PROCURAÇÃO IRREVOGÁVEL
REPRESENTAÇÃO VOLUNTÁRIA
ABUSO
NEGÓCIO CONSIGO MESMO
BOA FÉ
ABUSO DE DIREITO
INOPONIBILIDADE
INEFICÁCIA
RECURSO DE REVISTA
Sumário


A intervenção corretora da boa fé objetiva e, por via dela, da proibição do abuso do direito, no exercício de poderes representativos voluntários, não se esgota no abuso de representação, pelo que a ineficácia – inoponibilidade – relativamente ao representado, da situação jurídica resultante do exercício daqueles poderes representativos – a conclusão pelo representante de contrato consigo mesmo - pode decorrer da aplicação das regras gerais relativas à boa fé e à proibição de condutas abusivas.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. Relatório.

AA propôs, no Juízo Central Cível de Sintra, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, contra BB e CC, acção declarativa com processo comum, pedindo que seja:

a) Declarado nulo, ou anulável, o contrato de compra e venda outorgado pelo Réu em 2 de dezembro de 2021;

b) Reconhecido o direito de propriedade da Autora sobre a fração em causa;

c) Ordenada a restituição da fração, respetivo recheio e as viaturas acima identificados à Autora;

d) O Réu condenado a pagar uma indemnização por danos não patrimoniais causados à Autora, devendo o Tribunal, no seu justo critério, fixar a quantia, ao abrigo do disposto no art.º 496º/3 do Código Civil;

e) Os Réus condenados ao pagamento de uma quantia pecuniária compulsória no valor de € 100,00 (cem euros) por cada dia de atraso na restituição da fração nos termos do disposto no art.º 829º A do Código Civil.

Fundamentou estas pretensões no facto de ser proprietária da fracção, para cuja aquisição contraiu dois empréstimos bancários, suportando as respectivas prestações, de, para garantir a posição do réu, com quem manteve uma relação afectiva e viveu naquela fracção, caso alguma coisa lhe acontecesse, ter outorgado, a seu favor, em 16 de Janeiro de 2000, uma procuração irrevogável, no qual o constituiu seu procurador conferindo-lhe poderes para, em seu nome e representação, permutar, hipotecar, vender ou alienar por qualquer modo, pelo preço, termos e condições que entendesse, inclusivamente a ele próprio, a fracção, de, em Novembro de 2004, ter terminado a relação afectiva com o réu, que deixou de viver na habitação, e de o réu, por escritura pública outorgada no dia 2 de Dezembro de 2021, ter vendido a si mesmo a fracção, declarando, falsamente, que nela subsistem registadas hipotecas e uma penhora, por dívidas que já se encontram pagas, encontrando-se os documentos para o seu cancelamento em curso.

Os réus defenderam-se por impugnação afirmando, designadamente, que a fracção foi registada e os empréstimos foram contraídos em nome da autora por esta beneficiar de crédito bonificado, tendo o réu disposto, na aquisição, € 34 935,82, de capitais próprios, tendo-se acordado que a procuração irrevogável serviria para o réu ter sempre preferência na aquisição da casa perante terceiros, caso saísse, por qualquer razão, da esfera da autora, por vontade desta ou de terceiros, sem o seu consentimento, e de garantia do investimento realizado pelo réu, que, aquando da separação, a autora se propôs pagar-lhe todos os montantes investidos na casa mediante o pagamento mensal de € 200,00, o que não cumpriu, razão pela qual intentou contra ela, em 2006, uma acção, na qual foi condenada a pagar-lhe € 34 935,82 e que, em 2020, teve conhecimento que a autora não estava a cumprir com os pagamentos mensais dos empréstimos

Concluída a instrução, discussão e julgamento da causa, a Sra. Juíza de Direito, por sentença proferida no dia 3 de Dezembro de 2024, designadamente com fundamento em que perante os factos provados e não provados não lograva concluir, como alegado pela autora que o réu tenha adquirido a propriedade da fracção de forma ilícita, dado que o fez com base na procuração emitida pela autora, tratando-se de uma procuração emitida também no interesse do ora réu e irrevogável, procuração que lhe conferia ampla gama de poderes relativamente à fracção, mostrando-se apurado nos autos o efectivo interesse deste na procuração nos termos em que esta se mostra outorgada, nada resultando, ainda, dos factos provados no sentido de que, ao exercer o seu direito de compra da fracção, o ora réu tenha agido com qualquer espécie de abuso ou com má fé, absolveu os réus do pedido.

A autora interpôs desta sentença recurso ordinário de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, alegando, com fundamento, designadamente, o abuso do direito por parte dos apelados e o abuso, pelo apelado, da representação. Aquele Tribunal, por acórdão proferido no dia 26 de Maio de 2025, com fundamento em que, tendo o réu utilizado tal procuração e vendido a fração a si próprio por um valor correspondente a menos de metade do seu valor de mercado, o réu incorreu em violação da regra da conduta da boa fé, inobservando os deveres de lealdade e de proteção que emergem de tal norma de conduta das partes, que o réu atendeu só ao seu interesse próprio, descurando o interesse do dominus em que a venda, a ocorrer, seja por um preço de mercado ou mais próximo possível deste, que o abuso de representação (Artigo 269º do Código Civil) constitui uma modalidade do abuso de direito e que, tendo ocorrido abuso de representação, o negócio celebrado pelo réu é ineficaz perante a Autora (Artigo 268º, nº1, do Código Civil), revogou a sentença impugnada, declarou que o contrato de compra e venda outorgado pelo réu, em 21.12.2021, é ineficaz perante a autora, reconheceu o direito de propriedade da autora perante a fração descrita no facto provado sob 1, e ordenou a sua restituição à autora.

Os apelados interpuseram deste acórdão recurso ordinário de revista, no qual pedem a sua revogação e a confirmação da sentença da 1.ª instância que reconheceu a validade da alienação do imóvel.

Os fundamentos da revista, expostos nas conclusões, são os seguintes:

a) Sendo que as conclusões do recurso delimitam o objeto do mesmo, é fundamental, por fim avançar com as mesmas:

b) No caso sub judice é manifesto que estamos perante uma procuração de cariz irrevogável, conferida também no interesse do Réu BB, aqui Recorrente- Cf. artigo 265, nº3 do CC;

c) Como refere o Prof. Pedro Pais de Vasconcelos – supra detalhadamente mencionado - : “A irrevogabilidade da procuração só é admissível quando esta desempenhe a função de possibilitar o cumprimento ou a execução da relação subjacente, e dessa relação subjacente resulte para o procurador, ou para terceiro, ou para ambos uma pretensão cuja satisfação implique o exercício do poder representativo do procurador como poder próprio, mesmo contra o representado e contra a sua vontade” (o negrito é nosso).

d) Ficou provado que a Autora abandonou a fracção em 2021, deixou de pagar as prestações referentes ao empréstimo antes de abandonar a casa;

e) Ignorou todas as diligencias do credor para pagamento extrajudicial, deixou a acção executiva n.º 10946/21.7T8SNT – Juízos de Execução de Sintra – Juiz 3 prosseguir os seus termos, não tendo em fase alguma alegado/provado que pretendia liquidar a quantia exequenda, demostrando um total desinteresse pelo destino da fracção.

f) Tendo os Réus, aqui Recorrentes, procedido ao pagamento da quantia exequenda e demais encargos inerentes à acção executiva, no interesse da representada, expurgando a penhora que recaía sobre o imóvel aqui em apreço e consequente extinção da acção executiva.

