IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
INDICAÇÃO EXACTA DAS PASSAGENS DA GRAVAÇÃO
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
DIREITO À REMUNERAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
DA INCLUSÃO DO IVA
JUROS DE MORA
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ EM SEDE DE RECURSO
Sumário


I - Não integra o excesso de pronúncia a circunstância de o tribunal ter considerado factos essenciais que não podia considerar por não terem sido alegados.
II - Tal patologia traduz-se numa violação do disposto no corpo do n.º 2 do art.º 5º do CPC - o tribunal apenas pode considerar os factos articulados pelas partes - e, portanto, num erro de julgamento da decisão de facto que, caso ocorra, tem como consequência considerar-se não escrito o facto considerado provado e que, por estar em causa uma pura e simples aplicação da lei processual, é de conhecimento oficioso.
III - A indicação com exatidão das passagens da gravação, prevista na alínea a) do n.º 2 do art.º 640º do CPC, não é pressuposto da utilização da extensão do prazo a que alude o art.º 638º n.º 7 do CPC.
IV – Sempre se teria de considerar que o cumprimento da exigência contida na alínea a) do n.º 2 do art.º 640º deve ser vista à luz do princípio da proporcionalidade, e em função disso, tendo os recorrentes indicado os depoimentos gravados em que sustentam a impugnação e os minutos da gravação de tais depoimentos em que se situam as passagens que pretendem invocar, sempre se imporia considerar cumprida aquela exigência.
V – Contendo a fundamentação de facto enunciados valorativos ou conclusivos, devem os mesmos ser considerados não escritos por aplicação do disposto no n.º 4 do art.º 607º do CPC.
VI - Uma vez que está vedado ao tribunal ad quem a prática de actos inúteis, não há lugar à reapreciação da decisão de facto se os factos objecto da impugnação, mesmo que demonstrados, atentas as circunstâncias do caso e as várias soluções plausíveis de direito, são insusceptíveis de alterar a decisão de mérito.
VII – Pode definir-se o contrato de mediação imobiliária como aquele em que uma empresa de mediação imobiliária (o mediador) assume perante outrem (o cliente), a incumbência, mediante uma remuneração, de procurar interessados na realização (com o cliente) de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posições em contratos que tenham por objecto bens imóveis.
VIII - Quer a doutrina, quer a jurisprudência têm considerado que para a mediadora ter direito à remuneração não basta a conclusão e perfeição do negócio visado com a mediação, mais sendo necessária a existência de um “nexo causal” entre a actividade daquela e a celebração do negócio visado pela mediação, ou seja, que, embora não sendo a única causa do resultado produzido, se integre de forma idoneamente determinante na cadeia dos factos que deram lugar ao negócio.
IX - Tendo o imóvel e os seus proprietários, clientes da mediadora, sido apresentados àqueles a quem o mesmo veio a ser vendido, impõe-se concluir que a actividade da A. foi decisiva, foi determinante, para tal venda.
X - O direito à remuneração não é afastado:
a) no caso de ter lugar uma quebra aparente desse mesmo nexo, por via de actos alheios ao mediador, como é a resolução do contrato-promessa celebrado entre os clientes do mediador e as pessoas por si angariados e com veio a ser celebrado o negócio visado com a mediação;
b) quando ocorra um desfasamento temporal entre a vigência do contrato de mediação e a conclusão do contrato visado pela mediação, sendo a actuação da mediadora determinante para a sua celebração.
XI – Tendo ficado estipulado no contrato que a remuneração incluía o IVA, a mediadora apenas tem direito a receber a remuneração estipulada.
XII – O n.º 3 do art.º 805º do CC só se aplica quando o crédito for ilíquido, o que não sucede se no contrato está estipulada uma remuneração fixa.
XIII – Tendo em consideração que a ordem jurídica põe a tutela jurisdicional à disposição de todos os titulares de direitos, sendo indiferente que, no caso concreto, o litigante tenha ou não razão, a condenação de uma parte como litigante de má fé exige segurança e certeza quanto à verificação dos seus pressupostos objectivos e subjectivos.
XIV – Tal não ocorre quando, como sucede nos autos, a questão essencial - a relação de causalidade que deve intercorrer entre a actividade desenvolvida pelo mediador e a conclusão do negócio - é um dos temas mais melindrosos e que mais dificuldades suscita na sua verificação em concreto.

Texto Integral


ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

1. Relatório

EMP01... – Mediação Imobiliária, Lda. intentou acção declarativa de condenação com processo comum contra AA e BB pedindo:
a) Sejam os RR. condenados a pagar à A. a quantia de € 18.450,00, acrescida de juros legais contados da data da interpelação, até efetivo e integral pagamento, custas e procuradoria.
b) Caso não proceda o pedido anterior, sejam os RR. condenados a pagar à A.  a remuneração acordada por actuarem em abuso de direito.
c) Caso ainda assim não se entenda, sejam os RR. condenados a pagar à A. os 50% devidos com a outorga do contrato promessa de compra e venda.

Alegou para tanto, e em síntese, que exerce a actividade de mediação imobiliária; no âmbito da mesma celebrou com os RR. um contrato de mediação imobiliária (que junta e dá integralmente por reproduzido), o qual visava conseguir um interessado na compra do imóvel dos RR., que identifica, pelo preço de € 215.000,00; o referido contrato foi celebrado em regime de não exclusividade, sendo que a sua remuneração era de € 15.000,00, acrescida de IVA à taxa legal em vigor e só seria devida se a mediadora conseguisse interessado que concretizasse o negócio visado pelo contrato; a A. conseguiu interessados na aquisição, que identifica, pelo valor de € 205.000,00, que os RR. aceitaram; foi celebrado contrato-promessa, nos termos do qual a escritura devia ser outorgada no prazo máximo de 180 dias, ou seja, até 17/12/2021; a 07/01/2022 os RR. comunicaram à A. e aos promitentes-compradores que, não tendo a escritura sido realizada no citado prazo, resolviam o contrato promessa; após a referida comunicação, nem os promitentes-compradores, nem os promitentes-vendedores contactaram a A.; a A. veio a verificar que o imóvel dos RR. havia sido vendido aos interessados por si angariados pelo valor de € 200.000,00, pelo que os RR. estão obrigados a pagar à A. a sua remuneração, no valor de € 15.000,00, acrescida de IVA à taxa legal, o que perfaz € 18.450,00; ainda que assim não se entendesse, sempre seria devido, com a celebração do contrato-promessa, 50% do valor da remuneração acordada; sempre deverão os RR. ser condenados no pagamento da totalidade da remuneração acordada porque a sua conduta de denunciar o contrato para, posteriormente, outorgar a  escritura de compra e venda com os proponentes angariados é abusiva e violadora do princípio da boa fé contratual.

Os RR., citados, contestaram, alegando, em síntese, que o cheque entregue pelos promitentes-compradores para titular o sinal nunca lhes foi entregue, tendo o mesmo ficado na posse da A.; os promitentes-compradores comunicaram-lhes que não marcaram a escritura e era escusado marcarem-na porque, devido à falta de verba, estavam impossibilitados de cumprir, tendo-se tornado incontactáveis; face às referidas afirmações os RR. resolveram o contrato-promessa, resolução que não colocada em causa;  embora a A. tenha ficado de entregar o cheque aos RR., não o fez, ainda que lho tenham requerido; no decurso do prazo para a celebração da escritura surgiu um outro interessado que se prontificava a fazer de imediato a compra do imóvel dos RR., o que estes não puderam fazer por estarem vinculados pelo contrato-promessa; os RR. denunciaram o contrato de mediação; ... de seis meses depois o R. marido foi abordado pelo promitente-comprador que lhe manifestou o propósito de comprar o imóvel, se entretanto este não tivesse sido vendido; após negociações, que incluíram a atribuição de uma indemnização aos RR. pelo incumprimento do contrato que havia sido celebrado e depois resolvido, os mesmos acederam a vender o imóvel àquele e à esposa, o que concretizaram na data que indicam pelo valor de € 200.000,00; neste negócio a A. não teve qualquer intervenção; não é pelo facto de os compradores terem sido os que originariamente a A. providenciara que confere a esta o direito ao recebimento de uma comissão; o negócio que foi mediado pela A. frustrou-se, tendo culminado na resolução do contrato-promessa providenciado por ela; a actuação da A. não foi determinante para a outorga do contrato de compra e venda; ainda que se entendesse que a A. teria direito a uma remuneração, a mesma não podia ser a peticionada por se basear num contrato de mediação que foi denunciado, mas sim e unicamente a correspondente a uma comissão entre 3% e 5%, que é a habitual na mediação imobiliária.

A A. veio pronunciar-se quanto à matéria de alegada excepção inominada invocada pelos RR. – a denúncia do contrato de mediação –, dizendo que não foi cumprida a antecedência prevista no referido contrato para o efeito, estando, portanto, o mesmo em vigor; e ainda que o contrato de mediação tivesse cessado, sempre seria devido 50% do valor da remuneração com a celebração do contrato-promessa.

Os RR. vieram dizer que a A. pretendia deduzir um pedido subsidiário, não dando o seu acordo à alteração do pedido; e pronunciaram-se quanto ao mais invocado na “resposta”.

Foi proferido despacho saneador que fixou o valor da causa em € 18.450,00, dispensou a realização da audiência prévia, julgou verificados tabularmente os pressupostos processuais, consignou o objecto do litígio e os temas da prova e pronunciou-se quanto às provas.
    
Realizou-se o julgamento e foi proferida sentença, cujo decisório tem o seguinte teor:
 Em face do exposto, o Tribunal decide julgar a presente ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência:
a) Condenar os réus AA e BB a pagar à autora EMP01... – MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA. a quantia de 10.000,00€ (dez mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa comercial, contados desde a data da citação dos réus para a presente ação e até efetivo e integral pagamento.
d) Absolver os Réus do demais peticionado pela Autora.

*
Fixa-se a responsabilidade pelas custas em 40% a cargo da Autora e em 60% a cargo dos Réus.

