i) A extensão da autoridade do caso julgado não depende da verificação integral ou completa da tríplice identidade prescrita no art. 581º do NCPC, mormente no plano do pedido e da causa de pedir;
ii) Já no respeitante à identidade de sujeitos, o efeito de caso julgado só vinculará e aproveitará a quem tenha sido parte na respetiva acção ou a quem, não sendo parte, se encontre legalmente abrangido por via da sua eficácia direta ou reflexa.
(Sumário elaborado pelo Relator)
I – Relatório
1. A..., Lda, e B... - Sociedade de Advogados, SP, RL, ambos com sede em ..., instauraram procedimento cautelar comum contra AA, BB, residentes em ..., e C..., Lda, com sede em ..., pedindo que seja reconhecida:
- a probabilidade de as requerentes serem possuidoras do prédio correspondente ao 2º andar do nº ...3 da Rua ..., em ..., ou uma situação equiparável quanto à segunda requerente;
- a verificação de actos de esbulho não violento ou de turbação (lesão ou perigo de lesão) por parte dos requeridos; e
- o perigo de ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável para os interesses legítimos de ambas as requerentes.
E, em consequência, que:
a) seja ordenado aos requeridos que restituam provisoriamente às requerentes a posse de todas as fracções que integram o mencionado prédio, deixando-as devolutas de pessoas e bens;
b) os requeridos se abstenham de praticar qualquer acto que possa perturbar o
exercício pleno e exclusivo por aquelas de todas as faculdades que o prédio lhe possa proporcionar.
Alegaram, em síntese, que a 1ª requerente é, desde 9.4.2021, dona e legítima possuidora do 2º andar do prédio urbano sito no nº ...3 da Rua ..., na cidade ..., sendo o mesmo composto por quatro fracções, destinadas a escritórios, identificadas na escritura de constituição de propriedade horizontal pelas letras “L”, “M”, “N” e “O”, estando todo o prédio inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias .... Que a 1ª requerente deu de arrendamento à 2ª requerente o 2º andar do mencionado prédio urbano e que o 2º requerido e as duas sócias da 1ªa requerente, CC e DD, são advogados, tendo, em meados de Agosto de 2019, chegado a constituir uma espécie de sociedade irregular, actividade que desenvolveram naquele 2º andar. Mais referem que a 1ª requerida é sócia da 3ª requerida e mulher do 2º requerido, tendo acabado por ocupar um dos gabinetes do prédio, aí tendo permanecido e que a 1ª requerente interpelou os 1º e 2º requeridos para que lhes restituíssem o prédio correspondente àquele 2º andar, que ocupam precariamente, não tendo os mesmos deixado o local, onde permanecem, impedindo a 2ª requerente de ocupar todos os gabinetes por si arrendados.
Os requeridos opuseram-se, referindo que por decisão proferida no âmbito dos autos de providência cautelar de restituição provisória de posse nº 3168/24...., na qual foram requerentes os actuais 1ª e 2º requeridos, e requeridas CC e DD, ficou decidido que foram violentamente esbulhados da posse que as requerentes ora reclamam e que nesses autos lhes foi restituída a posse da fracção “N”. Que o contrato de arrendamento celebrado entre a 1ª e 2ª requerente é nulo, por simulação e violação de regras do CSC, que existe abuso de direito das requerentes e desconsideração da personalidade jurídica da 2ª requerente.
Foi concedido às requerentes o prazo de 5 dias para se pronunciarem, querendo, sobre a inutilidade da manutenção da instância, atenta a decisão proferida nos autos de procedimento cautelar nº 3168/24..... As requerentes pronunciaram-se no sentido de não se verificar qualquer inutilidade.
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Foi proferida decisão que julgou verificada a excepção peremptória de autoridade do caso julgado e, em consequência, absolveu todos os requeridos dos pedidos formulados quanto à fracção “N” do prédio urbano inscrito na matriz predial da União de Freguesias ... sob o artigo ...55 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...3.
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No mais, foi ordenado o prosseguimento ds autos no que respeita à apreciação dos pedidos a propósito das fracções “L”, “M” e “O” do identificado prédio urbano, e marcada data para a realização da audiência final.
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2. As AA recorreram, formulando as seguintes conclusões:
1.ª- O presente recurso recai sobre o despacho de 06.06.2025, na parte em que decidiu julgar verificada a excepção peremptória de autoridade do caso julgado e, em consequência, nos termos do preceituado nos arts.576.º, n.º2, 577.º, al.i), 578.º, 580.º, n.ºs1 e 2 e 581.º, todos do Código de Processo Civil, absolver os requeridos AA, BB e “C..., Lda” dos pedidos formulados quanto à fracção “N”, vem dele interpor recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra.