g) Os Recorrentes para pagamento da quantia exequenda, da responsabilidade da Autora, viram-se obrigados a contrair um empréstimo e a hipotecar a fracção.

h) Deste modo, o Recorrente estava legitimado a celebrar o negócio consigo mesmo, nos termos e condições que entendesse.

i) O Tribunal da Relação de Lisboa errou na aplicação, no caso ora em apreço, da figura do abuso de representação- Cf. art.º 269 do CC.

j) Em nosso entender, nem sequer o pressuposto de aplicação de cariz objetivo está preenchido, ou seja, o réu não atuou objetivamente contra os ditames da boa fé - o abuso de representação é uma manifestação da boa fé,

k) Porquanto o mesmo adquiriu um bem – bem esse que o mesmo já tinha despendido capital para a sua amortização, aliás, era o ora réu que garantia exclusivamente o pagamento das prestações do mútuo bancário,

l) E já em fase de penhora – o que naturalmente desvaloriza bastante tal imóvel - por um preço formal em tudo semelhante ao da quantia exequenda que o credor hipotecário visava garantir com a penhora,

m) Porque na realidade o valor foi de cerca de €154.000,00 (cento e cinquenta e quatro mil euros), acrescendo ainda o crédito que o Réu BB detém sobre a Autora, atualmente na ordem dos €60.000,00 (sessenta mil euros) e benfeitorias realizadas pelos Réus na fracção ora em apreço.

n) Todavia mesmo que assim não se entenda - o que, in casu, manifestamente não se concede - a aplicação da figura do abuso de representação carece da verificação de um elemento subjetivo, conforme supramencionado.

o) Ora o douto Tribunal da Relação na sua decisão nem sequer aborda a verificação deste requisito- que é fundamental para aplicação da figura do abuso de representação -, o que é manifestamente um erro de julgamento.

p) Ignorando assim, no seu douto acórdão, um requisito mister na aplicação da figura do abuso de representação, conforme tem sido o entendimento da doutrina e também da douta jurisprudência deste STJ.

q) Com efeito, conforme doutrina supracitada é necessário para fazer operar esta modalidade de abuso de direito que o representante utilize conscientemente- aqui reside o elemento subjetivo do preceito- os poderes que lhe foram outorgados de modo contrário ao seu fim.

r) No mesmo sentido, a jurisprudência deste douto Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 04-07-2019, Excelentíssimo Juiz Conselheiro Dr. Fernando Samões - supra devida e detalhadamente mencionada - que é perentória a afirmar que “Não há abuso de representação quando o representado não provou, como lhe competia, que o representante agiu com intenção de o prejudicar ou contra a vontade daquele (...)” (o negrito é nosso).

s) Ainda na mesma esteira, e citado pela decisão da 1.ª instância também o acórdão deste douto STJ, datado de 13/02/2003, e relatado pelo Excelentíssimo Juiz Conselheiro Dr. Araújo de Barros “…existe abuso de representação, previsto pelo art.º 269.º do CC, quando o representante, atuando embora dentro dos limites formais dos poderes que lhe foram outorgados, utiliza conscientemente esses poderes em sentido contrário ao seu fim ou às indicações do representado” (o negrito é nosso).

t) Prossegue ainda tal aresto “…para averiguar da finalidade da representação, sobretudo nos casos em que a procuração é subscrita também no interesse do representante (ou só no interesse dele) haverá que atender, sobretudo, ao teor do negócio que desencadeou a emissão da procuração e concedeu poderes representativos, porquanto o representado, em situações destas, perde, praticamente, o poder de instruir o representante ou de lhe dar indicações”.

u) Com efeito, não se extrai da factualidade- provada e não provada- que o réu BB tenha tido um animus nocendi no uso dos seus poderes de representação.

v) Muito pelo contrário, o representante atuou até tendo subjetivamente em conta o interesse da representada: evitou que o bem fosse vendido em venda judicial - com os transtornos e efeitos nocivos de tal venda para ambas as partes (leia-se autora/representada e réu/representante) -, o que garantidamente não seria do interesse da autora, aqui recorrida.

w) Se o Recorrente não tivesse feito uso da procuração e pago a quantia exequenda a Recorrida perderia a fracção e o Recorrente a possibilidade de reaver o seu dinheiro.

x) Desse modo, não se verificando um requisito fundamental de aplicação do art.º 269º do CC, cai por terra a aplicação da figura do abuso de representação.

y) E, por conseguinte, a aplicação do art.º 268, nº1 do CC, ou seja, a ineficácia do negócio jurídico perante a representada.

z) Nestes termos, o negócio é válido e, por conseguinte, o bem deve ser considerado como pertencente aos ora Réus, aqui Recorrentes.

Os recorrentes juntaram, com a alegação, dois documentos: a notificação, dirigida ao recorrente, na qualidade de executado, datada de 16 Abril de 2025, da decisão da Sra. Agente de Execução de extinção da instância do processo 18339/13.3YYLSB, Lisboa, Juízo de Execução – Juiz 8; a declaração do Novo Banco; SA, datada de 4 de Abril de 2025, de que as responsabilidades da recorrida, pelos contratos de mútuo, ascendiam, em 16 de Abril de 2025, a € 148 370,49.

A recorrida, na resposta ao recurso, concluiu naturalmente pela sua improcedência.

2. Delimitação do âmbito objectivo da revista e individualização da questão concreta controversa e admissibilidade da junção de documentos.

O acórdão impugnado, em nítida divergência com a sentença da 1.ª instância, concluiu que o recorrente, ao vender a si próprio a fracção por um preço equivalente a cerca de metade do seu valor de mercado ofendeu a regra de conduta da boa fé que aplicada á representação voluntária se resolve num abuso de representação que, por sua vez, é uma modalidade do abuso do direito, abuso que determina a ineficácia, no tocante à recorrida, daquele contrato de compra e venda. Ergo, dado que o efeito transmissivo do direito real sobre aquele bem imóvel é inoponível à recorrida, pelo que esta continua a ser titular daquele direito real máximo e os recorrentes não dispõem de qualquer título que torne lícita a sua recusa de entrega daquele bem à primeira, a procedência da acção de revindicação é meramente consequencial.

Os recorrentes acham, porém, que com tal decisão, o acórdão impugnado incorreu numa violação primária de lei substantiva, num error in iudicando, por erro na qualificação, dado que escolheu a norma errada para enquadrar o caso concreto. No ver dos recorrentes, não há qualquer abuso do direito dado que o recorrente não abusou dos poderes representativos voluntários que foram conferidos, pela recorrida, através da procuração que a última outorgou a seu favor, uma vez que esta não provou, como lhe competia, que o impugnante actuou com o propósito de a prejudicar ou contra a sua vontade.

Como o âmbito objetivo da revista é delimitado, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, pelo objecto da acção, pelos casos julgados formados nas instâncias, pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, e pelo recorrente, ele mesmo, designadamente nas conclusões da sua alegação, é uma só a questão concreta controversa que importa resolver: a de saber se o acórdão impugnado, deve ser revogado e, acto contínuo, substituído por outro que absolva os recorrentes dos pedidos que aquele acórdão julgou procedentes (art.ºs 635.º n.º 4, 639.º, n.º 1, e 608.º, n.º 2, ex-vi art.º 663.º, n.º 2, do CPC).

