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AÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
CAUSA DE PEDIR
EXCEÇÃO DO CASO JULGADO
Sumário
I - A impugnação da matéria de facto exige, sob cominação de imediata rejeição do recurso nessa parte, a indicação dos pontos que, no entender do recorrente, foram erradamente julgados, das respostas que seriam acertadas e da análise crítica dos meios de prova que as poderiam alicerçar. II - A arguição da ininteligibilidade da causa de pedir carece de sentido útil se, quanto à factualidade da sentença, dela não é apontada qualquer consequência. III - Na acção de reivindicação a causa de pedir só se completa quando aos factos inerentes à titularidade da propriedade pelo demandante acrescem os de determinada ocupação ou esbulho por outrem. IV - Por isso, e igualmente mercê da exigência de substanciação nesta sede, a cada ocupação ilícita diversa, após a restituição do bem, ainda que realizada pelas mesmas pessoas, corresponde uma distinta causa de pedir, relativa a factos que, embora de semelhante natureza aos de uma anterior acção, foram praticados após a respectiva sentença, o que afasta a verificação da excepção do caso julgado.
Texto Integral
Processo: 1483/19.0T8AVR.P1
ACORDAM OS JUÍZES QUE INTEGRAM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO (3.ª SECÇÃO CÍVEL):
Relator: Nuno Marcelo Nóbrega dos Santos de Freitas Araújo
1.º Adjunto: Maria de Fátima Almeida Andrade
2.º Adjunto: António Mendes Coelho
RELATÓRIO.
AA, titular do NIF ..., residente na Rua ..., ..., em Aveiro, BB, com o NIF ... e marido, CC, titular do NIF ..., ambos residentes na Rua ..., na mesma localidade, intentaram acção declarativa, com processo comum, contra DD e marido EE, residentes nos ..., ..., Aveiro.
Pediram fossem os RR. os réus condenados a:
A) Reconhecerem os autores como legítimos proprietários de cada um e do conjunto dos prédios descritos em 9º, 10º, 39º a 42º e 50º a 58º desta petição, com a área global, forma, dimensões e características constantes na planta junta como Doc. nº 21;
B) Desocuparem e restituírem-lhes devolutas as duas parcelas de terreno descritas de 73º a 78º e de 82º a 87º supra, com a área, forma, dimensões e características constantes na planta junta como Doc. nº 21, que abusivamente ocupam;
C) Removerem, antes de a entregarem, o aterro que colocaram sobre a parcela de terreno descrita de 82º a 87º supra e a nivelarem-na ao nível da parcela remanescente do conjunto de prédios das autoras, que os réus não ocuparam;
D) Pagarem às autoras a indemnização que vier a ser liquidada em execução de sentença pelos prejuízos causados pela ocupação das parcelas de terreno reivindicadas.
Para o efeito e em apertada síntese, alegaram que são herdeiras de FF, de cujo acervo hereditário faziam parte vários prédios rústicos, que confinam uns com os outros, ao passo que os RR. são proprietários de um imóvel que usam para depósito de sucata de automóveis, com o qual, em Julho de 1997, ocuparam uma parcela, de cerca de 1.400 m2, dos aludidos prédios, onde colocaram carcaças e peças de automóveis.
Estes factos foram julgados provados por sentença proferida na Acção com Processo Ordinário nº ..., que correu termos pelo então 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, intentada pelos AA. e por FF, entretanto falecida, na qualidade de viúva do autor da herança, e por GG, na qualidade de marido da herdeira AA, contra os RR., que então foram condenados a reconhecer que os AA são titulares do direito de propriedade que incide sobre os prédios que identificaram e a desocuparem a parcela de terreno que abusivamente ocuparam.
Seguiu-se a instauração de execução para entrega da parcela de terreno ocupada, que correu termos com o nº 407/09.8T2OVR pelo Juízo de Execução de Ovar, na qual se concretizou a requerida restituição, em 05/07/2005, e que mereceu Oposição à Execução deduzida pelos RR., julgada totalmente improcedente por douta sentença transitada em julgado.
As referidas parcelas de terreno, que depois disso continuaram na posse dos AA., formam na prática uma única parcela de terreno retangular, que se desenvolve no sentido noroeste – sudeste a partir da Rua ..., em forma de “chave”, com a área total de 6.937 m2 (seis mil novecentos trinta e sete metros quadrados), sita na Rua ..., freguesia ..., concelho de Aveiro e cujas estremas os AA. identificaram.
E que foi mais uma vez ocupada abusivamente pelos RR., em dia indeterminado mas posterior ao óbito da mãe das AA., aproveitando a ausência destas da residência habitual, numa área que incluiu e é maior que os cerca de 1.400 m2 anteriormente ocupados, no que aqueles RR. retiraram marcos, derrubaram a rede e arrancaram as estacas que a suportavam e se encontravam cravadas no solo e que ali haviam sido colocados pela agente de execução aquando da sua entrega às proprietárias, vedando de seguida a área ocupada, com uma superfície global de 1.871 m2.
Para além disso, os RR. ocuparam ainda, à revelia e contra a vontade dos AA., uma outra parcela do conjunto dos prédios que integram a herança de que as impetrantes são únicas herdeiras, vedando-lhes igualmente o acesso, parcela que confina com a vala, no limite a sul do prédio das AA., numa área ocupada com o total de 1.469,00 m2 e onde os RR. colocaram grandes quantidades de aterro.
Com a descrita atitude dos RR., as AA. viram-se esbulhadas da fruição das parcelas dos pinhais em causa ocupadas e impossibilitadas de as semearem, arrancar ervas ou silvas, colher os frutos ou de cortar e vender os eucaliptos e pinheiros como, por si e antepossuidores, sempre fizeram, ao longo de mais de 50 anos, sofrendo prejuízos.
Na contestação, os RR. suscitaram a questão da ininteligibilidade da causa de pedir e da excepção do caso julgado, para além de terem impugnado grande parte da matéria invocada na petição inicial.
As AA. responderam, pugnando pela improcedência das excepções.
No despacho saneador, proferido em audiência prévia, o valor da acção foi fixado em € 554.353,00 e foi julgada improcedente a questão da ineptidão da petição inicial.
