INCUMPRIMENTO PELA 1.ª INSTÂNCIA DE DECISÃO CONTIDA EM ACÓRDÃO
NULIDADE DA DECISÃO
Sumário

I- O disposto no artº 4, nº1, in fine, do Estatuto dos Magistrados Judiciais (com a alteração introduzida pela Lei nº 67/2019 de 27/08) consagra o dever de acatamento pelos tribunais inferiores das decisões proferidas, em via de recurso, pelos tribunais superiores, o que resulta também do disposto no artº 152, nº1, in fine, do C.P.C.
II-O incumprimento deste dever constitui nulidade insuprível, por o objecto da pronúncia do tribunal inferior constituir questão de que o mesmo não podia tomar conhecimento (art. 615.º, n.º 1, al. d), 2ª parte, do C.P.C.).
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral

Relator: Cristina Neves
Adjuntos: Luís Miguel Caldas
Francisco Costeira da Rocha



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Acordam os Juízes da 3ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra



RELATÓRIO

AA e mulher, BB, intentaram a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra CC e marido, DD, pedindo o reconhecimento do seu direito de propriedade relativamente a um prédio, com a configuração e implantação que invocam, bem como a condenação dos RR. a demolirem as obras (gradeamento com parapeito e portão) que erigiram no prédio confinante a nascente.

Invocam, para o efeito que sendo donos de um prédio em que implantaram a sua casa de habitação, prédio esse, que, por si e ante possuidores, trazem há mais de vinte anos e que apresenta a configuração e implantação constante da planta que juntaram, os RR., na parte do seu prédio que confronta a poente com o deles, começaram por o vedar e, mais tarde procederam a trabalhos de aterro, construindo um terraço, que delimitaram e orlaram através de um gradeamento munido de parapeito, tendo ainda instalado no topo norte desse terraço, um portão, igualmente a deitar directamente para o prédio deles, AA., sendo que o parapeito do gradeamento que delimita o terraço dos RR. tem altura inferior a metro e meio.

Os RR. contestaram, afirmando que a configuração do prédio dos AA. não é a que os mesmos invocam e que o prédio que eles, por si e seus ante possuidores, trazem há mais de vinte anos, tem, além de uma parte edificada como habitação, um quintal composto por dois pequenos pedaços de terreno – que identificam num esboço que juntaram à contestação, como parcela A e B - com uma área de 69,51m, onde a mãe da R., EE, cultivava couves e feijão, que os AA,. depois que compraram o prédio onde instalaram a sua habitação fecharam com portões, de modo a impedirem os RR. de passarem para aqueles ditos pedaços de terreno. Mais invocam que a nascente do prédio dos AA. há um caminho que separa as casas dos AA. e dos RR. e que corresponde àqueles pedaços de terreno, e que o portão a que os AA. se referem, deita para a referida parcela identificada pela letra A, e não para o prédio dos AA., pedindo a improcedência da acção.


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Foi proferido despacho saneador, tendo sido fixado o objecto do litigio e indicados os temas de prova, assinalando-se nesse despacho que em sede de audiência final o Tribunal se pronunciaria pela necessidade de proceder à inspecção ao local, requerida pelos RR.

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Foi realizado julgamento, vindo a ser proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo os RR. dos pedidos.

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Tendo os AA. recorrido dessa sentença, este Tribunal, nos termos da al b) do nº 2 do art 662º do CPC, procedeu à anulação do julgamento no que se reporta às respostas de “Não Provado” aos pontos 25, 26 e 29 da petição, determinando que viesse a ter lugar na 1ª instância inspecção ao local.

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Regressados os autos à 1ª instância, teve lugar a referida inspecção, cujo auto consta da acta de audiência de julgamento de 2/2/2024 (a fls 126 dos autos), finda a qual, veio a ser proferida sentença, que, de novo, julgou improcedente a acção, absolvendo os RR. do pedido.

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Novamente inconformados recorreram os AA., tendo sido proferido Acórdão nesta Relação em 10 de Setembro de 2024, que decidiu “nos termos da al c) do nº 2 do art 662º, em determinar a anulação da decisão recorrida no que se reporta aos Factos Não Provados 17 e 20 advindos da petição inicial, da totalidade dos Factos Não Provados advindos da contestação e do Facto Provado 26, no que respeita à expressão «a deitar directamente para o prédio dos AA», devendo proceder-se na 1ª instância nos termos da al b) do nº 3 dessa norma.”, contendo ainda a seguinte fundamentação:

Relativamente à impugnação da matéria de facto, está causa, antes de mais, o Facto 24 (da petição), julgado como Não provado.

Efectivamente, o Tribunal a quo, quanto ao art 24 da petição, onde se alega que «Entre outras das alterações que levaram a efeito, os RR. procederam a trabalhos de aterro na parte do seu prédio que confronta a poente com o prédio dos AA, constituindo desse lado uma zona pavimentada descoberta, isto é, um terraço», substituiu no ponto 24 dos factos provados, que respeita àquele ponto 24 da petição, esta expressão, «isto é, um terraço», por «de tipo varanda», dando correspectivamnte como Não Provado o facto 24 da petição, «… os RR. procederam a trabalhos que constituem um terraço».

Fê-lo sem justificar tal alteração - pois, lembre-se, que na motivação, relativamente aos factos não provados, se limitou a referir que, «De um modo geral, os factos dados por não provados assim o foram por contradizerem outros, dados como provados, ou por sobre eles não ter sido produzida qualquer prova», fórmula redundante e vazia que nada explica.

E, na verdade, a substituição dos vocábulos em apreço não se compreende, não se vendo aliás utilidade normativa nessa alteração, na medida em que o nº 2 do art 1360º CC tanto se refere a varandas como a terraços, sendo que foram várias as testemunhas que nomearam o espaço em causa como um terraço. Assim, e como os apelantes o assinalam, FF, GG, HH, acrescendo que a expressão “varanda” se refere normalmente a um espaço mais exíguo do que aquele que os documentos fotográficos n.ºs 5 e 6 juntos à P.I. parecem exibir. Acresce ainda que no auto de inspecção a designação daquele espaço se obtém através do vocábulo “terraço”.

Julga-se, pois, procedente a impugnação em causa, eliminando-se o facto 24 Não Provado, e dando ao facto Provado 24 a seguinte redacção :

«24. Entre outras das alterações que levaram a efeito, os RR procederam a trabalhos de aterro na parte do seu prédio que confronta a poente com o prédio dos AA, constituindo desse lado uma zona pavimentada descoberta, isto é, um terraço.»

Também têm razão os apelantes no caracter arbitrário com que o Exmo Juiz a quo entendeu designar o portão referido pelos AA. como “portinhola” no facto 26. Fê-lo decerto, pela razão que somente veio a evidenciar na aplicação do direito aos factos: por ter considerado que «tal peça» não teria largura «para ser considerada como tal», nem permitir o acesso «pois está a tal distância do solo que não permite que ninguém “salte” de um prédio para o outro».

Sucede que, resultando do auto de inspecção que o aí designado como portão tem a largura de 62 cm, há que admitir que o mesmo tem largura suficiente para uma pessoa por ele entrar ou sair, merecendo bem a designação de “portão”.

Pelo que se entende alterar a redação do ponto 26, de tal modo que, onde se diz “portinhola”, passe a constar “portão”.

Já no que respeita à ordem por que devem ser evidenciados os factos 24, 25, 26, 29 e 25º-A, e concordando-se que a correcta será a que resulta da respectiva alegação na petição e ser ela que permite a melhor compreensão e articulação dos factos em apreço (veja-se a cadência dos factos constantes, respectivamente dos arts 24, 25, 26 e 29 da petição), há, no entanto, vista a prova produzida e acessível a este Tribunal, que chamar a atenção para o facto de nenhum sentido se encontrar no facto 29, qualquer que seja a ordem em que o mesmo possa ser inserido- pelo simples facto de que não é o “parapeito do gradeamento” que delimita o terraço dos RR. que tem a altura de um metro e quarenta e cinco centímetros, mas, como se fez constar no auto de inspecção, o murete em pedra, conjuntamente com o gradeamento em ferro pintado de branco que nele está colocado, tendo, respectivamente, o muro em causa, 67 cm, e o gradeamento 78 cm. Nesta ordem de ideias, suprime-se o facto 29 e dá-se ao facto 25 a seguinte redacção:

«Que delimitaram com um murete em pedra com a altura de 67 cm, em que colocaram o gradeamento em ferro pintado de branco que se observa na fotografia junta a fls 128, cuja altura é a 78 cm.»