A resolução deste problema vincula, naturalmente, se indague se o recorrente ao concluir, no uso dos poderes de representação voluntária da recorrida e da autorização, que emergem da procuração, o contrato de compra e venda consigo mesmo, violou, tendo em conta o conteúdo concreto que imprimiu às prestações a que vinculou o vendedor e o comprador, a boa fé objectiva e, consequentemente, se actuou em abuso do direito e se esse abuso determina a ineficácia, no tocante à recorrida, daquele contrato de troca mediante um preço.

Todavia, a exacta determinação do objecto da revista, exige uma precisão complementar.

Essa precisão respeita à base de facto sobre a qual deve ser ponderada a correcção, no plano da matéria de direito – qualificação ou enquadramento jurídico do objecto do processo - do acórdão impugnado, considerando, desde logo, que os recorrentes juntaram com a sua alegação dois documentos: uma declaração de dívida da responsabilidade da recorrida do Novo Banco SA, datada de 4 de Abril de 2025; a notificação datada de 16 de Abril de 2025, da Agente de Execução, DD, dirigida ao recorrente, na qualidade de executado, da extinção da instância do processo 18339/13.3YYLSB, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo Execução – Juiz 8. De harmonia com a alegação dos recorrentes, o primeiro daqueles documentos prova o pagamento, pelo recorrente, da dívida da recorrida ao Novo Banco, SA, emergente dos contratos de mútuo contraídos por aquela, no valor de € 148 370,49 e, o segundo, a extinção da acção executiva objecto do processo n.º 10946/21.7T8SNT – Juízos de Execução de Sintra – Juiz 3. Mas é patente, desde logo, a inadmissibilidade da junção de qualquer destes documentos.

2.1. Inadmissibilidade da junção de documentos.

O Supremo Tribunal de Justiça é um tribunal de revista e, portanto, não controla a decisão da questão de facto e não revoga por erro de facto, controlando apenas a decisão de direito e só revogando por erro de direito, limitação que é justificada pela função de harmonização jurisprudencial sobre a interpretação e aplicação da lei que é característica e própria dos tribunais supremos (art.ºs 46.º da LOSJ, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, e 682.º, n.º 1, do CPC). Por isso que o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não constitui objecto idóneo do recurso de revista, salvo os casos de ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, i.e., exceptuados os casos de prova necessária, i.e., em que a lei exige certo meio de prova para se poder demonstrar o facto probando, ou de prova legal ou tarifada, quer dizer, em que a lei impõe ao juiz a conclusão que há-de tirar do meio de prova (art.º 674.º, n.º 3, do CPC).

Compreende-se, por isso, com facilidade que a junção de documentos, obedeça a regras particularmente restritivas.

Na revista é admissível apresentar documentos supervenientes, admissibilidade cujas condições não diferem daquelas que valem para o recurso de apelação, embora com uma restrição particularmente importante: a de que, como o Supremo só conhece da matéria de direito, esses documentos não podem destinar-se a provocar uma alteração do julgamento da matéria de facto, embora possam sempre ser apresentados para corroborar esse julgamento (art.ºs 674.º, n.º 3, 680.º, n.º 1, e 682.º, n.º 2, do CPC)1. Este Tribunal Supremo tem, por esse motivo, considerado consistentemente que, na revista, a junção de documentos só é admissível nos casos em que as instâncias tenham julgado provado um facto para cuja demonstração a lei exija prova documental, com violação do direito probatório material, socorrendo-se apenas de prova testemunhal ou de prova por confissão, situação que pode ser regularizada, sem prejudicar o resultado, através da junção do documento que deva ter-se por superveniente2. Comprovadamente, não é o caso desta revista. Ergo, a junção dos documentos oferecidos pelos recorrentes com a sua alegação da revista deve ter-se por inadmissível.

De resto, obiter dicta, e a benefício da exaustão de fundamentação, os documentos apresentados pelos recorrentes estão longe de provar os factos que, com a sua junção, os impugnantes visavam demonstrar. A declaração emitida por Novo Banco, SA, apenas prova, quando muito, o valor da dívida da recorrida para com aquele – mas não, seguramente, o seu pagamento pelo recorrente; o documento com a notificação, da agente de execução, da declaração da instância da execução, refere-se ao processo 18339/13.3YYLSB, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo Execução – Juiz 8, no qual o recorrente era executado e, portanto, manifestamente, é inidóneo para demonstrar a extinção da instância executiva do processo n.º 10946/21.7T8SNT – Juízos de Execução de Sintra – Juiz 3, em que a posição jurídico-processual de executado é ocupada pela recorrida e não pelo recorrente.

E não sendo a junção dos documentos apresentados pelos recorrentes com a sua alegação admissível, outra coisa não resta que ordenar o seu desentranhamento e condenar os apresentantes em pena processual de multa (art.ºs 443, n.º 1, do CPC, e 27.º, n.º 1, do RC Processuais). Dado o número dos documentos que devem ser desentranhados, justifica-se, por aplicação de uma regra de proporcionalidade, que essa multa seja fixada em 1 UC. Este incidente, não é anómalo, por se inserir na tramitação normal do processo do recurso e, por isso, não está sujeito a tributação (art.º 7.º, n.º 5, do RCP).

O Supremo Tribunal de Justiça está, pois, vinculado aos factos fixados pelas instâncias e, como consequência dessa vinculação, está adstrito a uma obrigação negativa: a de não poder alterar, salvo em casos excepcionais, essa matéria (art.º 682.º, n.º 2, do CPC). Estas vinculações implicam que não pode controlar a apreciação da prova, porque uma vinculação à matéria de facto averiguada nas instâncias e a proibição de alterar, implicam, necessariamente, a impossibilidade – e mesmo a desnecessidade – de controlar a sua apreciação. Em especial, o Supremo não pode controlar a prudência ou a imprudência da convicção das instâncias sobre a prova produzida, sempre que se trate de provas submetidas ao princípio da liberdade de apreciação, i.e., que assenta na prudente convicção que o tribunal tenha adquirido das provas produzidas (art.º 607.º, n.º 5, 1.ª parte, do CPC). Trata-se de jurisprudência absolutamente firme CPC)3.

Salvo excepções contadas, que não vêm ao caso da revista, a vinculação do Supremo à matéria de facto averiguada pelas instâncias, significa que, como regra, não pode utilizar factos que não foram considerados pela Relação e, muito menos factos, que não foram julgados provados nas instâncias, designadamente por não terem sido objecto de oportuna alegação.

Salienta-se este ponto, dado que alegação dos recorrentes contém a invocação de uma pluralidade de factos, unidos por uma característica comum: não se mostram adquiridos para o processo. Estão nestas condições, a alegação de que a recorrida ignorou todas as diligências do credor para pagamento extrajudicial da quantia exequenda objecto da acção executiva n.º 10946/21T8SNT, demonstrando total desinteresse pelo destino da fracção (conclusão e)), de que procederam ao pagamento da quantia exequenda e demais encargos inerentes à execução, no interesse da representada expurgando a penhora e consequente extinção da acção executiva (conclusão f)), que para pagamento da quantia exequenda, da responsabilidade da autora, contraíram um empréstimo e hipotecaram a fracção (conclusão g)), que o preço convencionado no contrato de compra e venda foi de cerca de € 154 000,00, acrescendo ainda o crédito que o recorrente detém sobre a autora, actualmente na ordem dos € 60 0000,00, benfeitorias realizadas pelos recorrentes na fracção (conclusão m)), que evitou que o bem fosse vendido venda judicial (conclusão v) e que pagou a quantia exequenda (conclusão w). Diferentemente, o que os factos adquiridos para o processo mostram e inculcam é que o preço convencionado no contrato de compra e venda concluído pelo recorrente com ele próprio foi de € 122 000,00, que a fracção continua gravada por uma hipoteca a favor de uma instituição bancária e por uma penhora concretizada em acção executiva que continua a correr termos e que – embora esse facto apenas surja discriminado nos fundamentos de direito do acórdão impugnado – o recorrente é credor da recorrida pelas quantias de € 34 935,82, correspondente à soma dos valores parciais que suportou com reforço do sinal, pagamento parcial e sisa, e de € 2 957,36, equivalente a metade da valorização da fracção, que à data da sentença condenatória valia no mercado € 178 000,00.

