Réu, pela 2ª Ré e pelas suas filhas, ou seja, apenas dois meses após o incumprimento generalizado das obrigações financeiras das mutuárias perante a Autora e dois meses antes da dissolução do casamento existente entre o 1º Réu e a 2ª Ré.
Logo quatro meses após a constituição da sociedade A..., S.A., o 1º Réu vendeu a esta sociedade a nua propriedade do 4254, em condições que lhe são muito prejudiciais, quer pelo preço, que não tem correspondência com o valor de mercado do imóvel, quer pelas condições de pagamento, que também não se coadunam com a prática comercial comum.
Só no dia 30 de outubro de 2020, ou seja, quatro anos depois, procederam à partilha do património imobiliário comum, e poucos dias depois da carta datada de 22 de outubro de 2020, na qual a Autora comunicou o vencimento antecipado da dívida, informando que recorreria às instâncias judiciais para cobrança do crédito se não fosse pago no máximo de 10 dias.
A transmissão do imóvel ...54, onde residiam os 1º e 2º Réus, sito na Quinta ..., Rua ..., é um prédio urbano composto por casa de cave para arrumos, rés-do-chão e ... andar para habitação, dependência para garagem, edifício anexo com 3 pisos, subcave, cave e rés-do-chão e logradouro, com uma área total de 3240 m2, sendo a área coberta de 960,05m2, descrito na ... Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º ...54 da freguesia ... (doc. 67 do processo principal);
Após o divórcio, no dia 13 de janeiro de 2017, por escritura de transmissão do usufruto e de compra e venda, ou seja, cerca de quatro meses após o incumprimento generalizado dos contratos assinados aquando do processo de reestruturação de setembro de 2013, o 1º Réu vendeu o direito de usufruto vitalício à 2ª Ré, pelo valor de € 148.752,00 (doc. 68), e no mesmo ato procedeu à venda da nua propriedade do referido imóvel à sociedade A..., S.A. (sociedade da família constituída quatro meses antes) pelo valor de € 223.128,00 (doc. 68 do processo principal).
O referido imóvel tinha, à data um valor de mercado de 1.309.000,00€ e atualmente de 1.816.000,00€. E foi justamente o direito de crédito sobre a A..., S.A., no valor de € 223.128,00, relativo ao preço devido pela venda da nua propriedade deste imóvel, que o 1º Réu cedeu à 2ª Ré para pagamento parcial das tornas a que havia lugar, apesar de a forma de pagamento estabelecida naquele documento prever a sua liquidação em 12 prestações trimestrais a partir de 31 de março de 2019.
Logo, não é crível que neste ato que teve por objeto a venda da sua casa de habitação (na qual continuaram a viver os 1º e 2º Réus), houvesse outro propósito que não o de dissipar património, protegendo-o dos credores, entre os quais a Autora Banco 2..., cujos contratos de financiamento celebrados com as mutuárias e avalizados pelo 1º Réu tinham entrado em incumprimento meses antes.
A transmissão do direito de usufruto do 4254 para a 2ª Ré e da nua propriedade para a 3ª Ré teve como efeito imediato a diminuição do património do 1º Réu, que assim sofreu um decréscimo do ativo em montante correspondente, pelo menos, ao valor patrimonial atribuído ao Imóvel – € 371.880,00. Porém, se considerarmos o valor de mercado atual do imóvel, o decréscimo do património do 1º Réu rondava, naquela data, os referidos 1.309.000,00€ e atualmente 1.816.000,00€.
Ou seja, não seria compreensível qualquer outra intenção que não a do 1º Réu proteger o seu património, transferindo-o para a esfera jurídica de alguém muito próximo e da sua total confiança, a 2ª Ré, sua ex-mulher (continuando a viver na mesma casa que esta), e a 3ª Ré, sociedade cujo capital social é detido a 99,99% pelo 1º Réu e 2ª Ré e as duas filhas dos mesmos.
Igualmente revelador da intenção prosseguida, é o valor atribuído aos imóveis objeto da partilha na escritura de 20/10/2020.
Como decorre da escritura de 20/10/2020, o Primeiro Réu e a Segunda Ré procederam à partilha do património comum que era constituído por: 1) Um terço indiviso do prédio urbano, composto de parcela de terreno para construção, sito na Rua ..., Quinta ..., União de Freguesias ..., concelho ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...64 da freguesia ..., inscrito na matriz sob o artigo ...62, com o valor patrimonial tributário de € 58.550,61 predial urbana junta como doc. 60 do processo principal); 2) Um terço indiviso do prédio rústico, composto de pinhal com mato e terra de cultura com oliveiras, atravessado pelo caminho, sito em Quinta ..., União de Freguesias ..., concelho ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...42 da freguesia ..., inscrito na matriz sob o artigo ...43, com o valor patrimonial tributário de € 148,55 (cfr. caderneta predial urbana junta como doc. 61 do processo principal)).
O valor atribuído ao prédio ...53 pelos 1º e 2º Réus corresponde ao seu valor patrimonial tributário € 319.240,00, apurado em 2019 (cfr. caderneta predial urbana junta como doc. 64 no processo principal).
Naquela escritura, os Réus atribuíram o valor de € 700.000,00 a um terço indiviso do prédio ...64, que corresponde a um terreno para construção com uma área total de 18.400m2.
Na mesma escritura, os Réus atribuíram o valor de € 500.000,00 a um terço indiviso do prédio rústico ...42, que corresponde a um pinhal com mato e terra de cultura com oito oliveiras, com a área de 0,54 hectares, correspondente a 5400m2.
Como tal, o 1º Réu e a 2ª Ré atribuíram ao património comum que partilharam um valor de € 1.200.000,00, cabendo uma meação de € 600.000,00 a cada um dos mesmos.
Os dois imóveis foram adjudicados pelo 1º Réu, pelo que, em relação ao direito que tinha e como consequência do valor atribuído aos mesmos, recebeu a mais o montante de € 600.000,00 que teria de pagar à Segunda Ré a título de tornas.
Ora, o valor patrimonial tributário do prédio ...64, na sua totalidade, ascende a € 175.651,82, pelo que, aplicando uma regra de três simples, um terço do referido imóvel teria um valor patrimonial tributário de € 58.550,61 (cfr. caderneta predial urbana junta como doc. 65 no processo principal).
E o valor patrimonial tributário do prédio ...42, na sua totalidade, ascende a € 15,34, pelo que, aplicando a mesma regra de três simples, um terço do referido imóvel teria o valor patrimonial tributário de € 5,12 (cfr. caderneta predial urbana junta como doc. 66 no processo principal).
Para pagamento parcial das tornas, o 1º Réu deu em pagamento à 2ª Ré, o prédio urbano sito na Quinta ..., com uma área total de 8.150m2, sendo a área coberta 1.588,34m2, composto por edifício com 2 pisos e anexo para serviços e logradouro, descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...53 da freguesia ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...50 da freguesia ..., bem próprio do Primeiro Réu – cfr. doc. 62.
Na dação em pagamento, os Réus fizeram corresponder o valor atribuído ao valor patrimonial tributário, não podendo ignorar que tal prédio ...53, atenta a sua composição (prédio urbano com uma área total de 8.150m2, da qual a área de 1.588,34m2 é coberta, composto por edifício com 2 pisos e anexo para serviços e logradouro), tinha um valor de mercado muito superior, como se veio a constatar, de €1.289.000,00 em 30/10/2020.
Ou seja, reportando-nos ao valor patrimonial tributário indicado pelos Réus, o 1º Réu entregou em dação o prédio ...53 com o valor de € 319.240,00, para pagamento parcial das tornas devidas pela adjudicação de um terço indiviso de dois prédios que, conjuntamente, têm um valor patrimonial tributário total de € 58.555,73.
O 1º Réu estaria a pagar apenas o valor que estava a receber a mais na partilha dos bens, pelo que, em rigor, apenas teria que pagar tornas de metade do valor dos imóveis, que, por referência ao seu valor patrimonial tributário, corresponderia a € 29.277,87.
Por sua vez, o terço indiviso do imóvel descrito ...64 tinha, em 30/10/2020, para efeito de venda, um valor de mercado de 78.000,00€, e o terço indiviso do 2242 o valor de 23.000,00€, ou seja, ambos inferiores aos indicados na escritura (aos quais atribuíram, respetivamente, 700.000,00€ e 500.000,00€).
Sendo que os imóveis recebidos pelo Primeiro Réu no âmbito da partilha, têm um valor patrimonial tributário muito inferior ao imóvel entregue pelo Primeiro Réu.
É, pois, patente a preocupação do 1º Réu em proteger o património de valor mais elevado e mais facilmente penhorável, transferindo-o para a esfera jurídica de alguém muito próximo e da sua total confiança, a 2ª Ré, com a qual vive na mesma casa e de quem é sócio em, pelo menos, duas sociedades.
Ato que, como se referiu, foi praticado dentro do prazo concedido pela Banco 2... para pagamento do crédito devido, ou seja, dentro desse prazo, o 1º Réu apressou-se a transmitir o 4253, por dação em cumprimento, a favor da sua ex-mulher, em condições para si muito prejudiciais, não sendo razoável que o fizesse a não ser para salvaguardar o seu património, transmitindo-o para pessoas próximas.