Os RR. interpuseram recurso, pedindo a revogação da sentença recorrida, em conformidade com as seguintes conclusões:
1ª- A sentença proferida concedeu parcial provimento à pretensão da Autora, tendo condenado os aqui recorrentes, com base num juízo de equidade, a pagarem-lhe a quantia de € 10.000,00, IVA incluído, acrescida de juros.
2ª- O Tribunal terá concluído que a Autora seria titular de um direito de crédito sobre os Réus seguramente pelo facto singelo de estes terem vendido o seu imóvel a compradores que, em tempos, a Autora lhes teria apresentado; mas afigura-se que não se tratará de uma decisão acertada, salvo o devido respeito.
3ª- O presente recurso visa, também, a reapreciação da matéria de facto, pois os recorrentes imputam – respeitosamente – de incorrectamente julgados os pontos 17), 21), 34) e 38) dos Factos Provados, assim como os pontos vi), x) e xiv) dos Factos Não Provados.
4ª- Importa ter presente a factualidade que resumidamente se enumera, «parando» naquela cuja alteração se pretende:
Entre a Autora e os Réus foi celebrado um contrato de mediação imobiliária em 2021.01.18, tendo por objecto um imóvel destes, para o qual aquela ficou incumbida de diligenciar encontrar interessado nos demais termos constantes do documento (Factos Provados, nºs 1) a 3)).
5ª- De entre estes, avultam os seguintes: contratação em regime de não-exclusividade (Clª 4.ª); remuneração devida se a mediadora conseguisse interessado que concretizasse o negócio (Clª 5ª nº 1); remuneração fixada em € 15.000,00, mais IVA (Clª 5ª nº 2), depois reduzida para € 12.000,00, IVA incluído; pagamento desta em duas metades, vencendo-se a primeira com a celebração do contrato-promessa e a segunda na celebração da escritura (Clª 5ª nº 3); validade de 180 dias, renovando-se por iguais e sucessivos períodos, caso não fosse denunciado por qualquer das partes, por carta registada com a. r. ou outro meio equivalente, com a antecedência mínima de dez dias em relação ao seu termo (Cl.ª 8ª).
6ª- A Autora apresentou aos Réus, como potenciais compradores, CC e mulher (Facto Provado 12)); entre estes e os Réus foi celebrado um contrato promessa relativo ao imóvel em causa em 2021.06.20, dele constando que «a título de sinal e princípio de pagamento» os promitentes compradores «entregam, no ato da assinatura» do contrato, «a quantia de € 20.000,00» (…) «através do cheque» (…) «que permanecerá sob a guarda da Mediadora Imobiliária até o prazo fixado na Cl.ª 4.1 do presente ou até ao momento da escritura definitiva, o que ocorrer primeiro» (Facto Provado 20)).
7ª- Mais foi considerado provado que a agente imobiliária da autora DD colocou na minuta do contrato promessa que foi celebrado em 2021.06.20, um prazo de 180 dias para celebração do contrato definitivo e, bem como, que o cheque do sinal ficaria à guarda da autora e só seria entregue aos réus e descontado depois da venda do apartamento de CC e EE (Facto Provado 17), bold, nosso).
8ª- E também que «CC emitiu o cheque n.º ... datado de 18/06/2021, sacado sobre a Banco 1..., S.A., no valor de 20.000,00€, com a cláusula “não à ordem”, a favor do réu AA, que foi entregue e ficou à guarda da autora, o qual só seria entregue aos réus para ser descontado após a venda da casa dos promitentes compradores, por acordo entre réus e CC e mulher EE» (Facto Provado, 21), bold, nosso).
9ª- Estes Factos Provados nºs 17) e 21) encontram-se decididos por forma de todo inexacta (salvo o muito devido respeito), nos trechos assinalados em «bold» nas duas precedentes conclusões: desde logo, não constam em parte alguma do contrato promessa, pois que neste consta unicamente o que se transcreveu na precedente 6ª conclusão!
10ª- E mais: a Cláusula 8ª do contrato promessa estatuiu que:
«1. Nada foi convencionado entre os contratantes, direta ou indiretamente relacionado com a matéria do presente contrato, para além do que fica escrito nas suas cláusulas e considerandos.
2. Quaisquer alterações a este contrato só serão válidas desde que convencionadas por escrito, com menção expressa de cada uma das cláusulas eliminadas e da redação que passa a ter cada uma das modificadas ou aditadas.»
11ª- Sem prejuízo do vindo de alegar (que, por si só, afigura-se, salvo melhor opinião, ser suficiente para expurgar os factos provados 17. e 21. do suposto «acordo» deles constantes), nem os depoimentos das testemunhas da Autora afirmam a sua existência (e, se tivessem afirmado, tal seria inócuo, face à transcrita Clª 8ª):
12ª- a testemunha DD, inquirida na sessão de 2024.07.01, limitou-se a afirmar que os ora recorrentes «tinham conhecimento» de que o promitente comprador precisava de vender a sua fracção para poder comprar o imóvel deles (cfr. depoimento de minutos 17:10 a 17:53 e 19:50 a 20:30) – «conhecimento» que logicamente não implica qualquer «acordo».
13ª- A testemunha FF, na mesma sessão, igualmente se limitou a dizer que a estipulação do prazo de 180 dias para a outorga da escritura de venda visou, nomeadamente, permitir que os promitentes compradores tivessem tempo para vender a fracção deles (mormente minutos 07:30 a 08:30) – o que também nada tem a ver com um imaginado «acordo».
14ª- A testemunha GG, na mesma sessão, limitou-se a dizer praticamente o mesmo – que «os promitentes compradores precisavam de vender a sua casa para poderem fazer esta compra»; que por isso «houve um acordo de algum “timing”», seis meses, até Dezembro, para o possibilitar» (minutos 03:40 a 04:12); e, perguntada se houvera algum acordo de prorrogação desse prazo, respondeu: «não» (minutos 04:39 a 04:53).
15ª- Por estas razões, os factos em apreço deverão passar a ter a seguinte redacção:
Facto Provado 17.:
«(…) a agente imobiliária da autora (…) colocou na minuta do contrato de promessa de compra e venda um prazo de 180 dias para celebração do contrato definitivo e, bem como, que o cheque do sinal ficaria à guarda da autora e só seria entregue aos réus e descontado até ao termo do referido prazo ou até o momento da escritura definitiva, o que ocorrer primeiro,
Facto Provado 21.:
(cheque) «(…) o qual só seria entregue aos réus para ser descontado até ao termo do referido prazo ou até o momento da escritura definitiva, o que ocorresse primeiro.
Por outro lado:
16ª- O contrato de mediação e o contrato promessa em causa revestiram-se de peculiaridades não usuais: por um lado, aquele previa a entrega de 50% da remuneração por ocasião da outorga do contrato promessa (Clª 5ª nº 3), por outro, neste, não houve entrega de qualquer quantia a título de sinal – do que necessariamente dependia aquela outra.
18ª- Não obstante a Cl.ª 7ª do contrato promessa previsse, no seu nº 1, que os promitentes vendedores teriam direito, em caso de incumprimento imputável à contraparte, a fazer suas as quantias recebidas (Facto nº 20) – tal traduz-se, como diz o povo, em «uma mão cheia de nada», pois se não houve sinal algum…
19ª- Estando provado que uma das razões para os Réus terem acedido ao prazo máximo de 180 dias para a outorga do contrato prometido (Cl.ª 4ª) foi a concessão de mais tempo aos promitentes compradores para venderem a fracção deles, tratou-se pois de um prazo essencial, peremptório.
20ª- Pelo que os Réus resolveram validamente o contrato promessa pela comunicação aos promitentes compradores em 2022.01.06, pelo incumprimento destes (Facto Provado nº 31.); e em 2022.01.17, denunciaram o contrato de mediação – pois que este foi também celebrado com a faculdade da sua não renovação (Facto Provado nº 36.).
21ª- Tendo os Réus procedido validamente à cessação de ambos os contratos, afigura-se que o ponto xiv) dos Factos Não Provados estará incorrectamente julgado, pois que a revogação e a denúncia atrás referidas atestam que «o negócio mediado pela Autora se frustrou, tendo culminado com a resolução do contrato promessa providenciado por ela Autora» – alteração que se requer.
22ª- Por outro lado, nem a Autora, nem os promitentes compradores tiveram qualquer tipo de reacção, pondo em causa a validade da revogação ou da denúncia – pelo que mais se afigura que o ponto vi) dos Factos Não Provados deverá considerar-se provado.
23ª- Acresce ainda que, resolvido o contrato promessa, a Autora entregou à promitente compradora o cheque de que fora depositária, em lugar de o entregar aos promitentes vendedores, como devia, pois que esse cheque titulava o sinal, que estes últimos tinham o direito de receber.
24ª- Daí que o Facto Não Provado da alínea x) deverá considerar-se provado, com a seguinte redacção ou semelhante:
«A Autora não acautelou devidamente os interesses dos Réus, no que respeita ao facto de terem ficado sem qualquer quantia a título de sinal».
25ª- ... de seis meses depois da denúncia e da resolução, concretamente em 2022.07.29, os Réus venderam o seu imóvel aos primitivos promitentes compradores (Facto Provado nº 39.).
26ª- Essa venda necessariamente não ocorreu ao abrigo do contrato de mediação celebrado com a Autora, pois que o mesmo fora denunciado; a questão que se coloca é a de saber se a concretização do negócio foi, ou não, o «corolário ou a consequência» da actuação da Autora, se há um «nexo de causalidade adequada» entre a sua actividade e a realização do negócio.
27ª- Para a apreciação desta questão, impõe-se desde logo ter presentes três circunstâncias:
Primeiro, que o contrato de mediação imobiliária denunciado fora celebrado em regime de não-exclusividade – podendo inclusivamente os Réus providenciarem um interessado.
Segundo, que os Réus não denunciaram esse contrato unicamente para obviar ao pagamento da remuneração acordada com a Autora (Facto Não Provado i)).
Terceiro, que o Facto Provado nº 38 deverá ser eliminado, pois que apenas por documento (aliás autêntico) o mesmo pode ser comprovado – cfr. art. 607º nº 5 do CPC.
28ª- O Acórdão da Relação do Porto de 2010.04.13 (Proc. nº 5408/06.5TBVFR.P1), parcialmente citado na presente alegação, juntamente com abundante jurisprudência, decidiu que o direito à remuneração existe apenas quando a celebração do negócio tenha sido consequência da sua actividade, nos seguintes termos:
29ª- «Não sendo a actuação do mediador determinante para a outorga do contrato de compra e venda do imóvel (..) improcede o pedido de pagamento de uma comissão sobre o preço da transacção.
(…) apenas tem direito a ser remunerado quando a sua actuação determine a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação, o que significa que tem que existir um nexo de causalidade adequada entre a sua actividade e a realização do negócio pretendido, de modo a que possa afirmar-se que a concretização deste foi o corolário ou a consequência daquela actuação» (sublinhados e itálicos, nossos).
30ª- No caso dos autos, o negócio visado pelo exercício da mediação não foi concluído; a celebração do contrato de compra e venda não foi o corolário ou a consequência da actividade da Autora; a actuação da Autora não foi por forma alguma determinante para a outorga do contrato de compra e venda do imóvel.
31ª- O único facto – mas o único – que a Autora invoca para reclamar o que reclamou é a circunstância de a venda ter sido feita a pessoas que, em tempos, ela apresentara aos Réus como interessados; porém, esse facto é manifestamente insuficiente para a pretensão almejada, pois que por si só não cria um nexo causal entre a actividade da Autora e a outorga do contrato de compra e venda.
32ª- Com a eliminação do Facto Provado nº 38), fica-se sem saber quando é que os promitentes compradores venderam a fracção deles; e, além da resolução e da denúncia dos contratos, a devolução, a estes, pela Autora, do cheque do «sinal», atesta que a relação desta com os Réus estava terminada.
33ª- Foi a iniciativa dos Réus, ... de seis meses após a resolução do contrato promessa, que conduziu à outorga da compra e venda – em suma, a Autora não tem direito a qualquer remuneração.
Sem prescindir:
34ª- Caso assim se não entenda (o que por cautela e dialéctica processual se aventa), há que considerar que, como se disse, foi a actuação e iniciativa dos Réus, ora recorrentes, que levou à conclusão e perfeição do negócio.
35ª- O Acórdão do STJ de 2019.07.11 (Proc. nº 28079/15.3T8 LSB.L1.S1), parcialmente citado na presente alegação, entendeu que estando em causa duas mediadoras, se a actividade de ambas foi determinante na formação da vontade dos compradores e dos vendedores, ambas concorreram causalmente, tendo cada uma direito a metade da remuneração.
36ª- Para a hipótese (que se crê improvável) de se conceber que a actividade da aqui Autora foi determinante para a celebração do negócio, considerando que foi a actuação e iniciativa dos Réus que levou à conclusão e perfeição do mesmo, então a Autora teria direito a metade da remuneração – ou seja, € 6.000,00 (Facto Provado nº 5))
37ª- E, tanto neste caso como no de ser confirmada a sentença recorrida, quaisquer juros moratórios apenas se poderão contar, não nos termos da sentença, mas a partir do momento em que a obrigação se tornar líquida, ou seja, desde a prolação da decisão final ou do seu trânsito em julgado (Cód. Civil, art. 805º nº 3).
38ª- Trata-se de jurisprudência uniforme, mormente do nosso mais alto Tribunal – cfr. o Ac. STJ de 2006.07.06, Proc. nº 06S90, parcialmente citado nesta alegação, e os Acórdãos, também do STJ, de 2007.04.17, Proc. nº 06B4773 e de 2009.09.17, Proc. nº 08S0720.

A A. também interpôs recurso, pedindo igualmente a revogação da sentença, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:
a) A decisão em crise dá como provados factos que afrontam a prova produzida impondo a reapreciação da matéria de facto dada como provada e a sua alteração, até porque os dois factos erradamente considerados como provados foram determinantes na sentença proferida e lesam de sobremaneira a aqui Recorrente;
b) A decisão em crise incorre em erro notório da apreciação da prova e erro de julgamento já que considera provados determinados factos, determinantes para a decisão em crise, que na fundamentação da própria decisão constam de forma diferente, como é o caso do valor de venda do imóvel feito pelos Réus diretamente aos compradores angariados pela Recorrente;
c) A decisão de que ora se recorre padece de excesso de pronúncia quanto a duas questões essenciais, que não foram postam em causa pelos Réus nem na contestação, nem foram temas de prova, nem ainda foram objeto de produção de prova em sede de audiência de julgamento, a saber – a redução da comissão em função da redução do preço de venda que não foi de todo admitido pela Recorrente, e bem assim o IVA que nunca esteve incluso na comissão acordada de €15.000,00, e tal não foi sequer invocado pelos Réus.
d) A decisão padece ainda de omissão de pronúncia, na medida em que, na parte decisória, omite totalmente o valor de IVA a ser liquidado pelos Réus, limitando-se a condenar no pagamento de €10.000,00, pelo que nesta parte é nula a decisão por violação do disposto no artigo 615.º n.º 1 alínea d) do CPC.
e) O erro notório na apreciação da prova consiste num vício de apuramento da matéria de facto, que prescinde da análise da prova produzida para se ater somente ao texto da decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, sendo que é claro do texto da decisão recorrida que se dão por provados factos que contrariam com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum.
f) Quanto aos factos indevidamente dados como provados, é evidente que a apreciação rigorosa dos depoimentos prestados em audiência de julgamento, conexionados com os demais meios probatórios, é inquestionavelmente a função primordial de qualquer juiz, tanto daquele que na 1.ª instância preside à audiência que culmina com a decisão da matéria de facto, como daquele que, em instância de recurso, tem por missão a reapreciação de tal decisão, depois de reponderados os meios de prova.
g) Nos presentes autos há dois pontos que objetivamente foram valorados de forma errada, sendo dados como provados, mas que não correspondem à prova produzida em sede de julgamento, e que são determinantes na decisão proferida, lesando de sobremaneira a aqui Recorrente.
h) Por um lado, o facto 5 dado como provado, o qual é decisivo na decisão que foi proferida, considera provado que: “5. Em 22/04/2021, a autora e os Réus acordaram uma redução do valor de venda do imóvel para €207.000,00 e uma redução da comissão da autora para 12.000,00€, com IVA incluído.”
i) E efetivamente provou-se que os Réus acordaram a redução do valor de venda do imóvel para €207.000,00, valor pelo qual seria vendido se não fosse a postura dos próprios Réus – é este o valor que deveria ser considerado para efeitos da decisão a proferir, até porque, a postura dos Réus foi em ordem a eliminar a comissão da Autora, aqui Recorrente, e por esse motivo até aceitou vender diretamente pelo valor de €206.000,00.
j) Não se provou, tampouco foi alegado por alguma das partes, ou até considerado matéria controvertida que tenham acordado uma redução na comissão da Autora.
k) O valor da comissão era de €15.000,00 acrescido de IVA legal, tal como consta da fatura junta aos autos e que não foi impugnada pelos Réus.
l) Não houve, por parte da Autora ou de quem a obrigue legalmente nenhum acordo de redução de comissão, muito menos proporcional ao valor da escritura arbitrariamente a final determinada entre as partes, por forma a obviar ao pagamento dos serviços por esta prestados.
m) Na fundamentação, é o próprio tribunal que se põe a fazer contas e percentagens que não foram invocadas pelas partes. “ Para a demonstração dos factos provados em 1) a 3), 5), 20), 21), 26), 29), 31), 32), 35), 36), 39), 40) e 41) teve-se por suficiente, atenta a sua natureza e força probatória, a prova documental junta aos autos, cujo teor não resultou de forma alguma infirmado em face da demais prova produzida, a saber, contrato de mediação imobiliária de fls 12 v. a 14, no que concerne aos factos assentes em 1) a 3); mensagens via telemóvel de fls 39, no que respeita ao facto assente em 5) (salientando-se que as mesmas foram juntas pela autora para demonstrar o acordo dos Réus quanto à redução do preço, reconhecendo, por isso, a sua autoria, sendo que do seu teor extrai-se igualmente o acordo das partes na redução da comissão acordada, porquanto a agente imobiliária da autora refere "vou alterar o valor de venda do imóvel para 207 mil euros, a fim de que reste líquido ao senhor após comissão e IVA o valor de 195mil..."; ora 207.000€ - 195.000€ = 12.000€ que equivale à nova comissão acordada, já com IVA); contrato de promessa de compra e venda de fls 15 a 19, no que tange ao facto assente em 20), a cópia do cheque junto aos autos em 19/06/2024, no que respeita ao facto 21); os e-mails de fls 53 e 53 v., em relação aos factos 26) e 29); a carta e respetivos talão de registo e aviso de receção de fls 51 v. e 52, relativamente ao facto 31); o e-mail de fls 54, no que respeita ao facto 32); a declaração junta aos autos em 19/06/2024, no que respeita ao facto 35); a carta e respetivos talão de registo e aviso de receção de fls 54 v. e 55, relativamente ao facto 36); o título de compra e venda e mútuo com hipoteca de fls 24 a 38, em relação aos factos 39) e 40); e a certidão do registo predial de fls 21 v. a 23, relativamente ao facto 41).”
n) A mensagem junta pela Autora a fls 39 efetivamente serviu para fazer prova de que o Réu aceitou a redução do preço de venda do imóvel, facto que sequer foi impugnado pelos Réus e decorreu de toda a prova produzida, portanto neste segmento está tudo correcto.
o) Contudo, a mensagem refere ainda: "vou alterar o valor de venda do imóvel para 207 mil euros, a fim de que reste líquido ao senhor após comissão e IVA o valor de 195mil...", facto que é referido, como bem refere a própria sentença, pela mediadora imobiliária e portanto jamais poderia vincular a Autora. No limite esta estaria a dizer que iria tentar junto dos sócios-gerentes abordar uma possibilidade de redução dessa comissão previamente acordada.
p) No mais, foi junto também pela Autora o documento 2 que também são mensagens trocadas entre a mediadora e o Réus em que é claro que esta não podia vincular ou alterar a comissão fixada no CMI, sendo uma questão que competia à gerência da sociedade comercial.
q) Donde, a segunda parte do ponto 5 da matéria dada como provada terá que ser considerada matéria não provada.
r) Ou seja, o ponto 5 da matéria de facto dada como provada deverá passar a ser: 5. Em 22/04/2021, a autora e os Réus acordaram uma redução do valor de venda do imóvel para €207.000,00”
s) Quanto ao segundo ponto em crise, é o ponto 39. Da matéria dada como provada onde o tribunal dá como provado que a venda foi feita pelo valor de €200.000,00.
t) É o próprio Réu que afirma que sem prejuízo de ter escriturado a casa por €200.000,00 o comprador lhe deu ainda €6.000,00 em numerário “para o compensar” pelo que a venda foi feita por €206.000,00 e não por €200.000,00 como conclui o douto tribunal para concluir que “as partes teriam acordado uma redução proporcional da comissão da autora em face de uma baixa de preço para €200.000,00, para o valor de €10.000,00 com o IVA incluído”.
u) Assim, como fator que influenciou determinantemente a decisão proferida, em tribunal, o próprio Réus referiu que, para alem dos €200.000,00 escriturados pela venda do imóvel, o comprador pagou-lhe ainda €6.000,00 em numerário.
v) Consta da fundamentação da decisão proferida, além do mais que: “Do mesmo modo, em depoimento de parte, o Réu AA referiu, (…) que em julho de 2022 foi contactado pelo CC, o promitente comprador, dizendo-lhe que já tinha o dinheiro para comprar a casa e ele aceitou e disse-lhe para marcar a escritura; uns dias antes, o CC entregou-lhe 6.000,00€ em numerário "para o compensar" e no dia da escritura entregou-lhe o preço de 200.000,00€.”
w) Ou seja, resulta provado também que o valor efectivo da venda do imóvel não foi o valor escriturado, mas sim, €206.000,00.
x) E estando tal facto devidamente demonstrado na fundamentação da sentença, nem percebemos como pode o douto tribunal a quo dar como provado que afinal o imóvel foi vendido por €200.000,00.
y) Note-se que o valor inicialmente proposto para venda, de onde consta o valor de comissão de €15.000,00 era de €215.000,00 e o imóvel foi vendido efetivamente aos promitentes compradores angariados pela Autora por €206.000,00, já desconsiderando a questão de não terem declarado fiscalmente os €6.000,00 pagos em numerário e de só terem feito a venda por este valor como forma de obviar ao pagamento da comissão imobiliária.
z) Donde não se percebe, ainda que fosse possível tirar a elação que com a redução do preço houvesse uma redução da comissão para €12.000,00, tendo o imóvel sido alienado por menos €1000,00, como poderá isso configurar uma redução na comissão de mais €2000,00???
aa) Salvo melhor opinião, deverá constar dos factos dados como provados, o teor do ponto 39, alterando o preço para o valor efectivamente pago, ou seja, €206.000,00.
bb) Pelo que deverá ser alterado, passando a constar: 39. Por documento particular autenticado, intitulado "Contrato de Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca", outorgado em 29/07/2022, entre os Réus, como Primeiros outorgantes, CC e mulher EE, como Segundos Outorgantes e a Banco 1..., SA, como Terceira Outorgante, (entre o mais que consta de fls. 24 a 38 e que aqui se dá por reproduzido), os Réus declararam vender e os referidos CC e mulher EE declararam comprar o imóvel referido em 3), pelo preço de 206.000,00€ (duzentos e seis mil euros), tendo recebido o valor de €6.000,00 em numerário.
cc) Fazendo assim jus ao que o próprio Réus declarou em tribunal, tendo este até referido que os €6.000,00 pagos em numerários “foi para segurar a casa” e depois no acto da escritura foi pago o valor de €200.000,00. (vide gravações transcritas)
dd) Quanto à questão do IVA, é facto que olhando para os articulados nunca foi questão controvertida, nos presentes autos, o valor do IVA sempre acresceu ao valor da comissão fixado, e não se percebe como é que o julgador decide para alem de reduzir o valor da comissão por autoria própria, aniquilar o valor estabelecido de iva passando a incluir esta verba que é do Estado no valor da própria comissão.
ee) Tal facto não foi invocado pelos Réus, nem em sede de contestação ou outra.
ff) Sendo certo que, diga-se, a sentença, o tribunal omite totalmente a questão do iva, concluído apenas: a) Condenar os Réus AA e BB a pagar à autora EMP01... - MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA. a quantia de 10.000,00€ (dez mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa comercial, contados desde a data da citação dos Réus para a presente ação e até efetivo e integral pagamento. d) Absolver os Réus do demais peticionado pela Autora.
gg) Pelo que há também omissão de pronúncia, neste segmento decisório impondo-se a sua retificação.
hh) Nada dizendo sobre o IVA peticionado e devidamente fatura e entregue ao Estado Português, sendo que tem face de toda a prova dada como provada, nem percebemos como é que o douto tribunal a quo inclui o IVA no valor da comissão da Autora, valor esse já alcançado por motu próprio.
ii) Devendo por isso, a Sentença proferida pelo Tribunal “a quo” ser declarada viciada e, consequentemente, ser declarada a sua nulidade, nos termos previstos no artigo 615.º, n.º 1 alínea b) e d) do C.P.C, o que desde já se invoca para todos os legais efeitos.
jj) Entende a Recorrente ainda que há manifesto erro de julgamento e excesso de pronuncia na medida que o tribunal não poderia fazer cálculos de redução da comissão, baseando-se em factos que não foram invocados pelas partes nem objeto de prova porque não era uma questão controvertida.
kk) Destarte, há ainda erro de julgamento e excesso de pronúncia quando entendeu o douto tribunal que, não obstante estar devidamente provado que o valor da comissão imobiliária ser efetivamente devido à autora, faz assunções sobre uma redução dessa comissão sem que tal fosse matéria invocada pelas partes, bem como à revelia do que foi dito e confessado pelo próprio Réus, considera que a venda por este feita do imóvel foi pelo preço de €200.000,00, desconsiderando em absoluto o valor que o próprio declarou ter recebido “por fora”.
ll) Como é consabido, independentemente da reapreciação dos actos de prova realizados na 1ª instância – e mesmo da renovação dessas provas ou da produção, na instância de recurso, de novas provas - a Relação pode censurar o erro do Tribunal de 1ª instância na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa sempre que aquele Tribunal (artº 666 nº 1 do CPC):
mm) E, como também resulta da fundamentação da matéria de facto que o valor da venda que iria ser feito por intermédio da Autora era de €207.000,00 também erra o julgador ao entender “adequar” a comissão da intermediação ao valor depois declaradamente acordado pelos Réus e comprador, pois tal foi feito no pressuposto que iriam eximir-se ao pagamento dos serviços prestados pela Recorrente.
nn) Pelo que, smo, deverá a sentença ser alterada nessa medida, encontrando-se ferida da nulidade invocada.
oo) Há excesso de pronúncia ainda pois, como se referiu, nem a redução da comissão foi trazida aos autos pelas partes, pelo que estava o tribunal vedado a, per se, assumir que houve uma redução inicial, e posteriormente, fazer operar nova redução por o imóvel ter sido vendido pelos Réus, diretamente e para obviar ao valor dos serviços prestados pela Recorrente.
pp) Atendendo ao valor da comissão em causa, que se fixava em mais de €15.000,00, a verdade é que o Autor poderia reduzir o valor da venda direta, e ainda assim auferir mais dinheiro, lesando apenas a Recorrente.
qq) Portanto, entende a Recorrente que, por um lado não podia o tribunal conhecer da questão da eventual redução da comissão acordada, por tal constituir excesso de pronúncia, mas também erra no sentido de fixar e reduzir a comissão pelo valor efetivamente escriturado (aceitando na fundamentação que o Réus recebeu ainda o valor de €6.000,00 em numerário), quando nada na lei ou no processo indica que a comissão fosse em percentagem, mas sim fixa.