Pelas razões apontadas, os factos alegados pelos recorrentes e que excedem ou que não correspondem àqueles que as instâncias consideraram adquiridos para o processo, não podem, em caso algum, ser atendidos ou considerados na decisão da revista.

3. Fundamentos de facto.

As instâncias estabilizaram os factos materiais da causa nos termos seguintes:

3.1. Factos provados.

1. A propriedade sobre a fração autónoma designada pela letra “H” correspondente ao Piso zero D, Rés-do-chão direito, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito em Abrunheira e Linhó – Viela 1 e Alameda 1, concelho de Sintra, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Sintra sob o nº ...........06 da freguesia de Sintra (S. Pedro de Penaferrim) e inscrito na matriz predial urbana de União de freguesias de Sintra (S. Maria e S. Miguel, S. Martinho e S. Pedro de Penaferrim) mostra-se inscrita, no registo predial, em nome de BB, casado, no regime da comunhão de adquiridos, com CC, por ter sido adquirida por compra a AA (Ap. ..93 de 2021/12/03).

2. Conforme Ap. ... de 1999/03/18, constante daquele mesmo registo predial, a propriedade desta fração mostrou-se inscrita em nome de AA.

3. Sobre a fração autónoma acima descrita, foi constituída hipoteca voluntária (Ap. ...de 2007/10/31) a favor do Banco Espírito Santo, S.A e da qual se apresenta, no registo, como sujeito passivo, AA, para garantia de empréstimo: capital – 89 001, 64 euros.

4. Sobre a fração autónoma acima descrita, também se mostra constituída hipoteca voluntária (Ap. ... de 2007/10/31) a favor do Banco Espírito Santo, S.A e da qual se apresenta, no registo, como sujeito passivo, AA, para garantia de empréstimo: capital – 76 000, 00 euros.

5. Em 18 de janeiro de 2022, o ora Réu encontrava-se no interior da fração objeto dos autos; para o que a ora Autora havia sido alertada por uma vizinha.

6. O Réu intitulou-se proprietário da casa e exibiu escritura de compra e venda da fração.

7. Nesse dia 18 de janeiro de 2022, a GNR esteve no local e, à Autora, foi atribuído o estatuto de vítima.

8. A Autora e o Réu iniciaram a sua relação afetiva em março/abril de 1997, tendo começado a viver juntos, na referida fração, em setembro/outubro de 1999.

9. Após terem começado a viver juntos; e no que concerne às despesas domésticas, o ora Réu suportava mensalmente, pelo menos, a mensalidade relativa aos empréstimos contraídos para a aquisição da propriedade da fração.

10. A ora Autora outorgou, em 16 de janeiro de 2000, na Secretaria Notarial de Cascais - Cartório Notarial de Cascais – Notária EE - procuração na qual constituiu o Réu seu bastante procurador.

11. Esta Procuração foi outorgada para garantir a posição do Réu, que suportava o pagamento da mensalidade relativa aos empréstimos contraídos para a compra da fração e porque a propriedade da fração não se encontrava titulada por si; garantia, essa, designadamente, em caso de morte da Autora.

12. Consta da referida procuração, que a Autora conferiu poderes ao Réu para “em seu nome e representação, permutar, hipotecar, vender ou alienar por qualquer modo, pelo preço, termos e condições que entender inclusivamente a ele próprio (...)”, a supra mencionada fração. Ainda, nos seus termos, a mesma “(...) é irrevogável e conferida também no interesse do mandatário, podendo fazer negócio consigo mesmo, encontrando-se afastado o conflito de interesses, nos termos dos artigos 261º e 265º, nº 3, do Código Civil, não caducando por morte, interdição ou inabilitação da outorgante, nos termos dos artigos 1170º e 1175º, do mesmo Código (...)”.

13. A referida procuração foi registada em 17.01.2000 sob o nº 8 a fls 54 verso, do Livro nº 4 e arquivada sob o nº 8 no maço nº 1B de 2000 do Segundo Cartório. (Cf. Doc. 4).

14. A relação entre a Autora e o Réu terminou em novembro de 2004, tendo o Réu deixado de habitar na fração em causa.

15. A ora Autora dirigiu ao banco, as missivas escritas cujas cópias se mostram juntas aos autos a fls. 23 e 24 (verso) recebidas, respetivamente, em 18 de novembro de 2021 e 25 de novembro de 2021.

16. Em 25 de novembro de 2021, a ora Autora emitiu a “Revogação de Procuração” cuja cópia autenticada se mostra junta aos autos a fls. 26/27, com vista à revogação da Procuração acima mencionada, invocando como fundamento da revogação da procuração a justa causa nos termos do disposto nos artigos 265º, nºs 2 e 3 e 1070, nº 2, do Código Civil.

17. No dia 2 de dezembro de 2021, no Cartório Notarial de Cascais (Notário FF) o Réu celebrou a escritura de compra e venda da supra mencionada fração autónoma; outorgando em nome próprio e na qualidade de procurador em representação de AA, declarando vendê-la si mesmo pelo preço de € 122.000,00; constando da respetiva escritura pública de “Compra e venda” que se mostra arquivada “Procuração”.

18. O valor de mercado da fração autónoma objeto dos autos, em abril de 2023, era de 406 000,00 euros.

19. Da escritura acima mencionada, de 2 de dezembro de 2021, consta designadamente “Que sobre o identificado bem subsistem registadas hipotecas a favor do Novo Banco, S.A. (por transmissão de crédito) pelas Aps ... e ... de 2007/10/31 e uma penhora pela Ap. 1029 de 2021/09/06; todavia, as dívidas que lhe servem de fundamento já se encontram pagas e os documentos para o seu cancelamento encontram-se em curso.”.

20. Os empréstimos celebrados pela Autora com o Banco para aquisição da fração, garantidos pelas hipotecas constituídas para o efeito, ainda não foram integralmente liquidados.

21. E a referida penhora não se mostra cancelada, estando pendente o respetivo processo executivo a correr termos sob o nº 10946/21.7T8SNT, no Juiz 3 do Juízo de Execução de Sintra, em que é exequente o Novo Banco e executada a ora Autora.

22. Na referida escritura também é mencionado que foi exibido o documento denominado “Certificado de Desempenho Energético e de Qualidade do Ar Interior no imóvel transmitido (SCE) nº .......24”.

23. Aquando da aquisição da fração, a mesma não possuía Certificado Energético, nem a realização do mesmo foi solicitada pela Autora.

24. Logo após a separação do casal, a ora Autora continuou a habitar a casa em apreço; casa que não habitou por período superior a um ano por razões familiares, acrescendo que, no final do ano de 2021, início do ano de 2022, a ora Autora já não habitava na fração desde altura não concretamente apurada.