Acrescem, neste desígnio, as restantes condições de pagamento acordadas: o montante de € 223.128,00 foi pago a título de tornas pelo 1º Réu à 2ª Ré através da cessão do crédito que aquele detinha sobre a sociedade A..., S.A., sendo esta sociedade, como se viu, detida a 99,99% pela família direta do 1º Réu, a sua ex-mulher (2ª Ré) e as duas filhas dos Réus; o remanescente do montante devido a título de tornas, no valor de € 57.632,00, seria pago pelo 1º Réu à 2ª Ré, de forma integral ou faseada, à escolha do devedor, até ao dia ../../.... de dois mil e trinta, isto é, de forma genérica e flexível.
Em face do contexto factual descrito não se pode dizer que quer os termos em que foi feita a dação em pagamento do prédio ...53, quer a compra e venda do usufruto e da nua propriedade do 4254 tivesse derivado de qualquer acordo prévio entre o 1º Réu e a 2ª Ré, visando compensar esta segunda pela adjudicação ao 1º, aquando do divórcio (a ../../2016), de bens de valor superior, que não ocorreu – veja-se a partilha junta como doc. 7 com a contestação do 1º Réu, efetuada logo no dia do divórcio e dos bens (quotas) aí adjudicados ao 1º Réu e respetivos valores, tornando evidente que tais transmissões tiveram como fito único a proteção do património do 1º Réu face aos seus credores.
Releva ainda, quanto ao 4253, que na escritura pública de partilha ficou ainda estabelecido que o pagamento do remanescente das tornas, no valor de € 280.760,00, seria parcialmente efetuado mediante a cessão de um crédito que o 1ºRéu detinha sobre a 3ª Ré, no valor de € 223.128,00; e foi esse crédito que o Primeiro Réu detinha sobre a Terceira Ré que correspondeu exatamente ao preço que esta teria de pagar àquele pela aquisição da nua propriedade do 4254 e que, de acordo com a Escritura, em 30 de outubro de 2020 não tinha sido sequer parcialmente pago, apesar de a primeira prestação se ter vencido em março de 2019.
Resulta de tudo quanto se referiu a evidente má fé dos Réus e a forma concertada como atuaram para satisfação dos interesses do 1º Réu em detrimento dos seus credores, nomeadamente da aqui Autora, transferindo património da esfera jurídica do 1º Réu, que respondia pelo crédito da Autora, para a 2ª e 3ª Rés.
Seria irrazoável e incompreensível que não houvesse consciência, por parte da 2º Ré e das pessoas que estatutariamente compõem a 3ª Ré, da existência de vários créditos concedidos ao Grupo B... pelos Bancos (factos que eram do domínio público), e que os mesmos não estavam pagos.
O facto 80:
Resulta apurado em face dos valores referidos, considerando ainda o teor da escritura de partilha de ../../2016 (junta como doc. 7 com a contestação do 1º Réu), efetuada logo no dia do divórcio e dos bens – quotas – aí adjudicados ao 1º Réu e respetivos valores, incumbindo a prova do facto contrário ao 1º Réu, que não fez.”
Quanto aos factos nos 48 a 65, fez consignar o seguinte: “Estes factos resultam excluídos por não se ajustarem ao iter negocial que ficou comprovado (factos 82 a 127).
Factos 53 a 65: Não ficaram demonstrados por não terem sido referidos de forma consistente por nenhuma testemunha (a testemunha II, secretária da Aa..., SA, limitou-se a referir que nunca contactou a 2ª Ré para assuntos da empresa, e a testemunha FF confirmou o divórcio dos Réus e as contrariedades pessoais vivenciadas pela 2ª Ré, sem que o seu testemunho se possa considerar absolutamente isento dadas as relações familiares existentes), nem pelos 1º e 2º Réus, nem se coadunam com a restante matéria dada como provada, referente às transmissões efetuadas, e a sua realização no tempo.
Não é crível que dadas as relações familiares e profissionais mantidas, nem a 2ª Ré, nem os sócios da 3ª Ré (ainda que esta última prosseguisse com o projeto pretendido), não estivessem cientes das dívidas e obrigações do 1º Réu, que não fossem conhecedoras do seu património, até pelos próprios preços negociados e a ausência de qualquer contraprestação efetiva.”
Este tribunal, examinada a prova produzida, chega à mesma convicção que a primeira instância. Com efeito, a argumentação do R. não obsta a que este tenha subscrito em 2013, o Contrato Quadro, o acordo escrito que designaram como “Alteração ao Contrato de Mútuo e Abertura de Crédito celebrado em 25 de julho de 2007", o “Contrato de Regularização de Créditos” e o “Contrato de Reestruturação de Crédito”, bem como que tenha subscrito livranças na qual deu o seu aval a estes contratos, bem sabendo das respectivas condições e das consequências do incumprimento das mutuárias, como aliás resulta dos factos provados 13 a 42. Como não obsta a que as mutuárias tenham entrado em incumprimento, conforme resulta dos factos provados nos 43 a 54.
Como resultou igualmente assente que o divórcio entre os RR. ocorreu após o incumprimento generalizado das mutuárias, que após o divórcio os RR. continuaram a residir na mesma casa, vindo a constituir empresas em comum (pontos 5 e 6), o que os mesmos reconhecerem em sede de depoimento de parte e foi levada a assentada, conforme resulta das respectivas actas. Pese embora em relação ao facto nº 5, ambos os depoentes tenham vindo afirmar que continuaram a residir na mesma morada mas em pisos diferentes (conforme assentada lavrada em 15/05/2024), a confissão abrange apenas a residência em comum, não tendo sido prestada prova credível de que, pese embora residirem na mesma casa, vivem em pisos separados. É ainda, esta alteração da redacção pretendida pelo recorrente, inútil para a sua pretensão (artº 130 do C.P.C.) ou para a boa decisão da causa, tendo em conta os demais factos: que pese embora este divórcio mantinham e constituíram empresas em comum, e que apesar das partilhas realizadas em 2016 que visaram apenas a partilha de acções, que o 1º R. alega serem já objecto de penhor, sendo assim perfeitamente irrelevante a quem fossem adjudicadas, vieram outorgar uma escritura em 13/01/2017, na qual o 1º R. declarou vender o usufruto vitalício do prédio ...54, à 2ª R. e a nua propriedade à 3ª R., por preços que não correspondiam ao valor real dos imóveis à data, mais se consignando que a sociedade 3ª R. podia proceder ao pagamento do preço em prestações trimestrais sucessivas que se venceriam apenas a partir de Março de 2019; que apesar do declarado, não existiu qualquer efectiva contrapartida monetária pelas transmissões, continuando o 1º R. a habitar um imóvel, alegadamente alienado a terceiros; que em 30 de Outubro de 2020, poucos dias depois da carta datada de 22 de Outubro de 2020, na qual a Autora comunicou o vencimento antecipado da dívida, informando que recorreria às instâncias judiciais para cobrança do crédito se não fosse pago no máximo de 10 dias (e após a comunicação remetida em 29 de Setembro de 2020 informando o incumprimento das mutuárias), o 1º R. e a 2ª R. procederam a uma partilha por divórcio (quatro anos após o divórcio e a partilha inicial), dação em pagamento e penhor (pontos 69 a 73) que, como bem refere o tribunal a quo, pelas condições de valor atribuído aos imóveis, muito inferior ao real, às tornas (cujo valor não corresponde também ao real), à dação em pagamento com bens próprios do 1º R,. a que foi atribuído um valor muito inferior ao real e ao modo de pagamento do alegado remanescente de tornas, se destinava apenas a retirar património do 1º R. e a transferi-lo para a titularidade de terceiros, por forma a retirá-lo do património garantido e em prejuízo dos credores.
Os docs. 7 (junto com a contestação do R.) e 63 (junto com a p.i.) não permitem outra conclusão que não aquela a que chegou o tribunal recorrido, sendo certo que o valor dos imóveis (1/3) atribuído ao 1º R. constantes dos pontos 74 e 75, não obstam a esta conclusão. Para pagamento parcial (e não total) das tornas devidas (no montante de €319.240) o 1º R. deu em pagamento um imóvel cujo valor era muito superior (mais do dobro) ao total das supostas tornas.
Ora, a formação de uma prudente convicção que se exige ao tribunal, tem de ser suportada numa lógica racional, segundo juízos de probabilidade séria, baseada no resultado da prova apreciado à luz das regras da experiência comum e atentas as particularidades de cada caso, tendo em conta que a exigência relativamente à prova deve variar em função dos bens ou direitos que se encontram em jogo. Nestes termos, o standard de prova deve ser tão mais exigente quanto maior for a improbabilidade do evento alegado. Assim, quando na presença de factos constitutivos do direito alegado cuja prova é por regra difícil (Probatio diabólica) de obter, não deve o julgador - no âmbito da sua valoração/apreciação - utilizar um grau de exigência ao nível da generalidade dos demais casos, antes deve ajustar o standard de prova para um nível de exigência mais leve/baixo. [7]
Assim, a consciência do prejuízo que o acto cause ao devedor, conforme refere certeiramente Pires de Sousa[8], constituindo “uma conclusão a extrair dos factos que a patenteiam, respeitando à descoberta da real intenção ou estado de espírito das partes ao emitir a declaração negocial”, cujo ónus, por se tratar de matéria de facto, constitutiva do direito, cabe ao autor, “não é, em regra, susceptível de prova directa mas sim de prova tradicionalmente classificada como indirecta. Neste âmbito as presunções judiciais, assumem um protagonismo determinante permitindo alcançar a prova da má fé.”
