1- No âmbito da ação de verificação e graduação de créditos, o título executivo é um pressuposto de carácter formal (art. 788º, nº 2, do NCPC), cuja falta ou insuficiência determina a improcedência da reclamação de créditos;
2- Se o contrato escrito de mútuo, mero documento particular, complementar a escritura pública constitutiva de uma hipoteca, apesar de importar a constituição duma obrigação pecuniária, não foi exarado ou autenticado por notário, nos termos do art. 701º, nº 1, al. b), do NCPC, ele não é título executivo que satisfaça o requisito formal previsto no art. 788º, nº 2, do mesmo código, para efeito de reclamação de créditos;
3- De acordo com o art. 64º, nº 2 e 3, do C. Notariado, as cláusulas contratuais dos actos em que sejam interessadas as instituições de crédito podem ser lavrados em documento separado, documentos que devem ser lidos juntamente com o instrumento e rubricados e assinados pelos outorgantes a quem directamente respeitem (que possam e saibam fazê-lo), e pelo notário;
4- O tribunal de recurso não conhece de questões novas, que não foram levantadas na 1ª instância e objecto de apreciação pelo tribunal a quo, designadamente se a reclamação de créditos tinha como fundamento a subscrição de uma livrança pela executada ou a possibilidade de fazer actuar o disposto no art. 792º, nº 1, do NCPC.
(Sumário elaborado pelo Relator)
I – Relatório
1. Por apenso à execução que Banco 1..., S.A. move contra A..., Unipessoal, Lda. e Outro, veio o Banco 2..., S.A., reclamar créditos sobre a sociedade executada, no valor total de 42.505,79 €, acrescido de juros vincendos.
Alegou, em suma, ter sido celebrado um contrato de mútuo entre ele e a referida executada. Para garantia do pagamento e liquidação de todas e quaisquer obrigações e/ou responsabilidades assumidas e/ou a assumir pela executada no âmbito do contrato mencionado esta constituiu hipoteca voluntária a seu favor sobre o imóvel que identifica. Para garantia do bom pagamento e liquidação de todas e quaisquer obrigações e/ou responsabilidades assumidas e/ou a assumir pela executada no âmbito do contrato acima mencionado, a executada entregou-lhe uma livrança em branco, por si subscrita e devidamente avalizada, autorizando o respectivo preenchimento. O não pagamento das prestações do montante em dívida, aquando da data do seu vencimento, importava o vencimento de juros moratórios fixados a determinada taxa, acrescida da sobretaxa de 3%.
Apresentou os seguintes documentos: - contrato de mútuo outorgado pelo credor reclamante e pela sociedade executada; - alteração nº 1 ao contrato de mútuo; - alteração nº 2 ao contrato de mútuo; - alteração nº 3 ao contrato de mútuo; - título de hipoteca voluntária; - livrança subscrita pela executada e aval.
Notificado o reclamante para esclarecer qual o título executivo em que se funda a reclamação apresentada, pelo mesmo foi dito que o título executivo consistia na escritura/hipoteca voluntária.
Notificadas as partes para se pronunciarem quanto à falta de título executivo por parte do reclamante uma vez que o título de hipoteca voluntária não se enquadra em nenhuma das alíneas do art. 703º, nº 1, do NCPC, apenas este se pronunciou, defendendo que o título de hipoteca voluntária constitui título executivo, nos termos do referido artigo e número, b), porquanto se trata de um documento exarado por Conservatória do Registo Predial e respectiva Conservadora, que importa o reconhecimento da obrigação assumida perante o credor reclamante por via do contrato de mútuo, no montante de 74.505,89 €, considerando, ainda, que a exequibilidade do título advém também do disposto no art. 707º do NCPC, pois conforme resulta do extracto de conta que junta como documento nº 1, foram realizadas/pagas pela executada as primeiras 37 (trinta e sete) prestações do empréstimo, encontrando-se neste momento vencidas as prestações n.º 38, 39 e 40.
*
Foi, de seguida, proferido despacho que não admitiu a reclamação de créditos deduzida pelo Banco 2..., S.A., por falta de título executivo.
*
2. O reclamante Banco 2... interpôs recurso, concluindo que:
1. Face à citação recebida, o Recorrente apresentou a devida Reclamação de Créditos nos autos, a 04/12/2023, ref.ª 10308789.
2. Com efeito, dispõe a alínea b) do n.º 1 do artigo 786.º do CPC, que “Concluída a fase da penhora e apurada, pelo agente de execução, a situação registral dos bens, são citados para a execução: b) Os credores que sejam titulares de direito real de garantia, registado ou conhecido, sobre os bens penhorados, incluindo penhor cuja constituição conste do registo informático de execuções, para reclamarem o pagamento dos seus créditos.” (sublinhado nosso).
3. Por sua vez, resulta do dos n.ºs 1, 2 e 7 do artigo 788.º do CPC:
“1 - Só o credor que goze de garantia real sobre os bens penhorados pode reclamar, pelo produto destes, o pagamento dos respetivos créditos.
2 - A reclamação tem por base um título exequível e é deduzida no prazo de 15 dias, a contar da citação do reclamante.
(…)
7 - O credor é admitido à execução, ainda que o crédito não esteja vencido; mas se a obrigação for incerta ou ilíquida, torná-la-á certa ou líquida pelos meios de que dispõe o exequente.”.
4. Como se constata na Reclamação de Créditos apresentada, o crédito peticionado é decorrente da dívida em que a Executada/Reclamada incorreu por incumprimento do Contrato de Mútuo n.º ...01.
5. Verifica-se ainda, que para garantia do cumprimento das obrigações contratuais foi, não só constituída hipoteca voluntária sobre o imóvel penhorado nos autos, como foi também subscrita pela Executada/Reclamada uma livrança em branco, devidamente avalizada AA, também Executado, a qual foi entregue ao Recorrente.
6. Sendo certo que o Recorrente beneficia de garantia real registada, deve ser-lhe conferido o direito de reclamar o seu crédito na presente execução, onde foi penhorado o imóvel sobre o qual incidia a sua garantia.
7. Tal resulta do n.º 1 do artigo 788.º do CPC, em conformidade, aliás, com o disposto no n.º 1 do artigo 686º do CC “A hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo”.
8. Nesta circunstância, o credor hipotecário relativamente ao imóvel penhorado nos autos tem o direito, desde que seja titular de título executivo conforme requisito imposto pelo artigo 788.º do CPC ou, venha a obtê-lo, nos termos previstos no artigo 792.º do CPC, de ser admitido ao concurso de credores para o efeito de ver assegurada a sua garantia com referência ao produto da venda no sentido de obter a satisfação do seu crédito.
9. Posto isto, cumprirá analisar se o Contrato de Mútuo e o Título de constituição de hipoteca se enquadram nas espécies de títulos executivos, conforme elencadas no n.º 1 do artigo 703.º do CPC, nomeadamente, na sua alínea “b) Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação;” .
10. Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 363.º do Código Civil:
“1. Os documentos escritos podem ser autênticos ou particulares.
2. Autênticos são os documentos exarados, com as formalidades legais, pelas autoridades públicas nos limites da sua competência ou, dentro do círculo de actividade que lhe é atribuído, pelo notário ou outro oficial público provido de fé pública; todos os outros documentos são particulares.”.
11. Resulta ainda do artigo 707.º do CPC com a epígrafe “Exequibilidade dos documentos autênticos ou autenticados” que: “Os documentos exarados ou autenticados por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, em que se convencionem prestações futuras ou se preveja a constituição de obrigações futuras podem servir de base à execução, desde que se prove, por documento passado em conformidade com as cláusulas deles constantes ou, sendo aqueles omissos, revestido de força executiva própria, que alguma prestação foi realizada para conclusão do negócio ou que alguma obrigação foi constituída na sequência da previsão das partes” (sublinhado nosso).
12. Refere Antunes Varela, in. Manual de Processo Civil, pág. 85: “No caso especial da escritura pública em que se convencionem prestações futuras, quer a escritura pública seja de uma promessa de contrato (v. g., contrato-promessa de mútuo), quer seja de contrato definitivo, tendo em vista prestações futuras (abertura de crédito, contrato de fornecimento, contrato de financiamento, contrato de venda de coisas futuras, etc.), para que a escritura «possa servir de base à execução, torna-se mister provar a realização da prestação prevista, seja por documento com força executiva, seja por documento passado em conformidade com as cláusulas da escritura.” (sublinhado nosso).