Todavia, na parcial procedência da arguição, foi julgado verificada a excepção do caso julgado, quanto ao pedido formulado pelos autores na alínea A), na parte em que peticionam o reconhecimento do direito de propriedade sobre os prédios tal como estão identificados nos artigos 9º a 35º da contestação, por reproduzirem factos provados no processo com o n.º 500/1998.
Em consequência, foi proferido despacho de convite ao aperfeiçoamento, no que concerne à necessidade de serem concretizados factos relacionados com a identificação das parcelas que os AA. alegam terem sido ocupadas pelos RR.
Os AA. corresponderam ao convite e, mediante petição inicial aperfeiçoada, culminaram com o pedido de que os RR. fossem condenados:
A) Reconhecerem os AA. como legítimos proprietários de cada um e do conjunto dos prédios descritos em 9º, 10º, 39º a 42º e 54º a 62º desta petição, com a área global, forma, dimensões e características constantes na planta junta como Doc. nº 21;
B) Desocuparem e restituírem-lhes devoluta as parcelas de terreno identificadas em 64º e 65º supra, constituída pelas duas faixas em forma de quadrilátero descritas de 79º a 83º e de 88º a 93º supra, com a área total de 3.340 m2, e com a forma, dimensões e características constantes na planta junta como Doc. nº 21, que abusivamente ocupam;
C) Removerem, antes de a entregarem, o aterro que colocaram sobre a faixa de terreno descrita de 88º a 93º supra, que integra a parcela de terreno reivindicada e a nivelarem-na ao nível da parcela remanescente do conjunto de prédios das autoras, que os réus não ocuparam;
D) Pagarem às AA. a indemnização que vier a ser liquidada em execução de sentença pelos prejuízos causados pela ocupação das parcelas de terreno reivindicadas.
Na sequência, os RR. juntaram “nova contestação”, na qual insistiram nas excepções acima referidas e na impugnação factual, e que mereceu resposta dos AA que basicamente reproduziu a anterior.
Seguiu-se novo convite ao aperfeiçoamento, satisfeito pelos AA.
Foi elaborado despacho com a identificação do objecto do litígio e a escolha dos temas da prova (17/06/2021).
Realizada a audiência de julgamento, em quatro sessões, foi proferida sentença que, na parcial procedência da acção, decidiu:
A) Condenar os réus a reconhecerem que o direito de propriedade dos autores sobre os imóveis inscritos na matriz sob os números ......, ......, ...... e ......, ...... e ..., freguesia ..., concelho de Aveiro têm, no seu conjunto, a área global de 6937m2 e a forma, dimensões e características constantes da planta junta aos autos a fls. 161 e que corresponde ao documento n.º 21 junto com a petição inicial;
B) Condenar os réus a desocuparem as duas faixas de terreno, identificadas no documento de fls. 161 (doc. 21), integrantes dos imóveis identificados na alínea A), sendo uma faixa com a área de 1871 m2 e outra com a área de 1469m2, restituindo-as aos autores, devolutas e livres de pessoas e bens.
C) Condenar os réus a removerem o aterro que colocaram sobre a faixa ocupada com a área de 1469m2, nivelando-a ao mesmo nível do remanescente do restante terreno que integra o conjunto de imóveis referido na alínea A); e
D) Condenar os réus a indemnizarem os autores pelos danos causados com a ocupação dos imóveis, a determinar em incidente de liquidação.
E essa sentença, inconformados, os RR. interpuseram recurso, admitido como apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cfr. despacho de 30/6/2025).
Remataram com as conclusões seguintes:
(…)
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Os autores ofereceram resposta, mediante requerimento sem conclusões, no qual pugnaram pela rejeição da impugnação da matéria de facto, por inobservância do disposto no art. 640.º do CPC, refutaram todas e cada uma das conclusões da contraparte e defenderam a total improcedência do recurso e a confirmação da douta sentença recorrida.
Nada obsta ao conhecimento da apelação, a qual foi admitido na forma e com os efeitos legalmente previstos.
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OBJECTO DO RECURSO.
Sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões, as quais, assim, definem e delimitam o objeto do recurso (arts. 635.º/4 e 639.º/1 do CPC).
Assim sendo, importa em especial apreciar:
a) Se a causa de pedir é ininteligível (conclusões 1 a 4 e 10);
b) Se está verificada a excepção do caso julgado, devendo os AA. ter recorrido à execução da sentença anterior (conclusões 5 a 7, 9 e 16);
c) Se as provas foram erradamente valoradas (conclusões 8 e 11 a 15); e
d) Se a acção adequada para apreciar o litígio seria a acção de demarcação (conclusão 17).