2.ª- Decisão com a qual não podemos concordar por duas ordens de razões, a saber: 1.ª ordem de razão - O despacho agora recorrido é completamente omisso quanto à pretensão deduzida pela segunda requerente, “B... – Sociedade de Advogados, SP, RL., que aqui intervém na qualidade de arrendatária e cuja causa de pedir assenta nas disposições conjugadas dos artigos artigos1037.º e 1276.º e ss. do Cód. Civil, o que salvo melhor opinião é fundamento de nulidade da decisão por omissão de pronuncia; 2.ª ordem de razão- Não é possível - sem se vislumbrar a existência de uma contradição logica na fundamentação da decisão recorrida - reconhecer à proprietária do prédio o seu direito de propriedade e o direito de reivindicar o prédio como um todo, e não lhe reconhecer o direito a reclamar a restituição da sua posse contra aquele que o ocupa sem qualquer titulo;
3.ª – Como dissemos, são requerentes na presente providencia cautelar as sociedades A..., L.da. e “B... – Sociedade de Advogados, SP, RL.;
4.ª- – A sociedade “B... – Sociedade de Advogados, SP, RL.; intervém nos presentes autos na qualidade de arrendatária do prédio – de todo o prédio – correspondente ao ao 2.º andar do nº ...3 da Rua ..., na cidade ..., e a sua causa de pedir assenta nas disposições conjugadas dos artigos artigos1037.º e 1276.º e ss. do Cód. Civil;
5.ª – Lido todo o despacho recorrido, verificamos que não foi ali desenvolvida uma única linha que permita perceber porque razão a força de caso julgado formado no âmbito dos autos de procedimento cautelar de restituição provisória da posse com o n.º 3168/24.... que correu termos pelo Juízo Local Cível de Viseu – J2 sem impõe a esta segunda requerente – que não interveio nos referidos autos – em termos que implicam a sua impossibilidade de exercer contra os requeridos os meios de defesa da posse assegurados ao arrendatário nos termos do disposto artigos artigos1037.º e 1276.º e ss. do Cód. Civil;
6.ª – O que na nossa opinião, implica a nulidade da decisão recorrida com base nas disposições conjugadas dos artigos 205.º da Constituição da República Portuguesa e artigo 607.º e 615.º, n.º1, al. d), ambos do Cód. de Processo Civil;
7.ª – Nulidade que aqui se invoca para todos os devidos e legais efeitos; Por outro lado,
8.ª - Como expusemos supra, no âmbito do procedimento cautelar de restituição provisória da posse com o n.º 3168/24.... que correu termos pelo Juízo Local Cível de Viseu – J2 foram requerentes os aqui requeridos AA e BB - aqui requeridos - e requeridas CC e DD;
9.ª - Nos referidos autos os requerentes foram restituídos à posse, que disseram ter, sobre “fração N” do prédio inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias ... sob o artigo ...55 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...3 da dita União de freguesias, correspondente ao n.º ...2 da Rua ..., na cidade e ...;
10.ª - Entretanto, tendo ali sido interposto recurso pelas requeridas CC e DD, veio a final a ser proferido acórdão pelo Tribunal da Relação de Coimbra que, negando provimento ao recurso, todavia veio a consignar o seguinte, reproduzindo a lição de José Oliveira Ascenção, no seu “Direito Civil Reais”, 4.ª edição. Coimbra Editora, Coimbra, 1987, pags. 80 e 81: “ … transcrição de texto”; Pois bem,
11.ª - A requerente nestes autos “A..., L.da.” é a proprietária e legitima possuidora prédio inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias ... sob o artigo ...55 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...3 da dita União de freguesias;
12.ª – Por sua vez, os requeridos nos presentes autos, requerentes naqueles outros, nunca foram donos e legítimos proprietários do referido prédio, assim como nunca foram titulares de qualquer direito real de gozo limitado que lhes conferisse sobre ele a posse que aqui reivindicam e que, por isso, não faz sentido ser-lhes restituída;
13.ª - Por sua vez, o prédio inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias ... sob o artigo ...55 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...3 da dita União de freguesias é composto, para além daquela “Fração N”, também pelas Frações “L”, “M”, e “O”;
14.ª - Que os requeridos vêm ocupando de forma abusiva e contra a vontade da proprietária do prédio;
15.ª - Resulta do exposto que, caso os presentes autos se viessem a extinguir quanto à fração “N” como consequência da decisão tomada no âmbito daqueles outros autos com o n.º 3168/24.... do Juízo Local Cível de Viseu – Juiz 2, haveria uma flagrante contradição - um autentico contrassenso do ponto de vista do direito; Pois que,
16.ª - Enquanto que no acórdão da Relação de Coimbra ali proferido se reserva – e reconhece – ao proprietário os meios processuais destinados a defender o seu direito se propriedade contra os aqui requeridos;
17.ª - A decidir-se pela inutilidade superveniente da lide nos presentes autos quanto á fração “N”, estar-se-ia a retirar à legitima proprietária a possibilidade de recorrer aos tribunas para a defesa do seu direito de propriedade sobre o imóvel que é seu;
18.ª - Com a agravante que essa privação dos meios de reação no plano do direito e dos Tribunais estaria a ser feita com base numa decisão proferida no âmbito de um procedimento no qual a proprietária do prédio – a A..., L.da. – nunca foi parte;
19.ª- Posto isto, na exata medida em que o Tribunal da Relação de Coimbra, no acórdão que proferido naqueles autos com o n.º 3168/24.... do Juízo Local Cível de Viseu – Juiz 2, negou provimento aos argumentos expendidos pelas ali requeridas com o argumento de que deveria ser a proprietária do prédios s reagir à ocupação dos requerentes – aqui requeridos – não é de todo admissível que vindo a proprietária ao Tribunal para defender a sua posse nos termos do direito de propriedade que lhe assiste frente aos requeridos – e é esse o objeto dos presentes autos – visse, por ventura esse direito negado – com base em inutilidade superveniente da lide ou outro qualquer fundamento de natureza processual - com base numa decisão proferida no âmbito de um outro processo onde nem foi parte;
20.ª - Decidir de outro modo violaria, quanto à proprietária do prédio, de forma flagrante o “princípio da proibição da indefesa, ínsito no direito fundamental de acesso à justiça consagrado nos artigos 20.º, n.º1 e 202.º, ambos da C.R.P., que tem sido caracterizado pelo Tribunal Constitucional como a proibição da “privação ou limitação do direito de defesa do particular perante os órgãos judiciais, junto dos quais se discutem questões que lhe dizem respeito;