13. De facto, não obstante o Tribunal a quo ter classificado o Contrato de Mútuo n.º ...01 meramente como um documento particular celebrado entre o Recorrente, enquanto mutuante, e a Executada/Reclamada, enquanto mutuária, certo é, que o mesmo se deve entender como documento complementar do Título de constituição de hipoteca.
14. Tal resulta expressamente referido no título outorgado, perante a Exma. Sra. Conservadora da Conservatória do Registo Predial ....
15. A respeito dos documentos complementares, prevê o Código de Notariado, no seu artigo 64.º n.ºs 2, 3 e 4, o seguinte:
“2 - Os estatutos das associações, fundações e sociedades e as cláusulas contratuais dos actos em que sejam interessadas as instituições de crédito ou em que a extensão do clausulado o justifique podem ser lavrados em documento separado, observando-se igualmente o disposto nos n.os 1, 3 e 4 do artigo 40.º
3 - Os documentos a que se referem os números anteriores devem ser lidos juntamente com o instrumento e rubricados e assinados pelos outorgantes a quem directamente respeitem, que possam e saibam fazê-lo, e pelo notário, sem prejuízo do disposto no artigo 51.º
4 - A leitura dos documentos a que se referem os números anteriores é dispensada se os outorgantes declararem que já os leram ou que conhecem perfeitamente o seu conteúdo, o que deve ser consignado no texto do instrumento.” (sublinhado nosso).
16. Ora, do supra exposto, salvo melhor opinião em contrário, apenas se poderá concluir que o Contrato de Mútuo é, para efeitos do artigo 64.º do Código de Notariado, documento complementar do Título Casa Pronta outorgado na Conservatória do Registo Predial ....
17. O conteúdo do Contrato de Mútuo, no qual a Executada/Reclamada se constituiu devedora da obrigação, era do perfeito conhecimento das partes, conforme aí declarado, tendo o mesmo sido assinado por estas e pela Exma. Sra. Conservadora.
18. Assim sendo, o Contrato de Mútuo, enquanto documento complementar, é parte integrante do Título de constituição de hipoteca, tendo sido anexado e ficado em arquivo junto ao mesmo e, por essa via, é igualmente um documento autêntico, nos termos dos artigos 369.º e 371.º do CC, ou ainda que assim não se entenda, configurará, pelo menos, documento autenticado.
19. Foi justamente o Título de constituição de hipoteca e o Contrato de Mútuo enquanto documento complementar, que instruíram o registo da hipoteca, sob a inscrição AP. ...71 de 2016/11/14, conforme certidão predial junta aos autos.
20. No caso dos autos, dúvidas não restam que a ora Recorrente, enquanto credor reclamante, detém garantia real sobre o imóvel penhorado na execução, que advém de hipoteca voluntária constituída a seu favor, e que o seu crédito é certo, líquido e exigível, pelo que podia ser reclamado, encontrando-se devidamente comprovado nos autos, pela junção do Contrato de Mútuo e do respectivo extrato, a origem da obrigação pecuniária da Executada/Reclamada.
21. Os documentos que instruíram o registo da hipoteca constituem, de facto, o reconhecimento da obrigação pela Executada/Reclamada, resultando do próprio registo predial o montante do mútuo concedido e as demais disposições aplicáveis, no que concerne ao montante máximo garantido pela hipoteca, juros considerados para efeitos de registo e despesas garantidas.
22. Desta forma, o Título de constituição de hipoteca e o seu documento complementar, nomeadamente, o Contrato de Mútuo, é título exequível, enquadrando-se na alínea b) do n.º 1 do artigo 703.º do CPC, ou no artigo 707.º do CPC, que prevê a exequibilidade dos documentos autênticos ou autenticados.
23. Ainda que assim não se entenda, o que apenas se concede por mero dever de patrocínio, releve-se ainda que, para garantia do cumprimento das obrigações contratuais, a sociedade mutuária, Executada/Reclamada, subscreveu e entregou ao aqui Recorrente uma livrança em branco, devidamente avalizada por AA, também Executado nos autos.
24. Como se disse, a referida Livrança destinava-se a ser preenchida pelo Recorrente, no caso de incumprimento do citado contrato, ao abrigo da Cláusula 12.ª do Contrato e do pacto de preenchimento.
25. A livrança constitui um título de crédito, a que é conferido força executiva, por via da alínea c) do n.º 1 do artigo 703.º do CPC, permitindo ao legítimo portador intentar execução com base exclusivamente na obrigação cambiária.
26. Verifica-se que livrança foi junta à respectiva Reclamação de Créditos em branco, porém, perante a conjugação dos n.ºs 2 e 7 do artigo 788.º do CPC, a mesma constituiu título exequível, sendo que, o aqui Recorrente, enquanto credor, deve ser admitido à execução, ainda que o crédito não estivesse vencido, e portanto sem proceder ao seu preenchimento.
27. Por fim, ainda que fosse de considerar que o Título de constituição de hipoteca e o seu documento complementar, ou a livrança, que foram apresentados na Reclamação de Créditos, não sejam passíveis de configurar título exequível para efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 788.º do CPC, em acréscimo à não admissão da reclamação, deveria o Tribunal a quo, salvo o devido respeito, ter considerado a tramitação prevista no artigo 792.º do CPC, também aí, salvo o devido respeito, tendo incorrido em omissão.
28. Ainda que esta tramitação não tenha sido requerida pelo Recorrente aquando do decurso do prazo para reclamar o seu crédito, uma vez que se encontrava convicto de que se encontrava munido de título exequível, resulta, por exemplo do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 21/01/2021, proc. n.º 1202/18.9T8BGC-A.G1, disponível em www.dgsi.pt que “… reprodução de texto”.
29. Acresce que, em momento algum a Executada/Reclamada ou outro interveniente no processo se opuseram mediante impugnação ao crédito reclamado.
30. Face a tudo o quanto foi exposto, entende o aqui Recorrente, que deve a decisão recorrida ser revogada, substituindo-se por outra que determine a admissibilidade da Reclamação de créditos por existência de título exequível, nos termos e para os efeitos do n.º 2 do artigo 788.º do CPC, nomeadamente, referente à escritura acompanhada do respectivo documento complementar, ou, ainda que assim não se entenda, relativamente à livrança dada em garantia do Contrato de Mútuo outorgado.
31. Sem conceder e apenas por mero dever de patrocínio, caso se entenda que os documentos referidos não constituem título exequível, deverá o douto Tribunal a quo diligenciar no sentido de ordenar a tramitação prevista no artigo 792.º do CPC, ao abrigo do dever de gestão processual consagrado, conjugado com o princípio da adequação formal, consagrados nos artigos 6.º e 547.º do CPC.
Nestes termos e nos melhores de Direito, que V. Exas. Mui doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, que deverá ser substituída por outra que:
a) determine a admissibilidade da Reclamação de créditos por existência de título exequível, nos termos e para os efeitos do n.º 2 do artigo 788.º do CPC, nomeadamente, referente à escritura acompanhada do respectivo documento complementar, ou, ainda que assim não se entenda, relativamente à livrança dada em garantia do Contrato de Mútuo outorgado;
b) Sem conceder e apenas por mero dever de patrocínio, caso se entenda que os documentos referidos não constituem título exequível, deverá determinar-se que o douto Tribunal a quo diligencie no sentido de ordenar a tramitação prevista no artigo 792.º do CPC, ao abrigo do dever de gestão processual consagrado, conjugado com o princípio da adequação formal, consagrados nos artigos 6.º e 547.º do CPC.
3. Inexistem contra-alegações.
II – Factos Provados
A factualidade a considerar é a que resulta do Relatório supra.
III – Do Direito
1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 635º, nº 4, e 639º, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.
Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.
- Admissibilidade da reclamação de créditos por existência de título exequível.
- Entendendo-se que não há título exequível, ordenar-se ao tribunal a quo a tramitação prevista no art. 792º do CPC, ao abrigo do dever de gestão processual, conjugado com o princípio da adequação formal, consagrados nos arts. 6º e 547º do NCPC.
2. No despacho recorrido exarou-se que:
“O artigo 788.º, n.º 2, do CPC estabelece que a reclamação de créditos deduzida por credor que goze de garantia real sobre os bens penhorados tem de ter por base um título exequível.