25. Sobre a fração autónoma objeto dos autos mostra-se inscrita, no registo predial, penhora (Ap. ..29 de 2021/09/06) pela quantia exequenda de 121 701, 00 euros, sendo Exequente o Novo Banco S.A. e Executada AA, no Processo Executivo nº 10946/21.7 T8SNT, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste – Sintra – Juízo de Execução – Juiz 3.

3.2. Factos não provados.

1. O preço declarado de aquisição da fração pela Autora foi, em 5/2/1999, de € 156.602,58.

2. As prestações para liquidação dos aludidos empréstimos eram e são suportadas pela Autora.

3. A supra referida Procuração foi outorgada para garantir a posição do Réu apenas em caso de morte da ora Autora.

4. Esta Procuração tinha como motivo subjacente a relação que unia Autora e Ré e justificava-se apenas enquanto essa relação durasse.

5. No dia 17 de novembro de 2021, a Autora foi contactada pela Diretora do Balcão de Cascais do Banco Novo Banco, Sra. GG, que lhe comunicou da apresentação, naquele Balcão, de um documento para liquidação de empréstimos que alegadamente a Autora, juntamente com o seu antigo companheiro, o ora Réu, teriam apresentado.

6. O documento com cópia junta aos autos a fls. 24, em que se solicita “o distrate e a respetiva declaração de dívida, bem como a liquidação dos empréstimos nº ........35 e nº ........49, da conta nº ............70, pertencente a AA (...)” apresenta a assinatura da Autora falsificada.

7. O acima referido Certificado de Desempenho Energético e de Qualidade do Ar Interior no imóvel transmitido (SCE) nº .......24 é falso ou foi obtido com o acesso ilegal, ao imóvel do Réu e do respetivo técnico.

8. O Réu ou os Réus usam, apropriaram-se ou negam-se a restituir à Autora os bens móveis e os veículos automóveis que se encontravam na fração autónoma objeto dos autos, com inclusão da respetiva garagem.

9. A conduta agressiva do Réu e a situação criada pelo mesmo, tem estado a causar uma forte perturbação na Autora que tem receio de se deslocar ao local e das possíveis reações do Réu com a apresentação das queixas-crime e da presente ação judicial.

3.2. Fundamentos de direito.

Na nossa lei civil fundamental a representação voluntária é dominada pela procuração. Esta tem, na linguagem jurídica corrente, um duplo sentido: traduz o acto pelo qual se confiram, a alguém, poderes representação – e, em simultâneo, exprime o documento em que tal negócio tenha sido exarado (art.º 262.º do Código Civil). Enquanto acto, a procuração é um negócio jurídico unilateral: reclama apenas um única declaração de vontade, não sendo necessária qualquer aceitação para que produza os seus efeitos: caso não queria ser procurador, o beneficiário terá de renunciar á procuração (art.º 265.º n.º 1, do Código Civil). A procuração, enquanto negócio jurídico, está, naturalmente, submetida aos respectivos preceitos gerais.

O Código Civil actual cindiu a procuração do mandato: a primeira promove a concessão de poderes de representação; o segundo dá lugar a uma prestação de serviço (art.º 1157.º daquele diploma legal). Contudo, a lei pressupõe a existência sob a procuração de uma relação entre o representante e o representado, de um negócio-base, em cujos termos os poderes e deveres dela emergente devem ser exercidos (art.º 265.º, n.º 1, do Código Civil). Por isso se diz que a procuração é um negócio jurídico incompleto, com o que se quer significar que, em princípio, se encontra integrada num negócio global, não operando de modo independente, antes funcionando em conjunto com uma relação jurídica que lhe está subjacente4. Normalmente, esse negócio-base é um contrato de mandato5. A procuração e o mandato ficam, assim, numa específica situação de união. De resto, é a própria lei a mandar aplicar ao mandato regras próprias da procuração (art.ºs 1179.º e 1179.º do Código Civil).

Regra geral, a representação só pode ser entendida em conexão com a relação subjacente, com a posição ou a situação jurídica ao serviço ou para execução da qual foram concedidos os poderes representativos: a relação subjacente ou fundamental constitui, deste modo, a causa jurídica da representação, dado que, de um aspecto, fundamenta e justifica o regime da representação e, de outro, indica o critério orientador ou reitor do exercício dos poderes representativos. Na representação voluntária é na relação subjacente, seja ela qual for, que devem ser encontrados os critérios de actuação do representante e é também o conteúdo concreto dessa relação que permitirá aferir se houve abuso no exercício representativo. A simples consideração da representação sem o contributo da relação subjacente é insuficiente para decidir se houve ou não abuso de representação. Dito doutro modo: no regime civil da procuração, a eficácia do acto celebrado em representação de outrem – o constituinte – não é reconhecida apenas com fundamento no poder de representação: para além da titularidade pelo procurador do poder de representação é ainda exigível que aquele actue de acordo com a relação subjacente. O facto legitimador da representação consiste no binómio que resulta da titularidade de um poder de representação e da titularidade de uma posição numa outra relação jurídica da qual resulte a modelação do exercício daquele poder, dado que só em tal caso, haverá legitimidade para praticar o acto em representação. Assim, se se for titular de um poder de representação, mas a actuação do representante não for conforme com a relação subjacente, a esfera jurídica do representado é imune ao acto praticado pelo representante: por falta de legitimidade deste, aquele acto é ineficaz – inoponível – ao representado (art.º 268.º, ex-vi art.º 269.º do Código Civil).6 A concretização do abuso de representação – que se verifica quando o representante dispõe efectivamente de poderes representativos mas os utiliza de modo incorrecto – reclama a determinação dos critérios do uso devido e correcto daqueles poderes, pelo que é necessário recorrer à relação subjacente, dado que é nela que radicam os interesses reguladores da actuação representativa ou é ela que permite concluir se a representação deve ser exercida no interesse do representante ou do representado – ou de ambos e qual é o critério de harmonização desses interesses. O abuso de representação consiste, deste modo, no exercício da função representativa dentro dos limites formais dos poderes representativos – mas de modo substancial ou materialmente contrário aos fins da concessão dos poderes representativos ou às indicações do representado, constantes da relação subjacente7.

É doutrinariamente controverso se o abuso de representação depende da consciência da lesão dos interesses do representado8. Este Tribunal Supremo tem, porém, decidido, por um lado, que o abuso de representação é uma concretização do abuso do direito e, por outro, que no abuso de representação é indispensável, para além da existência de poderes de representação, que o representante tenha conscientemente excedido ou extravasado os seus poderes9. Mas este Supremo Tribunal tem também considerado que para além da relação subjacente à procuração, o exercício dos poderes representativos tem ainda como guia o dever – geral – de boa fé e que vale aqui, com as devidas adaptações, o que prescreve o n.º 2 do art.º 762.º do Código Civil sobre o cumprimento da obrigação e o exercício, ou seja, no exercício dos poderes representativos o procurador deve proceder de boa fé para com o representado10. Orientação jurisprudencial que mostra, concludentemente, que no exercício dos poderes de representação voluntária, a intervenção correctora da boa fé objectiva e, por via dela, da proibição do abuso do direito, se não esgota no abuso de representação e que a ineficácia – inoponibilidade – relativamente ao representado, da situação jurídica resultante do exercício incorrecto dos poderes de representação voluntária pode decorrer da intervenção das regras gerais relativas à boa fé e à proibição de condutas abusiva e não apenas do abuso de representação.

