CONTRATO DE ARRENDAMENTO NÃO HABITACIONAL
PRAZO CERTO
DENÚNCIA
OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO
Sumário

I - O contrato de arrendamento, no caso para fins não habitacionais, com prazo certo não é passível de ser denunciado pelo senhorio ao abrigo dos arts. 1101.º, als. b) e c) e 1110.º-A, n.º 1 do CC.
II - Nesse tipo de contrato o senhorio pode opor-se à renovação automática dos contrato nos termos dos arts.1097.º e 1110.º, n.ºs 1 e 3 do CC.
III - Um contrato de arrendamento para fins não habitacionais celebrado na década de 60 não tem duração limitada, aplicando-se-lhe as regras dos contratos de duração indeterminada, que não contemplam a oposição à renovação como forma de extinção da relação de arrendamento.
IV - A prova de um contrato de arrendamento pode ser feita por qualquer meio, pelo que, alegada a sua existência desde data anterior àquela que consta de documento escrito, tem de ser permitida a prova dos respectivos factos.

Texto Integral

Proc. n.º 765/25.7YLPRT – Apelação
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Local Cível de Matosinhos – Juiz 2

Relatora: Carla Fraga Torres
1.º Adjunto: Ana Olívia Esteves Silva Loureiro
2.º Adjunto: Miguel Fernando Correia Baldaia de Morais

Acordam os juízes subscritores deste acórdão da 5.ª Secção Judicial/3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório.
Recorrente: AA
Recorridos: BB e CC

AA instaurou a 15/04/2025 no Balcão do Arrendatário e do Senhorio procedimento especial de despejo relativamente a um prédio seu que identifica contra BB e CC, com fundamento na cessação por oposição à renovação automática do respetivo arrendamento.
Para o efeito, no requerimento inicial, fez constar:
- o tipo de contrato, como sendo relativo a um prédio urbano e para fins não habitacionais;
- o respectivo prazo, como sendo prazo certo;
- a data da sua celebração, 1/02/2007;
- a renda, no valor de 400,00 €/mês;
- a localização do locado, na Rua ..., ..., R/C, Matosinhos.
Juntou, além do mais, os seguintes documentos:
- Documento denominado de “Contrato de Arrendamento” com data de 1/02/2007, em que DD, mãe (entretanto falecida) do recorrente, e os recorridos, CC e BB, que o assinam, enquanto primeira, segundo e terceira outorgantes, respectivamente, declaram: aquela que é dona do identificado prédio e dá de arrendamento ao segundo outorgante o estabelecimento e este o toma de arrendamento, nos termos constantes das cláusulas seguintes:
1.º O arrendamento é feito pelo 1 (um) ano, sucessivamente renovável nos termos legais, e tem o seu início em 1 de Fevereiro de 2007.
2.º O local arrendado destina-se a exercer a actividade de restaurante.”
Citados, os requeridos deduziram oposição em que, reconhecendo o direito de propriedade do requerente sobre o prédio em causa e bem assim o identificado contrato de arrendamento, defenderam que as partes outorgantes quiseram celebrar esse contrato para fins não habitacionais com duração indeterminada e não com prazo certo, assim como alegaram a seguinte factualidade:
“21- Ademais, e conforme é do pleno conhecimento do Requerente, efectivamente, o contrato de arrendamento, que tem por objecto o locado, em causa, teve início, não em 2007 (ou seja, não na data de outorga do documento junto com o requerimento inicial como Doc. 1), mas sim, há mais de 60 anos.
22- Com efeito, pelo menos, desde Abril de 1963 que se encontra instalado e a funcionar no locado o estabelecimento comercial que ainda hoje ali funciona.
23- O referido estabelecimento comercial foi, inicialmente, montado e explorado por EE, pai do Requerido marido (conforme certidão que se protesta juntar no prazo máximo de 10 dias),
24- o qual tomou o locado, em causa, de arrendamento, mediante contrato de duração indeterminada (desconhecendo-se, porém, se tal contrato, foi, ou não, reduzido a escrito, já que não se encontram, ainda, concluídas as buscas solicitadas pelo Requerido junto dos acervos do extintos cartórios notariais de Matosinhos), outorgado entre o mesmo e o, então, proprietário do imóvel, FF, isto é, entre o pai do Requerido marido e o avô materno do Requerente (conforme certidão que se protesta juntar no prazo máximo de 10 dias).
25- Com efeito, conforme resulta do Doc. 1, junto e dado como reproduzido para todos os legais efeitos, em 26 de Abril de 1963, foi emitido, pela Câmara Municipal ..., o “Alvará de Licenciamento, Licenciamento Sanitário de Hóteis, Restaurantes, Casas de Hospedes Tabernas, etc. nº 9”, pelo qual foi concedido a EE (pai do Requerido marido), licença para explorar um estabelecimento de taberna no prédio sito à Rua ..., ..., em Matosinhos, ou seja, no locado objecto dos presentes autos.
26- O referido estabelecimento comercial teve, desde sempre o nome comercial de “A...”, conforme Doc. 2, junto e dado como reproduzido para os devidos e legais efeitos,
27- designação que, ademais, se mantém até à presente data.
28- A partir de Abril de 1963 e até à presente data, o referido estabelecimento comercial esteve sempre instalado e a funcionar no locado, em causa, de forma ininterrupta,
29- sendo, numa primeira fase, explorado pelo pai do Requerido marido, enquanto comerciante em nome individual e, posteriormente, passado a ser explorado, também como comerciante em nome individual, pelo Requerido marido.
30- Acresce que, no ano de 1989, o pai do Requerido marido, solicitou, junto das entidades a quem, legalmente, estavam, então, atribuídas as respectivas competências, autorização para juntar ao seu alvará de taberna, também autorização para instalação de um restaurante,
31- tendo apresentado junto da Câmara Municipal ..., o competente pedido de licenciamento, conforme resulta dos Doc.s 3 a 6, ora juntos e dados como reproduzidos para os devidos e legais efeitos, o qual foi objecto de deferimento, por parte da referida Câmara Municipal.
32- Ora, o estabelecimento comercial de restaurante, cuja instalação foi deferida em 1989 pela Câmara Municipal ..., é precisamente O MESMO ESTABELECIMENTO COMERCIAL que até hoje existe.
33- O estabelecimento comercial que ainda hoje funciona no locado, tem exactamente a mesma configuração, o mesmo nome e o mesmo ramo de actividade que sempre teve a partir de 1989, quando, repete-se, foi deferido ao pai do Requerido marido a instalação, para além da taberna (que já existia desde 1963), de um estabelecimento comercial de restaurante,
34- tendo sido efectuada a respectiva exploração, por parte do arrendatário originário (o pai do Requerido marido) e, mais tarde, por parte do Requerido (já que o mesmo desde tenra idade, sempre ajudou o respectivo pai na exploração do dito estabelecimento comercial, nunca tendo exercido qualquer outra actividade profissional) desde 1963 e até à presente data, de forma ininterrupta.
35- NÃO OCORREU, NUNCA, qualquer interrupção da vigência do contrato de arrendamento outorgado em Abril de 1963 e que se mantém até hoje,
36- O referido contrato de arrendamento transmitiu-se para o Requerido marido por força do óbito do arrendatário originário, o referido EE, ocorrido no ano de 2002 (conforme certidão que se protesta juntar no prazo máximo de 10 dias).
37- Ademais, nos anos que antecederam o óbito do pai do Requerido marido, efectivamente, já era o mesmo que explorava, a título individual, o estabelecimento comercial em causa (conforme ademais, decorre dos Doc.s 7 e 8, junto e dados como reproduzidos para os devidos e legais efeitos), facto que era, ademais, do total conhecimento dos senhorios.
38- O contrato, outorgado em 01/02/2007, foi um contrato meramente “fictício” já que se destinou, na prática, apenas e tão só, a formalizar a transmissão para nome do Requerido marido, do contrato de arrendamento que já vigorava desde 1963 e a permitir a actualização extraordinária da renda devida pela ocupação do locado (que passou de cerca de 100€/mês para 320€, ou seja, para o dobro).
39- Porém, na prática, o locado NUNCA deixou de estar na posse do Requerido marido;
40- o estabelecimento comercial ali instalado NUNCA deixou de funcionar nos termos em que sempre funcionou e até as licenças e o alvará que titulam o respectivo funcionamento, são precisamente as licenças e o alvará que sempre existiram, quer desde 1963, quer a partir de 1989 (quando foi autorizada a instalação, para além da taberna, de um restaurante).
41- O contrato de arrendamento, assinado em 01/02/2007, apenas foi celebrado foi por conveniência e a pedido da senhoria, tendo o Requerido marido aceitado assinar tal documento, quer por força da confiança e do bom relacionamento existente entre as partes (já que a então proprietária do imóvel e todos os familiares mais próximos, eram clientes assíduos do restaurante instalado no locado), quer porque foi garantido ao Requerido marido que a outorga de tal contrato em nada afectaria os direitos que o mesmo detinha enquanto legítimo arrendatário do locado.
42- Porém, e conforme supra se expendeu, a data aposta no referido contrato, não corresponde à data em que o contrato de arrendamento, efectivamente, começou a vigorar”
Concluíram dizendo que o arrendamento dos autos apenas pode ser denunciado ao abrigo das als. b) e c) do art. 1101.º do CC, o que, não sucedendo, exclui a possibilidade de oposição à renovação do contrato, no caso levada a cabo pelo requerente sem fundamento.
Por fim, indicaram prova inclusive testemunhal.
Subsequentemente, entendendo-se que os autos continham todos os elementos necessários para o efeito foi proferida a decisão de mérito que segue:
“I. Relatório
AA, com o NIF ..., residente na Travessa ..., ..., ... Maia, apresentou requerimento para procedimento especial de despejo contra BB, com o NIF ... e CC, com o NIF ..., ambos residentes na Rua ..., ... Matosinhos, peticionando o despejo e a desocupação do imóvel locado, sito na Rua ..., ..., r/c, ... Matosinhos.
Alegou, para o efeito, como fundamento do despejo peticionado, a denúncia do contrato por oposição à renovação comunicada pelo senhorio, anexando, além do mais, o contrato de arrendamento celebrado entre as partes e, ainda, a comunicação da denúncia do contrato por iniciativa do senhorio.