21.ª - Por outro lado, a reforçar este entendimento está o facto de a requerente “A..., L.da.”, na qualidade de proprietária do prédio inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias ... sob o artigo ...55 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...3 da dita União de freguesias, já ter intentado neste mesmo Juízo Central Cível a ação de reivindicação da qual os presentes autos de providencia cautelar foram o preliminar e á qual agora vão apensos; De resto,
22.ª – A própria decisão recorrida revela por si só na sua fundamentação desenvolvida no ultimo parágrafo de fl.s 10 e mo primeiro parágrafo de fls. 11, a incongruência acabada de expor;
23.ª- Pois que a decisão recorrida não diz é como pode ser compatibilizada esta recusa à sua proprietária de reclamar a restituição provisória da posse da fração “N” e ao mesmo tempo reconhecer-lhe o direito de “exigir judicialmente a qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence” consagrado no artigo 1311.º do Cód. Civil;
24.ª – É que, ao contrário do que a transcrita passagem da decisão recorrida parece querer afirmar, a ação de reivindicação não tem em vista, ou pelo menos não tem e vista de forma preponderante, o reconhecimento do direito de propriedade, mas sim o direito reconhecido ao proprietário de exigir a restituição da coisa ao possuidor ou ao detentor que não tenha titulo bastante para a possuir;
25.ª – O que é manifestamente o caso dos requeridos nos presentes autos;
26.ª - E nessa medida, por uma questão de coerência entre as normas dos artigos 1276.º e ss. e 1311.º, todos do Cód. Civil, deverá ser reconhecido à proprietária do prédio o direito de, como preliminar da ação de reivindicação que entretanto intentou, defender em termos cautelares a sua posse sobre a coisa reivindicada no seu todo;
27.ª – Sem as restrições derivadas de uma providencia cautelar em que não interveio;
28.ª – E em consonância com a fundamentação do próprio acórdão proferido no autos de procedimento cautelar n.º3168/24....;
Termos em que se requer:
a) Seja declarada a nulidade da decisão recorrida por violação do disposto nos artigos 205.º da Constituição da República Portuguesa e artigo 607.º e 615.º, n.º1, al. d), ambos do Cód. de Processo Civil; Quanto assim se não entenda, o que não se concede e só se conjetura por uma questão de cautela e dever de patrocínio,
b) Seja revogada decisão recorrida e proferida outra que reconheça á proprietária do prédio a possibilidade de recorrer à via cautelar para ver reconhecido o seu direito de propriedade sobre todo o prédio, e em consonância, de defender por essa mesma via a sua posse nos termos do direito de propriedade que lhe assiste, como uma antecipação dos efeitos que pretende obter com a ação de reivindicação a que estes autos vão apensos;
Com o que se fará justiça.
3. Os requeridos contra-alegaram, concluindo que:
• As recorrentes visam, através do presente recurso, antecipar a decisão da ação à qual os presentes autos foram apensados.
• Não aduzem, contudo, qualquer argumento autónomo que possa suportar tal pretensão.
• E, pelo contrário, limitam-se a usar formalmente a qualidade jurídica de gerentes das recorrentes, quando as verdadeiras interessadas na relação jurídica controvertida são as próprias gerentes e não as sociedades que representam.
• De qualquer modo e por mera cautela, a decisão a proferir no processo 3877/24...., de cuja petição se junta cópia, constitui questão prévia, da presente ação e deste apenso.
• Finalmente e porque a decisão recorrida não merece qualquer censura.
Deve o recurso ser julgado improcedente e não provado, com as legais consequências.
Assim se fará justiça.
II – Factos Provados
1. Os requerentes AA e BB
instauraram procedimento cautelar de restituição provisória da posse, com inversão do contencioso, contra as requeridas CC e DD, tendo por objecto a fracção N do prédio constituído em propriedade horizontal, sito na Rua ..., na União de Freguesias ..., em ..., que correu termos no Juízo Local Cível de Viseu - Juiz 2 sob o n.º3168/24....;
2. Por decisão proferida em 08/07/2024 nos autos de procedimento cautelar referidos em 1. foram as requeridas CC e DD condenadas a restituir às requerentes AA e BB a posse da fracção “N” do prédio urbano, sito na Rua ..., em ..., e foi deferido o pedido de inversão do contencioso e, consequentemente, dispensados os requerentes do ónus de propositura da acção principal.
3. Para tanto, na decisão mencionada em 2. consideraram-se, entre o mais, indiciados os seguintes factos:
a. A primeira requerente e as requeridas são sócias da sociedade “A..., Lda.”;
b. A sociedade referida em a. é proprietária das fracções ..., ..., ... e ... do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito na Rua ..., em ...;
c. Em data não concretamente apurada do ano de 2023, o segundo requerente e as requeridas começaram a exercer, em conjunto, a advocacia nas fracções referidas em b.;
d. Em Outubro de 2023, após o descrito em c., e em consequência do deteriorar das relações, o segundo requerente pôs termo à sociedade irregular de advogados que desenvolvia com as requeridas;
e. Em virtude do descrito em d., os requerentes e as requeridas acordaram verbalmente que os requerentes passariam a utilizar os gabinetes da retaguarda do imóvel, inseridos na fracção N, virados a nascente, enquanto as requeridas ficariam com os gabinetes virados a poente, para a Rua ..., ao passo que o hall de acesso ao escritório, a sala de espera e a sala de reuniões seriam usados em comum;
f. Na sequência do acordo descrito em e. os requerentes assumiram o pagamento da quantia mensal de €736,80 à sociedade referida em a. e as requeridas assumiram o pagamento das restantes despesas do escritório;
4. Os requerentes são possuidores da fracção N, por nele exercerem a sua actividade profissional há cerca de 30 anos quanto ao segundo requerido e desde 2023 quanto à primeira requerente;
5. Por decisão proferida em 14/01/2023, no âmbito do acórdão da 3ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra que recaiu sobre a decisão referida em 3., foi decidido que os requerentes provaram a posse - que é legalmente exigida - e às requeridas cabia reivindicar o bem pelos meios judiciais adequados, ao invés de se apossarem do imóvel pelos seus próprios meios;
6. As aqui requerentes instauraram em 13/05/2025 os autos de acção de processo comum n.º2424/25...., apensos, pedindo, além do mais, que se reconheça que a primeira requerente é dona e legítima possuidora do prédio urbano inscrito na matriz predial da União de Freguesias ... sob o artigo ...55, correspondente ao 2.º andar do nº ...3 da Rua ..., na cidade ..., e a condenação dos requeridos a restituir-lhe tal prédio, designadamente a sua fracção N, devoluto de pessoas e bens.