Pelo que, os factos provados em causa devem passar a ter a seguinte ordem e redacção:

24 -Entre outras das alterações que levaram a efeito, os RR. procederam a trabalhos de aterro na parte do seu prédio que confronta a poente com o prédio dos AA, constituindo desse lado uma zona pavimentada descoberta, isto é, um terraço;

25- Que delimitaram com um murete em pedra com a altura de 67 cm, em que colocaram o gradeamento em ferro pintado de branco que se observa na fotografia junta a fls 128, cuja altura é a 78 cm.

26 - E fazendo ainda a instalação, no topo norte de tal terraço, de um portão, a deitar directamente para o prédio dos AA.

Impõe-se agora apreciar se se deverá ter como admissível a junção aos autos pelos apelantes dos documentos que juntaram com as alegações de recurso.

Concretamente, uma decisão do Ministério Público, proferida em 23/11/2023, que, em função da indiciação da verificação de um crime de introdução em local vedado ao público, p. e p. pelo art 191º/1 do CP ( aí, se referindo em síntese, que «o arguido» (o aqui R., DD), «acedeu ao interior do logradouro anexo à habitação da ofendida», (a aqui A. BB); para o efeito, «saltou o gradeamento que está sobre o muro que separa o seu prédio do prédio da ofendida e acedeu ao interior do logradouro anexo à habitação da ofendida, onde permaneceu sem autorização ou consentimento de qualquer pessoa, e onde tirou fotos ao local. O arguido chegou a sair do imóvel, galgando novamente o gradeamento, mas regressou pouco depois, pela mesma via, continuando a captar fotografias do local»), propôs a suspensão provisória do processo pelo período de 6 meses, obtida a concordância do Mmo Juiz de Instrução; a decisão deste Juiz no sentido dessa suspensão provisória do processo perante a prévia concordância do referido arguido; e cinco “prints”, datados de 31/7/2022, onde se vê uma pessoa que corresponderá, naturalmente, no contexto em que nos movemos, ao A., colocando uma escada no canto onde está implantado o portão e a utiliza-la, e se visualiza a mesma pessoa a saltar o muro e a aceder ao prédio dos AA., bem como a referida pessoa debruçada sobre o gradeamento em causa nos autos.

Pretendem os apelados excluir essa admissibilidade na medida em que documentos em causa não são objectivamente supervenientes, porque podiam e deviam – atentas as datas neles inseridas - ter sido juntos ao processo em 1ª instância, após a realização da inspecção judicial ao local de 02/02/2024.

Decorre dos artigos 651º e 425.º do CPC que as partes apenas podem juntar documentos em sede de recurso de apelação, a título excepcional, numa de duas hipóteses: em função da superveniência do documento, ou da necessidade do mesmo revelada em resultado do julgamento proferido na 1.ª instância, sendo que no tocante à superveniência há que distinguir a objectiva da subjectiva, aquela decorrendo da produção posterior do documento, esta, do conhecimento ou acesso posterior ao mesmo.

Na situação dos autos, não está em causa a superveniência objectiva ou subjectiva dos documentos, mas antes a situação da necessidade da junção dos mesmos se ter revelado em resultado do julgamento proferido na 1.ª instância, irrelevando, pois a sua superveniência objectiva.

Refere Abrantes Geraldes, relativamente à expressão utilizada na 2ª parte do nº 1 do art 651º, que a situação aí contemplada se verifica quando «este» (o julgamento proferido) «se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes dos autos» .

Por outras palavras com o mesmo sentido , «Os casos fundados no argumento da necessidade estão relacionados com a novidade ou a imprevisibilidade da decisão, com a eventualidade de a decisão ser “de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo» .

O que não sucederá quando, como o alertam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, o documento cuja junção é pretendida ao abrigo da 2ª parte do art 651º, sendo «potencialmente útil à causa», esteja «relacionado com factos que já antes da decisão a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado», pois, o que nessa situação sucede é, pretender-se, a pretexto dessa surpresa, fazer-se a prova que já se devia ter feito.

O que o preceito em causa pretende referir é, afinal, a situação «da decisão da 1.ª instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento», o que acontece, como aqueles autores sublinham, «quando a decisão se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes ou se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação as partes não contavam».

Na situação dos autos, a decisão da improcedência da acção adveio do Exmo Juiz a quo ter entendido, por um lado, que a construção em apreço «não permite que ninguém nela ou sobre ela se debruce, no primeiro dos casos pela própria geometria, no segundo, pelas suas dimensões, designadamente, altura, de quase metro e meio», excluindo, assim, no seu entender, que pudesse «ser tida como um parapeito»; e por outro, que «a peça que – sem que se perceba para quê - os RR. colocaram numa extremidade do gradeamento, a que os AA. chamam de “portão”, ela nem tem largura para ser considerada como tal nem permite o acesso, pois está a tal distância do solo que não permite que ninguém salte de um prédio para o outro» .

Com estas afirmações excluiu a aplicação das normas do nº 2 e 1 do art 1360º CC em função de uma sua interpretação que postula a impossibilidade física dos RR. ou qualquer pessoa (adulta) se debruçar sobre aquele gradeamento por o mesmo ter altura de quase de metro e meio (e, consequentemente estar quase no limite legal), e a impossibilidade, igualmente física, de utilização concreta daquele portão, por ser muito estreito, e porque, estando, seguramente, a mais do que um metro e meio do chão (seguramente, porque à altura de um metro e quarenta e cinco é necessário somar a do muro que subjaz ao dito murete), quem por ele saísse cairia dessa altura ao chão, sem que o Exmo Juiz tivesse antevisto a possibilidade de utilização de uma escada para que tal não sucedesse.

Trata-se de um entendimento que surge pela 1ª vez nos autos e que não pode deixar de justificar perplexidade, sendo legítimo aos AA. que contrariem esse entendimento em função das provas irrefutáveis em sentido contrário de que dispõem e que só não juntaram anteriormente por se lhes afigurar desnecessário fazê-lo perante o que entendem ser o entendimento comum das normas em apreço.

Nas palavras do Acórdão desta Relação de 18/11/2014 7 «(a junção do documento ter-se tornado necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância), pressupõe a novidade da questão decisória justificativa da junção do documento com o recurso, como questão operante (apta a modificar o julgamento) só revelada pela decisão recorrida», que é o que sucede nas referidas situações dos autos.

7 - Relator, Teles Pereira

É que, com os prints que juntam, torna-se claro e indiscutível – até porque o Juiz de instrução e o próprio R. marido o entenderam, este, dando o seu consentimento à proposta de suspensão provisória do processo penal, aquele, determinando-a, nos termos dos arts 281º/1 e 2, 282º e 384º/2 do CPP – que o R. marido colocou um escadote junto do portão e desceu pelo mesmo acedendo ao prédio dos AA, por um lado, e por outro, se debruçou sobre o referido gradeamento, imagens que os RR. não contrariaram, até porque o referido processo penal os teve por base.

Razões que levam a que se admita a junção aos autos das cópias das decisões em causa desse processo e os referidos prints.

Segundo o nº 1 do art. 1360º CC, «O proprietário que no seu prédio levantar edifício ou outra construção não pode abrir nela janelas ou portas que deitem directamente sobre o prédio vizinho sem deixar entre este e cada uma das obras o intervalo de metro e meio».

Segundo nº 2 do mesmo preceito, «igual restrição é aplicável às varandas, terraços, eirados ou obras semelhantes, quando não sejam servidos de parapeitos de altura inferior a metro e meio em toda a sua extensão ou parte dela». Norma esta, de que resulta, quando lida em conjunto com a do nº 1 a que se reporta, que o proprietário que construir varanda, terraço, eirado ou obra semelhante em prédio seu que não diste do do seu vizinho metro e meio só estará em situação legal se tais obras - as varandas, terraços eirados ou semelhantes – se mostrarem servidas de parapeito de altura superior à de um metro e meio em toda a sua extensão ou parte dela..

Por outras palavras, estas de Pires de Lima/Antunes Varela em anotação ao referido preceito8, «as varandas, terraços, eirados ou obras semelhantes só estão sujeitos à restrição do artigo quando sejam servidos de parapeitos de altura inferior a metro e meio em toda a sua extensão ou parte dela».