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Regularmente citados, os requeridos deduziram oposição, alegando, em síntese, que o contrato de arrendamento em causa foi celebrado para fins não habitacionais e com duração indeterminada, tendo o mesmo tido o seu início há mais de 60 anos, vigorando ininterruptamente desde Abril de 1963, sendo que o documento outorgado a 01/02/2007 foi fictício, porque destinado a formalizar a transmissão do contrato para o requerido marido e a permitir a atualização extraordinária da renda.
Alegaram, por outro lado, que o senhorio apenas pode denunciar o contrato nos casos previstos nas alíneas b) e c) do artigo 1101.º do Código Civil, circunstâncias que não se encontram verificadas.
Concluíram pugnando pela procedência da oposição, com o consequente indeferimento do requerimento de despejo.
Por força da oposição deduzida, foram os presentes autos remetidos à distribuição neste Tribunal, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 15.º-H da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro.
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II. Saneamento
O Tribunal é competente.
O processo mostra-se isento de nulidades que o invalidem totalmente.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade para a presente ação e estão devidamente patrocinadas.
Não se verificam quaisquer outras exceções, nulidades processuais, ou questões prévias de que cumpra conhecer.
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III. Questões a resolver
No caso dos presentes autos, cabe aferir da validade da denúncia do contrato de arrendamento para fins não habitacionais celebrado entre as partes, comunicada pelo autor aos réus e, para tanto, se o referido contrato foi celebrado por prazo indeterminado ou se encontra sujeito a prazo certo, bem como se se mostram verificados os pressupostos de admissibilidade da denúncia por oposição à renovação.
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IV. Fundamentação de facto
1. Factos Provados
Com relevância para a decisão de mérito da causa, face à posição das partes nos respetivos articulados, bem assim face aos documentos já apresentados nos autos, encontram-se desde já assentes os seguintes factos:
1. A 01/02/2007, DD – na qualidade de primeira outorgante –, CC – na qualidade de segundo outorgante – e BB – na qualidade de terceira outorgante – outorgaram documento que denominaram de “contrato de arrendamento”, com o seguinte teor:
«(…)







(…)

(…)

(…)».
2. A 13/07/2012, DD, GG, AA, HH e II, na qualidade de primeira, segunda, terceiro, quarto e quinta outorgantes, respetivamente, outorgaram escritura pública de “doações e partilha em vida”, na qual declararam, além do mais:
«(…)




(…)

(…)



(…)».
3. Através da ap. ..., de 03/12/2012, procedeu-se ao registo da aquisição por “doação e partilha” do referido prédio a favor do autor AA, o qual foi recusado por despacho de qualificação de 03/01/2013.
4. A 26/11/2020, no âmbito do procedimento simplificado de habilitação de herdeiros e registos com o n.º .../2020, GG, na qualidade de cabeça de casal da Herança aberta por óbito de DD, declarou que:
«(…)

(…)».
5. A 09/04/2024, o autor remeteu ao réu CC uma carta registada com aviso de receção, recebida a 16/04/2024, sob o assunto “oposição à renovação do contrato de arrendamento para fins não habitacionais”, com o seguinte teor:
«(…)

(…)»
6. A 09/04/2024, o autor remeteu à ré BB uma carta registada com aviso de receção, recebida a 15/04/2024, sob o assunto “oposição à renovação do contrato de arrendamento para fins não habitacionais”, com o seguinte teor:
«(…)

(…)».
7. Por carta de 06/05/2024, os réus responderam às referidas missivas, nos seguintes termos:
«(…)












(…)».
8. A 17/05/2024, o autor remeteu nova carta aos réus, recebida a 23/05/2024, com o seguinte teor:
«(…)