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FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
Sem prejuízo das consequências que poderão advir da questão relativa à valoração das provas, a apreciar adiante, cumpre atender aos factos que foram julgados provados, segundo a decisão recorrida, e que são os seguintes: 1) As AA. BB e AA são as únicas filhas de HH e de FF, que foram casados no regime da comunhão geral de bens e em únicas núpcias de ambos. (certidões de óbito e de habilitação de herdeiros de fls. 37 a 43 e 420-425). 2) Correu seus termos sob o n.º ... pelo então 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, uma acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário em que eram autores: FF, BB e marido CC, AA e marido GG e réus: DD e marido EE; (fls. 50-59) 3) No âmbito desse processo foi proferida sentença final, constante de fls. 50 a 59, transitada em julgado, com o seguinte segmento decisório:
“Julgo a acção procedente e, em consequência, condeno os réus DD e marido EE a reconhecerem que as autoras, FF, BB e marido (…), AA e marido, são os titulares do direito de propriedade que incide sobre os prédios identificados em 6º da PI e D) da matéria de facto dada como provada, a desocuparem a parcela de terreno que abusivamente ocupam, de cerca de 1.400 m2 dos prédios referidos, situada a norte, junto à Rua ..., tendo uma largura de cerca de 35 metros e uma profundidade de cerca de 40 metros e a pagarem a indemnização que vier a ser liquidada em execução de sentença;
Julgar procedente o pedido reconvencional deduzido pelos réus e em consequência condenar os autores a reconhecerem que aqueles são os titulares do direito de propriedade sobre o prédio identificado no artigo 48º da contestação.” (fls. 50-59) 4) Os factos que foram considerados como provados no processo identificado no artigo anterior, foram reproduzidos pelos autores, na petição inicial do presente processo, nos artigos 2º a 4º, 9º a 35º, factualidade com base na qual foi proferida a decisão referida no ponto anterior, em relação aos autores (fls. 50 a 59) 5) Os autores no primeiro processo são os mesmos que os ora autores, com excepção de FF, falecida no dia 16-10-2014 (fls. 40); 6) Os réus no primeiro processo, são os mesmos neste processo; 7) No dia 16 de Outubro de 2014, faleceu FF, no estado de viúva de HH, com último domicílio na Rua ..., ..., freguesia ..., concelho de Aveiro, sucedendo-lhe as autoras como únicas herdeiras, encontrando-se a sua qualidade de herdeiras de FF, reconhecida por escritura de habilitação de herdeiros outorgada no cartório notarial de Aveiro (fls. 36 a 43 e fls. 547 verso a 548 verso) 8) No processo identificado no ponto 2º, foram considerados como provados os seguintes factos:
“A 06 de Fevereiro de 1997 faleceu HH, no estado de casado com a A. FF. (Alínea A) As AA. BB e AA são filhas de HH. (Alínea B). A herança aberta por óbito de HH não se encontra partilhada. (Alínea C). Do acervo hereditário fazem parte, entre outros, os seguintes prédios rústicos: - Terreno a pinhal e mato, com área de 1480 m2, sito em ..., freguesia ..., conselho de Aveiro, relativamente ao qual constam na matriz predial as seguintes confrontações: norte II, sul vala, nascente JJ, e poente KK, descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o n.º ..., inscrito na matriz daquela freguesia sob o artigo .... - Terreno a pinhal e mato, com área de 4800 m2, sito em ..., freguesia ..., conselho de Aveiro, relativamente ao qual constam na matriz predial as seguintes confrontações: norte caminho, sul vala, nascente LL, e poente MM e outros, descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o n.º ..., inscrito na matriz sob o artigo ..., ... e ... daquela freguesia. - Terreno a pinhal e mato, com área de 1200 m2, sito em ..., freguesia ..., conselho de Aveiro, relativamente ao qual constam na matriz predial as seguintes confrontações: norte NN, sul BB, nascente com OO e poente PP, descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o n.º ..., inscrito na matriz sob o artigo ... daquela freguesia. - Terreno a mato, com área de 1140 m2, sito em ..., limite de ..., freguesia ..., conselho de Aveiro, relativamente ao qual constam na matriz predial as seguintes confrontações: norte caminho público, sul QQ, nascente e poente herdeiros de RR, descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o n.º ..., inscrito na matriz sob o artigo ... daquela freguesia. (Alínea D). Os terrenos acima identificados acham-se descritos na Conservatória do Registo Predial de Aveiro e aí inscritos a favor do autor da herança, à excepção do indicado em último lugar, ali inscrito a favor de SS e mulher, cujo direito de propriedade transferiram para o de cujus por escritura de permuta lavrada em 23.10.81 no 1.º Cartório Notarial de Aveiro em 23.10.81 . (Alínea E). Há alguns anos que os RR têm um depósito de sucata de veículos automóveis. (Alínea F). A R. DD é proprietária do prédio a que se refere a escritura de folhas 58 e 59 do processo apenso, cujo conteúdo se dá por reproduzido. (Alínea H). Os prédios referidos em D) confinam uns com os outros. (Quesito 1º). Esse conjunto de prédios confina do norte com Rua ..., de sul com vala, do poente com TT e PP e de nascente com UU. (Quesito 2º). O depósito de sucatas de automóveis situa-se em terreno contíguo a um pinhal pertença de UU. (Quesito 3º). E desde 1994 esse depósito também ocupa o pinhal deste último que é confinante com o prédio das AA. mencionados em D). (Quesito 4º). Esse pinhal confronta a poente, com os prédios referidos em D). (Quesito 5º). Nesse pinhal existe um caminho pertença das AA. (Quesito 6º). Em Julho de 1997, os RR. ocuparam uma parcela, de cerca de 1.400 m2, dos prédios referidos em D). (Quesito 7º). Essa parcela situa-se a norte, junto à Rua ..., tendo uma largura de cerca de 35 m e uma profundidade de cerca de 40 m. (Quesito 8º). Nessa faixa de terreno, os RR. colocaram carcaças e peças de automóveis. (Quesito 11º). As AA., nessa faixa de terreno, estão impossibilitadas de semear, arrancar ervas ou silvas e vender os eucaliptos e pinheiros. (Quesito 13º). O prédio referido em H) confronta do sul e poente com o primeiro e segundo dos prédios mencionados em D), do norte com Rua ... e do nascente com JJ. (Quesito 14º). Para além do atrás mencionado, a sucata ocupa ainda um prédio pertencente aos herdeiros de JJ, com a autorização destes. (Quesito 15º). As AA., o falecido e respectivos ante possuidores, há mais de vinte anos, trinta e mesmo cinquenta anos, que vêm possuindo os descritos prédios continuamente. (Quesito 16º). Lavrando os terrenos, nele plantando árvores, essencialmente eucaliptos e alguns pinheiros. (Quesito 17º). Cortando silvas e ervas. (Quesito 18º). Remunerando quem neles trabalha. (Quesito 19º). Mandando serrar pinheiros, vendendo-os e fazendo seu o respetivo preço. (Quesito 20º). Pagando as respetivas contribuições autárquicas e demais impostos por eles devidos. (Quesito 21º). Praticando os demais actos usuais de um proprietário. (Quesito 22º). Inclusivamente autorizando a Câmara Municipal ... a nele proceder a obras com vista à montagem e instalação da canalização de água proveniente das instalações dos Serviços Municipalizados. (Quesito 23º). Tudo à vista de toda a gente do lugar. (Quesito 24º). Continuamente e sem interrupções ou oposição de ninguém. (Quesito 25º). No pressuposto de estarem a exercer um direito próprio e nessa convicção. (Quesito 26º).” 9) Na sentença em causa e no que concerne ao pedido reconvencional, consta da fundamentação de direito o seguinte:
10) Os RR. interpuseram recurso da decisão de primeira instância, que foi julgado improcedente por Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Coimbra de 07-07-2004. (fls. 60 a 75); 11) Os RR. interpuseram novo recurso para o Supremo Tribunal de Justiça que julgou improcedente o recurso e confirmou o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, por Acórdão proferido no dia 14-03-2009 (fls. 76 a 94); 12) Nas suas alegações de recurso para o Tribunal da Relação do Porto, os RR., alegaram, de entre outros motivos, o seguinte:
13) Sobre a alegada alteração da matéria de facto e junção de um novo documento o Tribunal da Relação da Coimbra pronunciou-se referindo, em síntese, que:
14) Acrescentou:
15) Posteriormente ao trânsito em julgado daquela sentença, a aqui A., AA, separou-se judicialmente de pessoas e bens de GG, com quem foi casada no regime de comunhão de bens adquiridos, também A. na referida acção. (assento de fls. 128-129) 16) Por apenso ao processo declarativo os AA. instauraram um processo de execução para entrega da parcela. No âmbito do processo de execução, foi realizada no dia 1 de Abril de 2008, por Agente de Execução, a diligência de entrega e elaborado o respectivo Auto, constante de fls. 459, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido. 17) Do auto em causa (que no processo de execução constava de fls. 206) consta:
(descrição extraída do Acórdão do TR do Porto de fls. 99 a 121, proferido no apenso de oposição à execução) 18) Os réus/executados deduziram oposição à execução que foi julgada improcedente por sentença proferida no dia 14-03-2009 (sentença de fls. 95 a 98), confirmada por Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto de 14-12-2010 (Acórdão constante de fls. 99 a 121), cujo teor aqui se dá por reproduzido. 19) Como fundamentos para a oposição, os executados alegaram que a parcela que foi entregue não correspondia à que constava da sentença dada à execução, voltando a alegar que na parcela entregue está incluído um imóvel que lhes pertence e que corresponde ao artigo 3141º e uma outra parte de um prédio pertencente a um terceiro, o artigo 3143º. Defenderam que a parcela que foi entregue não pertence aos exequentes. 20) Na oposição à execução foram considerados como provados os seguintes factos:
21) Na oposição à execução, considerou-se como não provado o quesito 2º da base instrutória que tinha o seguinte conteúdo: “Essa entrega e demarcação abrangeu 500 m2 do terreno referido em B) e C)?” (fls. 113 do Acórdão do TR Porto). 22) Considerou o Tribunal da Relação do Porto que a factualidade referida no ponto anterior e objecto do recurso interposto pelos opoentes/executados, deveria manter-se como não provada referindo, de entre outros aspectos, que:
23) O Tribunal da Relação do Porto alterou, no entanto, a resposta ao último facto dado com provado, passando a constar apenas que:
“No auto de entrega efectuou-se a entrega aos exequentes de uma faixa de terreno de 996 m2.” 24) E concluiu: 25) O direito de propriedade sobre o prédio inscrito na matriz sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o nº ..., está registado em favor de HH e mulher, FF pela Ap ... de 2000/02/22 por permuta com SS (certidões de fls. 134 a 136) 26) A parcela que foi entregue e mencionada no auto de fls. 459, tinha, junto à confrontação norte com a Rua ..., ... metros de largura, foi vedada com a colocação de estacas e de rede; 27) A restante área, não mencionada no auto de entrega, não estava ocupada com viaturas, considerando-se os autores, com a remoção dos veículos e a entrega formal da área de 996 m2 e a não ocupação da área restante, como restituídos da totalidade da parcela de 1400m2; 28) Após a entrega da parcela referida no ponto anterior, os AA. continuaram a proceder ao pagamento dos impostos sobre os mesmos imóveis, como já o faziam, a considerarem-se como únicos proprietários, nos mesmos termos que lhes tinha sido reconhecido pela sentença identificada nos pontos 2º e 3º; 29) O conjunto dos prédios identificados no primeiro processo, os artigos matriciais rústicos ..., ..., ..., ... (estes três últimos registados sob a mesma descrição predial – ...), ... e ..., têm uma área total aproximada de 6937 m2, de acordo com a planta topográfica junta ao processo a fls. 161; 30) Constituindo uma única parcela de terreno retangular, que se desenvolve no sentido noroeste – sudeste a partir da Rua ..., em forma de “chave”, conjunto cuja estrema norte confronta com a Rua ..., confrontações já identificadas no primeiro processo. 31) Na estrema nascente (do lado de Aveiro) forma com a Rua ..., ... e com a vala um ângulo de 112º, perto da qual e paralelamente a ela estão implantadas, no terreno dos autoras, as caixas de visita à canalização nele instalada pela Câmara Municipal ..., na sequência da assinatura do contrato constante de fls. 147 a 150 e que estão identificadas na planta de fls. 150 e de fls. 161. 32) A cuja estrema poente (do lado de ...), forma com a Rua ..., ... e com a vala um ângulo de 70º, ao longo da qual e no prédio dos autores se estende um caminho de servidão; 33) Depois da parcela ter sido restituída aos AA., em data não concretamente apurada, os RR. voltaram a ocupar a parcela inicialmente ocupada e identificada no primeiro processo, mas alargando a sua área de ocupação que passou a ser de 1.871 m2, com a configuração identificada na planta topográfica de fls. 161 e que está vedaram; 34) Para além dessa parcela os RR. ocuparam ainda uma outra parcela, do conjunto dos imóveis identificados no primeiro processo, com as dimensões e configuração identificada na planta topográfica junta aos autos a fls. 161, com a área de 1.469,00 m2 e que é contigua à parcela identificada no ponto anterior, prolonga-se até à zona da vala, a sul; 35) As duas parcelas ocupadas pelos RR., com a configuração identificada na planta de fls. 161, ocupam uma área aproximada de 3.340,00 m2, tendo ocupado igualmente o caminho de servidão, no início do qual, junto à Rua ..., os réus colocaram um portão e que é visível na fotografia de fls. 166; 36) Os autores não têm a sua residência junto aos terrenos e não se aperceberam da exacta data em que os réus procederam às ocupações das duas parcelas mencionadas; 37) Ao voltarem a ocupar a primeira parcela, os réus retiraram as demarcações que lá estavam, colocadas pela Sra. AE, derrubaram a rede de cor verde, arrancaram as estacas que a suportavam e se encontravam cravadas no solo e vedaram toda a estrema norte da parcela “nova” que reocuparam, paralelamente à Rua ..., mas também incluindo o caminho de servidão existente ao longo da estrema nascente e sobre o prédio das autoras, com chapa metálica ondulada, com uma altura aproximada de um metro, encimada por uma tela de cor negra, sustentadas por estacas de madeira cravadas no solo; 38) O portão colocado junto à Rua ... e que veda o caminho de servidão, está fechado. 