A A. contra-alegou pedindo que o recurso seja rejeitado liminarmente por extemporâneo e por não identificar o tribunal de recurso; caso assim não se entenda, que o relator declare a inadmissibilidade do recurso interposto e julgue o mesmo findo por violação do disposto no artigo 640.º CPC; caso seja admitido, o mesmo seja julgado improcedente e determinada a condenação dos Recorrentes, em litigância de má-fé, numa multa de valor não inferior a 8 UCs bem como no pagamento de uma indemnização à Recorrida, em montante a fixar em sede de liquidação de sentença, mas nunca inferior a €2.000,00, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:
A) Vêm os Réus apresentar recurso da decisão do Tribunal a quo, a qual decidiu “Em face do exposto, o Tribunal decide julgar a presente ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência: a) Condenar os réus AA e BB a pagar à autora EMP01... - MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA. a quantia de 10.000,00€ (dez mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa comercial, contados desde a data da citação dos réus para a presente ação e até efetivo e integral pagamento. d) Absolver os Réus do demais peticionado pela Autora. * Fixa-se a responsabilidade pelas custas em 40% a cargo da Autora e em 60% a cargo dos Réus”
B) Reivindicam a alteração da decisão proferida devendo “o presente recurso merecer total provimento, com a revogação da sentença recorrida, em conformidade com as conclusões que antecedem”.
C) Contudo, s.m.o., o recurso apresentado deverá ser rejeitado liminarmente, pelos motivos que melhor infra se demonstram, e ainda que assim não se entendesse, o que por mera hipótese académica se admite, o mesmo não poderá ser apreciado pelo douto Tribunal da Relação.
D) No nosso entendimento, os Recorrente até indicaram os pontos que pretenderam impugnar quer da matéria de facto dada por provada, quer da matéria de facto dada por não provada, mas tal não é de todo suficiente para cumprir os requisitos do disposto no artigo 640.º do CPC;
E) Como é consabido, se no recurso sobre a matéria de facto as conclusões forem deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não contemple o estatuído no art. 640, o relator não tem o dever de convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, na parte afetada.
F) Ou seja, quando o recurso da matéria de facto se apresenta deficiente, sem dar cumprimento ao disposto no art. 640 do CPC, não há lugar a despacho de convite ao aperfeiçoamento, que é o caso dos autos;
G) Note-se que até quanto ao Tribunal de Recurso a que dirige o presente recurso é totalmente omisso, sendo dirigido, sem mais, ao tribunal da Relação do Distrito, Distrito esse que será BRAGA e não GUIMARÃES que, no nosso modesto entendimento, será o Tribunal com competência para apreciação do presente recurso.
H) No mais, inexiste ao longo de todo o articulado apresentado um único ponto que possa ser apto à conclusão que se pretende alcançar com o recurso.
I) Não identificando o apelante os concretos meios probatórios, constantes do processo, que imporiam decisão diversa da recorrida, deve ser rejeitado o recurso referente à impugnação da matéria de facto, por inobservância dos ónus de impugnação contidos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC.
J) A razão de ser do requisito de impugnação estabelecido na alínea a) do n.º 2 do artigo 640.º do CPC tem em vista o delineamento, por parte dos recorrentes, do campo de análise probatória sobre o teor dos depoimentos convocados de modo a proporcionar, em primeira linha, o exercício esclarecido do contraditório, por banda do recorrido, e a servir de base ao empreendimento analítico do tribunal de recurso, sem prejuízo da indagação oficiosa que a este tribunal é legalmente conferida, em conformidade com o disposto nos artigos 5.º, n.º 2, alínea a), 640.º, n.º 2, alínea b), 1.ª parte, e 662.º, n.º 1, do mesmo Código.
K) No caso do recurso em apreço, constatamos que os Recorrentes indicam as seguintes passagens, supostamente da prova gravada, sem indicar qual o ficheiro onde se inserem, data e até sem transcrever as referidas passagens, pelo que, em rigor nem sabe a Autora ao que na realidade terá que responder, pois que, as palavras transcritas estão avulsas e descontextualizadas, obrigando quer a Recorrida quer o tribunal a fazer o exercício que deveria ser feito nas alegações e conclusões de recurso, limitando-se a dizer que o facto A não deveria ter sido considerado provado e o Facto B deveria, ao invés da decisão proferida.
L) No presente recurso a que se responde não há de todo transcrição ou mesmo identificação concreta das passagens a que se refere para peticionar que determinados factos sejam alterados da matéria de facto dada como provada ou não provada.
M) Não há indicação da fixação electrónica/digital do início e fim dos depoimentos e a transcrição dos excertos relevantes, desconhecendo-se em que ficheiros se localizam estes alegados depoimentos.
N) Assim, conjugando as exigências legais referentes ao ónus de alegar e formular conclusões com as exigências enunciadas no art. 640º/1/2 do NCPC relativamente ao recurso incidindo sobre a matéria de facto, facilmente se depreende que nas conclusões do recurso o recorrente também tem de identificar, ainda que de modo sumário, os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados, devendo pelo menos no corpo das alegações identificar e analisar criticamente os meios de prova com base nos quais deve ser alterada a decisão impugnada, bem como indicar o sentido alternativo em que o julgamento da matéria impugnada deveria ter sido efectuado, sendo que no caso de estarem em causa depoimentos gravados, devem igualmente constar pelo menos das alegações, por imposição dos arts. 639º/1 e 640º/2/a do NCPC, com exactidão, os depoimentos e as correspondentes passagens das gravações em que o recorrente funda o seu recurso.
O) Volvendo ao caso em apreço e aplicando-lhe quanto vem de referir-se, é forçoso concluir no sentido de que deve ser rejeitado o recurso incidindo sobre a matéria de facto, na parte em que se invoca como fundamento dessa pretensão prova oral prestada no decurso da audiência de julgamento.
P) Assim, s.m.o., impõe-se uma decisão de rejeição do recurso com tal fundamento em face do grau de dificuldade que a indicação das passagens da gravação efetuada acarrete para o exercício do contraditório e para a própria análise crítica por parte do tribunal de recurso.
Q) Atendendo ao facto de os Recorrentes não cumprirem o disposto no artigo 640.º n.º 2 alínea a) do CPC, o recurso é extemporâneo, pelo que não deverá ser admitido.
R) Note-se que o próprio recurso é interposto no prazo estabelecido no artigo 638.º n.º 1 e não n.º 7 do CPC.
S) É certo que, excecionalmente, ao prazo normal pode acrescer o prazo suplementar de 10 dias.
T) Todavia, nos termos do n.º 7 do artigo 638.º do novo Código de Processo Civil, exatamente como já sucedia no n.º 7 do artigo 685.º do antigo Código de Processo Civil, este acréscimo de prazo só tem lugar quando o recurso tiver por objeto a “reapreciação da prova gravada”.
U) Subjacente a este alargamento do prazo está a ideia de que querendo o recorrente que a Relação reaprecie a prova gravada, necessita de mais tempo para elaborar o seu recurso uma vez que nesse caso as alegações terão de cumprir requisitos mais exigentes, sendo necessário indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o recurso, podendo mesmo proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
V) Ora este trabalho exige que se ouça a gravação e na maior parte dos casos se proceda à redução a escrito de partes da gravação, o que se traduz num trabalho burocrático acrescido que se entendeu justificar um prazo mais alargado do que o normal.
W) Para que o recorrente tenha direito ao prazo alargado não basta, portanto, que no recurso impugne a decisão da matéria de facto, uma vez que isso pode ser feito apenas com base em prova documental ou outra relativamente aos quais já aquele trabalho acrescido não tem lugar.
X) Não podendo o douto tribunal conhecer das questões relacionadas com a matéria de facto impugnada com recurso à prova gravada, conclui-se que as demais questões sempre poderiam ser apreciadas se o recurso tivesse sido interposto dentro do praxo legal para o efeito, ou seja, nos 30 dias após a notificação da sentença proferida.
Y) Não tendo sido, deverá o presente recurso ser rejeitado liminarmente, por extemporâneo.
Z) Relativamente ao ponto 38.º da matéria dada como provada, indicam os Recorrentes que, tal só poderia dar-se como provado por certidão, contudo Autora juntou, com a Petição Inicial, os docs. 5 e 6- certidão de registo predial do imóvel em causa e cópia da escritura de compra e venda remetida pela própria conservatória do Registo Predial, que fazem prova plena do facto.
AA) Depois, os Réus confessaram e reconheceram essa venda na data indicada, sem prejuízo de terem confessado que o valor da venda não foi o declarado na referida escritura.
BB) Terminada a instrução da causa, quando na elaboração da sentença o juiz não se julgue suficientemente esclarecido quanto à prova produzida em relação a factos essenciais integrativos da causa de pedir ou de exceções invocadas pelas partes, aquele pode ordenar a reabertura da audiência final e determinar oficiosamente a realização de diligências instrutórias, que entenda necessárias para completar a prova antes produzida quanto a esses factos essenciais, de modo a esclarecer essas suas dúvidas.
CC) Jamais a situação indicada poderia dar lugar a que o facto se desse, como pretendem os Recorrentes, como “não provado”.
DD) Até porque tal venda está devidamente averbada e existe a presunção registral emergente do art. 7º do CRP.
EE) Quanto aos factos provados em 17. e 21, os Recorrentes indicam que não deveriam considerar-se provados, por não constarem do CPCV, quando a prova foi claríssima no sentido que quiseram assim fazer o referido contrato, e até, confrontados se agiram de alguma forma para pedir o sinal após a alegada resolução, os mesmos foram consentâneos em dizer que não, pois sabiam que o negócio era exatamente o mesmo.
FF) É óbvio que tal condição não consta do contrato promessa, e caso o mesmo não tivesse culminado numa escritura é obvio que quer a Autora, quer os Réus teriam agido junto dos promitentes compradores para exigir o pagamento do sinal.
GG) Tudo o que se passou foi total conivência e interesse dos Réus.
HH) E tanto é que sempre agiram de acordo com o que foi convencionado entre as partes, quer por escrito, quer por acordo verbal, pois sabiam que os promitentes compradores não tinham dinheiro para o sinal, mas de alguma forma queriam estar acautelados, caso não se viesse a realizar o negócio por incumprimento destes, o que não veio a acontecer.
II) Acresce ainda que, no entender dos recorrentes a prova gravada é desnecessária para alterar a matéria de facto dada por provada, o que reforça que o recurso é totalmente extemporâneo.
JJ) Sendo que todos os pontos que os Recorrentes deviam estar provados e que consideram-se não provados, não é com recurso à prova gravada, mas sim, aparentemente, só porque tal deverá resultar do senso comum, o que não se poderá de todo aceitar, nem é fundamento de recurso.
KK) Por fim, sempre se diga que quanto à alegada resolução do contrato, referem os Recorrentes que tal foi válida, pois que “Por outro lado, nem a Autora, nem os promitentes-compradores tiveram qualquer tipo de reação, pondo em causa a validade da revogação ou da denúncia - a pelo que mais se afigura que o ponto vi) dos Factos Não Provados deverá considerar-se provado.”
LL) Ora, quanto a este ponto, na data dos factos já era devida a comissão da Autora, sendo que não é novidade a ideia de resolver o contrato para depois ir fazer o negócio diretamente com o cliente angariado pela Autora, evitando o pagamento do trabalho por esta desempenhado.
MM) É óbvio que, se não houvesse um conluio entre vendedores e compradores, os vendedores iriam exigir o pagamento do sinal, bem como não iriam vender, até mais barato diretamente a quem tinha incumprido o contrato.
NN) É notória a má-fé dos Recorrentes, que não contentes com uma decisão que ainda assim os beneficiou, tudo fazem para entorpecer a verdade e a justiça.
OO) No caso dos autos, o negócio visado pelo exercício da mediação foi concluído, o que não é pago são os seus serviços.
PP) E se os Recorrentes não soubessem que agiram de forma errada, teriam informado prontamente a Autora que o negócio afinal se iria concretizar, quando ao invés deixaram de responder e atender o telefone.
QQ) O recurso apresentado é totalmente desprovido de fundamento, chegando ao ponto de colocar hipóteses que nunca foram alvitradas em sede de contestação ou julgamento, até porque todos sabemos que, caso existisse outra imobiliária, a prática seria a partilha da comissão.
RR) Agem de má-fé os Recorrentes pois sabem e não podem deixar de saber que o direito do mediador imobiliário à remuneração constitui-se quando em resultado da sua atuação é obtido um interessado no negócio que apresenta uma proposta no valor pedido e assina mesmo um contrato-promessa, o cliente comunica que desistiu do negócio resolvendo o contrato mas depois celebra o negócio com o mesmo interessado, tendo recebido do interessado parte do preço em dinheiro e evitado com esta atuação o pagamento da comissão imobiliária.
SS) E, ao virem novamente, em sede de recurso, firmar que o pagamento da comissão acordada com a Autora não é devida por entenderem válida a resolução promovida por estes, antes de venderem o imóvel diretamente aos clientes por esta angariados também incorrem em litigância de má-fé.
TT) Até porque tal conduta não é fundamento válido de resolução do contrato por parte dos Réus, sendo ilegítima a resolução operada pelos Réus na medida em que lograram conseguir o objetivo da mediação (ou numa outra perspetiva, o objeto da mediação foi alcançado por atividade da Autora).
UU) Pelo que deverão ser ainda condenados como litigantes de má-fé e serem condenados na obrigação de ressarcir, por via indemnizatória a Autora, bem como o pagamento de uma multa (n.º 1 do artigo 542.º do CPC), o que se requer (art. 10º do RCP).