Segundo a enumeração taxativa do artigo 703.º, n.º 1, do CPC, apenas são título executivo:
a) As sentenças condenatórias;
b) Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação;
c) Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo;
d) Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.
Ora, o título de hipoteca apresentada pelo credor não se insere em nenhuma das alíneas mencionadas, nomeadamente na alínea b), uma vez que, na mesma, a executada limita-se a declarar constituir hipoteca a favor daquele para efeitos de garantia das obrigações emergentes de um contrato de mútuo celebrado na mesma data entre as partes através de documento particular.
Com efeito, o título em apreço não importa a constituição ou o reconhecimento de qualquer obrigação para a executada, pois não é da mesma que emerge a obrigação da executada reembolsar o credor de qualquer montante mutuado (mas sim do contrato de mútuo celebrado por documento particular).
Esta conclusão não é afastada pelo facto de uma fotocópia certificada do contrato de mútuo ter ficado arquivada com o título de hipoteca, nem pelo facto de do Anexo I ao título de hipoteca constar, no artigo terceiro, que “os documentos, seja de que natureza forem, que porventura se encontrem em conexão com este contrato, dele ficarão fazendo parte integrante para efeitos de execução, nos termos e para os fins do artigo setecentos e sete do Código de Processo Civil”.
Conforme se referiu acima, o elenco dos títulos executivos constante do artigo 703.º, n.º 1, do CPC é taxativo, não podendo ser atribuída força executiva a outros documentos por estipulação das partes.
Para além disso, o facto de o contrato ter ficado arquivado na Conservatória do Registo Predial com o título de hipoteca não passa a conferir-lhe a natureza de documento autêntico, mantendo-se como mero documento particular, que a lei não reconhece como título executivo.
Por outro lado, entendemos que o artigo 707.º do CPC não tem aplicação ao caso dos autos.
Dispõe tal normativo que “os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, em que se convencionem prestações futuras ou se preveja a constituição de obrigações futuras podem servir de base à execução, desde que se prove, por documento passado em conformidade com as cláusulas deles constantes ou, sendo aqueles omissos, revestido de força executiva própria, que alguma prestação foi realizada para conclusão do negócio ou que alguma obrigação foi constituída na sequência da previsão das partes”.
Desde logo, o documento exarado pela Conservadora não convenciona qualquer prestação nem prevê a constituição de qualquer obrigação, limitando-se a remeter para o contrato de mútuo celebrado por documento particular (sendo deste que consta a declaração negocial e todos os termos acordados).
Acresce que também no contrato de mútuo não estão em causa quaisquer prestações ou obrigações futuras, na medida em que o contrato de mútuo (na mesma data celebrado entre as partes) define desde logo o montante mutuado e os respetivos termos (ao contrário do que poderia suceder se estivesse em causa um contrato de abertura de crédito ou financiamento, o que não é o caso).
Em caso em tudo idêntico ao dos autos concluiu o Tribunal da Relação de Coimbra, em acórdão de 28-02-2023, que “a escritura pública donde apenas consta declarações dos outorgantes no sentido de constituírem uma hipoteca para garantia do pagamento de quantias que possam vir a ser devidas por força de um “contrato de financiamento” não são título executivo em ação executiva destinada a obter o pagamento de quantia certa, nos termos do art.º 701.º n.º 1 al. b) do CPC, porque essa escritura não importa na constituição ou reconhecimento duma obrigação pecuniária” (disponível em www.dgsi.pt).
Da fundamentação do mesmo consta que “a escritura de hipoteca (…) apresentada (…) não importa a constituição ou reconhecimento de obrigação pecuniária por parte da executada/reclamada (v.g., quanto ao recebimento de alguma quantia a título de empréstimo e inerente confissão de dívida) nem nela se convencionam prestações futuras ou se prevê a constituição de obrigações futuras a respeito do “contrato de financiamento” (que eventualmente relevasse no âmbito do art.º 707.º do CPC), ainda que ali se refira o “contrato de financiamento” (apesar de se aludir ao “contrato de financiamento”, não consta qualquer outra declaração negocial a esse respeito, a qual apenas vem a constar no dito “contrato”)”
(..) Entende-se que a escritura de constituição de hipoteca não se reporta a convenção de prestações futuras e a previsão da constituição de obrigações futuras, assim como não prevê qualquer condição de prova documental relativa a essas situações (ou seja, inexiste qualquer previsão de documentos passados em conformidade com a escritura, pelo menos relacionados com o “contrato de financiamento” – existe uma previsão específica relativa a averbamentos no registo predial no início de fls. 34 da escritura), nomeadamente no âmbito do “contrato de financiamento” que é anexo da escritura mas que não se confunde com esta nem se afigura possível qualificar como documento complementar ou que possa configurar autenticação desse “contrato” (para efeitos de configurar documento autenticado)”.
Conclui-se, pois, pela inexistência de título executivo.”.
O recorrente discorda pelos motivos constantes das suas conclusões de recurso (cfr. as 1. a 22.). Entendemos que sem razão.
2.1. Para já, pode começar por dizer-se que o instrumento apresentado, sendo constitutivo de uma hipoteca, não constituiu qualquer obrigação, ainda que futura.
Na verdade, lida a escritura de mútuo, concorda-se com a sentença recorrida quando refere que nela não se convencionam, de todo, quaisquer prestações futuras ou se prevê a constituição de obrigações futuras.
Portanto, queda inaplicável o art. 707º do NCPC ao caso dos autos.
O que se verifica na nossa situação é estarmos defronte um contrato de mútuo, celebrado adjuvantemente à constituição da hipoteca, onde se define o montante mutuado e os respetivos termos, designadamente o prazo temporal do empréstimo, o pagamento em prestações e a confissão da dívida (vide cláusulas 3ª, 7ª e 10ª). Ou seja, estamos perante um mútuo que importa a constituição de uma obrigação da executada para com a reclamante.
Não se trata, porém, de um documento exarado ou autenticado, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que se acoberte à previsão da b) do referido art. 703º, do NCPC, mas sim de um mero documento particular. Como é reconhecido expressamente pelas partes no título de hipoteca – sob E.1., a) – e no respectivo anexo 1 – sob art. 1º, a).
Mas, o recorrente contrapõe que tal escritura é documento complementar do titulo de hipoteca e como tal será documento autêntico ou autenticado. Mas não é assim.
Relativamente aos documentos complementares, dispõe o art. 64º do Código do Notariado que:
1- (…)
2- Os estatutos das associações, fundações e sociedades e as cláusulas contratuais dos atos em que sejam interessadas as instituições de crédito ou em que a extensão do clausulado o justifique podem ser lavrados em documento separado, observando-se igualmente o disposto nos nºs 1, 3 e 4 do artigo 40º.
3- Os documentos a que se referem os números anteriores devem ser lidos juntamente com o instrumento e rubricados e assinados pelos outorgantes a quem diretamente respeitem, que possam e saibam fazê-lo, e pelo notário, sem prejuízo do disposto no artigo 51º.
4- A leitura dos documentos a que se referem os números anteriores é dispensada se os outorgantes declararem que já os leram ou que conhecem perfeitamente o seu conteúdo, o que deve ser consignado no texto do instrumento.
5- (…).
Rezando o dito art. 40º do Código do Notariado que:
1- Os atos notariais são escritos com os dizeres por extenso.
2- (…)
3- É permitido o uso de algarismos e abreviaturas:
a) Nos reconhecimentos, averbamentos, extratos, registos e contas;
b) Na indicação da naturalidade e residência;
c) Na menção dos números de polícia dos prédios, respetivas inscrições matriciais e valores patrimoniais;
d) Na numeração de artigos e parágrafos de atos redigidos sob forma articulada;
e) Na numeração das folhas dos livros ou dos documentos;
f) Na referenciação de diplomas legais e de documentos arquivados ou exibidos;
g) Nas palavras usadas para designar títulos académicos ou honoríficos.
4 – Os instrumentos, certificados, certidões e outros documentos análogos e, ainda, os termos de autenticação são lavrados sem espaços em branco, que devem ser inutilizados por meio de um traço horizontal, se alguma linha do ato não for inteiramente ocupada pelo texto.
Interessa aquele art. 64º, nº 3, para a solução do nosso caso.
Na realidade, o contrato de mútuo em causa não se mostra assinado pelo Notário conforme exigido pelo referido normativo, pois nenhum notário interveio nesse contrato e documento escrito, e, obviamente, por força disso, nada consta quanto à leitura do documento pelo notário ou à dispensa dessa leitura.