(…)».
9. A 11/02/2025, o autor remeteu nova carta aos réus, recebida a 18/02/2025, sob o assunto “incumprimento da obrigação de entrega do locado”, com o seguinte teor:
«(…)





(…)».
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V. Fundamentação de Direito
O pedido formulado pelo requerente visa o despejo e a desocupação do imóvel locado, sito na Rua ..., ..., r/c, em Matosinhos, pelo primeiro réu com fundamento na denúncia do contrato, por oposição à renovação, comunicada pelo autor, na qualidade de senhorio.
Mostra-se pacificado nos autos que, em face das prestações a que as partes ficaram obrigadas no âmbito da relação contratual estabelecida entre requerente e requeridos (e independentemente do nomen iuris que as partes lhe atribuíram), que o referido acordo celebrado entre as partes consiste no típico contrato de arrendamento urbano, definido nos artigos 1022.º e 1023.º do Código Civil.
Também não se mostra questionado, que tal contrato de arrendamento urbano foi celebrado para fins não habitacionais.
A divergência das partes centra-se antes, por um lado, na duração do contrato, sustentando o autor que o mesmo teve início de vigência a 01/02/2007, com prazo certo de 1 ano, renovável por igual período e sustentando os réus que o mesmo teve o seu início em Abril de 1963, vigorando por tempo indeterminado e que o documento celebrado a 01/02/2007 visou tão-só formalizar a transmissão do contrato para o requerido marido e permitir a atualização extraordinária da renda.
Divergem, ainda, as partes na norma habilitante da denúncia do contrato comunicada pelo autor e nos pressupostos legais da mesma, sustentando os réus que aquela denúncia viola o preceituado no artigo 1110.º-A n.º 1 do Código Civil, conjugado com as alíneas b) e c) do artigo 1101.º do mesmo diploma.
No que toca ao primeiro dos apontados fundamentos, entende-se que não assiste razão aos opoentes. Interpretado o documento que as partes outorgaram a 01/02/2007 à luz dos critérios consagrados nos artigos 236.º e 238.º do Código Civil e não deixando de sublinhar que a tese defendida pelos requeridos não tem um mínimo de correspondência com o teor do contrato celebrado, sempre se dirá que, mesmo que estivéssemos perante uma qualquer transmissão contratual, não podem os mesmos, pura e simplesmente, fazer tábua rasa aquele acordo na parte em que o mesmo modifica a relação contratual que os mesmos sustentam ter existido previamente e, desde logo, no que toca à submissão do mesmo a um prazo contratual e à consagração de um regime convencional de renovações automáticas, que, aliás, se mostra admissível à luz do regime legal aplicável à data da celebração do referido contrato, no artigo 1110.º n.º 1 do Código Civil, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro (“As regras relativas à duração, denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais são livremente estabelecidas pelas partes, aplicando-se, na falta de estipulação, o disposto quanto ao arrendamento para habitação”).
Pelo que, neste ponto, se torna irrelevante saber em que moldes assentava a alegada relação contratual locatícia antecedente, porquanto, mesmo que os requeridos viessem a demonstrar a alegação descrita na oposição, o acordo que os mesmos celebraram a 01/02/2007 – não se tratando de um ato jurídico falsificado ou eivado por um qualquer vício que o torne inválido – é idóneo a modificar, licitamente, tal relação contratual, fazendo subsumir a mesma ao novo regime convencionado e, nessa sequência, ao regime legal específico dos contratos de locação (artigos 1022.º e segs.) e, em especial, ao regime legal específico do arrendamento urbano para fins não habitacionais, previsto nos artigos 1108.º e segs. do Código Civil e, ainda, ao regime legal aplicável às obrigações contratuais e ao regime geral dos negócios jurídicos.
Entende-se, por conseguinte, estarmos, aqui, perante um contrato de arrendamento celebrado para fins não habitacionais e com duração determinada, sujeito a prazo certo de 1 ano e a renovações automáticas por igual período de tempo.
Assente este pressuposto, relevará também, quanto à lei aplicável, que “para efeitos de determinação a lei aplicável à denúncia do contrato, enquanto forma de cessação contratual do arrendamento, afigura-se decisiva a data da sua comunicação pelo senhorio ao arrendatário, regendo-se, assim a denúncia pela lei em vigor ao tempo da sua comunicação ao arrendatário” (acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14/09/2023, proc. n.º 3877/21.2T8LRS.L1-2, in www.dgsi.pt).
Assim, tendo a referida comunicação ocorrido a 9 de Abril de 2024, será, aqui, de considerar a redação dos preceitos aplicáveis à denúncia contratual que lhes foi dada pela Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro, nomeadamente, no que toca ao estipulado nos artigos 1110.º e 1110.º-A do Código Civil, aplicáveis face à ausência de normas convencionadas pelas partes que regulem expressamente a denúncia contratual.
Ou seja, para efeitos de ponderação da validade da denúncia operada pelo requerente, já não é de atender à redação do artigo 1110.º do Código Civil vigente à data da celebração do contrato (a 01/02/2007) – a redação da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro –, antes é de atender à redação vigente à data da comunicação da denúncia contratual – a redação dada à norma pela Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro.
A relevância desta especificidade é que, atualmente, ao contrário do que sucedia na vigência da redação do artigo 1110.º do Código Civil dada pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, o n.º 1 deste normativo, pese embora continue a remeter, na falta de estipulação em contrário das partes, para o regime do arrendamento para habitação, salvaguarda o estatuído nos números e no artigo seguintes: “as regras relativas à duração, denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais são livremente estabelecidas pelas partes, aplicando-se, na falta de estipulação, o disposto quanto ao arrendamento para habitação, sem prejuízo do disposto no presente artigo e no seguinte.”.
Ora, no que toca ao caso específico da denúncia por oposição à renovação por iniciativa do senhorio, estabelece o artigo 1110.º-A do Código Civil que:
“1 - Nos contratos de arrendamento não habitacional, o senhorio apenas pode denunciar o contrato nos casos previstos nas alíneas b) e c) do artigo 1101.º
2 - A denúncia prevista no número anterior obriga o senhorio a indemnizar separadamente o arrendatário e os trabalhadores do estabelecimento pelos prejuízos que, comprovadamente, resultem da cessação do contrato de arrendamento, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
3 - No que respeita ao arrendatário, a indemnização prevista no número anterior não tem lugar se o arrendamento tiver sido objeto de trespasse nos três anos anteriores.
4 - No caso da alínea b) do artigo 1101.º do Código Civil, ao valor da indemnização devida ao arrendatário nos termos do n.º 2 é deduzido o valor da indemnização prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 6.º do regime jurídico das obras em prédios arrendados, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 157/2006, de 8 de agosto, na sua redação atual.”.
Para efeitos do n.º 1 deste preceito, os casos previstos nas alíneas b) e c) do artigo 1101.º são:
“O senhorio pode denunciar o contrato de duração indeterminada nos casos seguintes:
(…) b) Para demolição ou realização de obras de remodelação ou restauro profundos que obriguem à desocupação do locado, desde que não resulte local com características equivalentes às do locado, onde seja possível a manutenção do arrendamento;
c) Mediante comunicação ao arrendatário com antecedência não inferior a cinco anos sobre a data em que pretenda a cessação. (…)”.
Ou seja, no arrendamento não habitacional, o legislador sujeitou a admissibilidade da denúncia por oposição à renovação por iniciativa do senhorio – independentemente de estarmos perante contratos sujeitos a prazo determinado ou indeterminado – a dois dos casos específicos em que é admissível a denúncia do contrato de arrendamento para habitação de duração indeterminada, pois é nessa subdivisão do Código Civil, que se integra sistematicamente o citado artigo 1101.º do Código Civil.
Consequentemente, estando em causa um contrato de arrendamento para fins não habitacionais, independentemente de o contrato ter duração indeterminada ou estar sujeito a prazo certo, não é aqui convocável o regime do artigo 1097.º do Código Civil.
Pelo que, na comunicação remetida pelo senhorio aos réus arrendatários, não se fundando a pretendida oposição à renovação do contrato numa pretensão de demolir ou realizar obras de remodelação ou restauro profundo que obrigue à desocupação do locado (alínea b) do artigo 1101.º do Código Civil), a comunicação do arrendatário tem que obedecer a uma antecedência não inferior a 5 anos sobre a data da pretendida cessação (alínea a) do artigo 1101.º do Código Civil).