Ainda em recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/07/2022[9], se fez consignar no sumário a possibilidade de recurso a presunções judiciais:
“IX-Movendo-se a má fé numa área que têm a ver com factos de foro interno ou de natureza psicológica, cuja prova se mostra, normalmente, difícil, por não serem, por via de regra, passíveis de demonstração direta, essa dificuldade de prova costuma frequentemente ser ultrapassada através do recurso a circunstâncias e comportamentos exteriores que, à luz da experiência comum, indiciem condutas e atitudes, de índole cognitiva, afetiva ou volitiva, dos agentes visados. Ou seja, e por outras palavras, a prova de tais factos do foro psicológico é habitualmente conseguida por via do recurso às regras da experiência comum de vida, partindo de elementos (factuais) indiciários que, segundo essa experiência comum, permitem depois induzir a ocorrência dos mesmos (vg. em termos do seu conhecimento/representação pelo agente).
X - E daí que seja frequente o recurso a presunções naturais ou judiciais para provar a má fé dos agentes (vg. do devedor e do 3º. adquirente).
XI - Sendo essas presunções retiradas/extraídas de factos provados (para considerar outros como provados), também elas constituem ou se reconduzem a matéria de facto, e daí ser apenas possibilitado o seu uso às instâncias (1ª. e 2ª.), vedando a sua utilização por este mais alto tribunal, ao qual apenas lhe é possível exercer (em sede de recurso de revista) a sindicância sobre o seu uso por aquelas instâncias nas circunscritas situações de exceção decorrentes da 2ª. parte do nº. 3 do artº. 674º do CPC, ou seja, indagar se esse uso ofende norma legal, se padece de evidente ilogicidade ou se partiu de factos não provados.
Ora, os factos provados sob os pontos 76 a 79 encontram a sua sustentação na prova produzida e nos factos dados como provados, estão conforme às regras da experiência e da lógica e, como tal, devem manter-se no elenco dos factos provados.
Por último também não existe qualquer contradição entre os pontos de facto 7 e 79, sendo certo que ambos têm de ser entendidos como complementares.
Quanto à alteração do facto que consta sob o ponto 80, nos termos do disposto no artº 611 do C.C. cabe ao devedor ou terceiro interessado na manutenção do acto, a prova de que este possui bens penhoráveis de igual ou maior valor. Ora, esta prova não se mostra feita pelos RR., como decorre dos pontos 54 (dívida total €195.690.980,769) e do montante da livrança dada à execução (€13.012.612,74) referida no ponto 55, ainda que se tomassem estas acções e participações sociais referidas no doc. 7 pelo valor indicado nas partilhas feitas na sequência do divórcio entre os 1º e 2º RR. (não resultando feita outra prova quanto a este concreto valor).
Por último no que se reporta ao facto que o R. pretende ver aditado, o depoimento da testemunha FF, pela sua vaguidade é absolutamente irrelevante para o pretendido, sendo a menção a benfeitoria uma conclusão jurídica sem qualquer suporte factual, que não pode ser substituído pelo depoimento testemunhal. Acresce que o depoimento desta testemunha assentou essencialmente em opiniões, e no que ouviu dizer.
No que se reporta aos pontos de facto nºs 48 a 65 que o R. pretende sejam dados como provados, estão estes em oposição com os acima referidos, dados como provados e assentam na mesma tese de que o 1ª R. nada sabia, não tinha conhecimento da gestão do “Grupo B...”, apesar dos contratos que assinara com as instituições bancárias e das obrigações que assumira como avalista (na ordem de centenas de milhões de euros), tese não demonstrada e não credível. Os depoimentos de parte prestados pelos RR., com óbvio interesse nesta causa, não bastam para os considerar como provados, muito menos o depoimento da testemunha CC que, de igual forma, se não mostrou credível.
Por outro lado, não se vislumbra qualquer contradição ente os factos não provados sob os pontos 49 a 52 com os factos 90, 120, 121 e 122 que se referem às negociações tidas com o Grupo B..., de que o 1º R. foi informado, conforme resulta do ponto 90, mas sem que deste facto decorra que este de nada sabia e que desconhecia se se registavam quaisquer incumprimentos perante a Banco 2... (e/ou outros credores) relativamente aos financiamentos realizados em 2013 e 2015. Nem este facto resulta do depoimento da testemunha DD, pois que esta apenas referiu negociações com as sociedades deste Grupo B..., representados pela sua comissão executiva e advogados, sem que desse depoimento se extraia que o 1ª R. de nada sabia, sendo certo que era accionista e avalista das mutuárias e que os avais foram em concreto objecto de negociação (tentativa de substituição destes avais por fiança, retirada dos cônjuges da obrigação e prestar aval).
Acresce que a junção de documentos com a contestação da 2ª R. (docs. 2 e 3) relativo à frequência de terapia conjugal, ou a junção de docs. (82 e 83) juntos no apenso A., não constituem prova suficiente dos factos que se pretendiam ver assentes nos pontos 58 e 61, ou seja que tiveram por fonte apenas as exigências da 2ª R. e de um acordo prévio por o 1º R. alegadamente ter recebido bens de maior valor na partilha de 2016.
De igual forma, não foi feita qualquer prova isenta e credível, quanto às intenções referidas nos pontos 62 e 63, sendo certo que no se reporta aos factos não provados nº 64 e 65, apesar dos meios de prova documentais indicados (doc. 3 e 58 juntos com a pi.; doc. 8 junto pelo 1.º Réu com a sua contestação aos autos principais, (contrato de arrendamento celebrado a 1 de Março de 2017 entre o 1.º R. e a 3.ª Ré); docs. n.ºs 9 a 80 juntos pelo 1.º Réu com a contestação aos autos principais; docs. n.ºs 2, 3 e 4 juntos pela 3.ª Ré com a sua contestação no Apenso A aos presentes autos; docs n.ºs 5 a 33 juntos pela 3.ª Ré com a sua contestação no Apenso A aos presentes autos), destes documentos não resulta feita a prova destes factos. Por outro lado, também se não vislumbra qualquer contradição entre estes factos e o facto provado nº 141, uma vez que do teor dos referidos documentos resultou provado apenas o facto reproduzido no ponto 141, mas não as intenções aqui pretendidas ver erigidas em facto pelo 1º R.
Neste sentido, improcede também a impugnação destes factos.
Pretende ainda o 1º R. que os factos não provados nºs 30 a 47 deverão ser considerados provados e os factos nºs 82 a 127 da matéria de facto provada devem ser dados como não provados, por se revelar incompatível com aquela factualidade, alegando que aquando do início do processo de renegociação da dívida (2015) todos os créditos estavam regularizados (testemunhas DD, HH e CC), dos docs. 88 a 90 resultou que as entidades financeiras envolvidas no processo de reestruturação exigiram às sociedades do Grupo B... que os valores recebidos da Venezuela (no montante de cerca de 28 milhões de euros) fossem aplicados maioritariamente no pagamento da dívida em falta, como condição sine qua non, obrigatória e precedente para a conclusão do processo de renegociação e reestruturação. Mais alega que as sociedades do Grupo B... aceitaram as condições exigidas pelos Bancos, entre os quais a A., de acordo com a minuta de acordo global referida no ponto 103, versão que, no seu entender, foi confirmada pelas testemunhas HH e CC.
Indica ainda pelos docs. nºs 93, 95 a 98, 102, 103 e 104 juntos com a contestação do 1º R. no que se reporta à negociações no seio da PNBC.
Também nesta impugnação, carece o apelante de razão. A tese que o apelante pretende ver acolhida, de que em 2015 todos os créditos estavam regularizados, é contraditório com o processo de renegociação da dívida e não encontra acolhimento nos depoimentos das testemunhas DD e EE, decorrendo destes depoimentos de que existiria uma preocupação cada vez maior com maior com a dívida do Grupo B..., com a sua incapacidade para cumprirem compromissos e com a natureza das propostas e das condições que seriam necessárias para assegurarem a sua restruturação. A tese de que o acordo com os bancos estava fechado o que foi comunicado ao 1º R. (que, por essa razão, quando fez as transmissões em 2017 e partilha de bens em 2020 se encontrava de boa fé), não encontra respaldo nem nestes depoimentos nem nos documentos indicados que não permitem suportar esta alegação de que o acordo estava fechado, aceite pelos demais bancos, e que apenas se não cumpriu pelas alterações impostas pela Banco 2.... Pelo contrário, o que resultou do depoimento esclarecedor da testemunha DD é que com o IBR apresentado pela R..., ficou claro para a Banco 2... que se tratava agora de um esforço de recuperação de dívida, na medida do possível, e não de restruturação e que se não existiu aprovação do acordo referido na minuta tal se deveu, como refere a decisão recorrida, ao facto de que “A Banco 2... nunca aprovou o perdão de juros, e este documento previa esse perdão; quando algum ativo fosse vendido pelo Grupo B..., a Banco 2... pretendia que o produto dessa venda fosse aplicado na ... e não naquele que o Grupo pretendia, as condições espelhadas com os Bancos fora do sindicato não eram os mesmos do sindicato em ternos de períodos de carência e taxas de juros a aplicar. E havia cerca de 1,2M de euros de perda em relação à Banco 2....”. Mais resultou que não tendo sido assim possível alcançar qualquer acordo global e passando a negociação para a PNBC, foi nessa “altura que apareceu a D..., empresa criada pelo CEO do Grupo B..., o Dr. CC, e o Dr. UU, que fazem uma proposta para aquisição dos créditos do Grupo B..., com perdão de 90%.” O que não foi aceite pela Banco 2... porque, como referiu a testemunha DD, parte do preço só seria pago mais tarde através da entrada de um novo investidor, que a Banco 2... exigia conhecer, o que nunca se veio a concretizar (doc. 104 da contestação 1º Réu – email da Banco 2... de 6 abril 2020 e doc. 20 da resposta à contestação).