Em todo o caso, julga-se seguro que o representante que, no exercício dos poderes de representação, age em desconformidade com as indicações, que conhece, constantes da relação subjacente à emissão da procuração, e que constitui a causa jurídica próxima daquele acto jurídico unilateral, tem necessariamente também conhecimento de que actua em contravenção ou violação daquelas indicações, e, portanto, tem inteira percepção ou consciência de que a sua conduta é aberta e materialmente contrária à finalidade da concessão dos poderes representativos e às indicações do representado, tal como surgem definidas na relação subjacente e que explicam e justificam a sua investidura nos poderes representativos.

Como os recorrentes reconhecem na sua alegação, a procuração visava salvaguardar os direitos – do recorrente – nomeadamente patrimoniais decorrentes do dinheiro que havia investido na aquisição da fracção autónoma.

O representante que sabe quais os fins e as condições a que, na relação subjacente à emissão da procuração, se subordinou o exercício dos poderes que, através, lhe foram conferidos pelo constituinte, mas que os utiliza, deliberadamente, de modo nítida e objectivamente desconforme ou divergente com aquela finalidade e estas condições e com inteira desconsideração dos interesses do representado, não pode deixar de discernir que excede ou extravasa, ilicitamente, os poderes representativos em que foi voluntariamente investido e que, com esse comportamento, lesa os interesses do constituinte para prossecução dos quais a procuração foi também emitida.

O contrato consigo mesmo é um instituto relevante para a regulação de conflitos de interesses gerados por efeito de poderes de representação. Na formação do contrato consigo mesmo, intervém uma só pessoa que age, simultaneamente, na qualidade de parte e na qualidade de representante da outra parte ou na qualidade de representante de todas as partes, sendo indiferente, para o efeito, que os poderes de representação emirjam de representação voluntária, legal ou orgânica. Apesar de haver um só declarante, continua a haver tantas declarações quanto as partes no contrato.

O contrato consigo mesmo suscita naturais desconfianças pelo perigo de confusão ou de conflito de interesses que envolve, já que o declarante, porque intervém numa pluralidade de qualidades pode ser tentado a fazer prevalecer o seu interesse pessoal em detrimento do interesse do representado. Sendo o contrato consigo próprio, por esta razão, objectivamente perigoso, mesmo quando o representado tenha especificadamente consentido na sua celebração, expondo-se ou assumindo o risco da infidelidade do representante e a traição por este da confiança ou da fidúcia em que assenta aquele consentimento, é compreensível que a boa fé, enquanto critério de actuação eticamente ordenada, seja chamada a desempenhar também aqui um papel decisivo.

Na sua imagem tradicional, o contrato representa um negócio cujo conteúdo, sendo precedida de uma discussão e negociação entre as partes, pressupostamente iguais, é livremente determinado por estas ou por uma delas com o consentimento da outra. Mas mesmo concluído nestas condições, o contrato – qualquer contrato - não é imune aos princípios gerais de controlo que decorrem da ponderação dos valores fundamentais do direito em face da situação considerada, dados pela ordem pública e pelos bons costumes e pelo mandamento da boa fé ou pelo fim social ou económico do direito (art.ºs 280.º, n.º 2, e 334.º do Código Civil)11. Note-se, porém, que a maior ou menor dureza ou onerosidade de um contrato para uma das partes não é sinónimo de violação de qualquer daqueles parâmetros de controlo: qualquer contrato pode ser mais ou menos oneroso ou mais ou menos lucrativo para uma das partes, consequência que, em princípio, o direito abandona à lógica do comércio jurídico-económico privado, portanto, à liberdade e responsabilidade de actuação jurígena das partes (art.º 406.º, n.º 1, do Código Civil). Diz-se em princípio, dado que há que contar com a relevância com o chamado princípio do equilíbrio contratual ou negocial12.

O ordenamento jurídico português não é, realmente, indiferente ao pensamento do equilíbrio contratual, que corresponde a um afloramento do princípio da proporcionalidade no Direito dos Contratos, constituindo um dos parâmetros de aferição da congruidade das prestações, expresso, designadamente, na equação económica considerada pelas partes no momento da conclusão do contrato, que exige a razoabilidade do vínculo obrigacional e a necessidade de uma certa correspondência entre as vantagens e desvantagens que daquele emergem. A juridicidade deste parâmetro pode fundamentar-se também na cláusula geral de ordem pública, pelo que o princípio do equilíbrio negocial constitui um plus relativamente a outras dimensões do controlo do exercício da autonomia privada, a par da lei injuntiva, da boa fé e dos bons costumes (art.º 280.º. n.º 2, do Código Civil)13. Convém, no entanto, ter presente que equilíbrio contratual não é sinónimo de valor igual ou aproximado das prestações que emergem do contrato, sendo, restritamente, um limite ao exercício da autonomia privada, assumindo, como tal, um carácter excepcional, que, enquanto critério de decisão, se concretiza nos parâmetros, quantitativos e qualitativos seguintes: em primeiro lugar, reclama uma assimetria manifesta das prestações contratuais – parâmetro quantitativo; em segundo lugar, exige que essa assimetria prestacional deve ser destituída de um fundamento material bastante, á luz do contrato ou da operação negocial e do Direito (parâmetro qualitativo); em terceiro lugar, a sindicância sobre o carácter injusto da regulação contratual só se justifica, em geral, no tocante a contratos patrimoniais onerosos e comutativos, e que, em regra, instituam, uma relação temporalmente continuada; em último lugar, a legitimidade activa para a invocação do (des)equílibrio contratual – genético ou funcional - só deve reconhecer-se, evidentemente, ao contraente afectado por ele.

Em qualquer caso, seguro é que no tocante ao auto-contrato ou contrato consigo próprio, há sempre que convocar, até por maioria da razão, considerando os perigos de lesão dos interesses do contraente representado que lhe são conaturais, o princípio regulativo da boa fé, como norma de controlo, designadamente, do conteúdo contrato, sempre que o comportamento do representante, na conformação desse conteúdo, conflitue com as exigências de conduta de uma contraparte leal, correcta e honesta, o mesmo é dizer, com os ditames da boa-fé em sentido objectivo (art.º 762.º, n.º 2, do Código Civil).

A consideração do princípio da boa fé – ou a transposição para o domínio contratual do princípio neminem laedere – impõe que ambas as partes se conduzam, nos vários momentos do trato negocial, orientadas por uma ideia de colaboração leal e de sensibilidade ou atenção aos interesses da contraparte, sendo certo que os deveres acessórios não necessitam de estipulação expressa ou sequer de decorrer directamente do conteúdo contratual, dado que emergem, designadamente da cláusula geral da boa fé e destinam-se a garantir a justiça contratual e a assegurar certos conteúdos éticos de que a ordem jurídica não pode prescindir. Os deveres acessórios de conduta são, assim, avoluntarístiscos, no sentido de que a boa fé em sentido objectivo actuará independentemente do programa contratual estabelecido pelos contraentes, assumindo uma função integrativa ou ordenadora do seu comportamento: porque decorrem do princípio regulativo estruturante da boa fé, os deveres acessórios de conduta não carecem de se fundar na regulação contratual acordada, podendo transcendê-la, sendo autónomos, face ao conteúdo do contrato, sem prejuízo da sua integração no seu perímetro, dada a relação de especial pertinência no tocante ao seu fim. E a violação do princípio da boa fé implica, naturalmente, o abuso do direito e, consequentemente, a ilegitimidade – que aqui é sinónimo de antijuricidade ou ilicitude – do seu exercício (art.º 334.º do Código Civil).