Assim, o proprietário não pode abrir portas ou janelas sem que deixe entre estas e o limite do prédio vizinho uma distância de metro e meio, sendo esta proibição extensiva a varandas e terraços ou estruturas semelhantes com parapeitos inferiores a um metro meio.

A ratio da exigência, nestes casos, da referida altura do parapeito há muito que se tem por pacífica na doutrina e jurisprudência – a ideia é a de evitar que o prédio vizinho – que não se encontre a mais de metro e meio daquele em que foi colocada varanda, terraço, eirado ou obra semelhante - «seja devassado através do acto de debruçar ou do lançamento de lixo ou outras coisas» (RLJ, Ano 97, página 350). «Não são as vistas que estão em causa, mas, sim, o devassamento traduzido na possível ocupação do prédio vizinho, bastando que no que no parapeito de uma janela ou de um terraço a pessoa se debruçasse numa atitude natural ou estendesse um braço, para que houvesse violação da propriedade alheia» (RLJ, Ano 99, página 240).

Assim é explanado com muita acuidade no Ac desta Relação de 17/11/2009 9, onde se lê, citando-se igualmente Pires de Lima e Antunes Varela:

«É dupla a finalidade desta limitação. Por um lado, pretende-se evitar que o prédio vizinho seja facilmente objecto da indiscrição de estranhos. Por outro lado, quer-se impedir que ele seja facilmente devassado com o arremesso de objectos” (Código Civil Anotado, volume III, 2.ª edição, página 212).

Acrescentando-se: » «Não que o legislador não tenha tido em mente, também, impedir ou dificultar as vistas; prova disso é o estabelecimento da altura mínima de 1,80 metros, a contar do solo ou sobrado, para a implantação das frestas, seteiras, óculos para luz e ar e janelas gradadas (artigos 1363.º, n.º 2, e 1364.º), o que, na prática, inviabiliza se aviste o prédio vizinho, sabido que só uma ínfima percentagem da população portuguesa ultrapassa aquela altura.

Mas a defesa do olhar não pode ter sido a preocupação maior, uma vez que o curto espaço de segurança exigido pelo n.º 1 do artigo 1360.º (um metro e meio) não protege, de forma alguma, contra as vistas; não protege mais, seguramente, do que a distância de meio metro ou de um metro.

O mesmo se não dirá do lançamento de objectos, em que o factor distância já constitui obstáculo de peso ao sucesso da operação.

Se isto é válido, de um modo geral, para as aberturas (portas e janelas), por maioria de razão o é quanto aos terraços, cuja existência a um nível superior ao do prédio vizinho não afecta mais gravemente este do que a simples contiguidade à superfície. A devassa é praticamente a mesma; tanto vale estar no terraço como no solo, para poder ver o que se passa no terreno vizinho (Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., página 215).

Mas já não assim, se o terraço for dotado de parapeito, porque, então, as pessoas podem debruçar-se sobre ele, de forma a ocupar parcialmente o prédio vizinho e a arremessar com mais facilidade objectos para dentro dele. A devassa, elucidam aqueles mestres, começa a tomar aspectos mais graves (local citado). O parapeito proporciona às pessoas condições de segurança para se aproximarem do extremo do terraço e para se debruçarem sobre ele».

«Cria-se, assim, um espaço de normal vivência dos habitantes da casa, começando a possibilidade de devassa, nos dois aspectos, a tornar-se mais grave: será mais fácil que quaisquer objectos se lancem ou caiam no prédio vizinho, e será mais natural que este seja devassado com as vistas em condições mais gravosas do que as resultantes da simples contiguidade ao nível do solo ou da existência de uma superfície a nível superior, mas sem parapeito” (acórdão da Relação do Porto, de 17.12.1987, acima referido). O simples facto de a restrição do n.º 1 do artigo 1360.º se aplicar, tão-somente, aos terraços providos de parapeito de altura inferior a metro e meio significa que não foram as vistas o alvo a proibir. Se, na realidade, o legislador as quisesse impedir de todo, teria fixado a altura em um metro e oitenta, como fez para as aberturas previstas nos artigos 1363.º e 1364.º. Quis-se, com certeza, dificultá-las; mas, acima de tudo, visou-se poupar os habitantes do prédio vizinho da situação, nada agradável, de ver a sua propriedade ocupada, ainda que de forma incipiente, ou servir de vazadouro de lixo» .

Também nesse acórdão se evidencia, o que sendo óbvio, carece, no entanto, de ser equacionado e valorado em função da ratio do art 1360º:

«Evidentemente que nem toda a parede ou suporte (com menos de metro e meio de altura, entenda-se) permite ou facilita a devassa. Se for tão baixa que impeça as pessoas de obterem o apoio necessário para se debruçarem, não funciona a restrição do preceito em análise. Dito de outro modo, só a existência de um parapeito justifica a proibição de construir a menos de 1,5 metros do terreno contíguo, sendo que “não pode considerar-se como tal uma parede divisória de alguns centímetros ou mesmo decímetros de altura. Ele deve ter as dimensões suficientes para que possa servir de apoio à pessoa, para que esta possa debruçar-se, apoiando-se nele, sobre o terreno do vizinho” (Pires de Lima e Antunes Varela, último local citado). Ou, como se escreveu no referido acórdão da Relação do Porto, de 17.12.1987, a restrição é afastada se o muro que veda o terraço “tiver uma altura tão pequena que praticamente impeça a normal frequência do respectivo espaço, tal como sucederia se este não fosse provido de qualquer muro. Na verdade, se o muro tiver apenas alguns centímetros, ou mesmo uns escassos decímetros de altura, a situação, naquele aspecto, é equiparável à não existência do muro».

Em função destas considerações, ponderem-se os factos 24 e 25 atrás referidos.

24 -Entre outras das alterações que levaram a efeito, os RR. procederam a trabalhos de aterro na parte do seu prédio que confronta a poente com o prédio dos AA, constituindo desse lado uma zona pavimentada descoberta, isto é, um terraço;

25- Que delimitaram com um murete em pedra com a altura de 67 cm, em que colocaram o gradeamento em ferro pintado de branco que se observa na fotografia junta a fls 128, cuja altura é a 78 cm.

O vocábulo «parapeito», com o sentido com que é utilizado no nº 2 do art 1360º, cobre uma situação fáctica deste tipo. 10

10 - Diz-se no sumário do Ac R P 17/12/1987: «I -A construção de varandas, terraços, eirados ou obras semelhantes, sem o intervalo legal em relação ao prédio vizinho, é proibida apenas quando sejam servidos de muro cuja altura permita qualificá-lo de parapeito II - Só então se agrava, em termos significativos, a possibilidade de devassa do prédio vizinho, em relação à que haveria no caso de simples contiguidade ao nível do solo».

O conteúdo a atribuir a este vocábulo, no contexto normativo em que se insere, não corresponde, como os apelados o parecem pretender, ao de uma estrutura necessariamente confortável para alguém se debruçar e se manter nessa posição, mas à existência de uma barreira, que, pela sua altura – que já se viu não poder ser tão pouca que não permita que a pessoa se debruce sem perigo - e por não ser finalizada com material que a tanto obste – como seria o caso de terminar com adornos pontiagudos - permita a um adulto de estatura média que se debruce sobre o terreno vizinho.

E a circunstância de em concreto o parapeito em causa – resultado da conjugação do murete com o gradeamento nele colocado – só por 5 cm não atingir o limite legal, tem que se ter como irrelevante, sabido como é que a lei está cheia de limites deste tipo aritmético cuja observância se impõe, pese embora a sua possível discutibilidade em abstracto. Discutibilidade que no caso dos autos nem sequer se coloca perante o “print” junto, em que se verifica a possibilidade de debruço que a superfície em causa, com aquela altura, oferece e permite.

Por outro lado, resulta do facto 28º que os AA. no topo norte do terraço já referido instalaram um portão a deitar directamente para o prédio dos AA, sabendo-se do auto de inspecção que esse portão tem a largura de 62 cm e a altura de 78 cm .

A largura em causa permite objectivamente a passagem de um adulto.

O R. utilizou esse portão, como resulta do “print” junto, tendo para o efeito colocado uma escada junto ao mesmo e por ela descido.