Destes depoimentos e dos documentos referidos nos pontos 82 a 127 decorre que efectivamente não foi alcançado qualquer acordo com o grupo B..., face à constatação da incapacidade desta de solver os seus compromissos bancários, e perante a percepção de que se tratava agora de recuperação de divida e não de restruturação desta dívida a ser cumprida pelas mutuárias.
Improcede assim a impugnação da matéria de facto, interposta pelo 1º R.
“A 2.ª ré, aquando das escrituras de 13/01/2017 e de 30/10/2020, desconhecia a existência de quaisquer débitos ou incumprimentos do 1.º réu para com a autora.”.
“A 2.ª ré não teve intervenção na reestruturação operada em setembro 2013 e não obstante ter anteriormente avalizado, enquanto esposa do 1º Réu e juntamente com ele, outros financiamentos anteriores, nunca teve nada a ver com o que quer que seja que dissesse respeito ao Grupo B...; nem tinha conhecimento que as sociedades a ela afetas contraíam financiamentos bancários; e, após a formalização do divórcio, desconhecia a existência dos financiamentos derivados do Acordo Quadro firmado em 6/09/2013 e as garantias dadas pelo 1.º réu.”
“A criação da sociedade “A..., SA” e a distribuição das participações sociais derivou de exigência da 2ª Ré ao 1º Réu aquando da partilha subsequente ao divórcio.
O projeto para o qual a 3ª Ré foi constituída teve como único propósito perpetuar o legado da família AA relativamente aos imóveis em causa, assim como permitia ao 1º Réu combater a depressão criada por força da “Operação Marquês” e poder iniciar um projeto empresarial estimulante, já que estava totalmente afastado da gestão e do dia a dia das empresas do Grupo B....”.”
Já nos pronunciamos a respeito da impugnação do 1ª R. sobre estes pontos, remetendo para o que acima se referiu quanto àquela impugnação e sobre o standard de prova a observar.
Um ponto cumpre (novamente) frisar. Conforme já referido, a má fé exigida pelo artº 612 do C.C. exige, como decorre do seu nº2, a consciência do prejuízo causado ao credor, no momento da prática do acto. Nas palavras de Cura Mariano[10] “a má fé é a consciência de que o acto em causa vai provocar a impossibilidade para o credor de obter a satisfação integral do seu crédito ou um agravamento dessa impossibilidade. Tendo os outorgantes representado atempadamente as consequências danosas do seu acto, têm a possibilidade de o omitir, pelo que, se nele insistem, apesar desse conhecimento, esta sua atitude é eticamente censurável e por isso considerada de má fé.”
Conforme já acima referimos, citando Pires de Sousa, a prova desta consciência do prejuízo, ainda nas palavras deste autor, não é, em regra efectuada de forma directa, salvo nos casos de confissão. Resulta antes de “indícios seguros e do funcionamento de critérios da normalidade. Podem ser sinais ou revelações exteriorizadas da existência desse estado psíquico cognitivo que levem o julgador a concluir pela sua verificação( prova indirecta), ou pode a constatação de determinadas circunstâncias permitir a este efectuar um raciocínio, em que utilizando as regras da experiência, os princípios da lógica, ou mesmo os dados da intuição humana, firme a consciência não revelada por sinais exteriores (prova por presunção)[11], permitida pelos artº 349 e 351 do C.C.
Ora, ao contrário do pretendido pela 2ª R. o que resultou do depoimento da testemunha DD, foi que a 2ª R. tinha sido já avalista das obrigações assumidas pelas mutuárias empresas do Grupo B..., que foi proposto a retirada dos avais dos cônjuges, o que foi aceite pela Banco 2..., que esta se encontrava presente no dia da assinatura do Acordo Quadro e que terá assinado um contrato de penhor de acções, incluído no pacote de garantias do Acordo Quadro. Nenhuma prova foi feita de que a 2ª R. era alheia às dívidas e negócios do marido, nem tal se afigura credível de acordo com as regras de experiência comum, nem é conforme ao teor dos contratos celebrados em 2017 e 2020, em relação a estes imóveis, já após o divórcio, nem ao teor dos pontos 5 a 11. A tal não obsta o facto de não serem tratados com a 2º R. os assuntos da empresa, conforme referiram as testemunhas WW e CC, pois que nem o poderiam ser, não desempenhando esta nenhuma função executiva na empresa. Aliás, ao contrário do que a 2ª R. alega o que importava nesta acção, não era apurar se havia algum envolvimento desta nas actividades do Grupo B... (ponto 61 das suas alegações), mas antes se esta tinha consciência do prejuízo que o acto causava ao credor, prova a cargo do autor mas que pode ser feita por prova indirecta, por presunções retiradas de outros factos, nomeadamente os relatados nos pontos 5 a 11 e 54, 55 a 75, conjugados com regras de experiencia comum e de bom senso. Não há na realidade qualquer motivação plausível para os negócios que ora se visam tornar ineficazes, tendo em conta os imóveis, a manutenção do status quo apesar das alegadas transmissões, os valores e modos de pagamento, não existindo qualquer efectiva transferência patrimonial, aparecendo o divórcio e a suposta partilha de bens comuns como mera aparência para estes negócios.
Relativamente ao conhecimento do valor dos prédios referidos nos pontos 77 e 78, faz parte das regras de experiência comuns que os proprietários, em especial proprietários experientes, têm razoável conhecimento do valor dos imóveis e que sabem que este valor não é o patrimonial. A discrepância e as condições vertidas nas escrituras celebradas em relação a estes imóveis não permitem outra conclusão.
Acresce que não foi feita qualquer prova credível (não se valorando nem os depoimentos de parte, nem as declarações da testemunha FF) de que a criação da sociedade “A..., SA”, derivou de alguma exigência (e qual), ou que este projecto visava perpetuar um legado (da família apesar do aparente divórcio). São aliás alegações genéricas e que não inquinam nenhum dos factos que se consignaram e que são relevantes referidos nos pontos 56 a 80.
Mais alega que o ponto 61 deve ser eliminado, passando a ser incluído o seguinte facto
“A dação em pagamento do prédio ...53 (artigo ...50) e o valor que lhe foi atribuído na escritura de 20/10/2020, assim como aos terços indivisos dos imóveis 5064 e ...42, assim como a compra e venda do usufruto e da nua propriedade do prédio ...54 (artigo ...49) e o valor atribuído a tais direitos na escritura de 13/01/2017, bem como a data em que tais escrituras foram celebradas, derivou de acordo prévio entre o 1.º réu e a 2.ª ré, por exigência desta, visando compensar esta pela adjudicação àquele, na partilha efectuada logo aquando do divórcio (a ../../2016, através da escritura a que alude o item 140. Dos factos aqui dados como provados), das participações sociais nas empresas do Grupo B..., que entenderam terem um valor muito superior ao dos bens então adjudicados à 2.ª ré.”
Não foi igualmente feita qualquer prova credível destes factos, não bastando o declarado pelo próprio R., que não encontra sequer respaldo no teor destas escrituras e no valor dado aos bens, muito inferior ao valor real destes.
Mais alega que o ponto 58 dos factos não provados deve passar a provado com a seguinte redacção:
“A escritura referente ao imóvel ...53 só foi realizada em 30/10/2020 por só nessa data se ter obtido a respectiva licença de utilização e conseguido a legalização do prédio.”
Em relação a este ponto repete-se o que acima se referiu em relação à impugnação do 1º R., não tendo a 2ª R. indicado outro meio de prova que imponha conclusão diversa.
Requer ainda a eliminação do ponto 5 (por duplicado com o ponto 79) e ainda que se altere a redacção deste último para a seguinte:
“79. Os 1º e 2º Réus continuam a viver no prédio ...54, sendo que após o divórcio o 1.º réu passou a habitar o se rés-do-chão e a 1.ª ré passou a habitar o seu 1º andar, pisos estes que são autónomos e independentes um do outro.”
Peticiona ainda a R. que seja aditado o seguinte facto, com base nos docs. 2 e 3 juntos com a sua contestação:
“Em meados de 2019 os réus iniciaram a frequência de sessões de terapia familiar.”