Os RR. contra-alegaram pugnando pela improcedência do recurso interposto pela A.

2. Questões a apreciar

O objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC), pelas conclusões (art.ºs 608º n.º 2, 609º, 635º n.º 4, 637º n.º 2 e 639º n.ºs 1 e 2 do CPC), pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (art.º 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (art.º 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso, cuja apreciação ainda não se mostre precludida.

O Tribunal ad quem não pode conhecer de questões novas (isto é, questões que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que “os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando… estas sejam do conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha elementos imprescindíveis” (cfr. António Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 7ª edição, Almedina, p. 139).

Pela sua própria natureza, os recursos destinam-se à reapreciação de decisões judiciais prévias e à consequente alteração e/ou revogação, pelo que não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida.

Por outro lado, muito embora nos recursos também vigore o princípio do dispositivo, a apreciação das questões suscitadas não está sujeita à ordem com que as mesmas são colocadas pelas partes, mas sim à precedência lógico-jurídica por que devem ser apreciadas, o que resulta, quer do disposto na 1ª parte do n.º 2 do art. 608º do CPC, aplicável ex vi art. 663º, n.º 2 também do CPC - ao dispor que o “juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras” -, quer do princípio da utilidade processual, plasmado no art.º 130º do CPC.

As questões que cabe apreciar, de acordo com a sua precedência lógica, são três:
- A A. juntou com as alegações de recurso um documento que não deve ser admitido, como alegam os RR.?
- A sentença é nula nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do art.º 615º do CPC, como é invocado pela A.?
- O recurso dos RR., na parte em visa a impugnação da decisão de facto, é extemporâneo por não dar cumprimento ao disposto na alínea a) do n.º 2 do art.º 640º do CPC, como é invocado pela A.?
- Julgada improcedente a questão anterior, o tribunal incorreu em erro de julgamento quanto aos pontos 17), 21), 34) e 38) dos factos provados e quanto aos pontos vi), x) xiv) dos factos não provados, como invocam os RR.?
- A  segunda parte do ponto 5) dos factos provados deve ser considerada não provada e o ponto 39) dos factos provados deve ser modificado, como pretende a A.?
- A  actuação da A. não foi determinante para a compra e venda que os RR. vieram a celebrar com CC e esposa, como alegam os RR.?
- Ainda que assim não se entenda, a A. só tem direito a metade da remuneração (€ 6.000,00), como entendem os RR.?
- A obrigação só vence juros de mora a contar do momento em que se tornar líquida, como invocam os RR.?
- A sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao decidir uma redução da remuneração da A., ao considerar que a venda foi feita por € 200.000,00, não atendendo ao valor de € 6.000,00 recebido pelos RR. e ao considerar o IVA incluído na remuneração, como alega a A.?
- Os recorrentes actuam de má fé no recurso, como alega a A.?

3. Da alegada junção de um documento no recurso da A.
Na pág. 14 da motivação a A. insere a imagem que constitui uma cópia de um écran de telemóvel em que estão representadas diversas mensagens.

Os RR., em contra-alegações, pugnam pelo desentranhamento da referida página (referem a página 15 por lapso) à luz do disposto nos artigos 651º, n.º 1 e 425º do CPC.

A pretensão dos RR. não tem fundamento, porquanto a imagem inserida na pág. 14 da motivação corresponde ao doc. 2 junto com a petição inicial e serve para A. fundamentar a sua impugnação da segunda parte do ponto 5 dos factos provados.

Destarte, e ao contrário do que equivocadamente referem os RR., a A. não procedeu à junção de qualquer documento novo, pelo que improcede a pretensão daqueles.

4. Das nulidades da sentença
4.1. Do incumprimento do disposto no art.º 617º do CPC.
O art.º 617º do CPC, aplicável aos despachos ex vi do nº 3 do art.º 613º do mesmo, dispõe:
“1. Se a questão da nulidade da sentença ou da sua reforma for suscitada no âmbito de recurso dela interposto, compete ao juiz apreciá-la no próprio despacho em que se pronuncia sobre a admissibilidade do recurso, não cabendo recurso da decisão de indeferimento…
(…)
5. Omitindo o juiz o despacho previsto no nº 1, pode o relator, se o entender indispensável, mandar baixar o processo para que seja proferido; se não puder ser apreciado o objeto do recurso e houver que conhecer da questão da nulidade ou da reforma, compete ao juiz, após a baixa dos autos, apreciar as nulidades invocadas ou o pedido de reforma formulado, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o previsto no nº 6.”

A Sra. Juiz, no despacho que admitiu o recurso, não se pronunciou quanto às nulidades invocadas.

Porém, não é indispensável a baixa do processo, pelo que se passará a conhecer das mesmas.

4.2. Enquadramento jurídico
Dispõe o art.º 615º do CPC:
1. É nula a sentença quando:
(…)
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
(…)
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
(…)”

Este normativo também é aplicável aos despachos como decorre do disposto no art.º 613º n.º 3 do CPC.

A sentença pode ser vista como trâmite ou como acto.

Enquanto trâmite, fica sujeito às nulidades processuais (art.º 195º).

Enquanto acto, pode ser perspectivado pelo seu conteúdo formal ou pelo seu conteúdo material: no que diz respeito à primeira perspectiva, fica sujeito às nulidades da sentença (art.º 615º do CPC), aplicável aos despachos (art.º 613º, n.º 3 do CPC) e aos acórdãos (666º, n.º 1); no que diz respeito à segunda perspectiva, pode incorrer em erro de julgamento, ficando, então, sujeito a ser anulado, revogado ou alterado.

A alínea b) está relacionada com o disposto:
- No art.º 205º n.º 1 da CRP, que dispõe que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
 - No art.º 154º do CPC, que dispõe, no n.º 1, que as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas e, no n.º 2, que a justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo, quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade.
- E especificamente, no que respeita à sentença, com o disposto no art.º 607º do CPC, cujo n.º 3 dispõe que nos fundamentos, deve o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.
- E ainda com o disposto no n.º 4, o qual dispõe que na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.

De referir que a situação prevista nesta alínea b) só se verifica quando exista falta absoluta:
- da enunciação dos factos provados e dos factos não provados (art.º 607º, n.º 3);
- da motivação do julgamento de facto (art.º 607º n.º 4);
- ou da fundamentação de direito (art.º 607º, n.º 3).

Na jurisprudência e a título meramente exemplificativo, o Ac. do STJ de 02/03/2021,  processo 835/15.0T8LRA.C3.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj - “Só a absoluta falta de fundamentação - e não a errada, incompleta ou insuficiente fundamentação - integra a previsão da nulidade do artigo 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil”.

Quanto à fundamentação de direito, a medida da mesma dependerá da complexidade da questão objecto da decisão, do grau e natureza da controvérsia entre as partes e, até, eventualmente, da controvérsia doutrinal e jurisprudencial quanto à mesma.

Como referem Jorge Miranda e Rui Medeiros, in Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra, 2007, págs. 72 e 73, a fundamentação das decisões judiciais, além de ser expressa, clara, coerente e suficiente, deve também ser adequada à importância e circunstância da decisão. Quer isto dizer que as decisões judiciais, ainda que tenham que ser sempre fundamentadas, podem sê-lo de forma mais ou menos exigente (de acordo com critérios de razoabilidade) consoante a função dessa mesma decisão.

A alínea d) contempla duas situações: a) quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (omissão de pronúncia), ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (excesso de pronúncia).

A primeira está relacionada com a 1ª parte do n.º 2 do art.º 608º do CPC, onde se dispõe: “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras;…”

O normativo tem em vista as questões essenciais, ou seja, o juiz deve conhecer todos os pedidos, todas as causas de pedir e todas as excepções invocadas e as que lhe cabe conhecer oficiosamente (desde que existam elementos de facto que as suportem), sob pena da sentença ser nula por omissão de pronúncia.

Mas, como tem sido afirmado recorrentemente, quer pela doutrina, quer pela jurisprudência, as questões essenciais não se confundem com os argumentos invocados pelas partes nos seus articulados.

Não podem confundir-se “as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os pressupostos em que a parte funda a sua posição na questão” (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Coimbra Editora Limitada, pág. 143, sendo o sublinhado nosso).

O que a lei impõe, sob pena de nulidade, é que o juiz conheça as questões essenciais e não os argumentos invocados pelas partes (sendo abundante a jurisprudência em que esta questão é suscitada, vd., a título meramente exemplificativo, o Ac. do STJ de 21/01/2014, proc. 9897/99.4TVLSB.L1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jst).

Por outro lado, a circunstância de, eventualmente, o tribunal a quo não se ter pronunciado quanto a factos alegados, não constitui nulidade nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 615º, n.º 1, alínea d) do CPC.

É que as questões essenciais que a 1ª parte do n.º 2 do art.º 608º do CPC impõe que o juiz conheça, também não se confundem com “factos”.

Como refere Alberto dos Reis, in CPC Anotado, Volume V, 1984, pág. 145: “Uma coisa é tomar em consideração determinado facto, outra é conhecer de questão de facto de que não podia tomar conhecimento; o facto material é um elemento para a solução da questão, mas não é a própria questão.”

E como decidido pelo Ac. do STJ de 23/07/2017, processo 7095/10.7TBMTS.P1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj, “o não atendimento de um facto que se encontre provado ou a consideração de algum facto que não devesse ser atendido”: são situações que “não se traduzem em vícios de omissão ou de excesso de pronúncia, dado que tais factos não constituem, por si, uma questão a resolver nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC (…).”

Destarte a circunstância de, eventualmente, o tribunal a quo não se ter pronunciado quanto a factos alegados, constituirá uma deficiência da matéria de facto, patologia a suprir nos termos do disposto na alínea c) do n.º 2 do art.º 662º do CPC.

A segunda (excesso de pronúncia) verifica-se quando o tribunal conhece de questões que não foram invocadas pelas partes e de que não podia conhecer oficiosamente.

Naturalmente que tal conhecimento há-de importar consequências para a decisão da causa, ou seja, desse conhecimento hão-de ser extraídos efeitos jurídicos.

Caso assim não suceda, caso o juiz conheça de uma questão que é desnecessária para a boa decisão da causa, no sentido em que o seu conhecimento se revela inconsequente para a decisão final, o juiz terá praticado um acto inútil (art.º 130º), mas não ocorre nulidade da sentença por excesso de pronúncia.

Na senda do já considerado quanto à omissão de pronúncia, também não integra o excesso de pronúncia a circunstância de o tribunal ter considerado factos essenciais que não podia considerar por não terem sido alegados.

Tal patologia traduz-se numa violação do disposto no corpo do n.º 2 do art.º 5º do CPC - o tribunal apenas pode considerar os factos articulados pelas partes - e, portanto, num erro de julgamento da decisão de facto que, caso ocorra, tem como consequência considerar-se não escrito o facto considerado provado. E por estar em causa uma pura e simples aplicação da lei processual, é de conhecimento oficioso.

Por outro lado, não há excesso de pronúncia se o juiz, para decidir, usar de fundamentos jurídicos diferentes dos invocados pelas partes (Ac. do STJ de 27/04/2017, proc. 685/03.6TBPRG.G1.SI, consultável in www.dgsi.pt/jstj).

Já Alberto dos Reis, in ob. cit. pág. 56, afirmava: “Não basta que haja coincidência ou identidade entre o pedido e o julgado; é necessário, além disso, (…) que haja identidade entre a causa de pedir (causa petendi) e a causa de julgar (causa judicandi).”

E depois de analisar situações em que o que ocorreu foi uma diferente qualificação jurídica dos factos, afirma (pág. 58) que: “quando o juiz julga procedente a acção com fundamento em causa de pedir diversa da alegada pelo autor, conhece de questão que o autor não submeteu à sua apreciação, isto é, de questão de que não podia tomar conhecimento”, considerando que a sentença incorria na nulidade prevista na 2ª parte do n.º 4 do art.º 668º do CPC então vigente, ou seja, em excesso de pronúncia e que hoje integra a 2ª parte da alínea d) do n.º 1 do art.º 615º do CPC.

Também Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos… pág. 223, refere que “se o tribunal condena no pedido formulado, mas utiliza um fundamento que excede os seus poderes de conhecimento, a hipótese cabe na nulidade prevista no art.º 668º, n.º 1 alínea d), 2ª parte” e que corresponde hoje à 2ª parte da alínea d) do n.º 1 do art.º 615º do CPC.

E Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in CPC anotado, II volume, pág. 737, referem: “Não podendo o juiz conhecer de causas de pedir não invocadas, nem de excepções não deduzidas na exclusiva disponibilidade das partes (art.º 608-2) é nula a sentença que o faça.”