Tal prazo não se mostra respeitado.
Pelo que, tendo a comunicação de oposição à renovação sido rececionada pelos arrendatários a 15 e 16 de Abril de 2024, ao contrário da comunicação remetida pelo senhorio àqueles inquilinos, não se pode considerar o contrato de arrendamento celebrado cessado no mencionado dia 31/01/2025, nem tão pouco na data da apresentação do requerimento de despejo.
O que significa que a pretensão deduzida nos autos, necessariamente, soçobra.
*
VI. Responsabilidade Tributária
Custas a cargo do requerente, por ter dado causa à ação e atento o disposto no artigo 527.º n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.
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VII. Decisão
Nestes termos e em face do exposto, julga-se a presente ação totalmente improcedente e, em consequência:
1. Absolvem-se os réus dos pedidos.
2. Condena-se o autor no pagamento das custas processuais.
*
Valor da Causa:
Ao abrigo do disposto nas disposições conjugadas dos artigos 296.º, 297.º n.ºs 1 e 2, 298.º n.º 1,
299.º n.º 1 e 306.º do Código de Processo Civil e considerando ainda o valor da renda convencionado (320,00 Euros, não se encontrando justificado o valor de 400,00 Euros indicado no requerimento inicial), fixo à ação o valor de 9.600,00 Euros (nove mil e seiscentos euros).
*
Registe e notifique.
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Matosinhos, 27/05/2025”
Inconformada com esta decisão, dela interpôs recurso o requerente, que, a terminar as respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões:
(…)
*
Os recorridos apresentaram contra-alegações assim como recurso subordinado que foi objecto de despacho de não admissão, de que houve reclamação cuja decisão por este tribunal consistiu na sua convolação em ampliação do recurso e cujas conclusões são as seguintes:
(…)
*
O recurso do requerente foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
*
Recebido o processo nesta Relação, proferiu-se despacho a considerar o recurso como próprio, tempestivamente interposto e admitido com o efeito e o modo de subida adequados.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. Questões a decidir.
Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam a este Tribunal apreciar no âmbito do recurso interposto são as de saber se:
1. A sentença é nula;
2. Existe fundamento para a cessação do contrato de arrendamento.
3. O tribunal recorrido podia conhecer do mérito da acção na fase do saneador (ampliação do recurso).
*
III. Fundamentação de facto.
Os factos a considerar para apreciar as questões objecto do presente recurso são os que constam do relatório supra.
*
IV. Fundamentação de direito.
Delimitada as questões essenciais a decidir, nos termos sobreditos sob o ponto II, cumpre apreciá-las.
1. Das invocadas nulidades da sentença.
O art. 615.º do CPC, sob a epígrafe “Causas de nulidade da sentença”, dispõe no seu n.º 1 que é nula a sentença quando:
a) não contenha a assinatura do juiz;
b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, e
e) o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora ensinam que, além da exclusão dos chamados casos de inexistência da sentença, “não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável” (in “Manual de Processo Civil”, 2.ª Edição, Revista e Actualizada, Coimbra Editora, Limitada, pág. 686).
Por sua vez, Lebre de Freitas, esclarece que “…a sentença pode apresentar vícios que geram nulidade, tornando-a totalmente inaproveitável para a realização da função que lhe compete, e vícios de conteúdo, que podem afetá-la total ou apenas parcialmente. Os segundos podem respeitar à estrutura, aos limites ou à inteligibilidade da decisão, gerando anulabilidade, ou em erro material, a retificar, todos caracterizando o que a doutrina tradicional usava designar por error in procedendo, ou consubstanciar erro de julgamento (error in judicando), gerando a injustiça da decisão” (in “A Ação Declarativa Comum, à luz do Código de Processo Civil de 2013”, 4.ª Edição, Gestlegal, págs. 375/6).
A este respeito, Alberto dos Reis advertia que “Importa, na verdade, distinguir cuidadosamente as duas espécies: erros de actividade e erros de juízo.
O magistrado comete erro de juízo ou de julgamento quando decide mal a questão que lhe é submetida, ou porque interpreta e aplica erradamente a lei, ou porque aprecia erradamente os factos; comete erro de actividade quando na elaboração da sentença infringe as regras que disciplinam o exercício do seu poder jurisdicional. Os erros da primeira categoria são de carácter substancial: afectam o fundo ou mérito da decisão; os da segunda categoria são de carácter formal: respeitam à forma ou ao modo como o juiz exerceu a sua actividade de julgador” (in “Código de Processo Civil anotado”, Vol. V, Reimpressão, Coimbra Editora, Lim., Coimbra 1984, pág. 124/5).
Sobre o tema também se têm debruçado os nossos tribunais superiores, de que é exemplo o acórdão da RP de 23/05/2024 (proc. 3278/21.2T8PRT.P2; rel. Isoleta de Almeida Costa), em que se pode ler que: “É, desde há muito, entendimento pacífico, que as nulidades da decisão não incluem o erro de julgamento, seja de facto ou de direito (1): as nulidades típicas da sentença reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de atividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal (2); trata-se de vícios de formação ou atividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão) que afetam a regularidade do silogismo judiciário, da peça processual que é a decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito, (3) enquanto o erro de julgamento (error in judicando) resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei e/ou consiste num desvio à realidade factual… As nulidades ditam a anulação da decisão por ser formalmente irregular, as ilegalidades ditam a revogação da decisão por estar desconforme ao caso (decisão injusta ou destituída de mérito jurídico) (cf. neste sentido acórdão STJ citado de 17.10.2017, Procº nº 1204/12.9TVLSB.L1.S1). Como se afirmou no acórdão do Supremo Tribunal de 19.11.2015, Procº nº 568/10.3TTVNG.P1.S1, na nulidade, ao contrário do erro de julgamento, em que se discorda do teor do conteúdo da própria decisão, invocam-se circunstâncias, legalmente previstas no artigo 615º do CPC, que ferem a própria decisão” (in www.dgsi.pt).
A nulidade prevista no art. 615.º, n.º 1, al. c) do CPC sucede quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
Nestes casos, esclarece Antunes Varela que “há um vício real no raciocínio do julgador (e não um simples lapsus calami do autor da sentença): a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente” (in loc. cit., pág. 690).
Por outro lado, como, como esclarece o STJ no acórdão de 17/12/2024 (Proc. 8567/20.0T8LSB.L1.S1; rel. Rosário Gonçalves): “nos termos de tal alínea [c)], é nula a sentença, quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. Conforme refere, Cardona Ferreira, in Guia de Recursos em Processo Civil, 3ª. ed., pág. 36 «A hipótese da alínea c) reporta-se ao processo lógico de raciocínio e não a opção voluntária decisória, ou seja, nulidade não é o mesmo que erro de julgamento». A decisão judicial é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível e é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes – Abrantes Geraldes – Paulo Pimenta – Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º., pág. 738. No dizer de Alberto dos Reis, in CPC. Anotado, ano de 1981, Reimpressão, vol. V «Tal nulidade só ocorre quando existe no raciocínio do julgador um vício lógico, isto é, quando os fundamentos por ele invocados conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto»…O vício da alínea c) do nº1 do art. 615º só ocorre quando os fundamentos de facto e de direito invocados no acórdão recorrido conduzirem de acordo com um raciocínio lógico a resultado oposto ao que foi decidido, ou seja, quando a fundamentação apresentada justifica uma decisão precisamente oposta à tomada, como refere o Ac. do STJ. de 2/3/2011, in http://www.dgsi.pt. Para efeitos da nulidade por ininteligibilidade da decisão, prevista no art. 615º/1/c/2ª parte, do CPCivil, ambígua será a decisão à qual seja razoavelmente possível atribuírem-se, pelo menos, dois sentidos díspares sem que seja possível identificar o prevalente; obscura será a decisão cujo sentido seja impossível de ser apreendido por um destinatário medianamente esclarecido, como se alude no Ac. STJ. de 8/2/2018” (in www.dgsi.pt).
A contradição assacada pelo recorrente à sentença recorrida consiste na desconformidade e oposição directa da fundamentação de facto com o seu dispositivo, porquanto, no seu entendimento, a matéria de facto provado, à luz com o direito, conduz a um outro resultado.
Ora, assim configurado, o reparo do recorrente corresponde a um erro na aplicação do direito aos factos que, nos termos sobreditos, corresponderá a um erro de julgamento.
Assim, improcede a invocada nulidade prevista no art. 615.º, n.º 1, al. c) do CPC.