O abuso do direito, exprimindo um nível último e irrecusável de funcionalização dos direitos á realização dos interesses que justificam o seu reconhecimento, é um instituto de carácter poliédrico e multifacetado como logo se depreende a partir da tipologia dos actos abusivos que se incluem na categoria e com os quais se procura densificar a indeterminação do conceito correspondente.

Assim, são reconduzidos ao abuso do direito, por exemplo, o venire contra factum proprium, quer dizer, a proibição do comportamento contraditório; a supressio (supressão)14, ou seja, a neutralização de um direito que durante muito tempo se não exerceu, tendo-se criado, pela própria conduta, uma expectativa legítima de que não iria ser exercido, e a surrectio, i.e., o surgimento de um direito por força de um comportamento contraditório qualificado pelo decurso do tempo, o desequilíbrio no exercício de posições jurídicas, v.g., por desproporcionalidade entre a vantagem auferida pelo titular do direito e o sacrifício imposto por esse exercício a outrem15.

É natural, por isso, que a concreta consequência jurídica que se deve assinalar ao abuso, varie em função do específico acto abusivo e do respectivo contexto. Assim, por exemplo, o principal efeito do venire contra factum proprium será o da inibição do exercício de poderes jurídicos ou direitos, em contradição com o comportamento anterior. Contudo esse efeito poderá, perfeitamente consistir num dever de indemnizar ou na nulidade, anulabilidade ou inoponibilidade de um acto, no alargamento de um prazo de caducidade ou de prescrição16 ou na ineficácia em sentido estrito daquele acto17, ineficácia que se verifica quando um acto existente e válido não deva produzir imediatamente – ineficácia originária – ou deva deixar de produzir – ineficácia subsequente – a totalidade ou parte dos seus efeitos, por força do exercício abusivo do direito, em resultado da violação da boa-fé, ineficácia que sendo limitada a dado sujeito se diz inoponibilidade.

Se voltarmos os olhos para o caso da revista, é incontroverso, por um lado, que a recorrida conferiu ao recorrente, através da procuração, voluntariamente, poderes representativos e que essa procuração, por ter sido concluída também no interesse do recorrente, é irrevogável.

A lei admite aquilo a que chamou de negócio consigo mesmo, o negócio celebrado pelo representante como único agente, se o representado consentiu especificamente na celebração desse negócio (art.º 261.º, n.º 1. do Código Civil). O consentimento do representado na celebração pelo representante de negócio consigo mesmo é, nitidamente, um caso em que a procuração é também no interesse do representante. Portanto, na espécie sujeita, pode ter-se por certo que a procuração foi emitida no interesse do procurador – o recorrente - e, por isso, que se tem por irrevogável (art.º 265.º, n.º 3, do Código Civil). Todavia, à luz do nosso direito, o representado conserva sempre a disponibilidade para, pessoalmente, dispor dos objectos ou praticar ele mesmo os actos a que se refere a procuração irrevogável. A única diferença entre uma procuração no interesse exclusivo do representado e outra, também, no interesse do procurador – ou de terceiro – resume-se a isto: a circunstância de a primeira ser livremente revogável enquanto a segunda é irrevogável, se se mantiver a relação subjacente. Não há, porém, qualquer modificação ou alteração da natureza ou configuração do poder de representação, o qual se limita sempre, e só, a proporcionar a produção de efeitos directos na esfera do representado, ao negócio celebrado pelo procurator. De outro aspecto, ainda que se deva admitir18, na nossa ordem jurídica, a procuração no exclusivo interesse do procurador – conclusão que é mais que controversa – dela não resulta, em caso algum, que o procurador seja lícito agir com desconsideração dos interesses do constituinte presentes no caso. Essa desconsideração é impedida, em absoluto, pelo princípio injuntivo regulativo e estruturante da boa fé e pela proibição do abuso do direito.

De harmonia com a relação jurídica subjacente à conclusão do negócio jurídico unilateral em que a procuração se resolve, a concessão, pela recorrida, de poderes para a representar designadamente na venda ao procurador, ele mesmo, da fracção, pelo preço e condições que entendesse, teve por finalidade conspícua, como se lê, concludentemente, na matéria de facto adquirida para o processo, garantir a posição do Réu, que suportava o pagamento da mensalidade relativa aos empréstimos contraídos para a compra da fração e porque a propriedade da fração não se encontrava titulada por si; garantia, essa, designadamente, em caso de morte da Autora. Patentemente, a finalidade última da atribuição de poderes de representação ao recorrente foi a constituição, a favor deste, de uma garantia atípica, meramente obrigacional, e não real, considerando que por força do princípio da tipicidade ou do numerus clausus dos direitos reais, as partes não podem criar direitos reais, designadamente de garantia, diferentes daqueles que a lei prevê. Garantia atípica que foi constituída, não para assegurar todo e qualquer direito de crédito do recorrente – mas apenas dos créditos resultantes do pagamento das prestações – mensalidades – relativas aos empréstimos contraídos pela recorrida para compra da fracção reivindicada ou, na hipótese mais benigna – como observa o acórdão impugnado – os encargos suportados pelo recorrente atinentes ao contratos de mútuo em causa.

Simplesmente, como o acórdão contestado salienta, aquela fracção foi adquirida em 1999 pelo valor declarado de € 156.602,58, o valor da venda feita pelo réu foi de € 122.000 (venda em 2.12.2021) e, em abril de 2023, o valor de mercado da fracção era de € 406.000 (facto 18), pelo que, conjugando esta factualidade e fazendo um raciocínio conservador por defeito, somos levados a concluir que o réu efetuou a venda da fração por menos de metade do seu valor real de mercado, sendo certo que os encargos suportados pelo recorrente atinentes ao mútuo – de harmonia com o mesmo acórdão – se resumem às quantias de € 34 935,82 e € 2 597,36.

Mal vale a pena perder uma palavra para explicar que apesar de encontrar legitimado para, representativamente, vender a si mesmo a fracção, o conteúdo que imprimiu, em concreto, ao contrato de compra e venda e às prestações que o caracterizam, é ostensivamente ofensivo da boa fé, dado que maximizou os seus interesses em detrimento severo ou manifesto dos interesses da recorrente, convencionando um preço da venda equivalente a menos de metade do valor de mercado ou real do bem objecto mediato do contrato, apropriando-se, para satisfazer um crédito no valor de € 37 533,13, de um bem com o valor venal de € 406 000,00. Ainda que se deva abater a esse valor o crédito objecto de satisfação coactiva na acção executiva, a conduta do recorrente viola exasperadamente a boa fé, pela desconsideração evidente dos interesses da recorrida, patente, além do mais no desequilíbrio das prestações, chocante ou escandalosamente assimétricas, e no enriquecimento injustificado do recorrente que necessariamente dela decorre. Em poucas palavras: para se satisfazer do seu crédito no valor de € 37 533,13, o recorrente faz seu, através do contrato de compra e venda que concluiu consigo mesmo, pelo preço de € 122 000,00, um bem no valor de - € 406 000,00. Face à desproporção ou desequilíbrio das prestações – e, portanto, de injustiça – evidente e grave, a boa fé jurídica material, na dimensão em que compreende o sub-princípio da proporcionalidade, não poderia, em caso algum, transigir com uma tal conduta do recorrente.