Importa, pois, concluir que o documento anexo ao título da hipoteca, o contrato de mútuo, não configura um documento complementar autêntico.
E autenticado, ou seja, os documentos particulares cujo teor foi confirmado pelas partes, perante notário ou similar, nos termos prescritos nas leis notariais, como estipula o art. 363º, nº 3, do CC, também não.
Preceitua o art. 150º do CN:
1- Os documentos particulares adquirem a natureza de documentos autenticados desde que as partes confirmem o seu conteúdo perante o notário.
2- Apresentado o documento para fins de autenticação, o notário deve reduzir esta a termo.
Acrescentando o art. 151º:
1 – O termo de autenticação, além de satisfazer, na parte aplicável e com as necessárias adaptações, o disposto nas alíneas a) a n) do no 1 do artigo 46º, deve conter ainda os seguintes elementos:
a) A declaração das partes de que já leram o documento ou estão perfeitamente inteiradas do seu conteúdo e que este exprime a sua vontade;
b) A ressalva das emendas, entrelinhas, rasuras ou traços contidos no documento e que neste não estejam devidamente ressalvados.
2. (…)
Ora, no caso concreto, o falado contrato de mútuo não se encontra autenticado, como decorre da sua consulta.
Não se mostra, assim, preenchida a previsão do art. 703º, nº 1, b), do NCPC. Nesta parte, por conseguinte, por não existir título exequível, a apelação tem de improceder.
2.2. Alega ainda o recorrente que foi igualmente junta uma livrança à reclamação de créditos, que é título executivo, nos termos do art. 703º, nº 1, c), do indicado NCPC, e para os efeitos do art. 788º, nº 2, do mesmo diploma (cfr. conclusões 23. a 26).
Esquece, contudo, o recorrente, que foi notificado pelo tribunal a quo para esclarecer qual o título executivo em que se fundava a reclamação apresentada, e pelo mesmo foi dito que o título executivo consistia apenas na escritura/hipoteca voluntária.
Daí que o tribunal a quo não tenha na sua decisão sequer avaliado a existência da livrança. Não podendo, agora, em sede de recurso, a recorrente vir invocar outro título executivo, a livrança.
E porquê. Porque, como já foi dito e redito, os recursos ordinários são de reponderação e não de reexame, visto que o tribunal superior não é chamado a apreciar de novo a acção e a julgá-la como se fosse a primeira vez, indo antes controlar a correcção da decisão proferida pelo tribunal recorrido, face aos elementos averiguados por este último. É por isso constante a jurisprudência no sentido de que aos tribunais de recurso não cabe conhecer questões novas, mas apenas reapreciar a decisão do tribunal a quo com vista confirmá-la ou revogá-la (vide Lebre de Freitas, CPC Anotado, Vol. 3º, T. I, 2ª Ed., nota 5. ao anterior art. 676º = ao actual art. 627º, págs. 7/8).
Tratando-se de uma questão nova, este tribunal ad quem não tem de a conhecer, ora, em recurso.
Só assim não seria, se se tratasse de uma questão de conhecimento oficioso, o que não é manifestamente o caso.
Não procede, por aqui, também, a apelação.
3. Finalmente, invoca, igualmente, o recorrente que deveria o tribunal a quo ter considerado a tramitação prevista no art. 792º do NCPC, ao abrigo do dever de gestão processual conjugado com o princípio da adequação formal, consagrados nos arts. 6º e 547º do NCPC, ainda que esta tramitação não tenha sido requerida pelo recorrente aquando do decurso do prazo para reclamar o seu crédito, uma vez que se encontrava convicto de que se encontrava munido de título exequível. Acresce que, em momento algum a executada/reclamada ou outro interveniente no processo se opuseram mediante impugnação ao crédito reclamado (cfr. conclusões de recurso 27. a 31.).
- Quanto à 1ª parte da pretensão da recorrente, diremos outra vez, que se trata de uma questão nova, não levantada pela ora recorrente no momento oportuno e, por isso, não apreciada na 1ª instância.
Na verdade, aquando da notificação pelo tribunal às partes para se pronunciarem quanto à falta de título executivo por parte do reclamante uma vez que o título de hipoteca voluntária não se enquadraria em nenhuma das alíneas do art. 703º, nº 1, do NCPC, apenas este se pronunciou, defendendo que o título de hipoteca voluntária constitui título executivo, nos termos do referido artigo e número, b), considerando, ainda, que a exequibilidade do título advém também do disposto no art. 707º do NCPC.
Mas calou qualquer referência à aplicação do que agora pretende em recurso o que levou a que a 1ª instância não avaliasse ou equacionasse a possibilidade de aplicação do dito art. 792º. O que repetimos, nos impele, para considerar ser, agora, em recurso, inequivocamente uma questão nova. Pelo que, este tribunal ad quem não tem de a conhecer, ora, em recurso.
Sumariamente, e subsidiariamente, não deixaremos, todavia, de tecer pequenas considerações, designadamente de afirmar, que se se tratasse de uma questão a conhecer, a posição da apelante, estribada no aresto da Rel. Guimarães que cita, não pudesse ser admitida, não merecendo tal acórdão a nossa concordância.
Desde logo, porque o actual recorrente não deduziu no momento oportuno um requerimento de sustação de graduação de créditos, para obtenção do título em falta, em acção já pendente ou a propor, como impõe o art. 792º, nº 1, do NCPC. E esse procedimento formal é requisito da operacionalidade de tal preceito, pois tal requerimento formal é que desencadeia os subsequentes trâmites processuais. Não tendo sido feito, sibi imputet.
Não pode ser o tribunal, ainda para mais o tribunal de recurso, a superar essa falha da própria parte.
Não se crendo, igualmente, que possam ser convocados favoravelmente os mencionados arts. 6º e 547º do NCPC.
Este último, ordenando que o juiz deve adoptar a tramitação processual adequada às especificidades da causa não faz muito sentido no caso concreto, pois a tramitação processual está bem delineada no referido art. 792º, e, portanto, nada havia a adequar processualmente. O ora recorrente é que por teimosia ou erro requereu a reclamação de créditos, ao abrigo do art. 788º, e se algo lhe correu mal, nada tem de espanto, cabe no risco associado a várias demandas judiciais, em que as partes ganham e perdem. E no caso, o recorrente sempre terá meios judiciais/processuais para obter o reconhecimento do seu crédito, sem qualquer prejuízo para ele a não ser a eventual demora da pendência de um normal processo judicial.
Quanto ao dever de gestão processual previsto no art. 6º, do NCPC, o mesmo nos seus 2 números estabelece que:
1 - Cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável.
2 - O juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo.
O recorrente não invoca em qual deles se funda, mas cremos pelo que decorre da natureza do texto do nº 2, que ele queda inaplicável ao caso concreto, pois não divisamos falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação que seja necessário suprir (seja determinando a realização dos actos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de acto que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo) ? Nem o recorrente especifica o que quer que seja.
Quanto ao nº 1, sabemos que a gestão processual pressupõe um juiz empenhado na resolução célere e justa da causa, e traduz-se num aspeto substancial – a condução do processo – e num aspeto instrumental – a adequação formal (art. 547º). Excluída esta adequação formal, como atrás vimos, o dever de gestão processual procura ajudar a uma decisão justa do processo com os menores custos, a maior celeridade e a menor complexidade que forem possíveis do caso concreto.
Sendo que o aspeto substancial do dever de gestão processual se expressa no dever de condução do processo que recai sobre o juiz, dever que é justificado pela necessidade de o juiz providenciar pelo andamento célere do processo (art. 6º, nº 1), e para a obtenção desse fim, deve o juiz promover as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção e recusar o que for impertinente ou meramente dilatório (art. 6º, nº 1), podendo falar-se de um poder de direcção do processo e de um poder de correção do processo.
Sobre o aludido poder de direcção do processo, não se vê, onde ele foi desrespeitado ou machucado.
Sobre o poder de correcção do processo, entendemos que o correspondente dever de gestão processual não pode ter um alcance tal que leve a que o tribunal se substitua às partes e defina ele próprio o que a parte deve promover/requerer e os trâmites processuais a seguir para que seja exercido determinado direito, pois no nosso sistema jurídico vigoram o princípio do dispositivo e o princípio da auto responsabilização das partes, os quais não podem ser postergados por uma amplitude exacerbada, sob pena de violação de outro princípio, o da igualdade das partes.