39) As autoras ficaram impedidas de acederem aos seus imóveis pelo caminho, assim outros proprietários com terrenos situados a sul e que acediam por esse caminho; 40) Vedaram ainda a parcela ao longo do seu limite poente com a mesma chapa metálica ondulada, encimada pela tela de cor negra, na sua parte mais a norte e com rede metálica e tela apoiadas a estacas, na sua parte mais a sul; 41) Os RR. colocaram, presos a duas das estacas que seguram a descrita vedação, um na esquina norte / poente da parcela ocupada, outro na vedação paralela à Rua ..., dois “anúncios” com os dizeres “terreno”, “vende-se”, “aluga-se” e o n.º de telefone ... (fls. 173 a 175) 42) A parcela ocupada junto à Rua ..., tem a largura de 25,63 m (vinte e cinco metros e sessenta e três centímetros); 43) A sua linha limite lateral, a poente, que se desenvolve num ângulo de 98 graus relativamente ao eixo da via, medido no sentido horário, tem uma extensão de 76,17 m (setenta e seis metros e dezassete centímetros), 44) A sua linha limite lateral, a nascente, que se estende formando um ângulo de 80 graus relativamente ao eixo da via, medido no sentido anti-horário, tem uma extensão de 79,80 m (setenta e nove metros e oitenta centímetros); 45) E a sua linha limite posterior possui uma extensão de 22,77 m (vinte e sete metros e setenta e sete centímetros) e desenvolve-se relativamente à linha limite lateral a nascente com um ângulo de 92 graus no sentido anti-horário, formando com a linha limite lateral a poente um ângulo no sentido horário de 90 graus, correspondendo ao rectângulo de cor verde identificada na planta de fls. 161; 46) A parcela ocupada contigua à primeira e no seu seguimento, prolonga-se até à vala, com a forma, dimensões e características constantes do retângulo identificado na planta de fls. 161, com a cor vermelha e com a área de 1469 m2, confina com a vala, no limite a sul do prédio das autoras, ao longo da qual tem uma largura de 8,02 m (oito metros e dois centímetros). 47) A poente, com a configuração identificada na planta de fls. 161, tem o comprimento de 129,69 m (cento e vinte e nove metros e sessenta e nove centímetros), e a nascente de 135,07 m (cento trinta e cinco metros e sete centímetros). 48) Na parte norte que confina com a outra parcela ocupada, tem uma largura de 15,02 m (quinze metros e dois centímetros) (fls. 161) 49) Nessa parcela os réus colocaram grandes quantidades de aterro, elevando a sua superfície entre 2 (dois) a 3 (três) metros relativamente ao nível original do terreno, que é o nível da parcela do conjunto dos prédios das autoras não ocupada pelos réus (fotografias de fls. 179, 182, 184,185, 189 e 190 – com boa visibilidade na plataforma Citius) 50) Cortando, destruindo ou soterrando parcialmente as árvores que nela se encontravam plantadas, que se mantêm nesse estado; 51) Com essa ocupação os AA. estão impossibilitados de retirarem as utilidades do mesmo, como o corte dos eucaliptos e pinheiros, que pela ocupação da parcela dos réus não conseguem quantificar, ficando impedidos de vender, de usufruir do imóvel como sempre o fizeram; 52) A certidão emitida pelo Município ... com data de 8-2-2001, com o cadastro dos terrenos junto à Rua ... e com identificação, à data, dos titulares de cada uma das parcelas, foi objecto de reapreciação pelo Município a pedido da ré (fls. 222-223); 53) Por ofício de Janeiro de 2006, o Município referiu que existiam discrepâncias entre os documentos, as plantas existentes nos seus serviços e concluiu pela necessidade de ser reapreciada a certidão de 8-2-2001, nomeadamente em relação aos imóveis inscritos na matriz predial rústica sobre os artigos ..., ..., ..., ..., ... e ... e solicitar a uma entidade externa a análises cadastral, 54) Considerando, em consequência, as informações contantes da referida certidão de 8-2-2001 incorrectas, devendo as mesmas ser consideradas nulas para qualquer efeito. (fls. 222-223) 55) Com data de 18 de Outubro de 2011 a Câmara Municipal ..., emitiu a certidão com o teor de fls. 224, em que certificou que: 56) O Levantamento efectuado pela empresa “A...” é o que consta dos autos de fls. 225 a 244, com data de 27 de Dezembro de 2005 e que teve por objecto:
“Análise Cadastral de Propriedades Confinantes com a Rua ... e a ..., na freguesia ..., entre os artigos matriciais ... a ....” (fls. 227) 57) O levantamento referindo não incluiu a análise da localização dos artigos rústicos inscritos na matriz sob os artigos ... e ... e que estavam incluídos na informação camarária emitida com data de Janeiro de 2006, enviada à ré; 58) Nesse levantamento é mencionado que foram utilizados vários aparelhos de medição, assim como informações dos proprietários e com base nas descrições que os mesmos identificaram, analisaram muros de vedação, marcos encastrados, caminhos de servidão, zonas com plantações, de entre outros elementos. Mais se menciona que foram considerados os documentos relacionados com os artigos (fls. 229) 59) No Ponto 3, refere-se que foi percorrida a área com os informadores, tendo sido inserido os nomes dos proprietários que foram indicados e por consulta à documentação, anexou-se o número da matriz (fls. 229). 60) A identificação dos informadores consta do ponto 6, onde se incluem os réus – DD e EE -, tendo ainda sido valorado um documento entregue pela ré relacionado como o artigo 3144º sobre a alteração dos confrontantes (fls. 231); 61) No levantamento em causa não participaram os autores ou qualquer pessoa que os representasse, nem os mesmos foram contactados; 62) O novo levantamento obtido, foi o que consta de fls. 226, 233 a 235. Nesse levantamento é identificado um artigo 3138º, o qual, de acordo com a certidão desse artigo de fls. 256 e que integra a documentação anexa ao levantamento, foi eliminado por despacho de 2002.