E sendo a conduta do recorrente, no exercício dos poderes de representação que com a procuração a recorrida voluntariamente lhe conferiu, maxime na conformação concreta do contrato de compra e venda, objectivamente ofensiva da boa fé e, consequentemente, objectivamente violadora do princípio da proibição do abuso do direito, é adequado – ainda que, contra o que se disse, se devesse concluir que o recorrente não atuou, conscientemente, em contrário do que se estabeleceu na relação que subjazeu à emissão da procuração - associar à violação daquele proibição, o valor jurídico negativo da ineficácia, rectius, da inoponibilidade à recorrida do efeito real do contrato de compra e venda concluído, com ele próprio, pelo recorrente (art.ºs 408.º, n.º 1, e 879, a), do Código Civil). Inoponibilidade que determina, por um lado, a permanência do direito real de propriedade sobre a fracção na esfera jurídico-patrimonial da recorrida e, por outro, torna ilícita, quer a sua detenção pelos recorrentes quer a sua recusa em entregá-la à primeira (art.º 1311.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil).

O recurso não dispõe, pois, de bom fundamento. Face à falta de bondade da revista, a sua improcedência constitui um corolário que não pode ser recusado.

Da trajectória argumentativa percorrida, extrai-se, pela sua saliência, a proposição conclusiva seguinte:

- A intervenção correctora da boa fé objectiva e, por via dela, da proibição do abuso do direito, no exercício de poderes representativos voluntários, não se esgota no abuso de representação, pelo que a ineficácia – inoponibilidade – relativamente ao representado, da situação jurídica resultante do exercício daqueles poderes representativos – a conclusão pelo representante de contrato consigo mesmo - pode decorrer da aplicação das regras gerais relativas à boa fé e à proibição de condutas abusivas.

Os recorrentes sucumbem no recurso. Essa sucumbência responsabiliza-os, objectivamente, pela satisfação das respectivas custas (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).

4. Decisão.

Pelos fundamentos expostos:

1. Determina-se o desentranhamento e a restituição aos recorrentes, BB e CC, dos documentos que ofereceram com a sua alegação da revista e condena-se estes na pena processual de multa única de 1 UC;

2. Nega-se a revista.

Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 2025.10.28

Henrique Antunes (Relator)

Isoleta Costa

Maria Clara Sottomayor

_________________________

1. João de Castro Mendes/Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, Vol. II, AAFDL, 2022, pág. 134.

2. Acs. do STJ de 23.06.2023 (322/20), 28.03.2023 (729/19), 14.10.2021 (115/19) e de 30.06.2020 (908/19).

3. Acs. do STJ de 07.03.2023 (995/20), 28.09.2015 (852/12), 04.04.2017 (5371/15) e o AUJ n.º 11/2015 (DR n.º 183/2015, Série I, de 18.09.2015); Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7.ª edição, Almedina, Coimbra, 2022, págs. 497 a 499 e 507 e 508.

4. Oliveira Ascensão, Direito Civil, Teoria Geral Volume II, Acções e Factos Jurídicos, Coimbra, 1999, pág. 273.

5. Diz-se, normalmente, dado que a relação que está subjacente à representação é muitas vezes outra que não o mandato, podendo, por exemplo, ser constituída pelo contrato de trabalho, de agência, de sociedade, etc.; Ferrer Correia, “A procuração na teoria da representação voluntária”, in Estudos de Direito Civil, Comercial e Criminal, Livraria Almedina, Coimbra, 1985, pág. 5, e Pedro Leitão Pais de Vasconcelos, A Procuração Irrevogável, Almedina, Coimbra, 2002, págs. 66 a 74.

6. Pedro Pais de Vasconcelos, A Autorização, Coimbra Editora, pág.298.

7. Acs. do STJ de 15.09.2022 (573/15) e de 23.10.2024 (5567/06).

8. Em sentidos diferentes, Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 5.ª edição, Almedina, 2008, pág.339, Helena Mota, Do Abuso de Representação, Coimbra Editora, 2001, págs. 144 e 145, e Heinrich Ewald Hörster, A Parte Geral do Código Civil Português – Teoria Geral do Direito Civil, Almedina, 1992, págs. 488 e 489, Pires de Lima/ Antunes Varela anotação ao art. 269.º, Código civil anotado, vol. I, cit., págs. 249-250 — exigindo que o representante tenha abusado conscientemente dos seus poderes representativos — e Raul Guichard/ Catarina Brandão Proença/Ana Teresa Ribeiro, anotação ao art. 269.º, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, 2.ª edição revista e actualizada, UCP, pág. 803, não exigindo que o representante tenha abusado conscientemente dos seus poderes, com o argumento de que “não se vê que, do ponto de vista da ponderação dos interesses em jogo, isso faça diferença”.

9. Acs. do STJ de 03.06.2025 (32/23) e 15.09.2022 (573/15).

10. Acs. do STJ de 03.06.2025 (32/23) e 06.07.2013 (20954/15).

11. Assim, no tocante às cláusulas da ordem pública e dos bons costumes, Pedro Pais de Vasconcelos, Ordem Pública, Bons Costumes e Validade, in, A Revista, STJ, n.º 2, 2022, págs. 15 e ss.

12. Rui Pinto Duarte, “O equilíbrio contratual como princípio jurídico”, in Estudos em memória do Conselheiro Artur Maurício, Coimbra, 2014, págs. 1331 e ss., Marta Martins da Costa, “Sobre o princípio contratual do equilíbrio negocial no Direito Português, in Cadernos de Direito Privado, Abril-Junho 2023, págs. 32 e ss., Ana Filipa Morais Antunes, “A força maior e o (des)equilíbrio contratual”, in Catolica Talks, Direito e Pandemia, coord. Elsa Vaz Sequeira, UCE, Lisboa, 2022, págs. 9 e ss.

13. Elsa Vaz Sequeira, Equilíbrio Negocial, UCE, Lisboa, 2024, págs. 93 e ss.

14. Cfr. v.g., o Ac. da RE de 26.11.87, CJ, XII, V, pág. 268 e de 23.1.86, CJ, XI, I, pág. 231 e do STJ de 3.5.90, BMJ nº 397, pág. 454 e de 11.3.99, www.dgsi.pt.

15. António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo IV, Almedina, Coimbra, 2005págs. 250 a 265, e Da Boa Fé no Direito Civil, vol. II, Coimbra, 1984, § 30, págs. 797 e ss.

16. Paulo Mota Pinto, Sobre a proibição do comportamento contraditório (venire contra factum proprium) no Direito Civil, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, volume comemorativo, Coimbra, 2003, pág. 305 e António Menezes Cordeiro, Da Boa Fé, cit., págs. 828 a 836, Vaz Serra, Abuso do Direito (em Matéria de Responsabilidade Civil), BMJ nº 85, pág. 262, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4ª edição, Coimbra, 1987, pág. 299 e Ac. do STJ de 16.03.80, RLJ, Ano 114, pág. 76. Mas é claro que o acto abusivo pode ainda dar lugar, à nulidade, à anulabilidade, a inoponibilidade, ao alargamento de um prazo de caducidade ou de prescrição, etc. Cfr. Vaz Serra, RLJ, Ano 107, pág. 25.

17. Carlos Ferreira de Almeida, Invalidade, Inexistência e Ineficácia, Católica Law Review, Vol. I\n.º 2\maio 201, pág. 26.

18. Em sentido afirmativo, Pedro Leitão Pais de Vasconcelos, A Procuração Irrevogável, cit., págs. 94 a 97; contra – doutrina que se tem por exacta - Pedro de Albuquerque, A Representação Voluntária em Direito Civil (Ensaio de Reconstrução Dogmática), Almedina Coimbra, 2004, págs. 983 e 984.