Daí que, sumariamente, como dito, não encontramos justificação suficiente, muito menos fornecida pelo recorrente, para acolher a pretensão do recorrente.
- Quanto à 2ª parte da pretensão da recorrente, a falta de oposição ao crédito reclamado por banda da executada/reclamada ou outro interveniente no processo, não conduz ao que a recorrente pretende.
Efectivamente, nos termos do art. 791º, nº 4, parte final, do NCPC, o tribunal recorrido podia sempre conhecer oficiosamente de questão que devia ter implicado rejeição liminar da reclamação, concretamente a falta do pressuposto específico formal da existência de título executivo (vide Lebre de Freitas, A Acção Executiva, à luz do CPC de 2013, 6ª Ed., pág. 366, e Rui Pinto A Ação Executiva, 2019, pág. 828).
IV – Decisão
Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, assim se confirmando a decisão recorrida.
*
Custas pelo credor reclamante/recorrente.
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Coimbra, 16.6.2025
Moreira do Carmo
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V- Perante esta decisão singular, a recorrente requereu conferência para prolação de acórdão.
1. No respectivo requerimento alegou que:
“8.º Com efeito, não compreende o ora Recorrente a fundamentação da Decisão Sumária proferida, afastando a complementaridade ente o Contrato de Mútuo e o Título de Constituição de Hipoteca, nem tão pouco o reconhecimento da livrança enquanto título exequível, cuja existência foi alegada aquando da apresentação da Reclamação de Créditos.
9.º Como alegado nos presentes autos, no exercício da sua actividade creditícia, o Recorrente celebrou a 14/11/2016 com a Executada, sociedade A..., Unipessoal Lda., na qualidade de mutuária, e com AA, na qualidade de avalista, o Contrato de Mútuo n.º ...01, cuja cópia do Contrato e respectivos aditamentos foram juntos em anexo à Reclamação de Créditos apresentada como Doc. 1.
10.º Para garantia do bom pagamento e liquidação de todas e quaisquer obrigações e/ou responsabilidades assumidas pela Executada, sociedade mutuária, no âmbito do Contrato, na mesma data, foi constituída hipoteca voluntária a favor do Recorrente, sobre o:
- Prédio misto composto por edifício de cave “A”, destinado a armazém e actividade industrial, cave “B” e rés do chão para habitação, com logradouro e terra de regadio, sito na freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...32/... e inscrito na matriz predial sob os artigos ...34.º urbano, ...03.º e ...04.º rústicos.
11.º A constituição de hipoteca foi formalizada por Título Casa Pronta proc. n.º ...16 de 14/11/2016, perante BB, na qualidade de Conservadora da ... Conservatória do Registo Predial ..., conforme cópia junta em anexo à Reclamação de Créditos como Doc. 2.
12.º Esta hipoteca garante o pagamento do mútuo concedido, no montante de € 74.505,89 (setenta e quatro mil, quinhentos e cinco euros e oitenta e nove cêntimos) bem como dos juros contratuais que se fixaram apenas para efeitos de registo em 10,00% (dez por cento) ao ano, acrescidos da taxa de 3% ao ano a título de cláusula penal em caso de mora, dos respectivos encargos e indemnizações, e bem assim para pagamento de todas as despesas de segurança e cobrança do empréstimo e demais encargos.
13.º E encontra-se devidamente registada na Conservatória do Registo Predial ..., a favor do Recorrente pela inscrição AP. ...71 de 2016/11/14, conforme certidão predial junta aos autos.
14.º A hipoteca encontra-se a garantir um montante máximo de capital e acessórios de € 106.543,42 (cento e seis mil, quinhentos e quarenta e três euros e quarenta e dois cêntimos), e € 2.980,24 (dois mil, novecentos e oitenta euros e vinte e quatro cêntimos) a título de despesas.
15.º Ainda para garantia do cumprimento das obrigações contratuais, a sociedade mutuária, Executada/Reclamada, subscreveu e entregou ao aqui Recorrente uma livrança em branco, devidamente avalizada por AA, cfr. cópia junta à Reclamação de Créditos como Doc. 3, cujo conteúdo se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
16.º A referida Livrança destinava-se a ser preenchida pelo Recorrente, no caso de incumprimento do citado contrato, ao abrigo da Cláusula 12.ª do Contrato e do pacto de preenchimento, cfr. cópia junta à Reclamação de Créditos como Doc. 4, cujo conteúdo se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
17.º Acontece que, o imóvel supra descrito foi penhorado no âmbito da presente acção executiva, conforme auto de penhora elaborado a 18/10/2023.
18.º O aqui Recorrente, na qualidade credor hipotecário, foi citado por via postal, mediante missiva recepcionada a 21/11/2023, para reclamar o seu crédito, nos termos e para os efeitos da alínea b) do n.º 1 do artigo 786.º do CPC, tendo procedido nesse sentido.
19.º Face à citação recebida, o Recorrente apresentou a devida Reclamação de Créditos nos autos, a 04/12/2023, ref.ª 10308789.
20.º A 15/03/2024, ref.ª 106550096, foi proferido Despacho, determinado a notificação do Recorrente, Banco 2..., S.A., para, em dez dias, esclarecer qual é o título executivo em que se fundou a Reclamação de Créditos apresentada.
21.º Subsequentemente, alegou o aqui Recorrente, em requerimento de 05/04/2024, ref.ª 10678849, que o título executivo que servia de fundamento à Reclamação de Créditos era a escritura/Título de constituição de hipoteca voluntária datada de 14/11/2016, conforme consta do teor dos documentos n.º 1 e 2 juntos com a reclamação de créditos.
22.º Não obstante, a 16/10/2024, 108583891, foi proferido novo Despacho pelo Tribunal a quo, determinando a notificação das partes para, em dez dias, pronunciarem-se quanto à falta de título executivo por parte aqui Recorrente, uma vez que o Título de hipoteca voluntária não se enquadra em nenhuma das alíneas do n.º 1 do artigo 703.º do CPC.
23.º Assim, a 31/10/2024, ref.ª 11282971, o Recorrente esclareceu nos autos que foi citado, na qualidade de credor hipotecário para reclamar o seu créditos, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 786.º do CPC, entendendo que a escritura que instruiu o registo da hipoteca e o contrato de mútuo juntos aos autos configuravam título exequível, cumprindo o requisito imposto nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 788.º do CPC.
24.º O Recorrente procedeu ainda à junção aos autos de extrato bancário que comprovava a existência de valores em dívida, decorrentes do Contrato de Mútuo celebrado com a Executada/Reclamada.
25.º Sucede que, a 29/01/2025, foi proferida a Sentença recorrida, que concluiu pela não admissão da Reclamação de Créditos apresentada.
26.º Ora, como disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 786.º do CPC, “Concluída a fase da penhora e apurada, pelo agente de execução, a situação registral dos bens, são citados para a execução:
b) Os credores que sejam titulares de direito real de garantia, registado ou conhecido, sobre os bens penhorados, incluindo penhor cuja constituição conste do registo informático de execuções, para reclamarem o pagamento dos seus créditos.” (sublinhado nosso).
27.º Por sua vez, resulta do dos n.ºs 1, 2 e 7 do artigo 788.º do CPC:
“1 - Só o credor que goze de garantia real sobre os bens penhorados pode reclamar, pelo produto destes, o pagamento dos respetivos créditos.
2 - A reclamação tem por base um título exequível e é deduzida no prazo de 15 dias, a contar da citação do reclamante.
(…)
7 - O credor é admitido à execução, ainda que o crédito não esteja vencido; mas se a obrigação for incerta ou ilíquida, torná-la-á certa ou líquida pelos meios de que dispõe o exequente.”.
28.º Como se constata na Reclamação de Créditos apresentada, o crédito peticionado é decorrente da dívida em que a Executada/Reclamada incorreu por incumprimento do Contrato de Mútuo n.º ...01.
29.º Verifica-se ainda, que para garantia do cumprimento das obrigações contratuais foi, não só constituída hipoteca voluntária sobre o imóvel penhorado nos autos, como foi também subscrita pela Executada/Reclamada uma livrança em branco, devidamente avalizada AA, também Executado, a qual foi entregue ao Recorrente.