E, independentemente dessa atitude, os RR. não o teriam instalado se não tivessem por objectivo servir-se dele, tanto mais que, segundo referiram na contestação, o mesmo “deitava” para prédio deles – a parcela que na contestação identificam pela parcela A .

Aqui chegados e parecendo que as previsões do nº 2 e do nº 1 do art 1360º CPC se verificam e que se imporia, consequentemente, a procedência da acção, quer no respeitante à demolição do gradeamento (que, só por si, implicaria a demolição do portão), quer, autonomamente, a demolição deste, levanta-se um sério obstáculo a essa procedência.

A norma em causa postula, como já se viu, que as obras em causa «deitem directamente sobre o prédio vizinho».

Pretenderam os AA. fazer prova deste requisito alegando que o seu prédio tem a configuração e implantação que constam da planta de implantação junta sob o doc 4 – art 17º da petição – planta esta datada do ano de 2014 e que faz parte do projecto de licenciamento apresentado na altura junto da Câmara Municipal ... – art 18º da petição, pedindo, a final, a condenação dos RR. a reconhecerem o direito de propriedade deles relativamente ao prédio identificado no art 1º da petição inicial, com a configuração e implantação representada na planta de implantação junta como doc nº 4, naturalmente enquanto pressuposto do segundo pedido formulado de demolição das obras (gradeamento com parapeito e portão) que erigiram no prédio confinante a nascente.

Sucede que o Exmo Juiz a quo julgou Não Provado o facto alegado no art 17º - que o prédio dos AA. tem a configuração e implantação que constam da planta de implantação junta sob o doc 4.

Como julgou Não Provada a matéria alegada pelos AA. no art 20º da petição – que, (confrontando o prédio dos AA. no nascente com caminho – o que resultou provado, facto 19 advindo da petição), exista desse lado nascente, encravado entre parte do caminho aludido e o prédio dos AA, o prédio dos RR. – facto não provado 20 advindo da petição.

Como acima já se referiu, ficou em absoluto por fundamentar toda a matéria de facto Não Provada, porquanto a fórmula utilizada para o efeito pelo Exmo Magistrado se mostra circularmente oca. Concretamente, e no que aqui importa, a matéria de facto Não provada adveniente dos referidos arts 17º e 20º da petição, e também a muita e confusa matéria de facto Não Provada alegada pelos RR. na contestação para contrariarem a configuração que os AA. pretendem para o seu prédio.

Sabe-se, por outro lado, que o prédio dos AA. confronta do nascente com caminho e que a nascente do prédio dos AA. existe o prédio dos RR. – factos 19 e 20 – não se compreendendo bem o que a respeito do dito caminho ficou a constar do auto de inspecção ( (…) situados no prédio dos AA. e junto à entrada da casa dos mesmos, e a olhar para o prédio dos RR., verificou-se que existe um caminho, a uma distância da casa dos AA. de 4,30 m à direita, e a 3,90 à esquerda, atenta a posição (medições feitas dos limites do muro dos RR.), sendo certo que, como o dispõe o art 1361º, «as restrições do artigo precedente não são aplicáveis a prédios separados entre si por estrada, caminho, rua, travessa ou outra passagem por terreno do domínio público»

Sucedendo, no entanto, que foi dado como Provado no Facto 26, que, no topo norte do terraço, foi instalado um portão, a deitar directamente para o prédio dos AA.

Esta expressão, «a deitar directamente para o prédio dos AA», no contexto indefinido, porque absolutamente não fundamentado, dos demais factos a que se fez referência, implica que a decisão proferida sobre toda essa matéria de facto não provada se mostre obscura, em função da sua imprecisão e até equivocidade, obscuridade que não se mostrando suprível por este Tribunal da Relação em face da referida não fundamentação, determina a anulação do julgamento, no que lhe respeita, nos termos da al c) do nº 2 do art 662º CPC”.


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Remetidos os autos à primeira instância, veio o Sr. Juiz, acto contínuo, a proferir nova sentença, na qual absolveu novamente os RR. do pedido.

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Inconformados com esta decisão, impetraram novamente os AA. recurso da mesma, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:

“A) Nulidade da Sentença

1.ª A sentença recorrida é nula por não acatar a decisão anterior do Tribunal da Relação e por não se pronunciar sobre questões essenciais.

2.ª O juiz de primeira instância ignorou as alterações na matéria de facto já determinadas em recurso anterior, em concreto nos factos provados 24, 25 e 26.

3.ª Foram mantidas formulações que já tinham sido corrigidas, como a designação de "varanda" em vez de "terraço" e "portinhola" em vez de "portão".

4.ª O tribunal de primeira instância não suprimiu o facto 29, apesar de tal ter sido determinado pelo Tribunal da Relação.

B) Erro na Matéria de Facto

5.ª O tribunal não deu como provado o facto 17 (configuração do prédio dos AA conforme a planta junta), apesar da evidência documental e testemunhal.

6.ª A prova testemunhal confirma que nunca existiu um caminho público entre os prédios dos AA e dos RR.

7.ª A própria fundamentação da sentença recorrida reconhece que os prédios são contíguos, mas ainda assim, mantém o julgamento errado do facto não provado 17.

8.ª A testemunha FF (cujo depoimento se encontra no CD, dos minutos 14:34:05 aos minutos 14:53:44, do dia 29/10/2021) afirma que conhece o local há 38 anos e que nunca existiu qualquer caminho entre os prédios dos AA e dos RR (minutos 02:27 aos minutos 03:07).

9.ª A testemunha II (cujo depoimento se encontra no CD, dos minutos 14:54:44 aos minutos 15:09:33, do dia 29/10/2021), confirma que o prédio dos AA sempre esteve delimitado pelas suas paredes, sem qualquer passagem entre os dois terrenos (minutos 02:04 aos minutos 02:55).

10.ª A testemunha ENG. JJ (o seu depoimento encontra-se no CD, dos minutos 15:13:00 aos minutos 15:25:02, do dia 29/10/2021), responsável pelo levantamento topográfico, declarou que, na altura em que fez o levantamento, não existia caminho algum entre os dois prédios (minutos 01:38 aos minutos 02:42 e minutos 03:16 aos minutos 04:02).

11.ª A testemunha KK (o seu depoimento encontra-se no CD, dos minutos 15:29:57 aos minutos 15:38:56, do dia 29/10/2021) diz que vive no local desde criança e sempre conheceu os limites dos terrenos conforme os muros que atualmente existem (minutos 01:49 aos minutos 03:14 do seu depoimento).

12.ª A testemunha LL (o seu depoimento encontra-se no CD, dos minutos 15:39:36 aos minutos 15:53:26, do dia 29/10/2021) atesta que o prédio dos AA ia até às paredes da casa dos RR e que nunca existiu um caminho público a separá-los, existindo um caminho público localizado noutra zona (situado “no exterior, depois desta casa que tem o gradeamento branco para cima…[entenda-se da casa dos RR]”) (minutos 03:25 a 04:02 e minutos 05:21 aos 06:33).

13.ª A testemunha MM (o seu depoimento encontra-se no CD, dos minutos 15:53:29 aos minutos 16:03:03, do dia 29/10/2021), filha do antigo proprietário do prédio dos AA, confirma que o terreno sempre esteve delimitado por muros e que o único caminho público existente é externo ao terreno (minutos 03:04 a 03:25 e minutos 07:51 a 08:41).

14.ª Desta forma, nos termos da al. c), do n.º 1, do artigo 640.º do CPC, deve dar-se como provado o facto não provado 17, que deve passar a ter a seguinte redação:

«Factos provados:

17. O prédio dos AA descrito no precedente facto 1 tem a configuração e implantação que constam da planta que se junta sob o doc. n.º 4».

Ou, se assim não se entender:

«Facto provado:

17. Entre o prédio dos AA e o muro do prédio dos RR nunca existiu qualquer caminho público, sendo aqueles prédios contíguos entre si.»

C) Questão Jurídica

15.ª O tribunal não respeitou a decisão do Tribunal da Relação, violando o princípio da hierarquia e do caso julgado formal.

16.ª A manutenção do erro na matéria de facto compromete a correta aplicação do artigo 1360.º do Código Civil, essencial para a decisão sobre a demolição do gradeamento e do portão.