O ponto 79 em relação ao ponto 5, acrescenta que os 1º e 2º RR., já após a escritura referida no ponto 69, de 13 de Janeiro de 2017, na qual o 1º R. vendeu o usufruto do prédio vitalício do prédio ...54 (seu bem próprio) e a nua propriedade à 3ª R., continuaram a viver na mesma casa e a partilhar “investimentos e, inclusivamente, a gerência de sociedades, como a “G..., Lda.”, apesar de alegadamente se terem divorciado em ../../2016. Que os RR. continuaram a viver na mesma casa, foi objecto de confissão, não existindo outra prova credível (não se julgando como tal o depoimento da testemunha FF irmã da 2ª R.) da qual resulte que vivem em pisos separados.
Nestes termos, porque não existe qualquer duplicação, mas antes o facto de que, quer depois do divórcio, quer já após a alegada venda do bem, o 1º R. se manteve a residir neste imóvel, mantêm-se inalterados estes pontos.
Repete-se que em relação à alegada frequência de sessões de terapia familiar não foi feita prova bastante deste facto e, por outro lado, o facto em si é inócuo para os fins visados. A frequência de sessões de terapia familiar ainda que tal tivesse acontecido, não obsta a que esta tivesse praticado o acto com consciência do prejuízo que iria causar ao credor.
Requer ainda a eliminação da expressão “podia ser vendido” dos pontos 72 a 75, da matéria de facto provada, pela seguinte expressão: “No relatório da perícia de avaliação efectuada nos presentes autos fez-se constar que o prédio (...) podia ser vendido (melhor preç obtido), em condições normais de marcado (...)”.
A perícia e o respectivo relatório, integram um meio de prova, também ele sujeito à livre apreciação do julgador, nos termos do artº 389 do C.C., não um facto. Nesta medida o que se terá de considerar provado é o valor do imóvel não que o relatório pericial o afirmou, pois que o facto não é a perícia, é o seu resultado.
Vem ainda requerer que seja aditado um novo facto com a seguinte redacção:
“Como garantia dos créditos concedidos a algumas das empresas do Grupo B... a autora exigiu dos avalistas dos mesmos (entre os quais o casal então formado pelo 1.º réu e pela 2.ª ré), o penhor das acções por si detidas nas diversas sociedades do Grupo B... e que vieram a ser adjudicadas ao 1.º réu na partilha a que se alude no item 140. infra.”.
A recorrente não indica qualquer prova documental contendo este penhor de acções devidamente descriminado, não bastando o depoimento das testemunhas indicadas que se referiram ao mesmo de forma genérica.
Requer ainda o aditamento aos factos provados de três novos itens, com base nos docs. 6 a 11, juntos com a contestação da 2ª R.:
“- O suplemento “1000 maiores” empresas do jornal “Expresso” de 28/11/2015, classificou a “B... – Engenharia e Construções, S. A.” como a 109ª maior empresa do país e a “Auto-Estradas do Atlântico” como a 576ª.
- Aquele mesmo suplemento mas da edição de 26/11/2016, classificou aquela empresas, por aquela ordem, como a 113ª e a 569ª maiores empresas do país.
- A revista “100 Maiores e Melhores Empresas”, suplemento de 2015 do semanário “Região ...”, classificou, no âmbito do distrito ... e concelho ..., a “B... – Engenharia e Construções, S. A.” em 1º lugar, a “V..., S. A.” em 20º lugar e a “W..., S. A.” em 66º lugar.”.
As opiniões expressas em jornais e revistas não são em si factos, nem sequer meio de prova de factos, pelo que se indefere o aditamento requerido que, em todo o caso não assume qualquer utilidade, tendo em conta o teor do artº 611 do C.P.C.
Mais requer que o ponto 80 dos factos provados seja alterado, com base na escritura de partilhas celebrada em 2016, para a seguinte redacção:
“80. Para além dos imóveis 4253 e 4254 e das acções e demais posições societárias nas empresas do Grupo B... que lhe foram adjudicadas na partilha a que se alude em 140. infra, o 1º Réu não era, à data dos negócios impugnados, dono de quaisquer outros bens ou fontes de rendimento que sejam susceptíveis de, pelo seu valor, responderem pelo crédito da Autora.”.
Mostra-se assente o teor desta escritura (ponto 140), pelo que nada mais existe a adicionar ao que se fez constar deste ponto 80.
Por último, requer que sejam aditados os seguintes factos que, segundo alega, resultaram do relatório de avaliação junto como doc. 16 à contestação da 2ª R., e ainda dos docs. 4, 5, 17, 18, 19 e 20 juntos com a contestação da 2.ª ré e dos docs. 65 e 66 juntos com a petição inicial:
“Em relatório de avaliação efectuado com data de 20 de Outubro de 2020 ao conjunto dos 4 imóveis em que se situam as instalações do Grupo B... foi atribuído o valor de € 7.800.000,00.”.
“Os mencionados quatro imóveis em que se encontram as instalações do Grupo B... têm áreas distintas, sendo de 27.840 metros quadrados a soma de todas elas.”.
“O primeiro dos imóveis em que o 1.º réu e a 2.ª ré tinham uma quota de 1/3 (ao qual corresponde a descrição nº ...64 da ... Conservatória do Registo Predial ... e o artigo matricial ...62 da União de Freguesias ...) tem uma área de 18.400 metros quadrados.”.
“O segundo dos imóveis em que 1.º réu e 2.ª ré tinham uma quota de 1/3 (ao qual corresponde a descrição nº ...42 da ... Conservatória do Registo Predial ... e o artigo matricial ...43) tem uma área de 5.400 metros quadrados”.
“O primeiro dos imóveis nos quais se encontram as instalações do Grupo B... mas em que 1.º réu e 2.ª ré não tinham qualquer quota-parte (ao qual corresponde a descrição nº ...72 da ... Conservatória do Registo Predial ... e o artigo matricial ...13) tem, segundo a descrição predial uma área de 2.200 metros quadrados e segundo a matriz uma área de 160 metros quadrados.”.
“O segundo dos imóveis nos quais se encontram as instalações do Grupo B... mas em que 1.º réu e 2.ª ré não tinham qualquer quota-parte (ao qual corresponde a descrição nº ...73 da ... Conservatória do Registo Predial ... e o artigo matricial ...14) tem uma área de 1.840 metros quadrados.”.
Em primeiro lugar, decorre do disposto no artº 611 do C.C. que é ao devedor, ou a terceiro interessado na manutenção do acto, que cabe a prova de que o obrigado possui bens penhoráveis de igual ou maior valor. Isto porque o prejuízo que se exige para que tenha lugar a impugnação pauliana, nos termos do artº 610, al. b), do C.C., é o do acto ter impossibilitado o credor de obter a satisfação integral do seu crédito, ou agravado essa impossibilidade. No caso de obrigações garantidas por aval, em que em causa está uma garantia cambiária e autónoma da obrigação principal, pode o credor exigir do garante a manutenção da sua capacidade de satisfazer o crédito, sendo irrelevante para o caso que o devedor principal (as mutuárias) sejam solventes.[12]
Isto para dizer que o valor e suficiência de bens que não integrem o património do devedor não impede a impugnação do acto, sendo assim irrelevante o seu apuramento.
Por outro lado, esta avaliação foi impugnada pela A. na sua resposta de 09/06/2021 (ponto 3), não podendo, ainda que assim não fosse, por em causa a perícia realizada nestes autos. É ainda irrelevante, tendo em conta os factos que se apuraram nos pontos 72 e 73, o que ora se pretende aditar.
Improcede a impugnação da 2ª R.
Sobre estes factos e sobre a alegada parcialidade das testemunhas, em especial da primeira, já acima nos pronunciamos nada mais havendo a acrescentar. O depoimento destas testemunhas e da testemunha EE, apesar da sua ligação profissional à A., revelou-se isento e credível, o mesmo não acontecendo com os depoimentos das testemunhas indicadas pelos RR.
Mais requer a eliminação do facto provado n.º 78, por não resultar da prova produzida a intenção de prejudicar o credor por parte dos Réus, considerando que o “Tribunal a quo não poderia ter concluído da má-fé da 3.ª Ré na celebração do negócio jurídico, primeiro porque a 3.ª Ré desconhecia a existência de crédito, segundo porque a 3.ª Ré, sendo uma sociedade, não se lhe pode aferir do grau de consciência, sem antes se proceder à desconsideração da personalidade jurídica da mesma.”, fundando-se ainda no depoimento de parte dos RR. e no depoimento da testemunha FF. Em relação a esta R. relevam as mesmas considerações já explanadas quanto à prova desta má fé, que deriva dos factos 5, 8 a 11, 44, 47, 54 e dos factos descritos nos pontos 69 a 72.
O conhecimento da existência de um prejuízo pela 3º R. revela-se quer pela sua estrutura acionista, constituída pelo 1º e 2ºRR e pelas filhas, assumindo o outro acionista uma participação ínfima, 0.01%, quer pelo teor dos contratos celebrados, quer ainda pelo facto de o 1º R. apesar da aparente venda da nua propriedade à 3º R. e do usufruto à 2ª R. e da alegada exploração que pretendiam prosseguir neste imóvel, continuar a residir no mesmo, nada se tendo alterado de facto. O imóvel permaneceu a residência do casal.