Na jurisprudência o Ac do STJ de 07/04/2016, processo 842/10.9TBPNF.P2.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj refere:
“… para além de o processo só se iniciar sob o impulso do autor ou requerente – tem este o ónus de delimitar adequadamente o thema decidendum, formulando o respectivo pedido, ou seja, indicando qual o efeito jurídico, emergente da causa de pedir invocada, que pretende obter e especificando ainda qual o tipo de providência jurisdicional requerida, em função da qual se identifica, desde logo, o tipo de acção proposta ou de incidente ou providência cautelar requerida - definindo ainda o núcleo essencial da causa de pedir em que assenta a pretensão deduzida.
Daqui decorre naturalmente um princípio de correspondência ou congruência entre o pedido deduzido e a pronúncia jurisdicional obtida pela parte, devendo o decidido pelo juiz adequar-se às pretensões formuladas, ser com elas harmónico ou congruente, sob pena de se verificar a nulidade da sentença por excesso de pronúncia”

E o Ac. do STJ de 05/12/2019, processo 5940/16.2T8GMR.G1.S2, consultável in www.dgsi.pt/jstj, conclui que “incorre em nulidade por excesso de pronúncia o acórdão que conhece de um pedido com base em causa de pedir diversa da que o havia fundado.”

4.3. Em concreto
O tribunal considerou no ponto 5 dos factos provados ter sido acordada uma redução do preço (facto que a A. impugna) e transcreveu no ponto 3 dos factos provados o contrato de mediação, incluindo a sua cláusula 5ª, n.º 2, onde se refere que a remuneração é acrescida de IVA à taxa legal, o qual está incluso no valor referido (factualidade esta que a A. não impugna).

E, em sede de fundamentação de direito, operou ainda uma redução da comissão em função da redução alegadamente acordada para a mesma e do valor porque o imóvel foi vendido, tendo ainda considerado que o valor encontrado incluía o IVA; e condenou nesse valor.

A A., relativamente a tais questões, ora invoca nulidades por excesso e omissão de pronúncia, ora invoca erro no julgamento da decisão de facto e de direito.

Quanto às nulidades, e em síntese, invoca que a sentença é nula por:
- excesso de pronúncia:
i) quanto a dois factos – uma “primeira” redução da comissão e a inclusão do IVA na comissão acordada;
ii) quanto, ainda, ao facto de o tribunal ter efectuado uma segunda redução da comissão em função da redução da mesma alegadamente acordada e do valor por que o imóvel foi vendido e ter ainda considerado que o valor encontrado incluía o IVA e condenado nesse valor;
- omissão de pronúncia por na parte decisória omitir o valor do IVA a ser liquidado pelos RR..

Como já se deixou dito em sede de enquadramento jurídico, o excesso de pronúncia não abrange a consideração de factos não alegados, pelo que improcede a primeira invocação.

Quanto à segunda invocação, os RR. não alegaram na contestação qualquer acordo para a redução da comissão da A., sendo, portanto, possível considerar, em tese, que o tribunal conheceu de questão não invocada e, em função disso, que incorreu em excesso de pronúncia.

Mas, uma vez que, no caso, tal resulta da aplicação de factos julgados provados, mas, eventualmente, não alegados e sendo esta uma questão de erro de julgamento de facto, entende-se que aquela questão será, então e a verificar-se aquele erro, uma questão de erro de julgamento de direito.

Também não tem cabimento a invocada omissão de pronúncia pois o tribunal considerou na antepenúltima página da sentença recorrida “(…) uma redução proporcional da comissão da autora em face de uma baixa do preço para 200.000,00€, para o valor de 10.000,00€ com IVA incluído.” (sublinhado nosso).

Saber se o tribunal tinha de condenar os RR. a liquidar a quantia de €10.000,00 acrescida de IVA, não quadra, portanto, a qualquer omissão de pronúncia, mas eventual erro de julgamento.

De referir que a recorrente invoca (conclusão ii)) a alínea b) do n.º 1 do art.º 615º, que respeita à falta de fundamentação, sem, no entanto, explicar as razões porque o faz.

Sempre se dirá que, caso exista omissão de pronúncia, então, naturalmente, não pode haver falta de fundamentação. Esta só se aplica se o tribunal decide uma questão e não a fundamenta.

Em face de tudo o exposto, improcedem todas as nulidades invocadas pela A., pelo que nesta parte improcede o respectivo recurso.

5. Fundamentação de facto
5.1. O tribunal a quo considerou:
a. Factos Provados
1. A Autora EMP01... – MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA. é uma sociedade comercial que se dedica à atividade de mediação imobiliária, sendo titular da licença ...30, emitida pelo Instituto da Construção e do Imobiliário, I.P..
2. Os réus AA e BB eram, até ../../2022, legítimos proprietários do prédio urbano, destinado a habitação, composto por cave, ... e andar com logradouro, sito no Lugar de ..., ... ou ..., Lote ...8, União de freguesias ... e ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...15 e, inscrito na caderneta predial urbana da respetiva freguesia sob o artigo ...07.
3. No dia 18/01/2021, a autora e os réus celebraram acordo reduzido escrito, assinado por ambas as partes, intitulado de «contrato de mediação imobiliária n.º ...21», o qual (entre o mais que consta de fls. 12 v. a 14 e que aqui se dá por reproduzido), se regia pelas seguintes cláusulas: “Cláusula 1.ª (identificação do imóvel) Os Segundos Contratante(s) é proprietário e legítimo da possuidor do prédio urbano, destinado a habitação, composto por 5 (cinco) divisões assoalhadas, (…) sito na Urbanização ..., Rua ..., freguesia ... e ..., concelho ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob a ficha n.º ...15 (…); Cláusula 2.ª (Identificação do negócio) A Mediadora obriga-se a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra, pelo preço de €215.000,00 (duzentos e quinze mil euros), desenvolvendo para o efeito, ações de promoção e recolha de informações sobre os negócios pretendidos e características dos respetivos imóveis. (…); Cláusula 4.ª (Regime de Contratação) 1. O segundo contratante contrata a Mediadora em regime de não exclusividade. (…) Cláusula 5.ª (Remuneração) 1. A remuneração só será devida se a Mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato, nos termos e com as exceções previstas no art. 19.º da Lei n.º 15/2013, de 8 de fevereiro. 2. O Segundo Contraente obriga-se a pagar à Mediadora, a título de remuneração: a quantia de 15.000,00€ (quinze mil euros), acrescido do IVA à taxa legal de 23% (incluso no valor referido). 3. O pagamento da remuneração apenas será efetuado nas seguintes condições: 50% após a celebração do contrato-promessa e os remanescentes 50% na celebração da escritura ou conclusão do negócio. (…) Cláusula 8.ª (Prazo de duração do contrato) O presente contrato tem uma validade de 180 dias, contados a partir da data da sua celebração, renovando-se automaticamente por iguais e sucessivos períodos de tempo, caso não seja denunciado por qualquer das partes contratantes, através de carta registada com aviso de receção ou outro meio equivalente, com a antecedência mínima de dez dias em relação ao seu termo. (…) Cláusula 10.ª (Angariador Imobiliário) Na preparação do presente contrato de mediação imobiliária, colaborou o Angariador Imobiliário DD (…)”
4. Após a outorga do acordo referido em 3), a Autora diligenciou pela promoção do imóvel em diversas plataformas online, flyers, montra da loja, apresentação do imóvel em reuniões semanais de loja e mensais de grupo.
5. Em 22/04/2021, a autora e os réus acordaram uma redução do valor de venda do imóvel para €207.000,00 e uma redução da comissão da autora para 12.000,00€, com IVA incluído.
6. Em junho de 2021, FF, agente imobiliária da Autora, tinha em carteira, para venda, um apartamento de CC e mulher EE, estando, ainda, responsável por localizar moradias do tipo que interessassem a esses mesmos clientes para adquirirem.
7. Nessa sequência, a FF indagou a colega DD, igualmente agente imobiliária da autora, no sentido de saber se tinha em carteira, para venda, moradias do tipo que interessassem a CC e EE.
8. Na sequência do referido em 7), DD indicou a FF o imóvel dos réus referido em 3) como sendo do interesse de CC e EE.
9. Por sua vez, FF informou CC e EE da existência do imóvel dos réus referido em 3) para venda.
10. Na sequência da atividade desenvolvida pela FF, agente imobiliária da Autora, em Junho de 2021, CC e mulher EE mostraram-se interessados em visitar o imóvel referido em 3).
11. Na sequência do interesse referido em 10), a autora, através das suas agentes imobiliárias FF e DD, os potenciais compradores CC e mulher EE, assim como os réus, acordaram em efetuar visita ao imóvel, o que aconteceu em data não concretamente apurada de junho de 2021.
12. Assim, em data não concretamente apurada de junho de 2021, as pessoas mencionadas em 11) compareceram no local, tendo os réus franqueado o acesso ao imóvel e conduzido as presentes pelo seu interior e exterior, momento em que os réus ficaram a conhecer os potenciais compradores CC e mulher, EE.
13. Após a realização da visita descrita em 12), CC e mulher, EE, declararam, perante a autora, que pretendiam adquirir o imóvel referido em 3), pelo valor de 205.000,00€.
14. A autora, através da sua agente imobiliária, DD, comunicou aos réus a pretensão dos referidos interessados em comprar o imóvel pelo preço de 205.000,00€, valor que foi aceite pelos réus.
15. Nessa sequência, a autora, através da sua agente imobiliário DD, contactou os réus com o propósito de agendar uma nova visita à casa e reunião com os interessados CC e mulher, EE, com vista à negociação dos termos do contrato promessa de compra e venda, o que foi aceite pelos réus.
16. Na sequência do referido em 15), a autora, através das suas agentes imobiliárias FF e DD, os potenciais compradores CC e mulher EE, assim como os réus, reuniram em casa destes.
17. Porquanto o filho dos réus pretendia ficar a viver no imóvel referido em 3) até à venda, assim como os potenciais compradores CC e mulher EE necessitavam de vender o seu apartamento para poderem comprar o imóvel referido em 3), e ainda não tinham os fundos disponíveis em conta para pagarem o sinal, a agente imobiliária da autora DD colocou na minuta do contrato de promessa de compra e venda um prazo de 180 dias para celebração do contrato definitivo e, bem como, que o cheque do sinal ficaria à guarda da autora e só seria entregue aos réus e descontado depois da venda do apartamento de CC e EE.
18. Os réus e os potenciais compradores CC e EE concordaram com a minuta do contrato de promessa de compra e venda apresentada pela autora e os termos nela apostos.
19. Na sequência do acordado, em 20/06/2021, a autora, através das suas agentes imobiliárias FF e DD, os potenciais compradores CC e mulher EE, assim como os réus, reuniram de novo em casa destes a fim de assinarem o contrato de promessa de compra e venda relativo ao imóvel mencionado em 3), o que fizeram.
20. Em 20/06/2021, os réus, como Primeiros Contratantes, e CC e mulher, EE, como Segundos Contratantes, celebraram acordo reduzido escrito, assinado por ambas as partes, intitulado de «Contrato-Promessa de Compra e Venda», o qual (entre o mais que consta de fls. 15 a 19 e que aqui se dá por reproduzido), se regia pelas seguintes cláusulas: “Cláusula Primeira Os Primeiros Contratantes são proprietários e legítimos possuidores do prédio urbano, destinado a habitação, composto por cave, ... e andar com logradouro, sito no Lugar de ..., ... ou ..., Lote ...8, União de freguesias ... e ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...15, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...07 (…). Cláusula Segunda 1. Pelo presente contrato, os Primeiros Contratantes prometem e obrigam-se a vender (…) aos Segundos Contratantes e estes prometem e obrigam-se a comprar-lhes o prédio urbano identificado na cláusula primeira (…) 2. Os Segundos Contratantes declaram que, previamente à assinatura do presente contrato, visitaram o imóvel objeto do mesmo (…). Cláusula Terceira 1. O preço de venda do prédio urbano identificado na cláusula primeira é de 205.000,00 (duzentos e cinco mil euros). 2. A título de sinal e princípio de pagamento, os Segundos Contratantes entregam, no ato da assinatura do presente contrato-promessa, a quantia de 20.000,00€ (vinte mil euros), através do cheque n.º ...84 emitido nesta data e sacado sobre a Banco 1..., S.A, que permanecerá sob a guarda da Mediadora Imobiliária até o prazo fixado na cláusula 4.1 do presente, ou até o momento da escritura definitiva, o que ocorrer primeiro, quando será entregue incontinenti aos Primeiros Contratantes. (…) 4. O remanescente do preço será pago, mediante cheque bancário ou visado, à ordem dos Primeiros Contratantes, no ato da escritura pública de compra e venda. (…) Cláusula quarta 1. Sem prejuízo do disposto no número dois, a escritura pública de compra e venda objeto deste contrato realizar-se-á no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias a contar da data da assinatura do presente contrato-promessa, em dia, hora e local a indicar pelos Segundos Contratantes, os quais notificarão os Primeiros Contratantes por qualquer meio suscetível de confirmação de receção, expedido com a antecedência mínima de 15 (quinze) dias. 2. Caso os Segundos Contratantes não procedam à marcação de escritura pública conforme previsto no número um desta cláusula, tal faculdade reverterá para os primeiros contratantes, obrigando-se os Segundos Contratantes a comparecer no dia, hora e local determinado e previamente comunicado por aquele pelo meio previsto no mesmo número, expedido com a antecedência mínima de 15 (quinze) dias para a sua morada. (…) Cláusula Sétima 1. Os Primeiros Contratantes terão direito, em caso de incumprimento definitivo do presente contrato imputável aos Segundos Contratantes, a fazer suas todas as quantias recebidas. 2. Os Segundos Contratantes terão direito, em caso de incumprimento definitivo deste contrato imputável aos Primeiros Contratantes, a exigir a restituição, em dobro, das quantias entregues a título de sinal. (…)”
21. Na sequência do acordado em 20), CC emitiu o cheque n.º ... datado de 18/06/2021, sacado sobre a Banco 1..., S.A., no valor de 20.000,00€, com a cláusula “não à ordem”, a favor do réu AA, que foi entregue e ficou à guarda da autora, o qual só seria entregue aos réus para ser descontado após a venda da casa dos promitentes compradores, por acordo entre réus e CC e mulher, EE.
22. Após a celebração do contrato-promessa, a agente imobiliária da autora DD manteve os Réus informados quanto ao estado da venda do apartamento de CC e mulher, EE.
23. Em dezembro de 2021 surgiu um interessado na compra da casa dos promitentes compradores CC e mulher EE.
24. Em dezembro de 2021, após a pré-aprovação do financiamento aos Promitentes Compradores por parte da entidade bancária e, ao tentar avançar para a avaliação do imóvel, foram solicitadas pela mesma as plantas do imóvel que seria adquirido.
25. Nesse momento, a autora solicitou ao réu marido por telefone as plantas do imóvel.
26. Em 30/12/2021, a autora remeteu para o réu marido um email com o seguinte teor:
“…Conforme nossa conversa telefónica de há pouco, venho deixar-lhe o email para o qual deverá enviar as plantas do imóvel. Alguma questão que tenha, peço que nos contate.”
27. Os réus não responderam a tal solicitação, nem atenderam o telefone à agente imobiliária da autora, DD.
28. Nessa sequência, a Autora efetuou o pedido de obtenção dos referidos documentos junto da Camara Municipal competente, o que conseguiu, e, após desenroladas todas as diligências, solicitou aos Réus o acesso ao imóvel a fim de lá se deslocar o perito avaliador do banco.
29. Em 05/01/2022, a autora remeteu para o réu marido um email com o seguinte teor:
“…Solicitamos e agradecemos, pf, que nos indiquem quais os dias e horas, na próxima semana, que têm disponíveis para poder facultar a entrada ao imóvel sito no Lugar da ..., Lote ...8, em ..., para efeitos de avaliação bancária. Aguardamos, assim, com a maior brevidade o Vosso feedback, para podermos agilizar com o Banco.”
30. Os réus não responderam a essa solicitação de acesso ao imóvel.
31. Por carta registada com aviso de receção, datada de 06/01/2022, remetida pelos réus a CC e mulher, EE, e por estes recebida em 17/01/2022, com o assunto “Resolução de contrato-promessa de compra e venda”, aqueles comunicaram a estes o seguinte: “(…) Nesse contrato, não nos foi paga qualquer quantia a título de sinal ou princípio de pagamento, nomeadamente o valor de 20.000,00€, titulado no cheque n.º ...84, emitido em 18/06/2021, sacado sobre a Banco 1..., S.A.. Nesse contrato-promessa de compra e venda mais foi convencionado que a escritura pública de compra e venda realizar-se-ia impreterivelmente no prazo máximo de 180 dias a contar da data da assinatura desse contrato, prazo que terminou no dia 17 de dezembro de 2021. Até hoje a escritura definitiva de compra e venda a que respeita o contrato promessa referido ainda não foi realizada, conforme era obrigação dos compradores. Nenhuma notificação para convocação para marcação de escritura, local, dia, hora, nos foi remetida por V. Exas., nenhuma satisfação ou palavra nos deram, bem como, nenhuma quantia do preço, sinal ou outro nos foi paga. Assim, (…) somos a informar da resolução do contrato-promessa de compra e venda supra referido (…), pois perdemos interesse no mesmo, por mora e incumprimento definitivo das prestações a que V. Exas. se comprometeram contratualmente. (…) mais informamos que é nossa intenção sermos ressarcidos dos prejuízos que nos foram causados pelo incumprimento do mesmo (…)”
32. Em 07/01/2022, o réu marido remeteu para a autora um email com o seguinte teor:
“…Pela presente informamos que o contrato-promessa de compra e venda celebrado em 20/06/2021
(…) foi por nós resolvido, (…) conforme teor de comunicação postal registada com AR, que anexamos cópia. Lamentando o sucedido que, como compreenderão, a responsabilidade pelo mesmo não nos é devida, subscrevemo-nos com os melhores cumprimentos. Atentamente.”
33. Nessa sequência, a agente imobiliária da autora, DD, tentou contactar os réus por telefone, mas estes não atenderam.
34. Ainda nessa sequência, a agente imobiliária da autora, DD, entregou, em mão, à promitente compradora EE o cheque n.º ...84 sacado sobre a Banco 1..., S.A., datado de 18/06/2021, no montante de 20.000,00€.
35. Através de documento escrito datado de 11/01/2022, assinado por EE, esta declarou que lhe foi devolvido pela autora o cheque n.º ...84 sacado sobre a Banco 1..., S.A., datado de 18/06/2021 e no montante de 20.000,00€, no âmbito do Contrato Promessa de Compra e Venda outorgado em 20/06/2021 e que, conforme acordado entre as partes, tinha ficado na posse da autora como fiel depositária.
36. Por carta registada com aviso de receção, datada de 11/01/2022, remetida pelos réus à autora e por esta recebida em 17/01/2022, com o assunto “Denúncia de contrato de mediação imobiliária”, aqueles comunicaram a esta o seguinte: “(…) Na qualidade acima indicada contratamos com V. Exas. um contrato de mediação imobiliária para diligenciar e concretizar a venda da moradia referida (…). Pela presente comunicamos que não pretendemos renovar o contrato, pelo que o mesmo terminará no termo da sua primeira renovação, nos termos da cláusula oitava do referido contrato de mediação imobiliária. (…)”
37. Nessa sequência, a agente imobiliária da autora, DD, tentou contactar os réus por telefone, mas estes não atenderam.
38. Em data não concretamente apurada de final de janeiro de 2022, os promitentes compradores CC e EE venderam o seu apartamento.
39. Por documento particular autenticado, intitulado “Contrato de Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca”, outorgado em 29/07/2022, entre os réus, como Primeiros outorgantes, CC e mulher EE, como Segundos Outorgantes e a Banco 1..., SA, como Terceira Outorgante, (entre o mais que consta de fls. 24 a 38 e que aqui se dá por reproduzido), os réus declararam vender e os referidos CC e mulher EE declararam comprar o imóvel referido em 3), pelo preço de 200.000,00€ (duzentos mil euros).
40. No termo de autenticação, as partes declararam que o negócio não teve intervenção de mediador imobiliário.
41. O imóvel referido em 3) encontra-se registado pela Ap. ...71 de 2022/07/29, a favor CC e mulher EE, por aquisição aos réus.
42. Os réus não informaram a autora do negócio de venda referido em 37).
43. A Autora tomou conhecimento que o imóvel referido em 3) havia sido vendido pelos réus a CC e mulher EE quando consultou o registo predial.
b. Factos Não Provados
i) Os réus denunciaram o contrato de mediação unicamente para obviar ao pagamento da remuneração acordada com a autora.
ii) Os réus foram notificados pela autora para proceder ao pagamento da quantia respeitante à comissão acordada no contrato referido em 3) dos factos provados.
iii) Decorridos os 180 dias contratualmente ajustados em 20) dos factos provados, que tiveram o seu termo em 2021.12.17, os promitentes compradores principiaram por afirmar não disporem da quantia necessária para a compra (alegadamente não teriam conseguido vender um imóvel que lhes pertencia).
iv) Ou seja, não marcaram a escritura e transmitiram aos promitentes vendedores que era escusado estes marcarem-na, pois de uma forma ou de outra, eles promitentes compradores, face à falta de verba, estavam impossibilitados de cumprir.
v) Os promitentes compradores tornaram-se incontactáveis, fosse por que meio fosse.
vi) Os promitentes compradores não puseram em causa a resolução do contrato de promessa, tendo-a aceitado.
vii) Os réus requereram à autora a entrega do cheque referido em 21) dos factos provados.
viii) Refira-se que, no decurso do referido prazo de que os promitentes compradores dispunham, surgiu outro interessado (emigrante na ...) que se prontificava a fazer de imediato a compra do imóvel dos Réus – ao que estes não puderam aceder, por estarem vinculados pelo aludido contrato promessa.
ix) Daí que na carta mencionada em 31) dos factos provados, os Réus tenham responsabilizado os promitentes compradores pelos prejuízos para eles resultantes do incumprimento.
x) A autora não acautelou devidamente os interesses dos Réus; nomeadamente no que respeita ao facto de terem ficado sem qualquer quantia a título de sinal, pela «situação surpresa» com que os Réus foram confrontados por ocasião da outorga do contrato promessa.
xi) O anterior promitente comprador CC surgiu inesperadamente perante o Réu marido cerca de seis meses depois da cessação da validade do contrato de mediação imobiliária que lhe manifestou o propósito de comprar o imóvel dos Réus.
xii) Após negociações entre o réu marido e CC (que incluíram a atribuição de uma indemnização aos Réus pelo incumprimento do contrato que fora celebrado e depois resolvido), os Réus acederam a vender o imóvel a esse senhor e a sua mulher.
xiii) Neste negócio, a Autora não teve qualquer intervenção.
xiv) O negócio que foi mediado pela Autora frustrou-se, tendo culminado com a resolução do contrato promessa providenciado por ela Autora.