17.ª Decorre da prova produzida e da própria fundamentação da sentença recorrida que não existe nenhum caminho público entre o prédio dos AA e o prédio dos RR, deitando as obras (parapeito com gradeamento e portão) levadas a cabo por estes (RR) no seu prédio diretamente para o prédio daqueles (AA).

18.ª A sentença recorrida deve ser anulada e substituída por uma decisão que respeite as determinações do Tribunal da Relação.

19.ª Violou o Tribunal “a quo”, com a sentença proferida, o disposto nos artigos 615.º, n.º 1, alínea d); 620.º e 152.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil e artigo 1360.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil.

NESTES TERMOS, e com o douto suprimento deste Venerando Tribunal:

Revogando a decisão em recurso, condenando os Réus nos pedidos contra os mesmos deduzidos, Vªs. Exªs farão, como sempre, a habitual JUSTIÇA!”


*


Em sede de contra-alegações, os RR. vieram pugnar pela manutenção da decisão recorrida.


*


Corridos que se mostram os vistos aos Srs. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre decidir.

***

QUESTÕES A DECIDIR


Nos termos do disposto nos artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.[2]

Tendo sido proferida nova sentença na sequência da anulação da sentença proferida em 12/02/2024, a questão prévia que importa decidir é se:
a)  a sentença proferida em 05/03/2025, é nula por violação do dever de acatamento da decisão contida no Acórdão proferido neste Tribunal em 10/09/2024.
b) se esta nulidade é suprível por este tribunal;
c) se deve ser alterada a decisão de facto proferida pela primeira instância, julgando-se nessa sequência, procedentes os pedidos dos AA. de reconhecimento do seu direito de propriedade sobre aquele imóvel e o dever dos RR. de demolirem o gradeamento com parapeito e portão.


***

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO


A factualidade relevante para além da que já consta do relatório é a seguinte:

1-O tribunal recorrido considerou a seguinte matéria de facto na sentença proferida em 12/02/2024:

Da petição

1 -Os AA são donos do prédio que é documentalmente identificado como URBANO, denominado ..., sito em ..., com a área de 800m2 (correspondendo 223,65 à área de implantação do edifício) inscrito na matriz sob o artigo ...87 da União das Freguesias ... e ... (antes sob o artigo Urbano ...36 da freguesia ...) e descrito no registo sob a ficha 524 da freguesia ....

2 -Prédio este que constitui a casa que edificaram na perspectiva de ser a sua casa de habitação quando finalmente regressassem definitivamente a Portugal, uma vez que são emigrantes no Luxemburgo.

3 -Para o fazerem adquiriram o prédio rústico onde o mesmo foi implantado,

4 - Compra esta feita aos anteriores titulares inscritos no direito,

5 -Estavam ainda os AA no estado de solteiros.

6 -Por escritura de compra e venda outorgada no Cartório Notarial ... no dia 30 de Agosto de 2004 e lavrada a folhas 62 e seguintes do Livro de Notas para Escrituras Diversas ...23-D, NN e mulher, OO, declararam ser donos e possuidores do prédio atrás referido, à data identificado como prédio RÚSTICO sito à ... e então inscrito na matriz respectiva sob o artigo ...85 e no registo predial sob o n.º ...24 de ..., com inscrição ... da aquisição a favor deles, e declararam ainda que por aquele título o vendiam aos também outorgantes AUTORES, aos dois e em comum e partes iguais,

7 -Tendo os AUTORES declarado aceitar tal venda.

8 -De tal aquisição foi lavrada inscrição a favor dos AUTORES pela apresentação n.º 1 de 6 de Setembro de 2004.

9- Tal prédio (primeiro como terreno rústico, depois como prédio urbano) desde há 10, 15, 20 e mais anos que anda na posse dos AUTORES, por si e antecessores no direito, os quais, de forma exclusiva, directamente ou através de familiares ou de terceiros que contratam, extraem todas as utilidades que o mesmo é susceptível de produzir,

10 - Cultivando as terras e colhendo os seus frutos (utilização esta que cessou quando os AA se decidiram a afectar o prédio à edificação), nele edificando, através de homens que contrataram para o efeito, e a quem pagaram,

11- Como adquiriram e pagaram os materiais utilizados na obra,

12 -Procedendo depois a diversas obras de melhoramento,

13- Cuidando do respectivo logradouro, ajardinando-o e contratando pessoal especializado para o efeito.

14 - À vista de toda a gente,

15 - Sem oposição de quem quer que seja, RR incluídos,

18 - A planta junta pelos autores como documento nº 4 data do ano de 2004 e faz parte do projecto de licenciamento apresentado na altura junto da Câmara Municipal ....

19 - O prédio dos AA confronta do nascente com caminho,

20 -A nascente do prédio dos autores existe o prédio dos RR.

21 -E que, quando os AA. adquiriram o seu, se encontrava em degradação.

22 -Os RR. têm procedido a obras de reconstrução, restauro e alteração daquele prédio.

23 -Inicialmente os RR. começaram até por vedar, murando-o, o seu prédio, obra que, nesta parte, até foi do agrado dos AA, uma vez que preservava a intimidade e a privacidade dos RR, mas também dos próprios AA.

24 - Entre outras das alterações que levaram a efeito, os RR. procederam a trabalhos de aterro na parte do seu prédio que confronta a poente com o prédio dos AA., constituindo desse lado uma zona pavimentada descoberta, de tipo varanda.

25 - (…) munido de parapeito, a deitar para o lado do prédio dos AUTORES.

26 - E fazendo ainda a instalação, no topo norte de tal terraço, de uma portinhola, a deitar directamente para o prédio dos AUTORES.

29- O parapeito do gradeamento que delimita o terraço dos RR tem altura de um metro e quarenta e cinco centímetros.

25 - Que delimitaram e orlaram através de um gradeamento na estrema do lado que dá para o prédio dos autores.

Da contestação

17 - Por escritura de partilha realizada no Cartório Notarial ... no dia 16/07/2007, os réus adquiriram o prédio documentalmente identificado como urbano, situado em ... – ..., freguesia ..., concelho ..., composto de casa de habitação com a superfície coberta de cento e vinte e quatro metros e seis decímetros quadrados e quintal com a superfície descoberta de sessenta e nove metros e cinquenta e um decímetros quadrados, a confrontar do norte e do sul com caminho, a nascente e a poente com herdeiros de EE, na matriz sob o artigo ...9, hoje em nome dos réus na conservatória do registo predial sob a ficha n.º ...06.

18 - Desse prédio, têm os réus, há mais de vinte anos, por si e ante possuidores, retirado todas as utilidades que o mesmo lhes proporciona, de forma ininterrupta, como se coisa própria se tratasse.

O Tribunal da 1ª instância julgou não provados os seguintes factos.

Da petição

17- O qual tem a configuração e implantação que constam da planta de implantação que se junta sob o doc. nº 4.

20 -(…) encravado entre parte do caminho aludido e o prédio dos AA.

22- (…) sem licenciamento para o efeito.

24 -(…) os RR procederam a trabalhos que constituem um terraço.

26 -E fazendo ainda a previsão da instalação, no topo norte de tal terraço, de um portão, igualmente a deitar directamente para o prédio dos AUTORES.

Da contestação

16 -O prédio dos Autores confronta do norte com PP.

19 -Esse prédio dos Réus, além de uma parte edificada, como habitação, tem uma parte descoberta com uma área de 69,51 m2, identificável como quintal e ainda pelas letras A e B e que estas mais não são do que dois pequenos pedaços de terreno onde a dita EE cultivava as suas couves, o seu feijão e onde hoje os réus nada têm, além de pedras, pois que residem no ... e só regressam a esse seu prédio nas férias ou em períodos alargados de fins-de-semana.

20 -Esses dois pequenos pedaços de terrenos encontram-se murados, a um plano superior ao caminho que separa o prédio dos autores do prédio dos réus, pois, sim, entre o prédio dos réus (a norte) e o prédio dos autores (a nascente), encontra-se um caminho que sempre foi utilizado quer pela dita EE, quer pelo senhor NN, proprietário imediatamente anterior do prédio dos autores, quer por quem quisesse por ali aceder aos prédios situados a norte e a poente do prédio dos autores.