Por último requer a eliminação dos pontos factos n.º 62, 63, 64 e 65 dos factos não provados considerados como provados, com fundamento no depoimento da testemunha JJ, FF e no depoimento de parte dos RR., aditando-se aos factos provados os dois itens com a seguinte redação:
a) – “A criação da sociedade “A..., SA” e a distribuição das participações sociais derivou de exigência da 2.ª Ré ao 1.º Réu aquando da partilha subsequente ao divórcio.”
b) – O projecto para o qual a 3.ª Ré foi constituída teve como único propósito perpetuar o legado da família AA relativamente aos imóveis em causa, assim como permitia ao 1.º Réu combater a depressão criada por força da “Operação Marquês” e poder iniciar um projecto empresarial estimulante, já que estava totalmente afastado da gestão do dia a dia das empresas do Grupo B....”
a) O contrato de arrendamento celebrado entre o 1º Réu e a 3ª Ré referente ao imóvel ...53 em Março 2017 foi efetuado por virtude da impossibilidade de transmissão da propriedade pela falta de licença de utilização do imóvel, e com o intuito único de a 3ª Ré poder dar início à concretização do projeto tendente à implementação do Hotel na Quinta ..., que envolvia também o imóvel ...54 (doc. 8 da contestação do 1º Réu), razão pela qual a 3ª Ré adquiriu os outros prédios circundantes (prédio rústico, descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...31 da freguesia ..., e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...05, freguesia ... – doc. 2 da contestação 3ª Ré); prédio rústico, descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...32 da freguesia ..., e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...06, freguesia ... - doc. n.º 3 da contestação da 3ª Ré); prédio rústico, descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...33 da freguesia ..., e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...07, freguesia ..., cfr. doc. n.º 4 da contestação da 3ª Ré).
b) A 3ª Ré adquiriu a propriedade do 4254 e arrendou o 4253, pagando pontualmente as rendas devidas, apenas com o objetivo de implementação do projeto turístico, e todos os esforços encetados tiveram em vista esse desiderato, desconhecendo qualquer dívida do Grupo B... e do 1º Réu para com a Banco 2... ou qualquer outro Banco.
Estes factos que reproduzem no essencial idêntica impugnação feita pelos demais RR., não encontram assento na prova produzida, conforme já referido. Os depoimentos das testemunhas JJ e FF não bastam para afastar o teor dos pontos 72 a 80, nem para inquinar o que acima se referiu já quanto ao conhecimento da existência de um prejuízo. Acresce que os depoimentos de parte, como é manifesto, naquilo que não constitui confissão, só podem ser valorados se confirmados por outros meios de prova.
Improcede no seu todo a impugnação desta 3ª R.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Alega o 1º R. recorrentes que os contratos celebrados constituíam contratos de adesão, sujeitos ao regime das clausulas contratuais gerais, pelo que as clausulas não comunicadas nem explicadas se devem ter por excluídas e que são as seguintes:
i. Do “Acordo Quadro” celebrado em 6 de setembro de 2013 (doc. 7 junto com a PI): a cláusula sexta, ponto 6.5., e as cláusulas 20.º e 21.º do referido Acordo;
ii. Da Alteração ao “Contrato de Mútuo e Abertura de Crédito” celebrado em 25 de julho de 2007 (doc. 9 junto com a PI): as cláusulas 8.ª, 15.ª e 16.º do Acordo;
iii. Do Contrato de Regularização de Créditos celebrado a 19 de dezembro de 2013 (doc. 12 junto com a PI): as cláusulas 8.ª, 15.ª e 16.ª do contrato;
iv. Da “Alteração ao Contrato de Empréstimo celebrado em 23 de agosto de 2004” (doc. 14 com a PI): as cláusulas 8.ª, 15.ª e 16.ª do contrato;
v. Do Contrato de Reestruturação de Crédito” (doc. 16 com a PI): as cláusulas 8.ª e 15.ª do contrato;
vi. Do “Contrato de Financiamento sindicado à B... SGPS” (junto como doc. 18 com a PI): as cláusulas 11.ª e 15.ª do contrato;
vii. “Contrato de Abertura de Crédito e de Reconhecimento e Assunção de Dívida” (doc. 20 junto com a PI): as cláusulas 12.ª e 13ª, em concreto, a alínea a) do n.º 1 da cláusula 13.ª do contrato;
viii. Do “Contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente com Aval” (doc. 23 com a PI): as cláusulas 15.ª e 17ª, em concreto, a alínea a) do n.º 1 da cláusula 17.ª do contrato;
ix. Os Pactos de Preenchimento das Livranças por si avalizadas e que figuram como anexos aos contratos supramencionados.
A procedência desta pretensão assentava na procedência da impugnação da matéria de facto no que se reporta aos factos que se consideraram provados nos pontos 128 a 135 e os não provados nos pontos 1 a 29, que se referem no essencial ao seu alegado desconhecimento de que os bancos pudessem preencher as livranças por si avalizadas e entregues em branco, nelas apondo a totalidade da dívida da mutuária e sem que pudesse excutir previamente o património destas, o que é aliás característica do aval prestado, ao invés da fiança. Fiança que, conforme referiu a testemunha DD, foi a garantia que os accionistas pretendiam prestar nas negociações tidas com o banco, o que foi recusado, embora fosse aceite que os respetivos cônjuges não prestassem também aval.
A improcedência da impugnação da matéria de facto determina a improcedência desta pretensão de ver excluídas destes contratos estas clausulas, ainda que se pudesse considerar tratarem-se estes de contratos de adesão, o que não resulta dos factos 128 a 132. Logrou a A. efectuar a prova de que estes contratos e as suas clausulas foram durante vários meses negociados com estas sociedades e os respectivos accionistas, assessorados quer por advogados internos, quer por escritórios de Advogados externos (a OO), sendo o teor do clausulado debatido e negociado, incluindo as garantias prestadas que o accionista, como os demais accionistas, subscreveram.
Como muito bem refere a decisão de primeira instância “Os contratos de adesão são geralmente utilizados como esquemas negociais de antemão fixados para uma série indefinida de relações concretas, que visam que pessoas indeterminadas se limitem a aderir, sem possibilidade de discussão ou de introdução de modificações.” contendo clausulas gerais que o contraente não pode discutir, sendo-lhe impostas. Ou seja, são disposições pré-formuladas, pré-dispostas que pré-condicionam o contrato e que, nessa medida, conforme assinala Almeno Sá[13], “afasta, de raiz, a ideia de uma negociação capaz de influir na modelação do respectivo conteúdo.
É a estes contratos que se aplica o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, previsto no DL nº 446/85, de 25/10, cabendo então ao contraente que submete o contrato de adesão ou as clausulas gerais pré-determinadas o dever de informar o teor destas clausulas.
Ainda assim, como bem refere a decisão recorrida este dever de informação previsto no artº 5 do D.L. nº 446/85, deve ser adaptado àquele a quem é prestada a informação e ao teor da própria informação. Clausulas mais complexas, impostas a clientes com menor formação naquela área, exigem um dever acrescido de informação. Clausulas que dispõem sobre uma garantia como o aval, prestado por pessoa experiente, que já antes prestara aval às firmas em causa, ainda que fossem pré-elaboradas, não exigem um esforço acrescido de compreensão, sendo certo que o vencimento antecipado da dívida, a exigibilidade de todo o crédito ao avalista e o facto de este não gozar do benefício da excussão prévia, decorrem do respectivo regime legal, nomeadamente o constante dos artº 781 do C.C. e 30, 32 e 47 da Lei Uniforme das Letras e Livranças.
Nesta medida, improcede a arguição de nulidade, por violação do dever de informação, e consequente pedido de exclusão das clausulas em causa.
Alegam ainda todos os RR. a falta de anterioridade do crédito, mais invocando o 1º R. a inconstitucionalidade da interpretação do artigo 610.º do C.C. no sentido de se propugnar que, para aplicação da alínea a), o momento relevante para apurar a anterioridade do crédito face à data da transmissão, quando aquele se baseia em livrança avalizada em branco, é o da constituição do aval, por violação do princípio da autonomia privada implicitamente prevista no artigo 2.º e n.º 1 do artigo 26.º da Constituição da República Portuguesa.
Resulta do disposto no artº 610 do C.C. como requisitos essenciais e cumulativos para que os actos que envolvam diminuição da garantia patrimonial do crédito e não sejam de natureza pessoal, sejam impugnados pelo credor:
a) a existência de um crédito;
b) que este crédito seja anterior ao acto;
c) se o crédito for posterior, que o acto tenha sido realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor;
d) que do acto resulte a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou o agravamento dessa impossibilidade.
Como refere Almeida Costa[14] cabem no âmbito da impugnação pauliana, prevista no artº 610 do C.C., como meio de conservação da sua garantia patrimonial, todos os actos que envolvam diminuição da sua garantia patrimonial e não sejam de natureza pessoal, ou seja, “todas as operações que impliquem redução do activo como um aumento do passivo (…) mostram-se impugnáveis as alienações propriamente ditas, as renúncias a garantias ou a outros direitos que advierem ao devedor, a assunção de dívidas, etc” Já os de natureza pessoal, como o casamento, divórcio, separação judicial de pessoas ou de bens, podendo afectar o património do devedor, escapa ao escopo deste instituto.