5.2. Da invocada extemporaneidade da impugnação da decisão de facto pelos RR.
Dispõe o n.º 1 do art.º 638.º do CPC que o prazo para a interposição do recurso é de 30 dias e conta-se a partir da notificação da decisão, reduzindo-se para 15 dias nos processos urgentes…

Por outro lado, nos termos do n.º 7 do art.º 638º do CPC, se o recurso tiver por objeto a reapreciação da prova gravada, ao prazo de interposição e de resposta acrescem 10 dias.

E no que releva dispõe o art.º 640º do CPC, cuja epigrafe é “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto” (sublinhado nosso):
 (…)
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
(…)”

A A./recorrida invoca a extemporaneidade da interposição do recurso pelos RR. por, no seu entender, a impugnação da decisão da matéria de facto com base em prova gravada exigir a identificação, com exactidão, das passagens da gravação em que se baseia a impugnação, o que não foi feito.

A questão que se coloca, então, é a de saber se a indicação com exatidão das passagens da gravação, prevista na alínea a) do n.º 2 do art.º 640º do CPC, é pressuposto da utilização da extensão do prazo a que alude o art.º 638º n.º 7 do CPC.

A jurisprudência vem reafirmando, desde há muito e sucessivamente, que o não cumprimento das exigências de natureza formal impostas pelo art.º 640º, nomeadamente a indicação com exatidão as passagens da gravação, não é pressuposto da utilização da extensão do prazo a que alude o art.º 638º n.º 7 do CPC e, portanto, não pode fundar a extemporaneidade da interposição do recurso.

Neste sentido (a recolha não é exaustiva):
-  o Ac. da RL de 12/04/2011, processo 1182/09.1TVLSB.L1-7, consultável in www.dgsi.pt/jtrl, proferido no domínio do CPC anterior à revisão de 2013 (e que foi seguido pelo Ac. da RP de 10/07/2013, processo 391/11.8TBCHV.P1 consultável in www.dgsi.pt/jtrp):
IV – Se o recorrente, apesar de ter usado aquele prazo e de manifestar o inequívoco propósito de impugnar a decisão proferida sobre os factos, não o faz, porém, em moldes que permitam apreciar o seu mérito, por não ter dado cumprimento às exigências de natureza formal impostas por lei, não se estará perante uma interposição fora de prazo geradora da inadmissibilidade do recurso, mas perante uma impugnação que, na parte atinente à matéria de facto, será objecto de rejeição.

- o Ac. desta RG de 07/04/2016, processo 4247/10.3TJVNF.G1 (e onde consta uma recensão da jurisprudência até então proferida quanto à questão), consultável in www.dgsi.pt/jtrg:

I) Para que o recorrente possa beneficiar do prazo acrescido de 10 dias consignado no nº 7, do art.º 638º, do CPC, basta que, no seu requerimento manifeste inequivocamente a vontade de impugnar a decisão da matéria de facto com base em prova gravada. Não é necessário, para tal, que se mostrem observados os requisitos legais previstos, designadamente no art.º 640º, para se conhecer do mérito de tal impugnação.
 - o Ac. da RP de 20/09/2021, processo 2024/20.2T8STS-A.P1, consultável in www.dgsi.pt/jtrp:
I - Para beneficiar do prazo suplementar de 10 dias o recorrente não tem que demonstrar o bem fundado da sua pretensão. A omissão dos pressupostos de ordem formal para requerer a reapreciação da decisão de facto, apenas determinam a rejeição do recurso nessa parte (art. 640º/1 CPC). Não configuram pressupostos de admissibilidade do recurso.

No que respeita ao Supremo Tribunal de Justiça (todos os acórdãos citados estão disponíveis em www.dgsi.pt/jstj (e apenas se consideraram os Acórdãos proferidos pelas Secções Cíveis, muito embora a Secção Social também se tenha pronunciado sobre a questão, em virtude de no CPT existir norma idêntica ao n.º 7 do art.º 638º, concretamente o n.º 3 do art.º 80º):
- o Ac. de 22/10/2015, processo 2394/11.3TBVCT.G1.S1:
1. Contendo a alegação apresentada pelo recorrente uma impugnação séria, delimitada e minimamente consistente da decisão proferida acerca da matéria de facto, deve ter-se por processualmente adquirido, em termos definitivos, que se verificou a prorrogação do prazo para recorrer por 10 dias, independentemente do preciso juízo que ulteriormente se faça acerca do cumprimento do ónus de exacta indicação das passagens da gravação – que naturalmente poderá condicionar o conhecimento de tal impugnação, sem, todavia, pôr em causa a tempestividade do recurso de apelação.
           
E na sua fundamentação consta:
“ …a prorrogação de 10 dias, decorrente da citada disposição legal, (…) não depende de um integral cumprimento dos ónus secundários (por visarem apenas a localização no suporte que contém a gravação dos depoimentos invocados) decorrente do preceituado na alínea a) do nº 2 do art.º 640º, cuja utilidade e funcionalidade só ganham sentido se a Relação for efectivamente reapreciar as provas.
Em suma: contendo a alegação apresentada pelo recorrente uma impugnação séria, delimitada e minimamente consistente da decisão proferida acerca da matéria de facto, deve ter-se por processualmente adquirido, em termos definitivos, que se verificou a prorrogação do prazo para recorrer por 10 dias, independentemente do preciso juízo que ulteriormente se faça acerca do cumprimento do ónus de exacta indicação das passagens da gravação – que naturalmente poderá condicionar o conhecimento de tal impugnação, sem, todavia, pôr em causa a tempestividade do recurso de apelação, na parte em que apenas versa sobre questões jurídicas.”
           
- o Ac. do STJ de 28/04/2016, processo 1006/12.2TBPRD.P1.S1:
3. A extensão do prazo de 10 dias previsto no art. 638º, nº 7, do CPC, para apresentação do recurso de apelação quando tenha por objecto a reapreciação de prova gravada depende unicamente da apresentação de alegações em que a impugnação da decisão da matéria de facto seja sustentada, no todo ou em parte, em prova gravada, não ficando dependente da apreciação do modo como foi exercido o ónus de alegação.
4. Tendo o recorrente demonstrado a vontade de impugnar a decisão da matéria de facto com base na reapreciação de prova gravada, a verificação da tempestividade do recurso de apelação não é prejudicada ainda que houvesse motivos para rejeitar a impugnação da decisão da matéria de facto com fundamento na insatisfação de algum dos ónus previstos no art. 640º, nº 1, do CPC.

- o Ac do STJ de 08/02/2018, processo 8440/14.1T8PRT.P1.S1:
II - A apelante que sustenta a alteração da matéria de facto com base em depoimento testemunhal gravado beneficia da prorrogação do prazo de dez dias para recorrer, independentemente da regularidade da impugnação da matéria de facto e do respectivo mérito (art. 638.º, n.º 7, do CPC).
           
- o Ac. do STJ de 14/09/2021, processo 18853/17.1T8PRT.P1.S1:
Na avaliação da tempestividade de um recurso, tendo sido feito uso do alargamento do prazo previsto no art. 638º, nº 7, do CPC, há que verificar se faz parte do objecto desse recurso a reapreciação de prova gravada, o que é independente da observância dos ditames do art. 640º do CPC.

Aqui chegados podemos responder à questão colocada: a indicação com exatidão as passagens da gravação, prevista na alínea a) do n.º 2 do art.º 640º do CPC não é pressuposto da utilização da extensão do prazo a que alude o art.º 638º n.º 7 do CPC.

Mas, mesmo que assim não fosse, a jurisprudência vem considerando que o cumprimento da exigência contida na alínea a) do n.º 2 do art.º 640º deve ter em consideração o princípio da proporcionalidade.

Assim, decidiu-se no Ac. do STJ de 29/10/2015 proc. 233/09.4TBVNC.G1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj:
“1. Face aos regimes processuais que têm vigorado quanto aos pressupostos do exercício do duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto, é possível distinguir um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação - que tem subsistido sem alterações relevantes e consta actualmente do nº 1 do art. 640º do CPC; e um ónus secundário - tendente, não propriamente a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado, no seu conteúdo prático, ao longo dos anos e das várias reformas - indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exacta das passagens da gravação relevantes (e que consta actualmente do art. 640º, nº 2, al. a) do CPC).
2. Este ónus de indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, não sendo justificada a imediata e liminar rejeição do recurso quando - apesar de a indicação do recorrente não ser, porventura, totalmente exacta e precisa -, não exista dificuldade relevante na localização pelo Tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado para demonstrar o invocado erro de julgamento - como ocorre nos casos em que, para além de o apelante referenciar, em função do conteúdo da acta, os momentos temporais em que foi prestado o depoimento complemente tal indicação com uma extensa transcrição, em escrito dactilografado, dos depoimentos relevantes para o julgamento do objecto do recurso”.