III – Do Direito
1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 639º, nº 1, e 635º, nº 4, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.
Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.
- Nulidade da decisão.
- Inexistência de autoridade de caso julgado.
2. Na decisão recorrida escreveu-se que:
“De acordo com o disposto no art.580.º, n.º1 do Código de Processo Civil a excepção de caso julgado pressupõe a repetição da causa depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença, que já não admite recurso ordinário.
Decorre do art.581.º, n.º1 do Código de Processo Civil que a repetição da causa pressupõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.
Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica (cfr. n.º2 do mesmo normativo legal). Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico (cfr. n.º3 do mesmo normativo legal). Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico (cfr. n.º4 do mesmo normativo legal).
Por outra parte, resulta do disposto no art.621.º do Código de Processo Civil que a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga: se a parte decaiu por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição se verifique, o prazo se preencha ou o facto se pratique.
Assim, na senda do decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/09/2024, proferido no âmbito do processo n.º3042/21.9T8PRT.S2, disponível in www.dgsi.pt., considera-se que o caso julgado pode ser perspectivado segundo uma óptica disjuntiva que se encontra ligada ao cumprimento de duas funções: i) uma função negativa, operada através da excepção (dilatória) do caso julgado, que pressupõe a verificação cumulativa da tríplice identidade de sujeitos, pedidos e causas de pedir, nos termos do art.581.º do Código de Processo Civil; e ii) uma função positiva, que radica na figura da autoridade do caso julgado, equiparável a uma excepção peremptória, e que pressupõe que a decisão de determinada questão - proferida em acção anterior e que se inscreve, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda - não possa voltar a ser discutida.
Considera-se que a vertente positiva da eficácia do caso julgado (autoridade do caso julgado) deve ser convocada na análise a realizar.
Assim, em primeiro lugar, impõe-se referir que o caso julgado, enquanto autoridade, abrange não só a parte dispositiva da decisão, ou seja, a conclusão extraída dos seus fundamentos, mas também, uma vez que a decisão é a conclusão de certos pressupostos (de facto e de direito), os seus fundamentos. Pelo que reconhecer-se que a decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha, com esse valor, por si mesma e independente dos respectivos fundamentos, pois não é ela, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo (cfr., neste sentido, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21-12-2021, proferido no âmbito do processo n.º131/21.3T8PDL.L1-7, disponível in www.dgsi.pt.).
A autoridade de caso julgado está dependente da verificação de duas condições objectivas (uma negativa e uma positiva) e uma condição subjectiva.
Como condição objectiva negativa, “a autoridade de caso julgado opera em simetria com a exceção de caso julgado: opera em qualquer configuração de uma causa que não seja a de identidade com causa anterior; ou seja, supõe uma não repetição de causas. Se houvesse uma repetição de causas, haveria, ipso facto, exceção de caso julgado” (Rui Pinto, “Exceção e autoridade de caso julgado - algumas notas provisórias”, Julgar online, Novembro 2018, págs.26 e 27).
Quanto à condição objectiva positiva, a mesma traduz-se numa relação de prejudicialidade ou “numa relação de concurso material entre objetos processuais ou, pelo prisma da decisão, uma relação entre os efeitos do caso julgado prévio e os efeitos da causa posterior, seja quanto a um mesmo bem jurídico, seja quanto a bens jurídicos conexos.” (Rui Pinto, “Exceção e autoridade de caso julgado - algumas notas provisórias”, Julgar online, Novembro 2018, págs.26 e 27). Ou seja, “a condição objetiva positiva consiste na existência de uma relação entre os objetos processuais de dois processos de tal ordem que a desconsideração do teor da primeira decisão redundaria na prolação de efeitos que seriam lógica ou juridicamente incompatíveis com esse teor” (Rui Pinto, “Exceção e autoridade de caso julgado - algumas notas provisórias”, Julgar online, Novembro 2018, págs.26 e 27).
No que respeita à condição subjectiva do reconhecimento de um efeito positivo externo do caso julgado, esta radica no princípio da proibição da indefesa e preceitua que “a autoridade de caso julgado apenas pode ser oposta a quem seja tido como parte do ponto de vista da sua qualidade jurídica como definido pelo artigo 581.º, n.º2” (Rui Pinto, “Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias”, Julgar online, Novembro 2018, pág.28).
Na senda do decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/09/2024, proferido no âmbito do processo n.º3042/21.9T8PRT.S2, disponível in www.dgsi.pt., a figura da autoridade do caso julgado apenas prescinde da identidade objectiva (identidade atinente aos pedidos e causas de pedir entre as duas causas), não abdicando, todavia, para fazer operar o seu efeito de vinculação do tribunal posterior à decisão proferida pelo tribunal anterior, da identidade subjectiva entre as duas causas.
Assim, conforme acima referido, decorre do artigo 581º, nº 2 do Código de Processo Civil que há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.
A lei coloca este requisito no plano da qualidade jurídica ou da identidade do interesse jurídico, não relevando aqui a identidade física ou nominal, mas o interesse jurídico que a parte actuou no processo.