A nulidade a que o art. 615.º, n.º 1, al. d), 1.ª parte do CPC se refere é a que se verifica quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Com efeito, o art. 608.º, n.º 2 do CPC impõe ao juiz o dever de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e impede-o de ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Com se sumariou no acórdão do STJ de 29/03/2022 (Proc. 19655/15.5T8PRT.P3.S1; Maria Clara Sottomayor), “A nulidade por excesso de pronúncia, prevista no artigo 615º, nº 1, d), do CPC, não se reporta aos fundamentos considerados pelo tribunal para a prolação de decisão, nem aos argumentos esgrimidos, aferindo-se antes pelos limites da causa de pedir e do pedido…O regime das nulidades destina-se apenas a remover aspetos de ordem formal que inquinem a decisão, não sendo adequado para manifestar discordância e pugnar pela alteração do decidido” (ECLI:PT:STJ:2022:19655.15.5T8PRT.P3.S1.14).
No caso, a objecção do recorrente é a de que “cessou o contrato de arrendamento por oposição à renovação do mesmo” e que o tribunal a quo “não tomou em consideração a causa de pedir que fundamenta estes autos, desvirtuou-a e subverteu-a para a modalidade de denúncia”. Uma vez mais, é o errado enquadramento jurídico dos factos que constituem a causa de pedir, e não a apreciação de factos que constituam uma causa de pedir não invocada que o recorrente aponta à decisão recorrida.
Neste conspecto, também a nulidade prevista no art. 615.º, n.º 1, al. d) do CPC se julga improcedente.

2. Do fundamento para a cessação do contrato de arrendamento.
Os factos em que o recorrente assentou o seu pedido de despejo e que foram considerados assentes na decisão recorrida, no essencial, consistem, por um lado, na celebração, em 1/02/2007, pela antecessora do recorrente, como proprietária, e pelos recorridos marido e mulher, respectivamente como arrendatário e fiadora, de um contrato de arrendamento de um imóvel para fins não habitacionais, por 1 ano, sucessivamente renovável nos termos legais, com início a 1/02/2007, e, por outro, na oposição à renovação desse contrato que o próprio, invocando adrede os arts. 1110.º e 1097.º, n.º 1, al. b) do CC, levou a cabo, para produzir efeitos a partir de 31/01/2025, por cartas de 09/04/2024 dirigidas aos recorridos, a que estes responderam por carta de 6/05/2024, dizendo que o contrato em causa, não sendo um contrato com prazo certo mas antes um contrato de arrendamento de duração indeterminada que começou a vigorar em 1954, só pode ser denunciado nos casos previstos nas als. b) e c) do art. 1101.º do CC e, que, portanto, não restituiriam o imóvel, como, de facto, não restituíram.
Perante esta factualidade, o tribunal recorrido entendeu que, estando em causa um contrato de arrendamento para fins não habitacionais, à respectiva cessação, independentemente da sua duração indeterminada ou sujeita a prazo certo, é aplicável, não o disposto no 1097.º do CC mas antes o art. 1110.º-A desse diploma legal. Como tal, decidiu que, não se tendo fundado numa pretensão de demolir ou de realizar obras de remodelação ou restauro profundo que obrigasse à desocupação do locado (alínea b) do art. 1101.º do CC) nem tendo sido feita com uma antecedência de 5 anos ou mais (alínea c) do art. 1101.º do CC), a comunicação do recorrente não produziu efeitos e, consequentemente, o contrato de arrendamento não cessou.
Vejamos.
De entre as formas que o art. 1079.º do CC prevê para a cessação do contrato de arrendamento, a par do acordo das partes, da resolução e da caducidade, conta-se a denúncia e outras causas previstas na lei.
No caso específico dos arrendamentos urbanos para fins não habitacionais, a definição da disciplina legal da duração contratual e dos períodos da respectiva renovação parte do art. 1110.º do CC, assim como, desta feita a par do art. 1110.º-A do CC, parte a definição do estatuto extintivo da respectiva relação arrendatícia.
Dizem-nos estes preceitos legais:
Art. 1110.º- Duração, denúncia ou oposição à renovação
1 - As regras relativas à duração, denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais são livremente estabelecidas pelas partes, aplicando-se, na falta de estipulação, o disposto quanto ao arrendamento para habitação, sem prejuízo do disposto no presente artigo e no seguinte.
2 - Na falta de estipulação, o contrato considera-se celebrado com prazo certo, pelo período de cinco anos, não podendo o arrendatário denunciá-lo com antecedência inferior a um ano.
3 - Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado por prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de cinco anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 1096.º.
4 - Nos cinco primeiros anos após o início do contrato, independentemente do prazo estipulado, o senhorio não pode opor-se à renovação.