A doutrina deste Ac. tem sido seguida por outros do STJ: a título meramente exemplificativo:
- Ac. de 15/02/2018, proc. 134116/13.2YIPRT.E1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj:
I. A razão de ser do requisito de impugnação estabelecido na alínea a) do n.º 2 do artigo 640.º do CPC tem em vista o delineamento, por parte do recorrente, do campo de análise probatória sobre o teor dos depoimentos convocados de modo a proporcionar, em primeira linha, o exercício esclarecido do contraditório, por banda do recorrido, e a servir de base ao empreendimento analítico do tribunal de recurso, sem prejuízo da indagação oficiosa que a este tribunal é legalmente conferida, em conformidade com o disposto nos artigos 5.º, n.º 2, alínea a), 640.º, n.º 2, alínea b), 1.ª parte, e 662.º, n.º 1, do mesmo Código.
II. Complementarmente, tal exigência constitui um fator de concentração da argumentação probatória do recorrente, numa base substancial, sobre a caracterização do erro de facto invocado, refreando, por outro lado, eventuais tendências para meras considerações de natureza generalizante e especulativa.
III. Todavia, o nível de exigência na exatidão das passagens das gravações não se pode alhear da metodologia ou do modo concreto como os depoimentos foram prestados e colhidos em audiência.
IV. Assim, à luz dessas coordenadas, impõe-se aferir a medida de proporcionalidade adequada à exatidão das passagens das gravações a que se refere o normativo em foco.
V. Nessa conformidade, a decisão de rejeição do recurso com tal fundamento não se deve cingir a considerações teoréticas ou conceituais, de mera exegética do texto legal e dos seus princípios informadores, mas contemplar também uma ponderação do critério legal nas circunstâncias e modo como os depoimentos foram prestados e colhidos, bem como face ao grau de dificuldade que a indicação das passagens da gravação efetuada acarrete para o exercício do contraditório e para a própria análise crítica por parte do tribunal de recurso.              
VI. No caso em que vem impugnado apenas um juízo probatório negativo, convocando-se diversos depoimentos prestados nessa sede com argumentação crítica sobre a valoração feita pela 1.ª instância e questionamento da credibilidade dada às testemunhas da A. em detrimento das da R., complementada ainda pela transcrição desses depoimentos com indicação do dia da sessão de julgamento em que foram prestados, do ficheiro de que consta a respetiva gravação e das horas e tempo de duração, tal como ficou consignado em ata, tem-se por observado o nível de exatidão suficiente do teor dessas gravações suscetíveis de relevar para a apreciação do caso, à luz do preceituado no artigo 640.º, n.º 2, alínea a), do CPC.
VII. De resto, a forma como os depoimentos foram prestados e colhidos naquelas gravações, bem como a latitude da impugnação deduzida, versando nomeadamente sobre a credibilidade desses depoimentos, não se afigura de molde a exigir um minucioso parcelamento das respetivas passagens como foi entendido no acórdão recorrido, tanto mais que nem sequer tal forma de impugnação constituiu óbice ao exercício do contraditório por parte da apelada.

- Ac. de 21/03/2019, processo 3683/16.6T8CBR.C1.S2:
II. Na verificação do cumprimento dos ónus de impugnação previstos no citado artigo 640º, os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
III. Nesta conformidade, enquanto a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº1, alíneas a), b) e c)  do referido artigo 640º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada,  já, quanto à falta ou imprecisão da indicação das passagens da gravação dos depoimentos a que alude o nº 2, alínea a) do mesmo artigo, tal sanção só se justifica nos casos em que essa omissão ou inexatidão dificulte, gravemente, o exercício  do contraditório pela parte contrária e/ou o exame pelo  tribunal  de recurso.
IV. Tendo o  recorrente,  indicado, nas  conclusões das alegações de recurso,  o início e o termo de cada um dos depoimentos das testemunhas ou indicado o ficheiro em que os mesmos se encontram gravados no suporte técnico e complementado estas  indicações  com a  transcrição, no corpo das alegações,  dos excertos dos depoimentos  relevantes para o julgamento do objeto do recurso,  tanto basta para se concluir que o recorrente cumpriu o núcleo essencial do ónus de indicação das passagens da gravação tidas por relevantes, nos termos  prescritos  no artigo 640º, nº 2, al. a) do CPC, nada obstando a que o Tribunal da Relação tome conhecimento  dos fundamentos do recurso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

- Ac. de 16/11/2021, proc. 84277/18.3YIPRT.C1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj:       
IV - Se, apesar de a recorrida/apelada, na impugnação de facto deduzida na ampliação do recurso, não tiver indicado, com exactidão, as passagens da gravação em que funda a sua impugnação e não tiver transcrito os depoimentos de duas testemunhas que indicou, a apelante tiver procedido, na resposta, à transcrição dos depoimentos daqueles depoimentos (breves) e tiver exercido o contraditório sem dificuldade relevante, não se justifica, de acordo com o princípio da proporcionalidade a rejeição liminar do recurso de impugnação de facto (art 636º, nº 2, 640º, nº 1, b) e nº 2, al. a) e nº 3 do CPC).

No caso concreto verifica-se que os recorrentes, nos pontos 20, 22 e 23 da sua motivação, indicam os depoimentos gravados em que sustentam a impugnação dos pontos 17) e 21) da decisão de facto e os minutos da gravação de tais depoimentos em que se situam as passagens que pretendem invocar, pelo que, à luz do principio da proporcionalidade, sempre se imporia considerar cumprido disposto na alínea a) do n.º 2 do art.º 640º do CPC.

Em face do exposto, improcede a extemporaneidade da interposição do recurso pelos RR., invocada pela A.

5.3. Enunciados conclusivos
5.3.1. Enquadramento jurídico
Dispõe o n.º 4 do art.º 607º do CPC (sublinhado nosso):
“Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados….”

Na parte citada, este normativo dirige um comando ao juiz cujo primeiro sentido é este: na fundamentação (de facto) da sentença, só devem constar factos e não matéria de direito e/ou conclusões ou generalidades.

Ou seja: resulta claro deste normativo que na fundamentação de facto apenas cabem asserções de facto e não asserções conclusivas, genéricas, matéria de direito.

Contendo a sentença juízos conclusivos ou matéria de direito, coloca-se a questão de saber como resolver.

Hoje não existe nenhum normativo idêntico ao artigo 646º, n.º 4 do CPC revogado, que determinava terem-se por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito e que se aplicava, por analogia, à matéria conclusiva.
           
Mas o princípio que estava subjacente ao preceito não desapareceu, como tem vindo a decidir a jurisprudência.

Assim:
- no Ac. do STJ de 28/09/2017, proc. 809/10.7TBLMG.C1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj:
 “Muito embora o art. 646.º, n.º 4, do anterior CPC tenha deixado de figurar expressamente na lei processual vigente, na medida em que, por imperativo do disposto no art.º 607.º, n.º 4, do CPC, devem constar da fundamentação da sentença os factos julgados provados e não provados, deve expurgar-se da matéria de facto a matéria susceptível de ser qualificada como questão de direito, conceito que, como vem sendo pacificamente aceite, engloba, por analogia, os juízos de valor ou conclusivos”.

- no Ac. desta RG de 20.09.2018, proc. 778/16.0T8BCL.G1, consultável in www.dgsi.pt/jtrg em cuja fundamentação consta:
“O Código do Processo Civil de 2013 eliminou o citado preceito [646º n.º 4 do CPC de 1961], no entanto é de considerar que se mantém tal entendimento, interpretando a contrario sensu o n.º 4 do art. 607.º, segundo o qual, na fundamentação da sentença o juiz declara quais os factos que julga provados. Ou seja o tribunal só pode e deve considerar como provado em resultado da prova produzida “os factos” e não as conclusões ou juízos de valor a extrair dos mesmos à luz das normas jurídicas aplicáveis, o que é uma operação intelectual bem distinta.”

- no Ac. desta RG de 11.10.2018, proc. 616/16.3T8VNF-D.G1, consultável no mesmo sítio do anterior, onde consta:
“ De resto, ainda que o actual CPC não inclua uma disposição legal com o conteúdo do art.º 646º n.º 4 do pretérito CPC (o qual considerava não escritas as respostas sobre matéria de direito), (…) que tal não permite concluir que pode agora o juiz incluir no elenco dos factos provados meros conceitos de direito e/ou conclusões normativas, e as quais, a priori e antecipada e comodamente, acabem por condicionar e traçar desde logo o desfecho da acção ou incidente, resolvendo de imediato o “thema decidendum”.

- no Ac. do STJ de 19/01/2023, processo 15229/18.7T8PRT.P1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj consta do respetivo texto que “por imperativo do estatuído no artigo 607º nº 4 do CPC, devem constar da fundamentação da sentença os factos – e apenas os factos – julgados provados e não provados, o que significa que deve ser suprimida toda a matéria deles constante susceptível de ser qualificada como questão de direito, conceito que, como vem sendo pacificamente aceite, engloba, por analogia, juízos de valor ou conclusivos.”

Este mesmo acórdão refere ainda que “saber se um concreto facto integra um conceito de direito ou assume feição conclusiva ou valorativa constitui questão de direito, porquanto não envolve um juízo sobre a idoneidade da prova produzida para a demonstração ou não desse mesmo facto enquanto realidade da vida.”

5.3.2. Em concreto
Os pontos x) e xvi) dos factos não provados têm o seguinte teor:
x) A autora não acautelou devidamente os interesses dos Réus; nomeadamente no que respeita ao facto de terem ficado sem qualquer quantia a título de sinal, pela «situação surpresa» com que os Réus foram confrontados por ocasião   da outorga do contrato promessa.

xiv) O negócio que foi mediado pela Autora frustrou-se, tendo culminado com a resolução do contrato promessa providenciado por ela Autora.

Estamos perante enunciados patentemente valorativos e conclusivos.

Destarte e em face do exposto, consideram-se não escritos os pontos x) e xiv) dos factos não provados, ficando prejudicada a apreciação da sua impugnação.

5.4. Da inutilidade da impugnação da decisão de facto deduzida pelos RR.
5.4.1. Enquadramento jurídico
Dispõe o art.º 130º do CPC que não é lícito realizar no processo actos inúteis.

Tal normativo tem aplicação à reapreciação da matéria de facto: se a modificação dos pontos de facto impugnados não tiver a virtualidade de, segundo as diversas soluções plausíveis das questões de direito, conduzir, per se ou conjugados com outros factos, à alteração do julgado, não faz sentido proceder à sua reapreciação.

Neste sentido o Ac. do STJ de 28/09/2023, processo 2509/16.5T8PRT.P1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj, sumariou o seguinte: 
“Por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto se entender que os concretos factos objecto da impugnação, atentas as circunstâncias do caso e as várias soluções plausíveis de direito, não têm relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual puramente gratuita ou diletante.”

E já antes o Ac. do STJ de 17/05/2017, processo 4111/13.4TBBRG.G1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj, afirmou:
“Definido o processo jurisdicional, do ponto de vista estrutural, como uma sequência de actos jurídicos logicamente encadeados entre si, ordenados em fases sucessivas com vista à obtenção da providência judiciária requerida pelo autor (Castro Mendes, Manual de Processo Civil, 1963, pág. 7, e A. Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed.,1985, pág.11), cabe ao juiz, no âmbito da sua função de direcção e controlo do processo, obviar a que nele sejam produzidos ou produzir actos inúteis.
O princípio da limitação de actos, consagrado no artigo 130º do Código de Processo Civil para os actos processuais em geral, proíbe a sua prática no processo – pelo juiz, pela secretaria e pelas partes – desde que não se revelem úteis para este alcançar o seu termo.
Trata-se de uma das manifestações do princípio da economia processual, também aflorado, entre outros, no artigo 611º, que consagra a atendibilidade dos factos jurídicos supervenientes, e no artigo 608º n.º 2, quando prescreve que, embora deva resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, o juiz não apreciará aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Nada impede que também no âmbito do conhecimento da impugnação da decisão fáctica seja observado tal princípio, se a análise da situação concreta em apreciação evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual, cuja relevância se projecte na decisão de mérito a proferir.
Com efeito, aos tribunais cabe dar resposta às questões que tenham, directa ou indirectamente, repercussão na decisão que aprecia a providência judiciária requerida pela(s) parte(s) e não a outras que, no contexto, se apresentem como irrelevantes e, nessa medida, inúteis.
Para se aferir da utilidade da apreciação da impugnação da decisão fáctica importa considerar se os pontos de facto questionados se não apresentam de todo irrelevantes, se a eventual demonstração dos mesmos é susceptível de gerar um juízo diferente sobre a questão de direito, se é passível de influenciar e, porventura, alterar a decisão de mérito no quadro das soluções plausíveis da questão de direito.”

5.4.2. Em concreto
Como já se deixou dito, o objecto do litígio é saber se a A. tem direito a receber dos RR. a remuneração acordada acrescida de IVA à taxa legal, por ter tido uma actividade determinante na celebração, por aqueles, do contrato de compra e venda objecto do contrato de mediação.

Não é objecto de discussão nos autos que entre as partes foi celebrado um contrato de mediação tendo por objecto o prédio urbano, destinado a habitação, composto por 5 (cinco) divisões assoalhadas, (…) sito na Urbanização ..., Rua ..., freguesia ... e ..., concelho ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob a ficha n.º ...15.

A A. impugna a redução da comissão constante do contrato e a inclusão do IVA na remuneração.

Por sua vez, os RR. impugnam que a actividade da A. tenha sido determinante para a celebração do contrato de compra e venda daquele imóvel entre si e CC e mulher, EE.

Vejamos a factualidade impugnada pelos RR.

O ponto 17 refere-se ao facto de ter sido colocado na minuta do contrato-promessa celebrado entre os RR., enquanto promitentes-vendedores, e CC e mulher, EE, enquanto promitentes-compradores, que o cheque do sinal ficaria à guarda da autora e só seria entregue aos réus e descontado depois da venda do apartamento de CC e EE.

A minuta de um contrato é um documento que prepara o texto final e definitivo a ser subscrito pelas partes, contendo para isso o projecto escrito das cláusulas do contrato que as partes visam celebrar e que, não tendo sido elaborado por qualquer uma delas, é submetido à sua apreciação para, querendo, proporem alterações, as quais podem ou não ser aceites pela contraparte, podendo, por isso, aquela, ser modificada.

Não sendo o contrato promessa definitivo, a minuta não produz os efeitos típicos do mesmo, ou seja, dela não decorrem os direitos e obrigações típicos daquele.

O contrato promessa definitivo está plasmado no ponto 20 dos factos provados, que não foi impugnado, pelo que tudo quanto consta do ponto 17 é irrelevante no quadro das soluções plausíveis de direito.

E mesmo que apenas se considerasse não provada a parte final do mesmo -  em que se afirma “e, bem como, que o cheque do sinal ficaria à guarda da autora e só seria entregue aos réus e descontado depois da venda do apartamento de CC e EE” -, isso em nada influenciaria a decisão de mérito.

O ponto 21 refere-se à entrega por CC à A. do cheque para titular o sinal, mencionando ainda que o mesmo só seria entregue aos RR. para ser descontado após a venda da casa dos promitentes compradores, por acordo entre os RR. e CC e esposa.

Como veremos melhor em sede de fundamentação de direito, o que consta da parte final do ponto 21 não é, no quadro das soluções plausíveis da questão de direito, passível de influenciar a decisão de mérito de nenhuma das questões que estão em discussão no recurso: a redução da comissão constante do contrato, a inclusão do IVA na remuneração e saber se a actividade da A. foi determinante para a celebração do contrato de compra e venda daquele imóvel entre os RR. e CC e mulher, EE.

O ponto 34 refere-se à devolução, pela A., do cheque entregue por CC, à esposa deste, EE.

Os recorrentes limitam-se a declarar que este ponto integra a impugnação (ponto 6 da motivação e conclusão 3ª), sem que da motivação conste a mínima justificação para tal, como nem sequer indicam que o mesmo seja considerado não provado.

Além disso, consta da factualidade provada que os RR. declararam a resolução do contrato-promessa e denunciaram o contrato de mediação.

E essencialmente com base nisso os RR. alegam que a actividade da A. no âmbito do contrato de mediação não foi determinante na celebração do contrato de compra e venda do imóvel entre eles e CC e mulher, EE.

Neste quadro, a devolução do cheque complementará tal invocação, pelo que não se compreende a indicação de impugnação do referido ponto.

Mas mesmo que se considerasse o facto em referência, que integra os factos provados, como não provado, no quadro das soluções plausíveis da questão de direito isso em nada influenciaria a decisão de mérito de nenhuma das questões que estão em discussão no recurso e que já ficaram identificadas aquando da apreciação do ponto 21).

No ponto 38 consta que em data não concretamente apurada de final de janeiro de 2022 os promitentes compradores CC e esposa venderam o seu apartamento.

O que consta deste ponto não é, em absoluto, passível de influenciar a decisão de mérito das questões que estão em discussão no recurso e a que já nos referimos.