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Por outro lado, foram julgados não provados os seguintes factos: A) O conjunto dos imóveis identificados no ponto 29º dos factos provados, tem, na sua estrema norte, junto à Rua ..., a largura de 35,61 metros (trinta e cinco metros e sessenta e um centímetro), B) A estrema sul, a largura de 35,30 metros (trinta e cinco metros e trinta centímetros) C) A estrema nascente (do lado de Aveiro) confina com TT e PP, tem um comprimento entre as estremas norte e sul de 195,91 metros (cento noventa e cinco metros e noventa e um centímetro), D) A estrema poente (do lado de ...), que confina com UU, tem uma extensão de 214,87m. E) As exatas localizações, áreas, descrições prediais e matriciais dos imóveis ajuizados são as que se encontram no Levantamento Topográfico, Análise Cadastral, Peças Desenhadas, Descrições Matriciais e Prediais juntas, e que aqui se reproduzem integralmente, juntas com a primeira contestação como documentos 9º a 94º, F) Os prédios descritos sob o art. ...º da p.i. não formam um conjunto, uma vez que entre os prédios inscritos na matriz sob os artigos ... e ... se encontra um outro prédio composto por uma faixa de terreno e pertencente aos herdeiros de VV, omisso na matriz e no registo predial. G) Para além de que os prédios inscritos na matriz nos arts. ... e ..., descritos na Conservatória, respetivamente, sob os nºs ... e ..., não confinam com os demais, visto que se encontram a sul da vala existente no local, enquanto estes se localizam a norte da mesma vala. H) Deve ainda registar-se que os Autores pretendem “ reivindicar “ um prédio rústico inscrito na matriz da freguesia ... sob o art. ... e na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o nº .../... (cfr. docs. nºs 95 a 101 ).
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SOBRE A IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO.
Apesar da ordem diversa indicada nas conclusões, importa começar a apreciação do recurso pela questão relativa à valoração das provas, pois a sua relevância cinge-se à decisão sobre os factos provados e em conformidade com a sequência prevista no art. 607.º do CPC, aplicável aos acórdãos da Relação por força do disposto no art. 663.º/2 do mesmo diploma legal.
Neste ponto, afirmam os recorrentes, em primeiro lugar, que o relatório junto aos autos nunca deverá ser valorado como prova.
Acrescentam que os documentos juntos com a petição inicial são todos eles particulares e não correspondem à realidade fáctica, devendo, ao invés, ser considerada a certidão cadastral datada de 08 de fevereiro de 2001 da Câmara Municipal ..., na qual a própria Autarquia reconheceu, em janeiro de 2006, graves discrepâncias com as plantas de trabalho municipais, movo pelo qual a considerou nula e destituída de qualquer efeito
Defendem que as exactas localizações, áreas, descrições prediais e matriciais dos imóveis ajuizados são as que se encontram no Levantamento Topográfico, Análise Cadastral, Peças Desenhadas, Descrições Matriciais e Prediais juntas pelos recorrentes.
E que existem prédios (os inscritos na matriz nos arts. ... e ...) que não confinam com os demais, visto que se encontram a sul da vala existente no local, enquanto estes se localizam a norte da mesma vala, pelo que, os AA. pretendem a reivindicação de um prédio rústico sem as confrontações que erradamente indicam.
Todavia, a admissibilidade do recurso em matéria de facto depende do cumprimento de alguns ónus.
Com efeito, de acordo com o disposto no artigo 640.º/1 do Código de Processo Civil, é imposto ao recorrente que especifique: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Enquanto o número 2 prevê que quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
Ora, a falta de observância dos referidos ónus, pelos recorrentes, é a constatação que de imediato resulta da circunstância de não terem especificado, nas alegações e nas conclusões, que pontos foram incorrectamente julgados, nem quais seriam as respostas acertadas para a matéria relevante.
Em acréscimo, não existe qualquer concretização da grande maioria dos meios probatórios que deveriam servir para a formação de convicção diversa da primeira instância, nem a indicação dos motivos para o efeito e para concluir que os documentos que ali foram considerados não merecem credibilidade.
Deste modo, mesmo a considerar que foi deduzida impugnação à matéria de facto, estariam presentes quanto a ela, em simultâneo, praticamente todos os motivos legalmente previstos que justificam a sua rejeição.
Na verdade, como explica a doutrina, “a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes circunstâncias:
a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635.º, nº4, e 641.º, nº2, al. b)).
b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640.º, nº1, al. a)).
(…) d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda.
e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação” (cfr. A. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7.ª ed., pp. 200-1).
Impõe-se, pois, no concurso de vários dos fundamentos previstos para o efeito, aplicar tal consequência, em conformidade com a sanção expressamente cominada no art. 640.º/1, al. a), do CPC.
Rejeita-se, assim, a impugnação da matéria de facto corporizada nas conclusões 8 e 11 a 15 da apelação, decidindo-se, em consequência, manter a factualidade julgada provada e não provada em primeira instância.
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O DIREITO.
Através das questões relativas à ininteligibilidade da causa de pedir e à excepção do caso julgado, retomam os AA. a arguição que já haviam suscitado na contestação (rectius, nas contestações) e que, a par da impugnação factual, constituiu o ponto essencial da sua defesa.
Note-se que é tempestivo o debate dessas questões no presente recurso, apesar de elas terem sido apreciadas no saneador, pois este só admite apelação autónoma, nos termos do art. 644.º/1 do CPC, quando põe termo ao processo ou, assim não sucedendo, decida do mérito da causa, ainda que parcialmente, ou absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos.
No que respeita ao sucesso da arguição, porém, tem de salientar-se, desde logo, a contradição que ela encerra nos seus próprios termos.
Na verdade, se a causa de pedir traduz, como decorre do art. 580.º do CPC, um dos elementos essenciais definidores do caso julgado, é manifesto que não pode defender-se com coerência que ela é ininteligível e, simultaneamente, que ilumina a verificação da repetição dos elementos de uma causa anterior.