Art. 1110.º-A – Disposições especiais relativas à denúncia e oposição da renovação pelo senhorio
1 - Nos contratos de arrendamento não habitacional, o senhorio apenas pode denunciar o contrato nos casos previstos nas alíneas b) e c) do artigo 1101.º
2 - A denúncia prevista no número anterior obriga o senhorio a indemnizar separadamente o arrendatário e os trabalhadores do estabelecimento pelos prejuízos que, comprovadamente, resultem da cessação do contrato de arrendamento, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
3 - No que respeita ao arrendatário, a indemnização prevista no número anterior não tem lugar se o arrendamento tiver sido objeto de trespasse nos três anos anteriores.
4 - No caso da alínea b) do artigo 1101.º do Código Civil, ao valor da indemnização devida ao arrendatário nos termos do n.º 2 é deduzido o valor da indemnização prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 6.º do regime jurídico das obras em prédios arrendados, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 157/2006, de 8 de agosto, na sua redação atual.
Em anotação ao art. 1110.º do CC, Jorge Pinto Furtado escreveu que a «presente disposição refere-se expressamente à duração, denúncia e oposição à renovação, mandando seguir, para estes casos, “sem prejuízo do disposto neste artigo e no seguinte”, a estipulação das partes e, na falta dela, as disposições estabelecidas para o arrendamento habitacional que, desde modo se tem por paradigmático” (in “Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano”, 3.ª Edição, revista e atualizada, Almedina, pág. 769). E relativamente ao art. 1110.º-A, a avaliar pela epígrafe, adverte o mesmo autor que «reportar-se-ia este a disposições especiais apostas à denúncia e à oposição à renovação do contrato de arrendamento não habitacional dela constantes. Mais uma vez, porém, que a Lei n.º 13/2019, que aditou este art. 1110-A ao CC, não cuidou devidamente da sua redação, acabou por colocar o intérprete em palpos de aranha para vislumbrar o que efetivamente se pretende dispor. Os desacertos começam na epígrafe e alastram pelos números fora do artigo. Quanto à primeira, intitula-se “disposições especiais relativas à denúncia e oposição da renovação”, quando deveria, menos imperfeitamente, ter-se grafado “relativas à denúncia e à oposição à renovação”. É que, de uma parte, denúncia e oposição à renovação não formam um conceito complexo e único, mas institutos distintos. Portanto, as disposições especiais que se editam não são comuns, mas específicas de cada um deles. De outra, não existe uma oposição levada a cabo pela própria “renovação”, como a expressão “oposição da renovação” significará, mas uma oposição à “renovação”, isto é, aquela oposição que se dirige contra a “renovação” tácita do contrato. Por último – particularidade curiosa – embora se refira, na epígrafe, corrigindo, a oposição à renovação, todo o artigo é exclusivamente dedicado à denúncia, não havendo, quanto àquela, qualquer disposição especial que se lhe dedique” (in loc. cit., págs. 779 e ss.).
No mesmo sentido o recente acórdão da RP de 26/05/2025 (proc. 15357/24.0T8PRT.P1, rel. Teresa Fonseca), quando refere que “Pese embora a epígrafe do art.º 1110.º-A do C.C. assinalado (duração, denúncia ou oposição à renovação), é manifesto que o mesmo não contempla a oposição à renovação pelo senhorio. A epígrafe não integra conteúdo legislativo” (in www.dgsi.pt).
Maria Olinda Garcia em “Alterações em matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei n.º 12/2019 e pela Lei n.º 13/2019” também salienta que: “O artigo 1110.º-A vem restringir significativamente a liberdade contratual das partes para definirem a duração do contrato. Trata-se de uma norma que suscita sérias dificuldades interpretativas. Desde logo, o seu título [“Disposições especiais relativas à denúncia e oposição da renovação pelo senhorio”] parece dizer mais do que aquilo que resulta do teor dos seus números, pois, apesar desse título se referir à “oposição da renovação”, no seu conteúdo não se prevê expressamente nenhuma hipótese de oposição, mas apenas de denúncia (que é o modo de extinção próprio dos contratos de duração indeterminada)” - in Julgar Online, Março de 2019,” pág. 15.
Esta distinção entre denúncia e oposição à renovação à oposição é igualmente traçada por Menezes Leitão: “estas duas figuras distinguem-se porque na primeira [denúncia], aplicável aos contratos de duração indeterminada, a declaração do senhorio a pôr termo ao contrato pode ocorrer em qualquer altura, enquanto na segunda, aplicável aos contratos em relação aos quais tenha sido estipulado um prazo renovável, apenas pode ocorrer no fim desse prazo, impedindo que o contrato se renove por períodos subsequentes” (in “Arrendamento Urbano”, 11.ª Edição, pág. 169). Na mesma linha de pensamento, a RP em acórdão de 10/07/2024 (rel. Fernanda Almeida, Proc. 3709/23.7T8PRT.P1) diz-nos que: “A denúncia é, pois, uma forma de extinção contratual por via de uma declaração unilateral, não fundada (portanto, ad nutum ou ad libitum), e com eficácia ex nunc, estando o seu fundamento genérico ligado à proibição de vínculos perpétuos e à consequente preservação da liberdade jurídica dos sujeitos. A oposição à renovação, por sua vez, está disciplinada nos artigos 1097.º e 1098.º do CC e carateriza-se pelo facto de que a declaração em que se pretende pôr termo à relação de arrendamento, aplicável aos contratos em relação aos quais tenha sido estipulado um prazo renovável, apenas pode ocorrer no fim desse prazo, impedindo que o contrato se renove por períodos subsequentes. Trata-se de uma espécie de denúncia. A lei distingue entre os arrendamentos com prazo certo (arts. 1095.º e ss.) e aqueles que têm duração indeterminada (arts. 1099.º e ss.), sendo aplicáveis aos primeiros normalmente a oposição à renovação e aos segundos a denúncia”.
A este respeito, novamente Jorge Pinto Furtado esclarece: “…desde a Lei n.º 6/2006 criou-se o tipo legal de arrendamento de duração indeterminada, o qual passou a ter, não propriamente o exclusivo, mas o privilégio da cessação por denúncia, em detrimento do arrendamento de prazo certo, para o qual se substitui a primitiva denúncia pela atualmente denominada oposição à renovação.