21 -Era apenas por esse caminho, a nascente do prédio dos autores e a norte do prédio dos réus, que se passava para as terras situadas a poente e a norte do prédio dos autores, sendo que a dita EE cultivava os pequenos terrenos e era por ali que passava, bem como o Senhor QQ, que tinha um curral nesse terreno que, quando largava as cabras, e para que não saíssem dali, colocava uma porteira de madeira ao lado da cozinha dos réus, retirando-a de seguida, sendo, aliás, aquela, a única abertura e passagem, já que o muro que existia a poente do prédio dos réus, só agora os autores deitaram abaixo para fazer uma entrada com o portão.

22 - Com a construção da casa dos autores, estes trataram de delimitar toda a área que se arrogavam proprietários com um muro que erigiram e colocaram dois portais para depois, mais recentemente, fecharem com portões, de modo a impedir os réus a passar para os ditos pequenos pedaços de terreno, arrogando-se, nesta acção e apenas agora, donos dos mesmos.

23- Há mais de vinte, trinta ou mais anos, por si e ante possuidores, designadamente a dita EE, que os réus, ininterruptamente, têm retirado daqueles dois pedaços de terreno que fazem parte da área descoberta do seu prédio acima identificado, todas as utilidades que os mesmos são susceptíveis,

24 - Regando as couves, o feijão e as batatas, colhendo os frutos e podando árvores, providenciando pela sua manutenção bem como dos muros que as suportam,

25 Actos esses praticados à vista de toda a gente, Autores incluídos, sem que ninguém se lhe oponha ou questione esse seu direito,

26- Agindo, réus e ante possuidores, na convicção de que exercem um direito próprio e exclusivo e que não ofendem direito ou legítimo interesse alheio,

28- A nascente do prédio dos autores há um caminho.

29 -A janela da cozinha do prédio dos réus deita para esse caminho a nascente.

30 -Em 2010 esse caminho se encontrava aberto e só posteriormente os autores o fecharam, altura em que os réus deixaram de poder aceder aos terrenos.

2-Nessa sentença consignou-se a seguinte fundamentação da matéria de facto:

O teor dos documentos juntos está na base da fixação dos factos relativos à aquisição das propriedades. Da fotografia igualmente se extrai como delimitaram, no ponto cardeal para onde se encontra o prédio dos autores, o prédio que pertence aos réus, e donde se verifica que se trata de um muro sobre o qual está um gradeamento.

Os depoimentos foram tidos como importantes para esclarecer – para além da fotografia – as características de altura e de “parapeito” do conjunto formado por muro e gradeamento que os autores querem ver demolido. As medições tiradas em inspecção foram conmsideradas.

Muito em especial, a testemunha RR, primo do autor, serralheiro reformado que declarou ter sido ele quem construiu o referido gradeamento e o colocou em cima do muro. Foi peremptório ao esclarecer que o gradeamento tem cerca de 60 centímetros de altura, e o muro entre 90 a um metro, logo, o muro e o gradeamento, juntos, “é capaz” de ter 1.6m do lado dos autores, do outro lado, mais de 2 metros. Esclareceu que, seja por via dessa altura seja pela morfologia da construção, não consegue apoiar-se ou debruçar-se para o prédio vizinho. Estas características – dimensões e tipologia – não foram desmentidas, aliás, por nenhum dos depoentes inquiridos, sequer pelas declarações de parte prestadas pelo autor, que referiu que a construção, enquanto se limitava a muro, foi do seu agrado (cfr. art.º 23º da petição), enquanto que, presentemente, “está mas alto do que eu”.

De um modo geral, os factos dados por não provados assim o foram por contradizerem outros, dados como provados, ou por sobre eles não ter sido produzida qualquer prova.

Importa considerar que não foram dados como provados quaisquer termos atinentes a alguns (outros) pontos dos articulados, desde logo por se considerar serem redundantes e repetitivos, por se entender não se tratar de factos, mas de argumentos ou juízos conclusivos, ou por terem sido tidos como totalmente irrelevantes para a presente decisão.”

3-Por Acórdão proferido nesta Relação datado de 10 de Setembro de 2024, decidiu-se “nos termos da al c) do nº 2 do art 662º, em determinar a anulação da decisão recorrida no que se reporta aos Factos Não Provados 17 e 20 advindos da petição inicial, da totalidade dos Factos Não Provados advindos da contestação e do Facto Provado 26, no que respeita à expressão «a deitar directamente para o prédio dos AA», devendo proceder-se na 1ª instância nos termos da al b) do nº 3 dessa norma.”

4-Devolvidos os autos à primeira instância, foi proferido sentença datada de 05/03/2025, na qual se fixaram os seguintes factos:

petição

1

Os AA são donos do prédio que é documentalmente identificado como :

URBANO, denominado ..., sito em ..., com a área  de 800m2 (correspondendo 223,65 à área de implantação do edifício) inscrito na  matriz sob o artigo ...87 da União das Freguesias ... e ... (antes sob o artigo Urbano ...36 da freguesia ...) e descrito no registo sob a ficha 524 da freguesia ....

2

Prédio este que constitui a casa que edificaram na perspectiva de ser a sua casa de  habitação quando finalmente regressassem definitivamente a Portugal, uma vez que  são emigrantes no Luxemburgo.

3

Para o fazerem adquiriram o prédio rústico onde o mesmo foi implantado,

4

Compra esta feita aos anteriores titulares inscritos no direito,

5

Estavam ainda os AA no estado de solteiros.

6

Por escritura de compra e venda outorgada no Cartório Notarial ... no dia 30 de Agosto de 2004 e lavrada a folhas 62 e seguintes do Livro de Notas para Escrituras Diversas ...23-D, NN e mulher, OO, declararam ser donos e possuidores do prédio atrás referido, à data

identificado como prédio RÚSTICO sito à ... e então inscrito na matriz respectiva sob o artigo ...85 e no registo predial sob o n.º ...24 de ..., com inscrição ... da aquisição a favor deles, e declararam ainda que por aquele título o vendiam aos também outorgantes AUTORES, aos dois e em comum e partes iguais,

7

Tendo os AUTORES declarado aceitar tal venda.

8

De tal aquisição foi lavrada inscrição a favor dos AUTORES pela apresentação n.º 1 de 6 de Setembro de 2004.

9

Tal prédio (primeiro como terreno rústico, depois como prédio urbano) desde há 10, 15, 20 e mais anos que anda na posse dos AUTORES, por si e antecessores no direito, os quais, de forma exclusiva, directamente ou através de familiares ou de terceiros que contratam, extraem todas as utilidades que o mesmo é susceptível de produzir,

10

Cultivando as terras e colhendo os seus frutos (utilização esta que cessou quando os AA se decidiram a afectar o prédio à edificação), nele edificando, através de homens que contrataram para o efeito, e a quem pagaram,

11

Como adquiriram e pagaram os materiais utilizados na obra,

12

Procedendo depois a diversas obras de melhoramento,

13

Cuidando do respectivo logradouro, ajardinando-o e contratando pessoal especializado para o efeito

14

À vista de toda a gente,

15

Sem oposição de quem quer que seja, RR incluídos,

18

A planta junta pelos autores como documento nº 4 data do ano de 2004 e faz parte do projecto de licenciamento apresentado na altura junto da Câmara Municipal ....

19

O prédio dos AA confronta do nascente com caminho,

20

A nascente do prédio dos autores existe o prédio dos RR.

21

E que, quando os AA adquiriram o seu, se encontrava em degradação.

22

Os RR têm procedido a obras de reconstrução, restauro e alteração daquele prédio.

23

Inicialmente os RR começaram até por vedar, murando-o, o seu prédio, obra que, nesta parte, até foi do agrado dos AA, uma vez que preservava a intimidade e a privacidade dos RR, mas também dos próprios AA.

24

Entre outras das alterações que levaram a efeito, os RR procederam a trabalhos de aterro na parte do seu prédio que confronta a poente com o prédio dos AA, constituindo desse lado uma zona pavimentada descoberta, de tipo varanda.

25

(…) munido de parapeito, a deitar para o lado do prédio dos AUTORES.

26

E fazendo ainda a instalação, no topo norte de tal terraço, de uma portinhola, a deitar directamente para o prédio dos AUTORES.

29

O parapeito do gradeamento que delimita o terraço dos RR tem altura de um metro e quarenta e cinco centímetros.