De modo que apenas duas hipóteses são possíveis a este respeito: ou a causa de pedir é inteligível, permitindo a compreensão sobre se repete ou não a anterior, ou no caso contrário nenhum préstimo terá para o caso julgado.
Por outro lado, a manutenção da tese da ininteligibilidade da causa de pedir é ainda contraditória com a circunstância de, na impugnação da matéria de facto, a recorrente nada ter apontado quanto a uma eventual obscuridade das respostas dadas pelo tribunal recorrido ou a um possível excesso delas em confronto com a alegação da contraparte.
De modo que, nada se apontando a esse nível relativamente à decisão recorrida, perde qualquer sentido útil suscitar um vício da petição, situado a montante e que, no final do processo, a jusante, não produziu na sentença a mínima consequência.
Em qualquer caso, para além do exposto, não podemos acompanhar o entendimento dos recorrentes no sentido de que “Os Autores nunca descreveram nem identificam com a indispensável precisão os imóveis que, alegadamente, reivindicavam apenas se encontrando referências incompletas a áreas, formas e confrontações”.
Analisados os articulados, é manifesto que os imóveis estão descritos com toda a precisão e minúcia, o que, se já sucedia nos artigos 9º, 10º, 39º a 42º e 50º a 58º da petição inicial originária, é ainda mais notório face ao acentuado cuidado descritivo que se extrai dos artigos 9º, 10º, 39º a 42º e 54º a 62º da petição corrigida.
Factualidade, essa, que a sentença recorrida, com o mesmo detalhe, embora de forma manifestamente prolixa, incorporou nos pontos 29 e segs. da factualidade comprovada.
Para além disso, é mesmo incompreensível a alegação dos recorrentes quando apontam à contraparte omissão de referência aos processos anteriores movidos pelos AA, contra os RR. (conclusões 2 e 3).
Com efeito, a existência e o desfecho desses processos foram tratados exaustivamente na petição inicial originária e no articulado corrigido, mormente nos arts. 9 e segs. desta peça processual, quanto à acção nº500/1998, que correu termos pelo então 3.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, e nos seus arts. 43 e segs., no que concerne ao processo de execução para entrega de coisa certa que, também contra os RR., foi instaurada pelos AA. com base naquela sentença e que, com o advento da Comarca do Baixo Vouga, passou a correr termos com o nº... do Juízo de Execução de Ovar.
Identicamente, mal se compreende a afirmação feita no recurso de que “Os Autores não alegam circunstâncias de tempo, modo e lugar, integradoras do alegado esbulho”, visto que a essa temática, na petição inicial corrigida, eles dedicam toda a alegação constante nos arts. 64 e seguintes.
E da qual, no essencial, a sentença recorrida fez eco nos pontos 33 a 51 dos factos provados.
Ficou completa, assim, com a propriedade, o seu objecto e o esbulho, e de forma exaustiva, a alegação exigível para uma acção de reivindicação, sendo manifesto que, como notou a primeira instância, e foi igualmente compreendido pelos recorrentes (conclusões 4 e 15), foi a uma acção com essa fisionomia que os AA. lançaram mão nos presentes autos.
O que nos conduz à restante questão que os RR. sempre suscitaram nos articulados e, agora, no recurso, respeitante ao caso julgado.
À acção de reivindicação refere-se expressamente o art. 1311.º do Código Civil, cabendo defini-la, na esteira da lição da doutrina, como a “ação declarativa de condenação que o proprietário pode instaurar contra quem tenha a detenção da coisa que lhe pertence, para pedir o reconhecimento do seu direito de propriedade e a restituição da coisa reivindicada” (cfr. A. Santos Justo, Direitos Reais, 8.ª ed., p. 313).
Paralelamente, constitui um corolário da sequela atribuída ao titular do direito de propriedade (ubi rem meam invenio, ibi vindico), servindo esse direito, de que a reivindicação constitui um meio de tutela judicial, como pressuposto indispensável para o pedido de restituição.
O que significa, como parece evidente, que na acção de reivindicação a causa de pedir não se limita aos factos de onde emerge a aquisição do direito de propriedade, ou dos quais a lei faz presumir a sua existência, estendendo-se também à factualidade inerente à ocupação do bem por outrem.
De modo que, tanto são essenciais para a conformação da causa de pedir na reivindicação os factos inerentes à propriedade, como aqueles que dizem respeito à sua apropriação ou esbulho por outrem.
Como assinala a jurisprudência, “a ação de reivindicação funda-se no artigo 1311º do Código Civil e tem como causa de pedir a aquisição originaria/derivada do direito de propriedade sobre determinado imóvel e a correspondente ocupação (ilícita) do mesmo ou parte do mesmo, por outrem, correspondendo o(s) pedido(s) ao reconhecimento de tal direito e restituição da coisa de que o seu titular se encontra desapossado” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11/12/2024, relatora Isoleta de Almeida Costa, proc. 501/24.5T8AMT-A.P1, disponível na citada base de dados).
Não serve de objecção ao que fica exposto a determinação legal segundo a qual nas ações reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas ações constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido (art. 581.º/4 do CPC).
Com efeito, esse facto é apenas o ponto comum quanto à causa de pedir entre todas as acções reais, ao qual terão de acrescer outros consoante o específico meio de tutela judicial escolhido pelo titular do direito e adequado a pôr cobro ao impedimento ou dificuldade verificados em concreto no seu exercício.
Por isso é que, segundo afirma a doutrina, “se o proprietário ficar privado da coisa, por se ter constituído sobre ela uma posse contrária ou uma detenção ilegítima, haverá lugar à acção reivindicatória”, que no fundo corresponde à velha fórmula da demanda que “incumbe ao proprietário não possuidor (ou não detentor) contra o detentor ou possuidor não proprietário”.
Todavia, “quando os actos de terceiro não tenham aquela consequência e apenas perturbem ou limitem o exercício dos poderes do proprietário, o meio adequado de tutela é a chamada acção negatória” (cfr. M. Henrique Mesquita, Direitos Reais, Coimbra, pp. 178-9).