Presentemente, na verdade, constitui o modo de cessação específico do arrendamento de duração indeterminada (art. 1099.º): ou pelo senhorio, nos termos constantes da al. c) do art. 1101 ou pelo arrendatário, de acordo com o disposto no n.º 1 do art. 1100.
É a denúncia típica, que se oferece a cada uma das partes do arrendamento de duração indeterminada.
Mas há ainda várias outras modalidades de denúncia, as denúncias atípicas:
a)-A denúncia, na mesma categoria de arrendamento, do senhorio, por sua necessidade de habitação (art. 1101, al. a)) - que, entretanto, foi excluída, no arrendamento não habitacional, pelo art. 1110-A, aditado pela Lei n.º 13/2019;
b)-A denúncia, nessa mesma espécie de arrendamento, também pelo senhorio, para demolição ou realização de obras ou restauro profundo (art. 1101, al. b)).
São, estas duas, hipóteses de denúncia justificada.
c)-A contradenúncia (ou denúncia-reconvenção, como lhe chamamos) do arrendatário, ainda na mesma espécie de arrendamento (art. 1100-2);
d)- A denúncia-revogação do arrendatário no arrendamento habitacional de prazo certo (art. 1098.º-3);
e) – A contradenúncia ou denúncia-reconvenção do arrendatário, neste mesmo tipo de arrendamento (art. 1098.º-4).