25

Que delimitaram e orlaram através de um gradeamento na estrema do lado que dá para o prédio dos autores.

contestação

17

Por escritura de partilha realizada no Cartório Notarial ... no dia 16/07/2007, os réus adquiriram o prédio documentalmente identificado como urbano, situado em ... –

..., freguesia ..., concelho ..., composto de casa de habitação com a superfície coberta de cento e vinte e quatro metros e seis decímetros quadrados e quintal com a superfície descoberta de sessenta e nove metros e cinquenta e um decímetros quadrados, a confrontar do norte e do sul com caminho, a nascente e a poente com herdeiros de EE, na matriz sob o artigo ...9, hoje em nome dos réus na conservatória do registo predial sob a ficha n.º ...06.

18

Desse prédio, têm os réus, há mais de vinte anos, por si e ante possuidores, retirado todas as utilidades que o mesmo lhes proporciona, de forma ininterrupta, como se coisa própria se tratasse.

Estes os factos provados.

Relevantes para a decisão do pleito, outros mais não se provaram.

Sem exigências de exclusão ou de preclusão, e nomeadamente, não resultaram provados os seguintes factos.

ii – factos não provados

petição

17

O qual tem a configuração e implantação que constam da planta de implantação que se junta sob o doc. nº.4.

20

(…) encravado entre parte do caminho aludido e o prédio dos AA.

22

(…) sem licenciamento para o efeito.

24

(…) os RR procederam a trabalhos que constituem um terraço.

26

E fazendo ainda a previsão da instalação, no topo norte de tal terraço, de um portão, igualmente a deitar directamente para o prédio dos AUTORES.

contestação

16

O prédio dos Autores confronta do norte com PP.

19

Esse prédio dos Réus, além de uma parte edificada, como habitação, tem uma parte descoberta com uma área de 69,51 m2, identificável como quintal e ainda pelas letras A e B e que estas mais não são do que dois pequenos pedaços de terreno onde a dita EE cultivava as suas couves, o seu feijão e onde hoje os réus nada têm, além de pedras, pois que residem no ... e só regressam a esse seu prédio nas férias ou em períodos alargados de fins-de-semana.

20

Esses dois pequenos pedaços de terrenos encontram-se murados, a um plano superior ao caminho que separa o prédio dos autores do prédio dos réus, pois, sim, entre o prédio dos réus (a norte) e o prédio dos autores (a nascente), encontra-se um caminho que sempre foi utilizado quer pela dita EE, quer pelo senhor NN, proprietário imediatamente anterior do prédio dos autores, quer por quem quisesse por ali aceder aos prédios situados a

norte e a poente do prédio dos autores.

21

Era apenas por esse caminho, a nascente do prédio dos autores e a norte do prédio dos réus, que se passava para as terras situadas a poente e a norte do prédio dos autores, sendo que a dita EE cultivava os pequenos terrenos e era por ali que passava, bem como o Senhor QQ, que tinha um curral nesse terreno que, quando largava as cabras, e para que não saíssem dali, colocava uma porteira de madeira ao lado da cozinha dos réus, retirando-a de seguida, sendo, aliás, aquela, a única abertura e passagem, já que o muro que existia a poente do prédio dos réus, só agora os autores deitaram abaixo para fazer uma entrada com o portão.

22

Com a construção da casa dos autores, estes trataram de delimitar toda a área que se arrogavam proprietários com um muro que erigiram e colocaram dois portais para depois, mais recentemente, fecharem com portões, de modo a impedir os réus a passar para os ditos pequenos pedaços de terreno, arrogando-se, nesta acção e apenas agora, donos dos mesmos.

23

Há mais de vinte, trinta ou mais anos, por si e ante possuidores, designadamente a dita EE, que os réus, ininterruptamente, têm retirado daqueles dois pedaços de terreno que fazem parte da área descoberta do seu prédio acima identificado, todas as utilidades que os mesmos são susceptíveis,

24

Regando as couves, o feijão e as batatas, colhendo os frutos e podando árvores, providenciando pela sua manutenção bem como dos muros que as suportam,

25

Actos esses praticados à vista de toda a gente, Autores incluídos, sem que ninguém se lhe oponha ou questione esse seu direito,

26

Agindo, réus e ante possuidores, na convicção de que exercem um direito próprio e exclusivo e que não ofendem direito ou legítimo interesse alheio,

28

A nascente do prédio dos autores há um caminho.

29

A janela da cozinha do prédio dos réus deita para esse caminho a nascente.

30

Em 2010 esse caminho se encontrava aberto e só posteriormente os autores o fecharam, altura em que os réus deixaram de poder aceder aos terrenos.”

5-É a seguinte a fundamentação consignada pelo Sr. Juiz de primeira instância:

O teor dos documentos juntos está na base da fixação dos factos relativos à aquisição das propriedades. Da fotografia igualmente se extrai como delimitaram, no ponto cardeal para onde se encontra o prédio dos autores, o prédio que pertence aos réus, e donde se verifica que se trata de um muro sobre o qual está um gradeamento.

Os depoimentos foram tidos como importantes para esclarecer – para além da fotografia – as características de altura e de “parapeito” do conjunto formado por muro e gradeamento que os autores querem ver demolido. As medições tiradas em inspecção foram consideradas.

Muito em especial, a testemunha RR, primo do autor, serralheiro reformado que declarou ter sido ele quem construiu o referido gradeamento e o colocou em cima do muro. Foi peremptório ao esclarecer que o gradeamento tem cerca de 60 centímetros de altura, e o muro entre 90 a um metro, logo, o muro e o gradeamento, juntos, “é capaz” de ter 1.6m do lado dos autores, do outro lado, mais de 2 metros. Esclareceu que, seja por via dessa altura seja pela morfologia da construção, não consegue apoiar-se ou debruçar-se para o prédio vizinho. Estas características – dimensões e tipologia – não foram desmentidas, aliás, por nenhum dos depoentes inquiridos, sequer pelas declarações de parte prestadas pelo autor, que referiu que a construção, enquanto se limitava a muro, foi do seu agrado (cfr. art.º 23º da petição), enquanto que, presentemente, “está mas alto do que eu”. Importa ainda esclarecer que esta testemunha foi tida por fundamental para a definição dos factos provados por duas ordens de motivos: primeiro, tenho para mim que dificilmente encontro pessoa mais qualificada para falar sobre uma construção do que quem efectiva e pessoalmente a realizou; segundo, porque denotou, além desse perfeito conhecimento, uma seriedade e correcção ao depor que me fez qualificá-la como testemunha (e testemunho) credível.

A expressão “a deitar directamente para o prédio dos aa”, por seu turno, foi dada como provada por, tendo sido alegada pelos sujeitos processuais, assim efectivamente se verificar, pois que nada se interpõe entre uma parte do gradeamento e o prédio dos autores, a não ser uma diferença de altura entre o chão da varanda e o do referido prédio, de cerca de dois metros.

De um modo geral, os factos dados por não provados assim o foram por contradizerem outros, dados como provados, ou por sobre eles não ter sido produzida qualquer prova. Repito e sublinho, não foi, em meu entender, produzida qualquer prova sobre os factos dados por não provados.

Importa considerar que não foram dados como provados quaisquer termos atinentes a alguns (outros) pontos dos articulados, desde logo por se considerar serem redundantes e repetitivos, por se entender não se tratar de factos, mas de argumentos ou juízos conclusivos, ou por terem sido tidos como totalmente irrelevantes para a presente decisão.”


*


FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A) Da nulidade da sentença por violação do dever de acatamento do Acórdão proferido em 10/09/2024

Proferido Acórdão nesta Relação que, num primeiro momento, procedeu à alteração dos pontos de facto provados nºs 25 e 26 e suprimiu o ponto de facto provado nº 29 e, num segundo momento, anulou a sentença proferida em primeira instância “no que se reporta aos Factos Não Provados 17 e 20 advindos da petição inicial, da totalidade dos Factos Não Provados advindos da contestação e do Facto Provado 26, no que respeita à expressão «a deitar directamente para o prédio dos AA», verifica-se que o Sr. Juiz de primeira instância proferiu uma decisão absolutamente idêntica à primeira, com ligeiras e irrelevantes alterações na fundamentação do depoimento da testemunha, única por si considerada e na fundamentação da expressão “a deitar directamente para o prédio dos aa” .