Resultando de todo o exposto que, especificamente na acção real de reivindicação, a causa de pedir só se completa quando aos factos da propriedade acrescem os de determinada ocupação indevida ou do esbulho, resta concluir, como mera consequência lógica desse premissa, que cada ocupação diversa, após a restituição do bem, configura uma distinta causa de pedir.
Tanto mais que, reportando-se sempre este conceito, nos termos do art. 581.º do CPC, a factos concretos, individualizados em termos de tempo, lugar e modo, de acordo com a exigência de substanciação ínsita naquele preceito legal, é evidente também por isso que a uma nova ocupação posterior à primeira sentença vai corresponder uma outra causa de pedir, ainda que sejam as mesmas pessoas que tenham ocupado o bem relativamente à acção anterior.
Exactamente estes termos, refere a doutrina que “também não há caso julgado se a segunda ação tiver por fundamento facto jurídico da mesma natureza que o invocado na primeira, mas ocorrido posteriormente à data em que a sentença foi proferida, ou reportado simplesmente a período temporal diferente” (cfr. A. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e L. Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, p. 663).
Em consequência, não assiste razão aos RR. quando afirmam a verificação in casu da excepção do caso julgado face ao processo nº500/1998 do antigo 3.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro.
E, desde logo, porque a causa de pedir é diferente: na acção anterior, a ocupação por eles levada a efeito em Julho de 1997; nos nossos autos, a ocupação que os mesmos RR. realizaram em data não concretamente apurada, mas após a restituição do prédio aos AA. no processo executivo.
Ocupação que, no primeiro processo, incidiu sobre uma parcela com cerca de 1.400 m2; no nosso, sobre uma parcela de maior dimensão, de 1.871 m2, a par de outra mais pequena, com a área de 1.469,00 m2 e contigua à primeira.
O que, como é óbvio, constitui obstáculo decisivo à repetição que o caso julgado pressupõe e que, face ao disposto no art. 581.º/1 do CPC, apenas ocorre quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.
Não poderiam os AA., por isso, ter recorrido imediatamente ao processo executivo para entrega de coisa certa, com base na sentença anterior, certo que esta determinou a restituição consequente à ocupação ilícita de 1997 e que a sua finalidade foi alcançada mediante a entrega judicial de 1/4/2008, extinguindo-se então o processo executivo.
Diversamente, na sentença agora proferida está em causa fazer cessar a ocupação ilegítima levada a efeito após aquela restituição, pelo que, a realização coactiva da obrigação de entrega terá de ser feita, se necessário for, através de outro processo executivo.
Aliás, mesmo que, por mera hipótese de raciocínio, a sentença anterior fosse passível de nova execução, isso nada relevaria quanto ao mérito da presente acção e apenas teria reflexo em sede de responsabilidade de custas, de acordo com o disposto no art. 535.º/2, al. c), do CPC.
Improcedem, pois, as questões da ininteligibilidade da causa de pedir e da excepção dilatória do caso julgado e as correspondentes conclusões da apelação.
Quanto à alegação de que seria a acção de demarcação o processo próprio para resolver o litígio em presença, a verdade é que jamais foi suscitada em primeira instância e tanto bastaria para o seu insucesso no recurso, que não é instância própria para a resolução de questões novas.
Como se sabe, os recursos visam, “por via da modificação de decisão antes proferida, reapreciar a pretensão dos recorrentes por forma a validar o juízo de existência ou inexistência do direito reclamado” (cfr. Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 10/1/2022, proc. nº725/17.1T8VNG.P1, relator Fátima Andrade, disponível na base de dados da DGSI em linha).
Por isso, está vedado ao tribunal ad quem apreciar questões novas, a não ser que elas sejam de conhecimento oficioso, as quais, naturalmente, com tal natureza permanecem em segunda instância, onde são consideradas desde que tenham relevância para a reapreciação que cumpre realizar.
Todavia, ainda que este obstáculo fosse ultrapassado, através da ideia de que estaria em crise, não um erro na forma de processo, mas somente a ideia de encontrar o enquadramento jurídico adequado, onde, de acordo com o disposto no art. 5.º/3 do CPC, o Tribunal é livre, no regime da demarcação, a mesma improcedência da arguição seria de decretar.
É que os próprios recorrentes admitem que estamos perante um pedido de reivindicação formulado pela contraparte (cfr. conclusões 4 e 15), sem que se vislumbre depois, nem os recorrentes expliquem, os fundamentos pelos quais entendem que, afinal, o litígio deveria ser resolvido em acção de demarcação.
Surgindo essa defesa da adequação da acção de demarcação ao caso dos autos desgarrada de qualquer motivação que a possa justificar.
Finalmente, como decorre do disposto no art. 1353.º do CC, essa acção visa a efectivação de outro direito, que não a sequela, de que dispõe o proprietário, agora na vertente da exacta definição dos limites do bem.
E por isso é que, nos termos daquele preceito legal, o proprietário pode obrigar os donos dos prédios confinantes a concorrerem para a demarcação das estremas entre o seu prédio e os deles.
Algo que pressupõe, desde logo, o reconhecimento pelos autores, na petição inicial, de uma situação de dúvida quanto às exactas confrontações do seu prédio com as propriedades vizinhas.
Neste sentido, refere a nossa jurisprudência que “a ação de demarcação funda-se na incerteza da linha divisória do prédio correspondendo o pedido à fixação das estremas, isto é, da linha divisória entre os prédios confinantes” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11/12/2024, acima citado).
Ora, é manifesto que os AA. não fundamentaram a presente acção numa situação de dúvida sobre as estremas da sua propriedade, antes na alegação e na imputação aos RR. da sua ocupação ilegítima e repetida.
Tanto mais que, quanto à definição dos limites do seu prédio, tinham já a certeza respaldada na sentença transitada em julgado tirada no processo nº500/1998 do então 3.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro.
Improcedem, pois, na totalidade, as alegações do recurso.
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DECISÃO: Com os fundamentos expostos, julga-se improcedente a apelação e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida. Custas pelos RR., atento o seu decaimento (art. 527.º do CPC).
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SUMÁRIO
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(o texto desta decisão não segue o Novo Acordo Ortográfico)
Porto, d. s. (27/10/2025)
Nuno Marcelo de Nóbrega dos Santos de Freitas Araújo
Fátima Andrade
Mendes Coelho