Assim, a jurisprudência tem entendido que as partes são as mesmas sob o aspecto jurídico desde que sejam portadoras do mesmo interesse substancial, não sendo exigível uma correspondência física dos sujeitos nas duas acções e sendo indiferente a posição que os sujeitos assumam em ambos os processos (cfr., neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24-02-2015, proferido no âmbito do processo n.º915/09.0TBCBR.C1.S1, disponível in www.dgsi.pt.).
Na senda dos ensinamentos de Alberto dos Reis considera-se, a propósito do significado da expressão “sob o ponto de vista da qualidade jurídica”, que as partes são as mesmas sob o aspecto jurídico desde que sejam portadoras do mesmo interesse substancial. O que conta, pois, para o efeito da identidade jurídica, é a posição das partes quanto à relação jurídica substancial (in Código de Processo Civil Anotado, 3.ª Edição, 1981, pág.101).
No caso em apreço considera-se que face à decisão proferida nos autos de procedimento cautelar n.º3168/24...., no que respeita à fracção “N”, do prédio em causa dos presentes autos, se verifica a autoridade de caso julgado.
Vejamos.
No âmbito da providência cautelar objecto do processo n.º3168/24...., no qual foram requerentes AA e BB, aqui primeiros requeridos, e requeridas CC e DD, sócias das ora primeira e segunda requerentes, foi decidido:
- condenar as requeridas a restituir aos requerentes a posse sobre a fracção “N” do prédio urbano construído em propriedade horizontal, sito na Rua ..., em ...;
- deferir o pedido de inversão do contencioso e, consequentemente, dispensar os requerentes do ónus de propositura da acção principal.
Considerou o tribunal em tal decisão que AA, CC e DD são sócias da sociedade “A..., Lda” que, por sua vez, é proprietária das fracções “N”, “L”, “M” e “O” do prédio em causa naqueles autos.
Mais considerou que o aí segundo requerente, e aqui primeiro requerido (BB) pôs termo à sociedade irregular de advogados que desenvolvia com as aí requeridas CC e DD e que, em virtude disso, requerentes e requeridas acordaram verbalmente que os requerentes passariam a utilizar os gabinetes da retaguarda do imóvel, inseridos na fracção “N”, virados a nascente, enquanto as requeridas ficariam com os gabinetes virados a poente, para a Rua ..., ao passo que o hall de acesso ao escritório, a sala de espera e a sala de reuniões seriam usados em comum.
Considerou, ainda, que os requerentes assumiram o pagamento da quantia mensal de €736,80 à sociedade “A..., Lda” e as requeridas assumiram o pagamento das restantes despesas do escritório.
Tendo sido decidido que os requerentes são possuidores da fracção “N”, que é objecto dos presentes autos, por nele exercerem a sua actividade profissional há cerca de 30 anos quanto ao segundo requerente e, desde 2023, quanto à primeira requerente.
E, conforme decidido no acórdão proferido no âmbito daqueles autos de procedimento cautelar, que versou sobre o recurso neles interposto pelas aí requerida, os requerentes provaram a posse e às requeridas cabia reivindicar o bem pelos meios judiciais adequados, ao invés de se apossarem do imóvel pelos seus próprios meios.
Ora, o interesse jurídico feito valer na primeira acção (autos de procedimento cautelar n.º3168/24....), é exactamente o mesmo da presente acção. É certo que a sociedade “A..., Lda.” não era parte física no outro processo, mas certo é também que não é exigível uma correspondência física dos sujeitos nas duas acções e que aquela decisão partiu do pressuposto de que a sociedade era proprietária daquele prédio, pelo que o facto de aquela sociedade não ter sido parte naquela acção nunca implicaria violação do princípio da proibição da indefesa. Por outro lado, tendo o seu interesse sido acautelado naquela providência cautelar, considera-se que a primeira requerente é ora titular de um interesse conexo ou dependente que o caso julgado definiu estando, por isso, sujeita à eficácia do caso julgado proferido naquele processo quanto à fracção “N”, relativamente à qual se decidiu que os ora primeiro e segundo requeridos nela exercem a sua actividade profissional há vários anos.
Ademais, o prédio urbano em causa nos presentes autos é composto pelas fracções “N”, “L”, “M” e “O”. Nessa medida, desconsiderar o teor da decisão no que respeita àquela fracção redundaria na prolação de efeito jurídico incompatível com o teor do anteriormente decidido.
(…)
Pelo exposto, conclui-se que a autoridade de caso julgado deve operar no que respeita à fracção “N”.”.
As recorrentes, perante esta fundamentação jurídica, vieram arguir a nulidade da decisão recorrida, por omissão de pronúncia, nos termos do art. 615º, nº1, d), do NCPC, por duas ordens de razão: porquanto tal decisão é completamente omissa quanto à pretensão deduzida pela 2ª requerente, “B... – Sociedade de Advogados, SP, RL., que aqui intervém na qualidade de arrendatária, já que lido todo o despacho recorrido, verificamos que não foi ali desenvolvida uma única linha que permita perceber porque razão a força de caso julgado formado no âmbito dos autos de procedimento cautelar de restituição provisória da posse com o nº 3168/24.... se impõe a esta 2ª requerente, que não interveio nos referidos autos, em termos que implicam a sua impossibilidade de exercer contra os requeridos os meios de defesa da posse assegurados ao arrendatário; e por outra ordem de razão, não ser possível, sem se vislumbrar a existência de uma contradição lógica na fundamentação da decisão recorrida, reconhecer à proprietária do prédio o seu direito de propriedade e o direito de reivindicar o prédio como um todo, e não lhe reconhecer o direito a reclamar a restituição da sua posse contra aquele que o ocupa sem qualquer titulo (cfr. conclusões de recurso 2ª a 7ª).