30.º Sendo certo que o Recorrente beneficia de garantia real registada, deve ser-lhe conferido o direito de reclamar o seu crédito na presente execução, onde foi penhorado o imóvel sobre o qual incidia a sua garantia.
31.º Tal resulta do n.º 1 do artigo 788.º do CPC, em conformidade, aliás, com o disposto no n.º 1 do artigo 686º do CC “A hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo” (sublinhado nosso).
32.º Nesta circunstância, o credor hipotecário relativamente ao imóvel penhorado nos autos tem o direito, desde que seja titular de título executivo conforme requisito imposto pelo artigo 788.º do CPC ou, venha a obtê-lo, nos termos previstos no artigo 792.º do CPC, de ser admitido ao concurso de credores para o efeito de ver assegurada a sua garantia com referência ao produto da venda no sentido de obter a satisfação do seu crédito.
33.º Posto isto, cumprirá analisar se o Contrato de Mútuo e o Título de constituição de hipoteca se enquadram nas espécies de títulos executivos, conforme elencadas no n.º 1 do artigo 703.º do CPC, nomeadamente, na sua alínea “b) Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação;”.
34.º Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 363.º do Código Civil:
“1. Os documentos escritos podem ser autênticos ou particulares.
2. Autênticos são os documentos exarados, com as formalidades legais, pelas autoridades públicas nos limites da sua competência ou, dentro do círculo de actividade que lhe é atribuído, pelo notário ou outro oficial público provido de fé pública; todos os outros documentos são particulares.”.
35.º Resulta ainda do artigo 707.º do CPC com a epígrafe “Exequibilidade dos documentos autênticos ou autenticados” que: “Os documentos exarados ou autenticados por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, em que se convencionem prestações futuras ou se preveja a constituição de obrigações futuras podem servir de base à execução, desde que se prove, por documento passado em conformidade com as cláusulas deles constantes ou, sendo aqueles omissos, revestido de força executiva própria, que alguma prestação foi realizada para conclusão do negócio ou que alguma obrigação foi constituída na sequência da previsão das partes” (sublinhado nosso).
36.º Refere Antunes Varela, in. Manual de Processo Civil, pág. 85: “No caso especial da escritura pública em que se convencionem prestações futuras, quer a escritura pública seja de uma promessa de contrato (v. g., contrato-promessa de mútuo), quer seja de contrato definitivo, tendo em vista prestações futuras (abertura de crédito, contrato de fornecimento, contrato de financiamento, contrato de venda de coisas futuras, etc.), para que a escritura «possa servir de
base à execução, torna-se mister provar a realização da prestação prevista, seja por documento com força executiva, seja por documento passado em conformidade com as cláusulas da escritura.” (sublinhado nosso).
37.º Resulta das páginas 2 e 3 da escritura formalizada por Título Casa Pronta proc. n.º ...16 de 14/11/2016, perante BB, na qualidade de Conservadora da ... Conservatória do Registo Predial ..., que a hipoteca serviria de garantia:
“a) do bom pagamento e liquidação de todas e quaisquer obrigações e/ou responsabilidades assumidas e/ou a assumir pela referida Sociedade, junto do BANCO, por via de um contrato de mútuo, celebrado hoje, por documento particular, no montante de setenta e quaro mil quinhentos e cinco euros e oitenta e nove cêntimos, e de todos os seus aditamentos, prorrogações e/ou modificações;
b) dos juros estabelecidos e/ou a estabelecer para a operação acima referida e que para efeitos de registo predial se fixam até à taxa de dez por cento ao ano, acrescida de três por cento em caso de mora;
c) das despesas judiciais e extrajudiciais, computadas para efeitos de registo em dois mil novecentos e oitenta euros e vinte e quatro cêntimos, sendo, por isso, o montante máximo do crédito e acessórios de cento e seis mil quinhentos e quarenta e três euros e quarenta e dois cêntimos, o primeiro interveniente, em nome da sociedade sua representada, constituiu, a favor do Banco 2..., S.A., representado dos segundos intervenientes, hipoteca voluntária sobre o prédio supra identificado” (negrito e sublinhado nosso).
38.º Na respectiva escritura, nomeadamente na sua página 3, consta ainda que as partes declararam:
“Que a hipoteca rege-se ainda pelas cláusulas constantes do Anexo I, que apresentam e fica a fazer parte integrante do presente título, cujo conteúdo é do perfeito conhecimento partes, pelo que é dispensada a sua leitura a pedido dos mesmos.” (sublinhado nosso).
39.º Por fim, na sua página 4, refere-se:
“A presente hipoteca é materialmente acessória de um contrato de mútuo, celebrado hoje por documento particular, pelo que não é aplicável o imposto de selo previsto na verba 10.3 da TGIS” (sublinhado nosso).
40.º Mais, no documento complementar em anexo à escritura, identificado como “Anexo I – Outras cláusulas do Contrato de Hipoteca n.º ...01, que faz parte integrante do Título do processo “Casa Pronta” n.º ...03, da ... Conservatória do Registo Predial ...” pode ler-se:
“CONDIÇÕES GERAIS da hipoteca constituída pela sociedade “A..., Unipessoal, Lda.”, daqui em diante designada abreviadamente por MUTUÁRIA, a favor do “Banco 2..., S.A., daqui em diante designado abreviadamente por Banco 2..., para garantia das responsabilidades assumidas e/ou a assumir pela referida MUTUÁRIA, decorrente de um contrato de mútuo por ela subscrito, celebrado junto do Banco 2... na presente data, contrato esse já identificado no título do qual este anexo 1 faz parte integrante.
(…)
Artigo Terceiro
Os documentos, seja de que natureza forem, que porventura se encontrem em conexão com este contrato, dele ficarão fazendo parte integrante para efeitos de execução, nos termos e para os fins do artigo setecentos e sete do Código de Processo Civil” (sublinhado nosso).
41.º De facto, não obstante o Tribunal a quo ter classificado o Contrato de Mútuo n.º ...01 meramente como um documento particular celebrado entre o Recorrente, enquanto mutuante, e a Executada/Reclamada, enquanto mutuária, certo é, que o mesmo se deve entender como documento complementar do Título de constituição de hipoteca.
42.º Tal resulta expressamente referido no título outorgado, perante a Exma. Sra. Conservadora da Conservatória do Registo Predial ....
43.º A respeito dos documentos complementares, prevê o Código de Notariado, no seu artigo 64.º n.ºs 2, 3 e 4, o seguinte:
“2 - Os estatutos das associações, fundações e sociedades e as cláusulas contratuais dos actos em que sejam interessadas as instituições de crédito ou em que a extensão do clausulado o justifique podem ser lavrados em documento separado, observando-se igualmente o disposto nos n.os 1, 3 e 4 do artigo 40.º
3 - Os documentos a que se referem os números anteriores devem ser lidos juntamente com o instrumento e rubricados e assinados pelos outorgantes a quem directamente respeitem, que possam e saibam fazê-lo, e pelo notário, sem prejuízo do disposto no artigo 51.º
4 - A leitura dos documentos a que se referem os números anteriores é dispensada se os outorgantes declararem que já os leram ou que conhecem perfeitamente o seu conteúdo, o que deve ser consignado no texto do instrumento.” (sublinhado nosso).
44.º Ora, do supra exposto, salvo melhor opinião em contrário, apenas se poderá concluir que o Contrato de Mútuo é, para efeitos do artigo 64.º do Código de Notariado, documento complementar do Título Casa Pronta outorgado na Conservatória do Registo Predial ....
45.º O conteúdo do Contrato de Mútuo, no qual a Executada/Reclamada se constituiu devedora da obrigação, era do perfeito conhecimento das partes, conforme aí declarado, tendo o mesmo sido assinado por estas e pela Exma. Sra. Conservadora.
46.º Incorre, desta forma, em erro de interpretação a Decisão Sumária proferida, tendo o Venerando Juiz Desembargador Relator considerado que, “Na realidade, o contrato de mútuo em causa não se mostra assinado pelo Notário conforme exigido pelo referido normativo, pois nenhum notário interveio nesse contrato e documento escrito, e, obviamente, por força disso, nada consta quanto à leitura do documento pelo notário ou à dispensa dessa leitura.
Importa, pois, concluir que o documento anexo ao título da hipoteca, o contrato de mútuo, não configura um documento complementar autêntico.”.
47.º Na verdade, o Contrato de Mútuo encontra-se assinado e carimbado pela Exma. Sra. Da. BB, na qualidade de conservadora da ... Conservatória do Registo Predial e Comercial ....