E se a fundamentação dos factos provados em relação à expressão contida na parte final do ponto de facto 26, acrescentou “A expressão “a deitar directamente para o prédio dos aa”, por seu turno, foi dada como provada por, tendo sido alegada pelos sujeitos processuais, assim efectivamente se verificar, pois que nada se interpõe entre uma parte do gradeamento e o prédio dos autores, a não ser uma diferença de altura entre o chão da varanda e o do referido prédio, de cerca de dois metros.” esta fundamentação em si nada esclarece, nem obedece ao determinado no Acórdão desta Relação, tendo em conta que se mantêm como não provados factos dos quais resulte a localização espacial do prédio dos AA. e RR.

O disposto no artº 4, nº1, in fine, do Estatuto dos Magistrados Judiciais (com a alteração introduzida pela Lei nº 67/2019 de 27/08) consagra o dever de acatamento pelos tribunais inferiores das decisões proferidas, em via de recurso, pelos tribunais superiores.

Dever de acatamento que determina que não possa o Juiz de primeira instância desobedecer ao determinado por um tribunal superior. Aliás, este dever de acatamento resulta igualmente imposto pelo art.º 152, n.º 1, do CPC, o qual dispõe que os “juízes têm o dever de administrar justiça, proferindo despacho ou sentença sobre as matérias pendentes e cumprindo, nos termos da lei, as decisões dos tribunais superiores”.

Mas para além deste dever funcional, as decisões proferidas pelo tribunal superior têm força obrigatória dentro do processo, quer se versarem a decisão material controvertida, formando caso julgado material, quer se incidirem sobre a relação processual, formando então caso julgado formal. Com efeito, dispõe o artº 620, nº1 do C.P.C. que “1 - As sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo.

Ora, como nos ensina Lebre de Freitas/Isabel Alexandre[3] constituem decisões que versam sobre a relação processual, todas aquelas que não decidam uma questão de mérito.

 Nestes termos, conforme refere Remédio Marques[4], o caso julgado formal “só é vinculativo no próprio processo (e respectivos incidentes que correm por apenso) em que a decisão foi proferida, obstando a que o juiz possa na mesma acção, alterar a decisão proferida - mas não impede que a mesma questão processual seja decidida em outra acção, de forma diferente pelo mesmo tribunal ou por outro tribunal”.

Num caso e noutro visa-se a coerência e segurança do sistema jurídico impedindo que sejam proferidas decisões de conteúdo contraditório sobre a mesma questão.

Nesse caso, decorre do disposto no artº 625 do C.P.C. que “1-Havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar.

2 - É aplicável o mesmo princípio à contradição existente entre duas decisões que, dentro do processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual.”

Revertendo a esta caso, o Acórdão desta Relação de 10/09/2024, transitado em julgado e, portanto, formando caso julgado formal neste processo, não só alterou a matéria de facto, mas anulou a parte final do ponto de facto provado nº 26, os factos não provados com os nºs 17 a 20 da p.i. e a totalidade dos factos não provados provenientes da contestação, julgando toda esta matéria “obscura, em função da sua imprecisão e até equivocidade”. E determinou que a primeira instância suprisse estes vícios, não sendo permitido ao tribunal inferior, vinculado às decisões transitadas em julgado no processo e ás determinações do tribunal superior, ignorar este o decidido e imposto naquele Acórdão.

Do confronto entre a sentença proferida em 11/02/2024, o Acórdão desta Relação de 10/09/2024 e a sentença proferida em 05/03/25, resulta a conclusão que de o Sr. Juiz de primeira instância não deu, de forma evidente, cumprimento ao determinado naquele Acórdão, mantendo intocada a matéria de facto, ignorando de todo as alterações introduzidas pelo Acórdão da Relação a essa matéria de facto, acrescentando apenas à fundamentação dos factos meras considerações genéricas e sem sentido ou relevo para o cumprimento do determinado naquele Acórdão.

Incorreu assim, em violação do caso julgado formal e do dever de acatamento contido no artº 4 do EMJ.

Ora, como bem se referiu no Acórdão do TRG de 30/06/2026[5] (citado pela recorrida),  “a violação de um tal dever de acatamento de prévia decisão proferida por Tribunal superior, proferida em via de recurso e transitada em julgado, constitui uma nulidade insuprível da decisão que assim venha a ser proferida, nomeadamente por o objecto de renovada pronúncia do Tribunal inferior constituir questão de que o mesmo não podia tomar conhecimento (arts. 613.º, nº 3 e 615.º, n.º 1, al. d), II parte, ambos do CPC) (8). Constitui ainda uma infracção disciplinar, nos termos do art. 82.º, da Lei n.º 21/85, de 30 de Julho, onde se lê que se qualificam como tal «os atos, ainda que meramente culposos, praticados pelos magistrados judiciais com violação dos princípios e deveres consagrados no presente Estatuto”.

No mesmo sentido se pronunciou o Ac. do TRP de 11/11/2024[6] decidindo que “ a violação de um tal dever de acatamento de prévia decisão proferida por Tribunal superior, proferida em via de recurso e transitada em julgado, constitui uma nulidade insuprível da decisão que assim venha a ser proferida, nomeadamente por o objeto de renovada pronúncia do Tribunal inferior constituir questão de que o mesmo não podia tomar conhecimento [art.ºs 613.º, nº 3 e 615.º, n.º 1, al. d), 2ª parte, ambos do CPCivil “.

Já em recente Acórdão desta Relação de 13/05/2025[7], se decidiu em sentido concordante com os acima citados, que “a violação de um tal dever de acatamento de prévia decisão proferida por Tribunal superior, proferida em via de recurso e transitada em julgado, constitui uma nulidade “insuprível” da decisão que assim foi proferida, nomeadamente por o objeto de renovada pronúncia do Tribunal inferior constituir questão de que o mesmo não podia tomar conhecimento [cf. arts. 613º, nº 3 e 615º, nº 1, al. d), 2ª parte, ambos do mesmo n.C.P.Civil]”

Com efeito, é jurisprudência assente[8] que a nulidade decorrente do não acatamento pela primeira instância de uma decisão do tribunal superior, constitui uma nulidade insuprível, por o objecto da pronúncia do tribunal inferior constituir questão de que o mesmo não podia tomar conhecimento (art. 615.º, n.º 1, al. d), 2ª parte, do C.P.C.).

Quer isto dizer que, ao contrário do pretendido pelos apelantes, este tribunal não pode substituir-se ao tribunal de primeira instância, cumprindo o que ele próprio determinou em Acórdão transitado em julgado. Constituiria uma total subversão do princípio do caso julgado e da hierarquização entre os tribunais, funcionando este tribunal como primeira e segunda instância. Não pode ser.

Julgam-se assim prejudicadas todas as demais questões colocadas pelos recorrentes.


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DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem a 3ª Secção Cível desta Relação, em anular a sentença proferida em 05/03/2025 e ordenar o cumprimento do já determinado no Acórdão proferido nesta Relação em 10/09/2024.

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Custas pela parte que vier a ficar vencida. (artº 527 nº1 e 2 do C.P.C.).




                                                           Coimbra 14/10/2025


[1] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pp. 84-85.
[2] Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 87.
Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efetivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santos, 07P2433, de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13.
[3] FREITAS, José Lebre de, ALEXANDRE, Isabel, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3ª edição, Almedina, pág. 753.
[4] MARQUES, J. P. Remédio, A acção declarativa à luz do Código revisto, Coimbra Editora, pág. 644.
[5] Proferido no proc. nº 3236/13.0TJVNF.G1, de que foi relatora Maria João Marques, disponível em www.dgsi.pt.
[6] Proferido no proc. nº 4024/22.9T8VFR-B.P1, de que foi relator Manuel Domingos Fernandes, disponível em www.dgsi.pt.
[7] Proferido no processo n.º 926/23.3T8LMG-G.C1, de que foi relator Luís Cravo, disponível em www.dgsi.pt.
[8] Para além dos Acórdãos já citados, vide ainda os Acórdãos do S.T.J. de 7/12/2023, processo n.º 2126/15.7T8AVR.P1.S2; do Tribunal da Relação do Porto de 30/9/2024, processo n.º 130/23.0T8PRT.P1; do Tribunal da Relação de Lisboa de 1574/15, processo nº 57/04.5IDLSB.L3-3, de 21/3/2024, processo n.º 877/22.9TELSB-B.L1-9 e de 12/6/2025, processo nº 32/21.5PJLRS.L2-9, todos in www.dgsi.pt.