Exige-se que o crédito seja anterior ao acto, uma vez que, segundo o mesmo autor, “os credores só podem contar com os bens que existam no património do devedor à data da constituição da dívida e com os que nele entrem depois; por outro lado, resultaria perturbada a segurança do comércio jurídico, desde que se admitisse a impugnação de certos negócios com fundamento em actos posteriores de alguns dos seus outorgantes.”[15]
No entanto, este pressuposto sofre uma restrição uma vez que também poderá ser impugnável um acto anterior ao crédito quando se prove que foi realizado dolosamente com o intuito de impedir a satisfação do direito do futuro credor.
No que se reporta a este requisito de anterioridade do crédito a decisão proferida pelo tribunal a quo considerou que “pese embora a exigibilidade da dívida do 1º Réu perante a Autora tenha surgido em momento posterior à data dos atos impugnados (em 18.01.2021, data do preenchimento da livrança dada à execução), o certo é que o crédito da Autora nasceu - constituiu-se -antes dos atos de disposição (em 13.12.2013)”.
Concluindo que há que estabelecer uma distinção entre exigibilidade do crédito e o momento da sua constituição, pelo que, citando o Acórdão proferido neste Relação em 28/06/2016 (proc. nº 792/14.0TBLRA.C1) “no caso de subscrição de uma livrança em branco, o crédito cambiário daí resultante nasce com a emissão desse título, porquanto a livrança aceite ou avalizada titula o direito nela incorporado nascido da relação subjacente, anterior ao preenchimento da livrança que apenas vem a corporizar nesta o anterior crédito que lhe dá origem; de modo que o crédito nasce com a subscrição da livrança, emitida aquando da celebração do contrato de financiamento e não com o preenchimento da livrança, anteriormente entregue em branco que é apenas o momento que regista o incumprimento contratual.”
A esta argumentação, opõe os RR., em consonância com posição que já haviam assumidos nos seus articulados. que o aval constitui um negócio cambiário e, citando Carlina Cunha[16], que “os negócios cambiários são negócios formais, pelo que o nascimento da obrigação cartular está dependente da observância dos requisitos que a lei exige e que estão consagradas nos artigos 1.º e 75.º da Lei Uniforme (“LU”), o que só se verifica no momento do preenchimento;”
Refira-se que a mesma autora salvaguarda (ob. cit, págs. 21) que o acima afirmado não permite concluir que “subscrever um título em branco, entregando-a a alguém com quem se celebrou um acordo de preenchimento, seja um acto desprovido de efeitos jurídicos. Como vimos tal representa para o credor uma garantia lato sensu: o subscritor fica num estado análogo ao da sujeição, ou seja, inevitavelmente exposto à produção de uma consequência – a constituição da obrigação cambiária – na sua esfera jurídica por mero efeito do preenchimento (uniforme) do título.”
Sobre esta questão respeitante à anterioridade do crédito quando em causa uma livrança subscrita em branco a que foi prestado aval, para além dos Acórdãos desta Relação citados na decisão recorrida (Acórdão da Relação de Coimbra de 28.06.2016, P. 792/14.0TBLRA.C1 e Acórdão da Relação de Coimbra de 18.12.2019, P. 56/15.1T8CNT.C1), pronunciou-se a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, de forma unânime, no sentido de este crédito se constituir no momento em que foi subscrita a livrança e prestado o aval, nos seguintes arestos:
· Acórdão do STJ de 12-03-2015 (proc. 4023/11.6/TCLRS.L1.S1, relator Garcia Calejo): “(…) II - A anterioridade do crédito, para efeitos da alínea a) do art. 610.º do CC, afere-se pela data da sua constituição e não pela data de vencimento do título de crédito. III - O crédito, em relação ao avalista, constitui-se no momento em que presta o seu aval. A partir de então associa-se à situação cambiária daquele a favor do qual deu a sua garantia”.
· Acórdão de 24/07/2017 (proc. nº 1297/14.4T8STB.P1, relator João Trindade): “I- Para efeitos de impugnação pauliana, a anterioridade do crédito afere-se pela data da sua constituição e não pela data do seu vencimento; em consequência, o crédito resultante da assinatura de uma livrança constitui-se na data da sua emissão e não na data do seu vencimento (art. 610.º, al. a), do CC).”
Por último, este entendimento, ao contrário do que alega o 1º R., não é inconstitucional, não se vislumbrando qualquer violação do disposto nos artºs 2 e 26, nº1 da nossa Constituição e ainda menos do princípio da autonomia privada, que não é de todo o que aqui está em causa, mas antes a definição do momento em que se considera constituído o crédito em relação ao avalista.
Improcede este argumento, julgando-se o crédito anterior ao acto impugnado.
| Alegam os recorrentes que a A. não provou que os actos em causa se traduziram numa diminuição da garantia patrimonial do crédito.
Carece, uma vez mais, de razão. Dos factos que se deram como provados nos pontos 56 a 80, o avalista procedeu, pelos actos neles referidos, à diminuição do seu património que, tendo em conta quer o valor da totalidade do crédito da A. por si avalizado, quer o teor da própria livrança dada à execução, é manifestamente insuficiente para assegurar a garantia que prestou e a satisfação integral dos direitos do credor (art. 610, al. b), do Código Civil). Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/10/2023[17], “O requisito da al. b) do art. 610º do CC, de que resulte do acto a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou agravamento dessa impossibilidade, abrange “não apenas os casos em que o acto implique uma situação de insolvência, mas também aqueles em que o acto produza ou agrave a impossibilidade prática do credor obter a satisfação do seu crédito.” A impugnação pauliana exige que se verifique um nexo de causalidade entre o acto impugnado e o prejuízo do credor[18]. Alegada a diminuição da garantia constituída pelo património do devedor é a este devedor que cabe o ónus de prova de que o seu património possuía, na data da celebração do acto impugnado, outros bens penhoráveis de igual ou maior valor que o montante da sua dívida para com o impugnante (artº 611 do C.C.). Quer isto dizer que, ao contrário do que alegam os recorrentes é a estes que incumbia o ónus de prova da existência de bens, “bastando ao credor provar o montante, a existência e a anterioridade do seu próprio crédito, para que se possa presumir a impossibilidade da respectiva satisfação ou o seu agravamento.”, cabendo ao devedor ao terceiro interessado a demonstração de que o património daquele devedor “reúne bens cujo valor seja igual ou superior ao montante daquelas dívidas, constituindo esta impugnação uma defesa por excepção, por serem tais factos, alusivos àquela suficiência patrimonial, impeditivos do direito invocado (…).” (Ac. do STJ acima citado). Ou seja, o artigo 611 do C.C. consagra uma regra especial de repartição do ónus da prova, dispensando o credor da prova cabal desta impossibilidade, fazendo impender sobre o autor/credor somente a prova do montante de dívida, e já sobre o réu/devedor a prova que o obrigado possui outros bens penhoráveis de igual ou maior valor como demonstração de que, apesar da diminuição patrimonial, o acto impugnado não agravou ou impossibilitou a satisfação integral do crédito.[19] Por outro lado, no caso de existirem devedores solidários (caso do aval), para o preenchimento deste requisito importa apenas a situação do património no qual se integrava o(s) bem(ns) objecto do acto impugnado. Na realidade por via do disposto no artº 512, nº1 e 518 do C.C., no regime da solidariedade cada devedor responde integralmente pela dívida, pelo que o património de cada um garante o pagamento do crédito. Nessa medida, como nos ensina Cura Mariano[20], o credor pode exigir que quer o património do devedor quer o do avalista mantenham individualmente a sua capacidade de satisfazer o crédito. Ora, esta prova não foi feita. Improcede assim este fundamento de impugnação. * IV-Da inexistência do requisito de má fé. Alegam os recorrentes que se não encontravam de má fé. Refira-se desde já que dos factos provados sob os pontos 56 a 80, resulta o contrário do defendido pelos RR. Com efeito, conforme já referido, a má fé na impugnação pauliana é entendida como a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor, existente à data da prática do acto. Esta consciência do prejuízo, conforme refere Cura Mariano[21] “é um processo psicológico pertencente ao domínio da representação, ou ideação, assumindo uma natureza intelectiva. Nesta operação intelectual, o devedor e o terceiro adquirente devem não só ter a percepção da situação patrimonial do primeiro e dos efeitos do acto que vão praticar, mas também aperceberem-se que estes podem impossibilitar os credores do devedor de obter a satisfação integral dos seus créditos. Não é necessário que essa consciência se traduza num juízo de certeza sobre a verificação futura desta consequência, bastando-se com um juízo de possibilidade.” Já Vaz Serra[22], na vigência do Código de Seabra[23] pronunciou-se sobre a discussão então existente na doutrina sobre o conceito de má fé como exigindo a intenção de prejudicar os credores, a consciência do prejuízo causado aos credores ou o conhecimento do estado de insolvência, excluindo desde logo a exigência de intenção de prejudicar (animus nocendi), uma vez que, caso tal fórmula fosse exigida, seriam bastante raros os casos de procedência da ação, uma vez que se revela bastante difícil a prova deste requisito – o ato pode ser praticado sem aquela intenção e existir todavia, consciência do prejuízo. O actual artº 612, nº2 do C.C., veio adoptar esta noção, exigindo apenas a consciência do prejuízo.