48.º A assinatura, carimbo e data de celebração do Contrato de Mútuo coincidem com a data em que foi outorgado o título de constituição da hipoteca, por Título Casa Pronta proc. n.º ...16 de 14/11/2016, no qual interveio também a Exma. Sra. Da. BB.
49.º O aqui Recorrente muito estranha que na Decisão Sumária não se faça qualquer referência a este facto, nem tão pouco tenham sido consideradas as múltiplas referências feitas no título de constituição da hipoteca quanto ao Contrato de Mútuo que lhe subjaz.
50.º Com efeito, entende o ora Recorrente que o Contrato de Mútuo é parte integrante do Título de constituição de hipoteca, tendo sido anexado e ficado em arquivo junto ao mesmo e, por essa via, é igualmente um documento autêntico, nos termos dos artigos 369.º e 371.º do CC.
51.º Foi justamente o Contrato de Mútuo enquanto documento complementar do título de constituição de hipoteca, que instruíram o registo da hipoteca, sob a inscrição AP. ...71 de 2016/11/14, conforme certidão predial junta aos autos.
52.º No caso dos autos, dúvidas não restam que o Recorrente, enquanto credor reclamante, detém garantia real sobre o imóvel penhorado na execução, que advém de hipoteca voluntária constituída a seu favor, e que o seu crédito é certo, líquido e exigível, pelo que podia ser reclamado, encontrando-se devidamente comprovado nos autos, pela junção do Contrato de Mútuo e do respectivo extrato, a origem da obrigação pecuniária da Executada/Reclamada.
53.º Os documentos que instruíram o registo da hipoteca constituem, de facto, o reconhecimento da obrigação pela Executada/Reclamada, resultando do próprio registo o montante do mútuo concedido e as demais disposições aplicáveis, no que concerne ao montante máximo garantido pela hipoteca, juros considerados para efeitos de registo e despesas garantidas:
“... Conservatória do Registo Predial ...
AP. ...71 de 2016/11/14 14:45:35 UTC - Hipoteca Voluntária Registado no Sistema em: 2016/11/14 14:45:35 UTC
CAPITAL: 74.505,89 Euros
MONTANTE MÁXIMO ASSEGURADO: 106.543,42 Euros
SUJEITO(S) ATIVO(S):
** Banco 2..., S.A.
NIPC ...93
Sede: Avenida ..., ..., ...
SUJEITO(S) PASSIVO(S):
** A..., UNIPESSOAL LDA
NIPC ...82
FUNDAMENTO: FUNDAMENTO: Garantia do pagamento e liquidação de todas e quaisquer obrigações e/ou responsabilidades assumidas e/ou a assumir pela sociedade "A..., Unipessoal, Lda" junto do Banco, por via de um contrato de mútuo, celebrado por documento particular. CC:10%, acrescido de 3%, em caso de mora. DESPESAS: 2.980,24 euros.”.
54.º Desta forma, o Título de constituição de hipoteca e o seu documento complementar, nomeadamente, o Contrato de Mútuo, é título exequível, enquadrando-se na alínea b) do n.º 1 do artigo 703.º do CPC, ou no artigo 707.º do CPC, que prevê a exequibilidade dos documentos autênticos ou autenticados.
55.º
Mais uma vez, a Decisão Sumária proferida absteve-se de efectuar qualquer consideração quanto ao registo da hipoteca e ao valor do capital e montante máximo assegurado aí previsto.
56.º A realidade é que não poderá ser afastada a validade da constituição da garantia real a favor do aqui Recorrente.
57.º O ora Recorrente também não poderá aceitar a omissão de pronúncia quanto aos elementos invocados, nomeadamente, as referências resultantes do título da constituição da hipoteca quanto ao Contrato de Mútuo celebrado na mesma data, que no seu entendimento que seriam idóneos a comprovar a complementaridade entre ambos os documentos.
58.º Acresce que, para garantia do cumprimento das obrigações contratuais, a sociedade mutuária, Executada/Reclamada, subscreveu e entregou ao Recorrente uma livrança em branco, devidamente avalizada por AA, também Executado nos autos.
59.º Como se disse, a referida Livrança destinava-se a ser preenchida pelo Recorrente, no caso de incumprimento do citado contrato, ao abrigo da Cláusula 12.ª do Contrato e do pacto de preenchimento.
60.º A livrança constitui um título de crédito, a que é conferido força executiva, por via da alínea c) do n.º 1 do artigo 703.º do CPC, permitindo ao legítimo portador intentar execução com base exclusivamente na obrigação cambiária.
61.º Verifica-se que livrança foi junta à respectiva Reclamação de Créditos em branco, porém, perante a conjugação dos n.ºs 2 e 7 do artigo 788.º do CPC, a mesma constituiu título exequível, sendo que, o aqui Recorrente, enquanto credor, deve ser admitido à execução, ainda que o crédito não estivesse vencido, e portanto sem proceder ao seu preenchimento.
62.º A este respeito, a Decisão Sumária limita-se a referir que o Recorrente já havia sido notificado pelo Tribunal a quo, de forma a esclarecer qual o título executivo em que se fundava a reclamação apresentada, tendo sido afirmado que a mesma se fundava na escritura/hipoteca voluntária.
63.º Tal determinou que o Tribunal a quo não tenha sequer avaliado a existência da livrança, não podendo, agora, em sede de recurso, o Recorrente invocar outro título executivo, neste caso, a livrança.
64.º Mais uma vez, não pode o ora Recorrente conformar-se com a respectiva decisão.
65.º A existência da livrança foi, desde logo, invocada em sede de Reclamação de Créditos, pelo que, incorreria sempre em omissão a decisão do Tribunal a quo que não tenha considerado a sua existência e eventual cumulação dos títulos, tal como incorre em omissão a Decisão Sumária que se abstém de proceder à análise dos títulos apresentados.
66.º Por fim, ainda que fosse de considerar que o Título de constituição de hipoteca e o seu documento complementar, ou a livrança, que foram apresentados na Reclamação de Créditos, não sejam passíveis de configurar título exequível para efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 788.º do CPC, em acréscimo à não admissão da reclamação, deveria o Tribunal a quo, salvo o devido respeito, ter considerado a tramitação prevista no artigo 792.º do CPC, também aí, salvo o devido respeito, tendo incorrido em omissão.
Como decorre do disposto nos n.ºs 1 a 3 do referido artigo:
“1 - O credor que não esteja munido de título exequível pode requerer, dentro do prazo facultado para a reclamação de créditos, que a graduação dos créditos, relativamente aos bens abrangidos pela sua garantia, aguarde a obtenção do título em falta.
2 - Recebido o requerimento referido no número anterior, a secretaria notifica o executado para, no prazo de 10 dias, se pronunciar sobre a existência do crédito invocado.
3 - Se o executado reconhecer a existência do crédito, considera-se formado o título executivo e reclamado o crédito nos termos do requerimento do credor, sem prejuízo da sua impugnação pelo exequente e restantes credores; o mesmo sucede quando o executado nada diga e não esteja pendente ação declarativa para a respetiva apreciação.”.
67.º Ainda que esta tramitação não tenha sido requerida pelo Recorrente aquando do decurso do prazo para reclamar o seu crédito, uma vez que se encontrava convicto de que se encontrava munido de título exequível, resulta, por exemplo do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 21/01/2021, proc. n.º 1202/18.9T8BGC-A.G1, disponível em www.dgsi.pt que “(…) tendo o credor manifestado a sua vontade de reclamar o crédito na execução e não sendo a mesma admissível por falta de título exequível, como já concluímos, impunha-se, em acréscimo à não admissão da reclamação, que, ao abrigo do dever de gestão processual consagrado no art. 6º, do CPC, conjugado com o princípio da adequação formal consagrado no art. 547º, do CPC, e tendo ainda em conta a possibilidade de correção do meio processual utilizado prevista no art. 193º, nº 3, do CPC, se convidasse a parte a esclarecer se pretendia que a sua petição de reclamação fosse considerada para efeitos da tramitação prevista no art. 792º, do CPC, para o credor que não dispõe de título exequível, ordenando, em caso de resposta afirmativa, que se procedesse à notificação prevista no art. 792º, nº 2, do CPC.