Entendemos que carece de razão.
Relativamente à 2ª ordem de razões, há que não misturar e confundir uma eventual contradição entre a fundamentação da decisão recorrida e a decisão tomada e a omissão de pronúncia, pois são dois vícios da sentença diferentes, aquele previsto no art. 615º, nº 1, c), 1ª parte, do NCPC, nulidade essa que não foi arguida.
Relativamente à 1ª ordem de razões, importa lembrar que a 1ª parte da apontada d), do nº 1, art. 615º, que está ligada à 1ª parte do nº 2 do art. 608º do mesmo diploma, abrange as situações em que devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e de todas as as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer não o faz, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença, que as partes hajam invocado (vide Lebre de Freitas, A Ação Declarativa Comum, à Luz do CPC de 2013, 3ª Ed., pág. 334).
Ora, ao contrário do que as recorrentes afirmam a sentença recorrida pronunciou-se quanto à pretensão deduzida pela 2ª requerente, “B... – Sociedade de Advogados, SP, RL., que aqui intervém na qualidade de arrendatária, julgando improcedente a mesma e em consequência, absolveu todos os requeridos dos pedidos formulados quanto à fracção “N”, que relembre-se eram: a) seja ordenado aos requeridos que restituam provisoriamente às requerentes a posse de todas as fracções que integram o mencionado prédio, deixando-as devolutas de pessoas e bens; b) os requeridos se abstenham de praticar qualquer acto que possa perturbar o exercício pleno e exclusivo por aquelas de todas as faculdades que o prédio lhe possa proporcionar. Isto com base em a 1ª requerente ser proprietária da dita frac e a 2ª requerente ser sua arrendatária.
Dizem, ainda, os apelantes que lido todo o despacho recorrido, verificamos que não foi ali desenvolvida uma única linha que permita perceber porque razão a força de caso julgado formado no âmbito dos autos de procedimento cautelar de restituição provisória da posse com o nº 3168/24.... se impõe a esta 2ª requerente, o que a ser verdade poderia importar a nulidade prevista no mencionado artigo e número, mas agora sua b), por eventual falta de fundamentação de direito que justificasse a decisão, nulidade eventual essa que também não foi arguida.
Não procede, pois, a acusada nulidade.
3. Quanto à existência ou não da figura da autoridade do caso julgado, afirmada na sentença apelada, os recorrentes discordam pelos motivos explanados nas suas conclusões de recurso (as 8ª a 27ª). Cremos que têm razão.
Os apelantes no seu recurso não rejeitam o apelo que a 1ª instância fez à aplicação da figura da autoridade do caso julgado. E nós também não questionamos no caso a aplicação abstracta de tal figura. E quanto à análise dos seus requisitos legais, igualmente não discordamos, pois de acordo com a jurisprudência e doutrina parece pacificado, que na sua tríplice verificação, em comparação com a excepção do caso julgado, cujos requisitos se mostram elencados no art. 581º, do NCPC, não se torna exigível que na figura da autoridade do caso julgado se verifique, lógica e compreensivelmente, a identidade de pedido e identidade de causa de pedir, mas já o seja relativamente à identidade de sujeitos (nº 2 do preceito), não vista de forma nominal ou física mas sim qualificadamente.
Ora, é aqui quanto a este requisito que divergimos da apreciação em concreto efectuada pelo tribunal a quo. Vejamos.
No âmbito da providência cautelar do Proc.3168/24...., foram requerentes AA e BB, aqui 1ª e 2º requeridos, e requeridas CC e DD, que não são partes no presente procedimento cautelar, embora sejam sócias das ora 1ª e 2ª requerentes. Naquela providência cautelar não foram demandadas como requeridas a actual 1ª e 2ª requerentes. E neste procedimento cautelar, onde não são partes as referidas CC e DD, as actuais requerentes afirmam, respectivamente a sua qualidade de proprietária e arrendatárias da fracção “N”. Ou seja, no presente procedimento cautelar no lado activo, a 1ª e 2ª requerentes, não são as mesmas partes das demandadas na dita providência cautelar, e a posse da fracção “N” aí invocada emergiu de um acordo verbal entre actuais 1ª e 2º requeridos e as indicadas CC e DD, sustentando agora os requerentes do presente procedimento cautelar, como proprietária e arrendatária qualidades jurídicas diferentes das aí demandadas CC e DD.
Não vislumbramos identidade de sujeitos qualitativamente, apesar de a 1ª requerida AA e as apontadas CC e DD serem sócias da actual 1ª requerente A..., Lda e a CC e DD serem sócias da 2ª requerente B... - Sociedade de Advogados, SP, RL. Isto porque as sociedades gozam de personalidade jurídica própria (art. 5º do CSC), não se confundindo com as pessoas que as integram.
Na verdade, CC e DD, demandadas na providência cautelar, não o foram como representantes da 1ª e 2ª actuais requerentes; nem como seus substitutos processuais; nem como transmissárias ou por sucessão; nem têm relações jurídicas solidárias, principais ou subsidiárias, ou indivisíveis (vide Lebre de Freitas, em CPC Anotado, Vol. 2º, 2ª Ed., nota 3. ao anterior art. 498º = ao actual 581º do NCPC, págs. 348/349, Castro Mendes, DPC, Vol. III, Lições de 1978/1979, págs. 284/290, 294/296, e Anselmo de Castro, DPC, Vol. III, 1982, pág. 391).