[24] Ainda de acordo com Antunes Varela[25] essencial para a verificação deste requisito é que “o devedor e terceiro tenham consciência do prejuízo que a operação causa aos credores”, não se exigindo a intenção de prejudicar os credores. A este respeito, este tribunal já se pronunciou, em Ac. de 01/06/2021[26], no qual se sumariou que “No âmbito de tal má-fé subjetiva bilateral, não se exige a demonstração da intenção de prejudicar ou o conhecimento da situação de insolvência do devedor, bastando o conhecimento/convicção do devedor/alienante e do terceiro/adquirente de que o acto transmissivo ocasiona dano ao credor (diminuição da garantia patrimonial do seu crédito), o que é compatível com o dolo, mas também com a negligência consciente.” E, no Acórdão do STJ de 14/4/2015[27], sumariou-se no seguinte sentido: II- A consciência ou a mera representação da possibilidade do prejuízo, é o que, necessariamente, envolve ou acarreta a diminuição da garantia patrimonial do crédito, em termos de, pelo menos, resultar dela o agravamento da impossibilidade da sua satisfação do mesmo. III- A má fé bilateral, sendo condição necessária, é, também, suficiente, enquanto requisito autónomo da procedência da ação pauliana, não se mostrando necessário o conluio ou a concertação do devedor e do terceiro, tendo em vista por em causa a garantia patrimonial do credor, embora tenha de significar algo que consubstancie uma situação de fraude, ou seja, a representação pelos contraentes do prejuízo e da vontade de obter tal prejuízo ou a representação do resultado – o prejuízo – como consequência necessária ou previsível, na perspectiva da adequação, do ato. IV- O estado de má fé subjetiva, previsto pelo art. 612.°, n.º 2, do CC, enquanto requisito da impugnação pauliana, em que podem incorrer quer o devedor ou quer o terceiro, compreende o dolo, nas suas diversas modalidades, e, também, a negligência consciente, porquanto ainda nesta, com ressalva da situação em que o ato a atacar for anterior à constituição do crédito, se observa a consciência de que o ato querido causa prejuízo ao credor, ou seja, que se traduz na diminuição da garantia patrimonial do seu crédito, sem se mostrar necessário demonstrar a intenção de originar tal prejuízo.” Por sua vez, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/07/2022[28] lavrou-se sumário no sentido de que “VI- A má fé, do devedor e do terceiro, tanto compreende, na sua manifestação, o dolo, nas suas diversas modalidades (de dolo direto, necessário e eventual), como a própria negligência consciente (desde que quanto a esta o ato seja posterior ao crédito). VII - Donde que a verificação da má fé não pressupõe a intenção ou o propósito daqueles agentes, ao praticar o ato, de causar prejuízo ao credor, bastando-se com a mera representação pelos mesmos dessa possibilidade (do prejuízo causado ou que com tal possam causar à garantia patrimonial do credor) em consequência das suas condutas. VIII - E nessa linha também não se exige a existência de qualquer concertação das partes, dispensando-se a prova do chamado concilium fraudis, mas tão só a prova de que o devedor e o terceiro agiram com perfeita consciência do prejuízo que vão ou podem causar ao credor com a realização do ato.” Nesta medida, a má fé exige que o devedor e o(s) terceiro(s) agiram com a consciência desse prejuízo, ou que pelo menos representaram como possível esse prejuízo como consequência dos seus actos, não se impondo sequer que haja intenção de prejudicar o credor. Que os RR. estavam conscientes do prejuízo que causavam aos credores não oferece dúvidas, resultando dos factos que se provaram acima referidos, bem como que, além disso, visaram com estes actos afastar bens da garantia constituída pelo património do avalista (ou seja que actuaram com efectiva intenção de prejudicar). A tal não obsta o facto de a 3ª R. ter como administrador um acionista com uma participação de 0.01% que não pertence à família, tendo em conta a estrutura acionista desta sociedade, constituída já após a existência do crédito, formada em 99,9% pelos 1º e 2º RR. e as filhas (de 18 e 22 anos), estas sem qualquer experiência profissional, os termos do acto impugnado (transmissão para a sociedade da nua propriedade de imóvel, bem próprio do 1º R. e onde este continuou a habitar), o valor do imóvel e a ausência de qualquer transmissão patrimonial. Improcede assim, também este argumento. ***
DECISÃO Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação interposta pelos RR. e, nesta sequência, confirmar a sentença objecto de recurso.
* As custas da acção e do recurso fixam-se pelos RR. (artº 527, nº1, do C.P.C.) *** Coimbra 14/10/2025 |
[1] Ac. do STJ de 05/09/18, relator Gonçalves Rocha, proc. nº 15787/15.8T8PRT.P1.S2; no mesmo sentido vide Ac. do S.T.J. de 27/09/18, relator Sousa Lameira, proc. nº 2611/12.2TBSTS.L1.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt..
[2] Ac. do STJ de 16/12/20, de que foi Relator Bernardo Domingos, proferido na Revista nº 8640/18.5YIPRT.C1.S1, disponível in www.dgsi.pt.
[3] Proferido na Revista nº 7825/22.4T8LSB.L1.S1, de que foi relator Ferreira Lopes, disponível in www.dgsi.pt.
[4] Ac. do STJ de 09-06-2021, proferido na Revista n.º 10300/18.8T8SNT.L1.S1, de que foi relator Ricardo Costa, disponível in www.dgsi.pt
[5] SOUSA, Miguel Teixeira de, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Editora Lex, 1997, pág. 347.
[6] GERALDES, Ana Luísa, Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, página 609.
[7] Luís Filipe Pires de Sousa, in Prova Por Presunção no Direito Civil, 2012, Almedina, pág. 148 e 149.
[8] Ob. cit., pág. 240.
[9] Proferido no proc. 10105/17.3T8PRT.P2.S1, de que foi relator Isaías Pádua, disponível em dgsi.pt.
[10] MARIANO, João Cura, Impugnação Pauliana, 2ª edição, Almedina, pág. 199.
[11] IBIDEM, pág. 209.
[12] Neste sentido MARIANO, João Cura, Ob. cit., pág. 179.
[13] SÁ, Almeno, Clausulas Contratuais Gerais e Directiva sobre Clausulas Abusivas, Almedina 1999, pág. 167.
[14] ALMEIDA COSTA, Mário Júlio, Direito das Obrigações, 12º edição, Almeidina, 2022, pág. 857.
[15] Ob. cit., pág. 861, especificando este autor que neste caso, se deve entender que se exige tanto “. o dolo do devedor como a participação dolosa do terceiro, ainda que sob a forma de puro conhecimento da intenção fraudulenta daquele (scientia fraudis)”
[16] CUNHA, Carolina, Aval e Insolvência, Almedina, pág. 21.
[17] Proferido no proc. nº 1691/21.4T8VIS.C1.S1, de que foi relator Nuno Ataíde das Neves, disponível em www.dgsi.pt.
[18] Neste sentido CURA MARIANO, ob. cit. pág. 182 e ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26-02-2009, de que foi relator Salvador da Costa (Processo n.º 09B0347, disponível em www.dgsi.pt) : “A impugnação pauliana de atos onerosos, como é o caso do contrato de hipoteca, pressupõe a diminuição da garantia patrimonial, a anterioridade do crédito do impugnante, o nexo de causalidade entre o ato impugnado e a não satisfação integral do direito de crédito do credor, o prejuízo deste e a má fé dos outorgantes”.
[19] Neste sentido vide ainda ALMEIDA COSTA, ob. cit., pag. 863.
[20] Ob. cit., pág. 179.
[21] Ob. cit, págs. 199.
[22] VAZ SERRA, “Responsabilidade Patrimonial”, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 75, p. 213
[23] O qual previa que a previa que a má mé consistia no conhecimento do estado de insolvência do devedor, estabelecendo que existia insolvência, quando a soma dos bens e créditos do devedor, estimados no justo valor, não igualava a soma das suas dívidas.
[24] Embora não tenha acolhido na íntegra a proposta do Anteprojecto de Vaz Serra, que era a seguinte:
“Art. 8.º - 1. Quando o acto for oneroso, só pode ser impugnado, se o devedor e o terceiro tiverem procedido de má fé ; quando for gratuito, pode dar-se a impugnação, ainda que eles tivessem procedido de boa fé.
2. Para haver má fé, não é necessária a intenção de prejudicar os credores. Se o devedor ignorar, por negligência, o prejuízo que o acto causa aos credores, vale essa ignorância como conhecimento do mesmo prejuízo.”
[25] VARELA, João de Matos Antunes, das Obrigações em Geral, Vol. II, 5ª edição, Aldina, págs. 450.
[26] Proferido no proc. nº 178/15.9T8TND.C2, de que foi relator Vítor Amaral, disponível em www.dgsi.pt.
[27] Proferido no proc. 593/06.9TBCSC.L1.S1, de que foi relator Hélder Roque, em www.dgsi.pt.
[28] Proferido no proc. nº 10105/17.3T8PRT.P2.S1, de que foi relator Isaías Pádua, disponível em www.dgsi.pt.