Esta solução é a que permite diminuir os custos e reduzir o dispêndio de tempo, evitando que o banco tenha que propor uma nova ação para obter um título exequível e que, de seguida, tenha de mover uma ação executiva, pois recorrendo ao procedimento do art. 792º pode conseguir obter a formação do título na própria ação executiva e, mesmo que não o consiga e tenha que intentar ação declarativa para o efeito, poderá sempre fazer valer os seus direitos na execução já instaurada quanto aos bens relativamente aos quais incide a garantia, nos moldes regulados no referido art. 792º.
Parece-nos que esta é a solução que permite garantir uma maior celeridade à resolução global do litígio, com menores custos e de uma forma mais equitativa.”.
68.º Face a tudo o quanto foi exposto, entende o aqui Recorrente, que a decisão proferida carece de reapreciação devendo sobre a matéria invocada ser proferido Acórdão pelo douto Tribunal da Relação, o que desde já se vem requerer, nos termos e para os efeitos do n.º 3 do artigo 652.º do CPC.
69.º Posto isto, entende o aqui Recorrente que a decisão proferida pelo Tribunal a quo deverá ser revogada, substituindo-se por outra que determine a admissibilidade da Reclamação de créditos por existência de título exequível, nos termos e para os efeitos do n.º 2 do artigo 788.º do CPC, nomeadamente, referente à escritura acompanhada do respectivo documento complementar, ou,
ainda que assim não se entenda, relativamente à livrança dada em garantia do Contrato de Mútuo outorgado.
70.º Sem conceder e apenas por mero dever de patrocínio, caso se entenda que os documentos referidos não constituem título exequível, deverá o douto Tribunal a quo diligenciar no sentido de ordenar a tramitação prevista no artigo 792.º do CPC, ao abrigo do dever de gestão processual consagrado, conjugado com o princípio da adequação formal, consagrados nos artigos 6.º e 547.º do CPC.”.
2. Esta argumentação merece a seguinte resposta.
- Analisando os pontos supra transcritos da reclamação, verificamos que, com excepção de um, eles coincidem essencialmente com a argumentação apresentada pela recorrente, ora reclamante, nas suas 31 conclusões de recurso. E nada de novo trazem para a discussão e respectiva avaliação empreendida, quer na decisão da 1ª instância, quer mais alongadamente na decisão singular.
Assim, já aqui foi dito que o título de hipoteca, pelos motivos apresentados, não é título exequível; o adjuvante contrato de mútuo também não pelas razões expendidas; a livrança, como título exequível, pela justificação exarada, não podia ser atendida; a tramitação do art. 792º do NCPC e operacionalidade dos arts. 6º e 547º, pelos fundamentos explanados, não podia ser considerada.
Desta sorte, inexiste razão jurídica, nesta parte, para alterar a decisão singular.
- o único argumento novo que a ora reclamante esgrime é o constante no ponto indicado 47º - o contrato de mútuo encontra-se assinado e carimbado pela Exma. Sra. Da. BB, na qualidade de conservadora da ... Conservatória do Registo Predial e Comercial ....
Contudo isto não é verdade. Basta compulsar o doc. nº 1, junto coma reclamação de créditos apresentada pela recorrente/reclamante.
E a 1ª instância já o tinha dito, na sua decisão apelada, quando referiu que “Esta conclusão não é afastada pelo facto de uma fotocópia certificada do contrato de mútuo ter ficado arquivada com o título de hipoteca, …
(…)
… o facto de o contrato ter ficado arquivado na Conservatória do Registo Predial com o título de hipoteca não passa a conferir-lhe a natureza de documento autêntico, mantendo-se como mero documento particular, que a lei não reconhece como título executivo.”.
O que consta do contrato de mútuo, simples documento particular, assim reconhecido pelas partes, é a mera menção, logo à cabeça do documento, que uma fotocópia foi extraída desse contrato pela dita Conservatória. Nada mais ! Ou seja, o contrato de mútuo não teve qualquer intervenção pela Sra. Conservadora: não foi exarado ou autenticado pela mesma, não teve a sua assinatura. Ao contrário do que a reclamante afirma.
Como assim, esta parte da argumentação reclamatória igualmente não leva à alteração do decidido.
3. Sumariando (e repetindo o sumário da decisão singular, nos termos do art. 663º, nº 7, do NCPC): (…).
VI – Decisão
Pelo exposto, julga-se a reclamação improcedente, assim se mantendo a decisão singular reclamada.
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Custas pelo credor reclamante/recorrente.
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Coimbra, 30.9.2025
Moreira do Carmo
Fonte Ramos
Alberto Ruço
Voto vencido:
«Entendo que há título executivo e revogaria a decisão recorrida, pelas seguintes razões:
1 – Os documentos apresentados como título executivo foram elaborados no âmbito do regime jurídico denominado «Casa Pronta», instituído pelo D.L n.º 263-A/2007, de 23 de julho.
2 – Refere-se no artigo 1.º deste regime: «É criado o procedimento especial de transmissão, oneração e registo imediato de prédios em atendimento presencial único».
O artigo 2.º indica o campo de aplicação e, no que importa agora considerar, o n.º 1 diz o seguinte: «O regime previsto no presente decreto-lei aplica-se aos seguintes negócios jurídicos: a) Compra e venda; b) Mútuo e demais contratos de crédito e de financiamento celebrados por instituições de crédito, com hipoteca, com ou sem fiança; c) Hipoteca; (…)».
Por sua vez, o artigo 8.º, n.º 1, al. a) a g), prescreve o seguinte:
«1. Efectuada a verificação dos pressupostos e formalidades prévias, referidas nos artigos anteriores, o serviço de registo procede aos seguintes actos pela ordem indicada:
a) Anotação no Diário dos factos sujeitos a registo;
b) Elaboração dos documentos que titulam os negócios jurídicos, de acordo com o modelo previamente escolhido pelos interessados, seguido da leitura e explicação do respectivo conteúdo;
c) Promoção da liquidação do IMT, nos termos declarados pelo contribuinte, e de outros impostos que se mostrem devidos, tendo em conta os negócios jurídicos a celebrar, assegurando o seu pagamento prévio à celebração do negócio jurídico;
d) Cobrança dos emolumentos e de outros encargos que se mostrem devidos;
e) Recolha das assinaturas nos documentos que titulam os negócios jurídicos;
f) Verificação da entrega da ficha técnica ao comprador;
g) Realização obrigatória, oficiosa e imediata dos registos apresentados ...»
3 – O contrato de mútuo, junto como título executivo, foi elaborado segundo
este regime, nos termos da al. b), do n.º 1 do referido artigo 8.º.
De facto, o Documento 1, junto com a reclamação, tem, ao cimo da página, o carimbo da Conservatória e a data de 14/11/2016, que é a mesma data que consta do final do contrato de mútuo, bem como a assinatura do funcionário da conservatória.
É certo que no carimbo se diz apenas que «extraí fotocópia», mas parece isento de dúvida que se trata do procedimento de «Casa Pronta», como se vê pelo Documento 2 relativo à hipoteca, onde se declara que se está a agir no âmbito do regime jurídico da Casa Pronta.
No artigo 10.º do contrato confessa-se a dívida e no artigo 12.º no mesmo contrato consta a constituição de hipoteca.
No final do contrato declara-se que o imposto de selo foi liquidado.
No Documento 2, relativo à hipoteca, com a mesma data de 14-11-2016, diz- se que a hipoteca é garantia do referido mútuo que é aí identificado no que se refere ás partes e respetivo montante e é assinado pela «oficial» da conservatória.
Mais se diz no ponto «G.3.b)» deste documento que é arquivada fotocópia do contrato de mútuo.
E no final do documento intitulado «Anexo I» declara-se que as obrigações resultantes do ato são comunicadas ao Banco de Portugal e, por fim, o assina a «Conservadora».
4 – Verifica-se, pois, que os documentos apresentados como título executivo são documentos elaborados nos termos da legislação «Casa Ponta» e, nos termos deste regime, são documentos elaborados dentro da competência material e formal das Conservatórias do Registo Predial, pelo que a documentação apresentada tem de ser qualificada como «documento autêntico», para efeitos do artigo 703.º, n.º 1, b) do CPC, porque elaborada sob a alçada de um oficial público, o conservador do registo predial, ou, pelo menos, como documentação autenticada pelo conservador, pois este também tem competência para reconhecer documentos, como resulta do artigo 38.º, n.º 1, do DL n.º 76-A/2006, de 29 de março.
Alberto A.V. Ruço