Nos próprios contratos de arrendamento urbano com prazo certo…, o arrendatário - e só ele - tem a possibilidade de, curiosamente, denunciá-los, após decorrido um terço do prazo inicial do contrato ou desse prazo de prorrogação, mediante aviso prévio de 120 dias, se o prazo do contrato for superior a um ano (art. 1098.º-3 CC). E aqui temos, afinal, uma denúncia em arrendamento que não é de duração indeterminada, mas de prazo certo - onde, aliás, surge ainda, como se viu, uma outra categoria de denúncia: a do nº 4 do art. 1098, há pouco enunciada.
Costuma por isso chamar-se-lhes, por vezes, denúncias atípicas – o que de pronto tira rigor à afirmação de que a denúncia (tout court) é o modo de pôr termo a uma relação de duração indeterminada.
Só o serão a denúncia típica do art. 1100-1 e a do art. 1101, al. c), bem como as denúncias justificadas das als. a) e b) do art. 1101” (in loc. cit., págs. 439 e ss.).
Pelo contrário, num contrato de arrendamento com prazo certo, quer no arrendamento para habitação quer no arrendamento não habitacional, neste caso por mor do art. 1110.º, n.º 1 do CC, o senhorio pode despedir o arrendatário para o termo da duração do contrato nos termos do art. 1097.º, n.º 1 do CC.
Sendo assim, torna-se indispensável saber se o contrato de arrendamento dos autos é um contrato de arrendamento de duração indeterminada, caso em que para o fazer cessar o recorrente tem de recorrer à sua denúncia ou nos termos da al. b) do art. 1101.º do CC ou da al. c) do mesmo preceito legal, ao invés de ser um contrato de arrendamento com prazo certo, caso em que para o fazer cessar o que o recorrente tem à sua disposição é a oposição à sua renovação automática, ao abrigo do art. 1097.º do CC.
O supra citado art. 1110.º, n.º 1 do CC, como vimos, estabelece que as regras relativas à duração dos contratos de arrendamento não habitacionais são livremente estabelecidas pelas partes, aplicando-se, na falta de estipulação, o disposto quanto ao arrendamento para habitação.
O art. 1094.º, n.º 1 do CC permite que o contrato de arrendamento urbano para habitação, e, por força daquele art. 1110, n.º 1, também o contrato de arrendamento não habitacional, seja celebrado com prazo certo ou por duração indeterminada.
Jorge Pinto Furtado clarifica que arrendamento de prazo certo “será aquele que se faz por um período inicial de duração definida: por um, dois, três, quatro anos, etc…na prática, usa-se estabelecer, como unidade definidora desse limite ou marco, o dia (“é estabelecido para o presente contrato o prazo certo de seis anos, iniciando-se em 1 de novembro de 2013 e findando em 31 de outubro de 2019, renovando-se automaticamente no seu termo”).
…a lei não exige que se exarem palavras sacramentais.
Não será, pois, preciso declarar que o contrato tem “prazo certo”: se o seu período inicial é por seis anos, tem o seu limite perfeitamente definido por esta unidade de tempo; o seu prazo, dito de duração, está, com tal especificação, tornado certo; não será, nunca, de duração indeterminada.
Em segundo lugar, se se referiu a data de início, a al. c) do art. 279 CC já fixava, por si, o dia do seu termo” (loc. cit., pág. 633 e ss.).
De facto, de acordo com o art. 1095.º, n.º 1 do CC, o prazo deve simplesmente constar de cláusula inserida no contrato e, se tal não suceder, o prazo será de cinco anos, nos termos da norma supletiva do art. 1094.º, n.º 3 do CC, “continuando, pois, a ser um contrato de prazo certo” (Jorge Pinto Furtado, in loc. cit., pág. 634).
Ao contrário do que sucedia nos contratos de duração limitada celebrados ao abrigo do RAU (arts. 98.º, n.º 1 e 117.º, n.º 1), em que se exigia que do texto contratual decorresse que as partes, directa ou indiretamente, agiam com o propósito de submeter o contrato ao regime da duração limitada, ou seja, que do texto constasse uma cláusula que permitisse concluir, de modo inequívoco, ser essa a vontade dos contraentes, com a entrada em vigor do NRAU tal exigência não tem lugar, bastando que do contrato figure cláusula com o prazo.
Neste contexto, o mesmo autor, arrisca uma explicação para a criação pela Lei n.º 6/2006 de 27/02 do contrato de arrendamento de duração indeterminada: «Não se conhecem as razões que levaram a consagrar entre nós, ao lado do arrendamento dito “com prazo certo”, o de duração indeterminada, que jamais tinha surgido em legislação anterior. Porventura, o legislador tinha em vista os arrendamentos vinculísticos remanescentes que, pela prorrogação forçada que os onera, acabam por não ter, na prática, efetivo prazo de duração» (in loc. cit., pág. 635).
Transpondo para o caso dos autos, o que se verifica é que o contrato em causa na decisão recorrida, ou seja o celebrado a 1/02/2007, é um contrato com prazo certo, facto constitutivo do direito do recorrente que foi por si alegado, e sobre o qual os recorridos tiveram oportunidade de se pronunciar, como pronunciaram, na respectiva Oposição. Não se vislumbra, pois, quanto a esta matéria, qualquer violação do princípio do contraditório por parte do tribunal, cuja decisão, nessa perspectiva, não constituiu uma decisão surpresa.
Neste contexto de um contrato de arrendamento para fins não habitacionais com prazo certo celebrado pelo prazo de um ano, sucessivamente renovável nos termos legais, com início a 1/02/2007, ao recorrente assistia a faculdade de, nos termos do art. 1097.º, n.º 1, al. b) e 1110.º, n.º 3 do CC, se opor à renovação automática a 1/02/2025 (cfr. art. 16.º da Lei n.º 13/2019 de 12/02 e art. 12.º, n.º 2, 2.ª parte do CC), mediante comunicação ao recorrido com a antecedência mínima de 120 relativamente a esse dia, o que, de facto, sucedeu porquanto para o efeito enviou carta aos recorridos, que estes receberam antes de 6/05/2024, transmitindo a sua oposição à renovação do contrato com efeitos reportados para o dia 31/01/2025 (com interesse veja-se Maria Olinda Garcia in loc. cit., págs. 8 e14).
Sucede que os recorridos na sua Oposição, como agora salientam nas suas alegações de recurso, alegaram que o contrato de arrendamento, que tem por objecto o locado, em causa, teve início, não em 2007 (ou seja, não na data de outorga do documento junto com o requerimento inicial) mas sim, há mais de 60 anos, porquanto pelo menos, desde Abril de 1963 que se encontra instalado e a funcionar no locado o estabelecimento comercial que ainda hoje ali funciona, inicialmente, montado e explorado por EE, pai do Requerido marido, o qual tomou o locado, em causa, de arrendamento, mediante contrato de duração indeterminada, outorgado entre o mesmo e o, então, proprietário do imóvel, FF, isto é, entre o pai do Requerido marido e o avô materno do Requerente, para aí funcionar aquele estabelecimento, numa primeira fase, explorado, primeiro como taberna e depois também como restaurante, pelo pai do Requerido marido, enquanto comerciante em nome individual e, posteriormente, também como comerciante em nome individual, pelo Requerido marido, ainda antes da morte do pai, por força da qual, em todo o caso, lhe foi transmitido o referido contrato de arrendamento.
Ora, Maria Olinda Garcia diz-nos que o art. 1069.º, n.º 2, do CC – aplicável igualmente, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2019 de 12/02, a arrendamentos existentes à data da entrada em vigor desta Lei (cfr. art. 14.º, n.º 2 e acórdão do STJ de 25/03/2021, processo 11189/18.2T8LSB.L1.S1; rel. Maria da Graça Trigo, www.dgsi.pt) - “ao admitir a prova do contrato de arrendamento por qualquer meio, revela que a forma do contrato tem agora natureza inequivocamente ad probationem. Os arrendatários que celebraram contratos verbais, mas que demonstrem (por exemplo, através de transferência bancária) que já pagam rendas há mais de seis meses (ainda que sem recibo de quitação) podem fazer valer o contrato (desde que a falta de redução a escrito não lhe seja imputável) – in loc. cit., pág. 8.
Deste ponto de vista, aos recorridos assiste efectivamente o direito de poderem demonstrar que o contrato de arrendamento em discussão teve o seu início não em 2007, data que consta do documento escrito apresentado pelo recorrente, mas em data muito anterior, inclusive anterior à entrada em vigor do DL n.º 257/95 de 30/09, ou seja numa altura em que não estava prevista a possibilidade, introduzida por esta lei, de os arrendamentos para comércio, indústria, exercício de profissões liberais e outros fins não habitacionais serem celebrados em regime de duração limitada (com interesse vide Maria Olinda Garcia, in “Arrendamento Urbano Anotado, Regime Substantivo e Processual”, 3.ª Edição, pág. 128). A esses contratos sem duração limitada, é aplicável o regime transitório previsto nas disposições conjugadas dos arts. 26.º e 28.º do NRAU, ou seja pelas regras aplicáveis aos contratos de duração indeterminada, em que, como vimos, não tem lugar a cessação do arrendamento por oposição à renovação.
Como se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 8/03/2012 - ainda que a propósito do conhecimento da excepção da prescrição em saneador-sentença: “só pode conhecer-se do mérito da causa em saneador-sentença … se o estado do processo o permitir sem necessidade de mais provas; e existindo mais do que uma solução plausível para a questão de direito, e factos controvertidos com relevância para alguma delas, é prematuro o conhecimento do mérito da causa no saneador. O prosseguimento do processo, com a produção de prova, será desnecessária apenas quando inexistam factos controvertidos que se mostrem relevantes para a solução da causa segundo as várias soluções plausíveis para a questão de direito (https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRE:2012:278.07.9.TBORQ.E1.2D/).
Do que vem de se dizer, resulta, pois, que à luz das várias soluções plausíveis de direito sobre a problemática da extinção da relação de arrendamento dos autos, importa prosseguir com os autos, em ordem a, depois de garantido o contraditório (art. 15.º-H, n.º 3 da Lei n.º 6/2006 de 27/02), apurar da factualidade que, alegada, integra a excepção invocada pelos recorridos de que o contrato em causa foi celebrado há mais de 60 anos (art. 15.º-H, n.º 4 da Lei n.º 6/2006 de 27/02).
Na verdade, um dos direitos processuais fundamentais consiste precisamente no direito à prova, que emerge como corolário do direito de acção e defesa aludido no n.º 1 do art. 20.º da CRP- cfr. Ac. da RP de 21/10/2021 (proc. 3714/15.7T8VNG-A.P1, rel. Joaquim Correia Gomes, in www.dgsi.pt).
Assim sendo, é imperioso concluir que o tribunal recorrido impediu os recorridos de tentarem fazer prova da matéria da excepção relativa à antiguidade do arrendamento que invocaram na oposição, o que, naturalmente, impõe a revogação da sentença e a baixa do processo à 1.ª instância a fim de se permitir às partes a oportunidade de, em julgamento, produzirem prova quanto à excepção que os recorridos invocaram na sua oposição.
Em suma, considera-se que o estado dos autos, à luz das várias soluções plausíveis de direito, não permitem, ao abrigo do art. 15-H, n.º 4 da Lei n.º 6/2006 de 27/02, o conhecimento, sem necessidade de mais provas, do objecto dos autos, e, como tal, impõe-se revogar a decisão recorrida e determinar o cumprimento do disposto no art. 15.º-H, n.º 3 da Lei n.º 6/2006 de 27/02, e, em face da existência de matéria relevante controvertida, o prosseguimento dos autos para julgamento.
As custas são da responsabilidade dos recorridos, posto que, ou ficaram vencidos ou, na parte em que tal não sucedeu, a revogação da decisão recorrida é a si que desde já aproveita (art. 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
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Sumário (ao abrigo do disposto no art. 663º, n.º 7 do CPC):
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V. Decisão
Perante o exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em, julgando procedentes o recurso e a ampliação do recurso, revogar a decisão recorrida e determinar o prosseguimento dos autos para, em face da existência de matéria relevante controvertida, ser realizada a audiência de julgamento.
Custas pelos recorridos.
Notifique.

Porto, 27/10/2025
Carla Fraga Torres
Ana Olívia Loureiro
Miguel Baldaia de Morais