Nem através dos efeitos reflexos do caso julgado, derivados da eficácia da sentença, as actuais 1ª e 2ª requerentes podem ser atingidas, como juridicamente interessadas, pois: ou serão titulares de uma situação jurídica geneticamente independente da que foi feita valer na primeira causa e com ela incompatível à que se quer fazer valer agora em juízo; ou serão titulares de uma situação jurídica paralela à que se quer fazer valer em juízo; não são titulares de uma situação jurídica concorrente, como a responsabilidade solidária ou indivisível, como atrás vimos, não havendo, por isso, caso julgado; nem, obviamente, de relação jurídica subordinada ou dependente, como se afirma na fundamentação jurídica da decisão recorrida, em que estas não podem existir sem a relação principal – no nosso caso a 1ª e 2ª requerente afirmam, respectivamente, como relação principal a propriedade da fracção e o arrendamento da fracção, e não como relações subordinadas.
Fora destes casos, só seriam atingidos pela eficácia do caso julgado os terceiros que são chamados à causa a intervir, façam-no ou não, ou nas situações de transmissão de direito litigioso (vide Lebre de Freitas, ob. cit., nota 2. ao anterior art. 674º = ao actual art. 621º, pág. 721/724, Castro Mendes, ob. cit., págs. 293/294 e Anselmo de Castro, ob. cit., págs. 386/387).
Em termos jurisprudenciais a solução não é outra.
No Ac. do STJ de 18.6.2014, Proc.209/09.1TBTPL, sumariou-se “1. A invocação da figura da “autoridade de caso julgado” emergente de sentença proferida numa acção não é susceptível de ser invocada noutra acção em que são partes outros sujeitos, …”; Ac. de 3.11.2016, Proc.1628/15.0T8STR-A, sumariou-se “I. A sentença proferida numa acção interposta contra um determinado indivíduo não exerce autoridade de caso julgado numa outra acção proposta contra outro indivíduo”; Ac. do STJ, de 28.6.2018, Proc. 2147/12.1YXLSB, sumariou-se “I – A autoridade do caso julgado na ação A relativamente à ação B depende da existência (para além do mais) da identidade de sujeitos nas duas ações, sob pena de violação do princípio do contraditório. II – O caso julgado na ação intentada pela condómina Y contra o condomínio X não se estende à ação intentada pelo condomínio X contra a condómina Z.”; Ac. do STJ de 26.11.2020, Proc.7597/15.9T8LRS, sumariou-se “IV. …, a extensão da autoridade do caso julgado não depende da verificação integral ou completa da tríplice identidade prescrita no artigo 581.º do CPC, mormente no plano do pedido e da causa de pedir. Já no respeitante à identidade de sujeitos, o efeito de caso julgado só vinculará e aproveitará a quem tenha sido parte na respetiva ação ou a quem, não sendo parte, se encontre legalmente abrangido por via da sua eficácia direta ou reflexa, consoante os casos. V. Assim, quem não for parte na ação poderá, todavia, beneficiar do efeito favorável do respetivo caso julgado em conformidade com a lei, como sucede nas situações de solidariedade entre devedores, de solidariedade entre credores e de pluralidade de credores de prestação indivisível, respetivamente nos termos dos artigo 522.º, 2.ª parte, 531.º, 2.ª parte, e 538.º, n.º 2, do CC. VI. Não tendo o ora autor sido parte numa ação intentada por outra sinistrada contra a aqui ré seguradora, emergente do mesmo acidente de viação, sendo aquele um terceiro relativamente ao correspondente vínculo obrigacional entre essa sinistrada e a mesma ré, não pode aquele autor opor a esta ré o caso julgado favorável formado naquela ação, nos termos do artigo 531.º, 2.ª parte, do CC. E também não o pode por via extensiva da autoridade de caso julgado, dada a falta da necessária identidade dos respetivos autores.”; Ac. de 25.3.2021, Proc.12191/18.0T8LSB, sumariou-se “V - No que se refere à eficácia do caso julgado na sua vertente positiva (autoridade do caso julgado), importa ter presente que a jurisprudência do STJ vem admitindo - em linha com a doutrina tradicional - que a autoridade do caso julgado dispensa a verificação da tríplice identidade requerida para a procedência da exceção dilatória, sem dispensar, porém, a identidade subjectiva; significando que tal dispensa se reporta apenas à identidade objectiva, a qual é substituída pela exigência de que exista uma relação de prejudicialidade entre o objecto da segunda acção e o objecto da primeira. VI - Não sendo as partes nas acções anteriores as mesmas dos presentes autos, e não se encontrando a recorrente abrangida por qualquer norma legal que lhe permita beneficiar do caso julgado formado nessas acções, forçoso é concluir que também não se mostram preenchidos os pressupostos de que dependeria a ofensa do efeito de autoridade do caso julgado”; Ac. do STJ de 19.10.2021, Proc.34666/15.2T8LSB, sumariou-se “II - A extensão da autoridade do caso julgado não depende da verificação integral ou completa da tríplice identidade prescrita no art. 581.º do CPC, mormente no plano do pedido e da causa de pedir. Já no respeitante à identidade de sujeitos, o efeito de caso julgado só vinculará e aproveitará a quem tenha sido parte na respetiva ação ou a quem, não sendo parte, se encontre legalmente abrangido por via da sua eficácia direta ou reflexa, consoante os casos.”; Ac. do STJ de 30.11.2021, Proc.697/10.3TBELV, sumariou-se “I - A autoridade de caso julgado, decorrente da vinculação positiva externa ao caso julgado assente nos arts. 619.º, n.º 1, e 628.º do CPC (“efeito positivo”), implica o acatamento de uma decisão proferida em acção anterior cujo objecto se inscreve, numa relação de prejudicialidade, no objeto de uma acção posterior, impedindo que a relação ou situação jurídica antes definida venha a ser objecto de nova decisão e se potencie uma decisão, total ou parcialmente, contraditória sobre a mesma questão. II - Para tal resultado, é insuperável, como condição subjectiva da sua força vinculativa, no confronto dos processos conexos, que as decisões abranjam as mesmas pessoas, sob o ponto de vista da qualidade física e intervenção processual, assim como aquelas que sejam os mesmos sujeitos do ponto de vista da sua qualidade jurídica (art. 581.º, n.º 2, do CPC: identidade dos sujeitos abrangidos). Assim, estão abrangidos pelos efeitos do caso julgado não somente os concretos titulares do direito ou bem litigioso que eram partes na causa à data do trânsito em julgado da sentença, mas ainda os seus transmissários ou sucessores (também por substituição processual) posteriores ao trânsito em julgado. III - Não se afasta radicalmente o reconhecimento de situações circunscritas de eficácia reflexa ou de extensão a terceiros do caso julgado formado, nomeadamente, para além de casos especialmente previstos na lei, em face de terceiros “juridicamente indiferentes” (a quem a decisão não causa nenhum prejuízo jurídico, uma vez que não interfere com a existência ou a validade dos seus direitos, ainda que possa afectar a sua consistência prática ou económica, por exemplo, quando se reduz o património de um devedor e a sua solvabilidade), relativamente aos quais não prevalecem as exigências da vigência do princípio do dispositivo e do principio do contraditório/direito de defesa.”; Ac. do STJ de 16.12.2021, Proc.5837/19.4T8GMR, sumariou-se “I. A exceção de caso julgado material comporta um efeito negativo, consistente na inadmissibilidade das questões abrangidas por caso julgado anterior voltarem a ser suscitadas, entre as mesmas partes, em ação futura, tendo como requisitos a tríplice identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir, nos termos do artigo 581.º do Código de Processo Civil. II. Diferentemente, a autoridade do caso julgado tem, antes, o efeito positivo de impor a primeira decisão à segunda decisão de mérito e, sem prescindir da identidade das partes, dispensa a identidade do pedido e da causa de pedir nos casos em que existe uma relação de prejudicialidade entre o objeto da ação já definitivamente decidida e a ação posterior, ou seja, quando o fundamento da decisão transitada condiciona a apreciação do objeto de uma ação posterior, por ser tida como situação localizada dentro do objeto da primeira ação, sendo seu pressuposto lógico necessário.”.
Seguro é que tal mecanismo, que visa evitar contradição decisória entre os mesmos sujeitos, não poderá ser invocado em acção que corra entre sujeitos diversos na perspectiva da sua qualidade jurídica, como quando está em jogo o binómio da sociedade versus sócio – como é o nosso caso, pois as referidas CC e DD demandadas na providência cautelar são sócias das sociedades 1ª e 2ª requerentes no presente procedimento cautelar -, como se decidiu no Ac. do STJ de 13.9.2018, Proc.687/17.5T8PNF, em que se sumariou “II. No que concerne à extensão do caso julgado a terceiros, importa distinguir:
i) – os terceiros juridicamente indiferentes, a quem a decisão não produz nenhum prejuízo jurídico, porque não interfere com a existência e validade do seu direito, mas pode afetar a sua consistência prática ou económica, ficando, por isso, abrangidos pela eficácia do caso julgado; ii) – os terceiros juridicamente prejudicados, titulares de uma relação jurídica independente e incompatível com a das partes (definida pela sentença), os quais não são atingidos pelo caso julgado alheio; iii) – os terceiros titulares de uma relação ou posição dependente da definida entre as partes por decisão transitada, a quem se tem reconhecido a eficácia reflexa do caso julgado; iv) – os terceiros titulares de relações paralelas à definida pelo caso julgado alheio ou com ela concorrentes, considerando-se, quanto às primeiras, que o caso julgado só se estende às partes e, quanto às segundas que, se a lei não exigir a intervenção de todos os interessados, só lhes aproveita o caso julgado favorável.
III. Não tendo o ora autor intervindo em ação anterior, intentada por uma sociedade da qual era sócio, contra uma das ora rés, a decisão absolutória, nela proferida e transitada em julgado, e que negou à sociedade autora o reconhecimento do direito de propriedade sobre metade de um prédio rústico, não tem força nem autoridade de caso julgado na ação posterior, proposta pelo autor contra esta mesma ré e outros e em que a questão decidenda consiste em saber se o autor é titular do direito de propriedade sobre o prédio urbano, entretanto edificado sobre o mesmo prédio rústico e que alterou a sua natureza jurídica.
IV. É que, não sendo o ora autor “parte” na referida ação, apresentando-se, antes, como um terceiro, estranho ao processo e titular de uma relação jurídica independente e incompatível com a das partes, não pode o mesmo ser atingido pelo caso julgado alheio.”.
Em conclusão, dada a diversidade de identidade de sujeitos sob o ponto de vista da qualidade jurídica, que atrás salientámos, verifica-se inexistir a apontada autoridade de caso julgado, pelo que o recurso tem de proceder.
Uma palavra mais, embora breve. Nas suas contra-alegações de recurso, os recorridos mencionam que “a decisão a proferir no processo 3877/24...., de cuja petição se junta cópia, constitui questão prévia, da presente ação e deste apenso.”. Trata-se, porém, de uma questão nova, ora colocada em recurso, sabendo-se que nos recursos não se apreciam questões novas não decididas na 1ª instância, pelo que tal questão terá de ser colocada ao tribunal recorrido.
4. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC): (…).
IV – Decisão
Pelo exposto, julga-se o recurso procedente, assim se revogando a decisão recorrida, ordenando-se o prosseguimento dos autos.
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Custas do recurso pelos requeridos.
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Coimbra, 14.10.2025
Moreira do Carmo
Fernando Monteiro
Luís Cravo