No ponto vi) dos factos não provados consta que os promitentes compradores não puseram em causa a resolução do contrato-promessa, tendo-a aceite.

Este facto integra a alegação dos RR. de que resolveram o contrato-promessa e denunciaram o contrato de mediação; e, por isso, a actividade da A. no âmbito do contrato de mediação não foi determinante na celebração do contrato de compra e venda do imóvel entre os RR. e CC e mulher, EE.

Mas como veremos melhor em sede de fundamentação de direito, no quadro das soluções plausíveis da questão de direito, mesmo que se considerasse provado o que consta do ponto vi) isso em nada influenciaria a decisão de mérito de nenhuma das questões que estão em discussão no recurso e que deixámos referidas aquando da análise do ponto 21.

Em face de tudo o exposto, não se conhece da impugnação de facto deduzida pelos RR., ficando assim prejudicada a questão da não observância dos requisitos do art.º 640º.

5.5. Da impugnação da decisão de facto deduzida pela A.
A A. invoca que a segunda parte do ponto 5 dos factos provados corresponde a factualidade não alegada e o ponto 39 não tem em consideração o depoimento de parte do R. AA, referindo que a venda a CC e esposa foi feita por mais € 6.000,00 do que os € 200.000,00 que constam do referido ponto.

Consta do ponto 5 dos factos provados:
 5. Em 22/04/2021, a autora e os réus acordaram uma redução do valor de venda do imóvel para € 207.000,00 e uma redução da comissão da autora para 12.000,00€, com IVA incluído.

A redução da remuneração da A. é um facto essencial modificativo do direito da mesma, pelo que cabia aos RR. alegá-la e prová-la.

Sucede que os RR. não alegaram na contestação ter havido qualquer redução da remuneração.

Como já se deixou referido, a circunstância de o tribunal a quo ter considerado provados factos essenciais que não foram oportunamente alegados pelas partes nos respectivos articulados traduz-se num erro de julgamento da decisão de facto, emergente da violação do que decorre do disposto no corpo do n.º 2 do art.º 5º do CPC - o tribunal apenas pode considerar os factos articulados pelas partes.

A lei não prevê uma sanção específica para esta situação.

Mas partindo do direito romano, onde se afirmava que quod non est in actis, non est in mundo (o que não está nos autos, não está no mundo), pode afirmar-se que, não constando dos articulados das partes um facto essencial constitutivo, modificativo, extintivo ou impeditivo do direito do A., tudo se passa, processualmente, como se ele não existisse

Destarte, tendo sido dado como provado um facto essencial que não foi alegado pelas partes, há-de entender-se que ocorreu um erro no julgamento da decisão de facto por desconsideração do disposto no corpo do n.º 2 do art.º 5º do CPC, o que tem como consequência a eliminação daquele, considerando-se não escrito.

Em face de tudo o exposto e sem necessidade de outras considerações por desnecessárias, procede a impugnação do ponto 5 dos factos provados deduzida pela A. e em consequência considera-se não escrito o segmento do mesmo que tem o seguinte teor: “ (…) e uma redução da comissão da autora para 12.000,00€, com IVA incluído.”

Relativamente ao ponto 39 dos factos provados tem o seguinte teor:
39. Por documento particular autenticado, intitulado “Contrato de Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca”, outorgado em 29/07/2022, entre os réus, como Primeiros outorgantes, CC e mulher EE, como Segundos Outorgantes e a Banco 1..., SA, como Terceira Outorgante (entre o mais que consta de fls. 24 a 38 e que aqui se dá por reproduzido), os réus declararam vender e os referidos CC e mulher EE declararam comprar o imóvel referido em 3), pelo preço de 200.000,00€ (duzentos mil euros).

O tribunal deu como provado exactamente o que consta do documento particular autenticado intitulado “Contrato de Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca”, outorgado em 29/07/2022, entre os réus, como Primeiros outorgantes, CC e mulher EE, como Segundos Outorgantes e a Banco 1..., SA, como Terceira Outorgante.

E o que consta de tal documento é que o preço da venda foi de € 200.000,00.

Neste contexto, carece em absoluto de fundamento pretender-se alterar o referido ponto para, em vez de constar € 200,000,00, passar a constar € 206.000,00, pois, não sendo isso que consta do documento em referência, estar-se-ia a desconsiderar a prova produzida.

No limite e uma vez analisada a prova, poder-se-ia, eventualmente, concluir, autonomamente, que os RR. receberam mais € 6.000,00 a título de preço.

Porém, tal exercício traduzir-se-ia num acto inútil na medida em que tenham os RR. vendido o imóvel por € 200.000,00, ou por € 206.000,00, ou por qualquer outro valor, isso é indiferente para a solução de mérito de acordo com as várias soluções plausíveis de direito, como veremos melhor em sede de fundamentação de direito.

Em face do exposto, improcede a impugnação do ponto 36 dos factos provados, pelo que nesta parte improcede o recurso da Autora.

6. Fundamentação de direito
6.1. Da qualificação do contrato celebrado
6.1.1. Enquadramento jurídico
O art.º 2º, n.º 1 da Lei n.º 15/2013, de 8 de fevereiro dispõe que a actividade de mediação imobiliária consiste na procura, por parte das empresas, em nome dos seus clientes, de destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posições em contratos que tenham por objecto bens imóveis.
           
E o n.º 6 dispõe:
6 - É designada por cliente a pessoa ou entidade que celebra com uma empresa habilitada nos termos da presente lei um contrato visando a prestação de serviços de mediação imobiliária.

O art.º 3º, n.º 1 dispõe:
1 - A atividade de mediação imobiliária só pode ser exercida em território nacional por empresas de mediação imobiliária e mediante contrato.

E art.º 16º, n.º 1 dispõe:
1 - O contrato de mediação imobiliária é obrigatoriamente reduzido a escrito.

Finalmente o art.º 19º da mesma Lei dispõe no n.º 1:
1 - A remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra.

Muito embora a Lei tenha essencialmente em vista regular a actividade de mediação imobiliária, ao conter normativos reguladores do contrato de mediação imobiliária, como sucede com os citados art.ºs 16 e 19º, tipificou-o (ao contrário do que sucede com o contrato de mediação em geral).

A Lei não contem uma definição do contrato de mediação imobiliária, como já não continha o Decreto-Lei n.º 211/2004, de 20 de agosto.

Há, no entanto, uma diferença entre os dois diplomas.

O art.º 2º, n.º 1 do DL 211/2004 dispunha (o sublinhado é nosso):
1 - A actividade de mediação imobiliária é aquela em que, por contrato, uma empresa se obriga a diligenciar no sentido de conseguir interessado na realização de negócio que vise a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posição em contratos cujo objecto seja um bem imóvel.

E o art.º 2º, n.º 1 da Lei n.º 15/2013 dispõe que a actividade de mediação imobiliária consiste na procura, por parte das empresas, em nome dos seus clientes, de destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posições em contratos que tenham por objecto bens imóveis.

Como refere Higina Orvalho Castelo in Regime Jurídico da Atividade de Mediação Imobiliário Anotado, 2015, pág. 35:
“O RJAMI (2013) abandona a referência a uma obrigação do mediador de efetuar dadas diligências e descreve simplesmente a atividade na perspetiva da sua execução fáctica, como a procura de destinatários, sem fazer corresponder essa procura a uma obrigação contratual.”

Assim, e tendo por referência os normativos citados, podemos definir o contrato de mediação imobiliária como aquele em que uma empresa de mediação imobiliária  (o mediador) assume perante outrem (o cliente), a incumbência, mediante uma remuneração, de procurar interessados na realização (com o cliente) de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posições em contratos que tenham por objecto bens imóveis.

De referir que o Ac. do STJ de 17/03/1967, publicado no BMJ 165, ano 1967, pág. 331, acolheu a seguinte definição de contrato de mediação:
I - O contrato de mediação supõe, na sua essência, a incumbência a uma pessoa de conseguir interessado para certo negócio, a aproximação feita pelo mediador entre o terceiro e o comitente e a conclusão do negócio entre ambos como consequência adequada da actividade do intermediário, sendo indiferente, no entanto, que este intervenha na fase final do negócio.

6.1.2. Em concreto
Feito este enquadramento vejamos a factualidade provada.

Está provado – ponto 1 dos factos provados – que a Autora se dedica à atividade de mediação imobiliária, sendo titular da licença ...30, emitida pelo Instituto da Construção e do Imobiliário, I.P..

Está ainda provado – ponto 3 dos factos provados - que no dia 18/01/2021, a autora e os réus celebraram acordo reduzido escrito, assinado por ambas as partes, intitulado de «contrato de mediação imobiliária n.º ...21», o qual (entre o mais que consta de fls. 12 v. a 14 e que aqui se dá por reproduzido), se regia pelas seguintes cláusulas: “(…) Cláusula 1.ª (identificação do imóvel) Os Segundos Contratante(s) é proprietário e legítimo da possuidor do prédio urbano, destinado a habitação, composto por 5 (cinco) divisões assoalhadas, (…) sito na Urbanização ..., Rua ..., freguesia ... e ..., concelho ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob a ficha n.º ...15 (…); Cláusula 2.ª (Identificação do negócio) A Mediadora obriga-se a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra, pelo preço de €215.000,00 (duzentos e quinze mil euros), desenvolvendo para o efeito, ações de promoção e recolha de informações sobre os negócios pretendidos e características dos respetivos imóveis. (…); Cláusula 4.ª (Regime de Contratação) 1. O segundo contratante contrata a Mediadora em regime de não exclusividade. (…) Cláusula 5.ª (Remuneração) 1. A remuneração só será devida se a Mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato, nos termos e com as exceções previstas no art. 19.º da Lei n.º 15/2013, de 8 de fevereiro. 2. O Segundo Contraente obriga-se a pagar à Mediadora, a título de remuneração: a quantia de 15.000,00€ (quinze mil euros), acrescido do IVA à taxa legal de 23% (incluso no valor referido). 3. O pagamento da remuneração apenas será efetuado nas seguintes condições: 50% após a celebração do contrato-promessa e os remanescentes 50% na celebração da escritura ou conclusão do negócio. (…) Cláusula 8.ª (Prazo de duração do contrato) O presente contrato tem uma validade de 180 dias, contados a partir da data da sua celebração, renovando-se automaticamente por iguais e sucessivos períodos de tempo, caso não seja denunciado por qualquer das partes contratantes, através de carta registada com aviso de receção ou outro meio equivalente, com a antecedência mínima de dez dias em relação ao seu termo. (…) Cláusula 10.ª (Angariador Imobiliário) Na preparação do presente contrato de mediação imobiliária, colaborou o Angariador Imobiliário DD (…)”

Tendo em consideração o supra referido e esta factualidade, impõe-se concluir que entre a A. e os RR. foi celebrado um contrato de mediação por estar verificado o elemento em que reside a essência, o cerne, da respectiva tipicidade legal: a A. aceitou a incumbência de procurar interessados na realização, com os RR. de um negócio que visava a aquisição do direito de propriedade sobre o prédio urbano identificado no contrato.

6.2. Do direito da Autora à remuneração
6.2.1. Enquadramento jurídico
Como já se deixou referido, o art.º 19º da Lei n.º 15/2013, de 8 de fevereiro dispõe no n.º 1:
1 - A remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra.

Quer a doutrina, quer a jurisprudência têm considerado que para a mediadora ter direito à remuneração não basta a conclusão e perfeição do negócio visado com a mediação, mais sendo necessária a existência de um “nexo causal” entre a actividade daquela e a celebração do negócio visado pela mediação.

Neste sentido tem sido afirmado (não sendo a recolha exaustiva):

- A prestação do mediador terá de ser causal em relação ao negócio celebrado entre o comitente e terceiro (Calos Lacerda Barata in Contrato de Mediação – Estudos do Instituto de Direito do Consumo, I, Almedina, 2002, pág. 203).

- A actividade do mediador deve ser causa adequada ao fecho do contrato definitivo; ou então: este deve alcançar-se como efeito de intervenção do mediador (António Menezes Cordeiro in Do Contrato de Mediação, O Direito, Ano 139º, 2007, III, pág. 729).

- A actividade do mediador deve ter contribuído de forma decisiva ou importante para a conclusão do contrato, não tendo, porém, que ser a sua única causa (Higina Castelo, O Contrato de Mediação, Colecção Teses, Almedina, 2014, pág. 299).

- A comissão do mediador é devida quando a sua actividade tiver contribuído, de forma determinante, para a celebração do negócio visado com a mediação (Fernando Baptista Oliveira, Manual da Mediação Imobiliária, Almedina, pág. 120).

- A actividade do mediador confere direito à mesma se, embora não sendo a única causa do resultado produzido, se integre de forma idoneamente determinante na cadeia dos factos que deram lugar ao negócio (Ac. do STJ de 22/05/2002, proc. 02B1609, consultável in www.dgsi.pt/jstj).

- O mediador, no contrato de mediação imobiliária, só tem direito à remuneração convencionada com o comitente/cliente quando a sua actuação determine a conclusão e perfeição do negócio visado, o que significa que tem de haver um nexo de causalidade adequada entre a sua actividade e a realização do negócio, de modo que se possa afirmar que a concretização deste foi o corolário ou a consequência daquela actuação (Ac. da RP de 13/04/2010, proc. 5408/06.5TBVFR.P1, consultável in www.dgsi.pt/jtrp).

- A comissão do mediador é devida quando a conclusão do contrato foi o resultado da actividade desenvolvida pela mediadora, em virtude de esta se integrar na cadeia de factos que deram lugar ao negócio pretendido, ainda que não tenha sido a única causa (Ac. da RC de 17/12/2014, proc. 242/11.3TBNZR.C1, consultável in www.dgsi.pt/jtrc).

- Condição (essencial) da aquisição do direito à remuneração é, portanto, a conclusão do negócio ou, pelo menos, que o negócio final (isto é, o previsto no contrato de mediação), tenha sido concluído como consequência (adequada) da actividade do mediador.
A circunstância de as negociações encetadas com a colaboração do mediador serem rompidas e, mais tarde, retomadas com sucesso, já sem a sua participação, desde que o seu desenvolvimento subsequente possa ser reconduzido, face a um critério de continuidade lógica, à anterior atividade do mediador, não deve excluir o nexo de causalidade adequada, nem o correspondente direito à retribuição do mediador (Ac. da RL de 10/05/2016, proc. 2119/13.9TJLSB.L1-7, consultável in www.dgsi.pt/jtrl).

- Tem sido entendimento da nossa jurisprudência que o mediador tem direito à comissão quando, embora não sendo a sua actividade a única causa determinante da realização do negócio pretendido pelo comitente, ela contribuiu para a sua realização…. (Ac da RL de 28/09/2017, proc. 47571/15.3YIPRT.L1-8, consultável in www.dgsi.pt/jtrl).

Numa tentativa de densificação, a mediadora terá direito à remuneração se for procurada ou encontrar uma pessoa que se venha a interessar pela celebração do contrato visado com a mediação, nomeadamente e como é normal, na sequência de uma visita ao imóvel, se a mediadora der a saber ao seu cliente ou lhe apresentar essa pessoa, assim promovendo o conhecimento mútuo, se o negócio visado com a mediação vier a ser celebrado entre o cliente e essa pessoa, de tal modo que se possa afirmar que a conclusão do contrato foi o resultado da actividade desenvolvida pela mediadora em virtude de esta se integrar na cadeia de factos que deram lugar ao negócio pretendido, ainda que não tenha sido a única causa (neste sentido o já citado Ac. da RC de 17/12/2014, proc. 242/11.3TBNZR.C1, consultável in www.dgsi.pt/jtrc).

Precisando:
- Para que o mediador adquira o direito à remuneração, o contrato que venha a ser celebrado pelo cliente e o terceiro angariado pelo mediador não tem de ser exactamente o mesmo que foi ab initio idealizado, mas tem de ter uma correspondência económica com ele, de modo que se possa dizer que os interesses do cliente, para satisfação dos quais recorreu aos serviços do mediador, interesses esses eventualmente adaptados durante a vida do contrato de mediação, obtêm satisfação, como sucede com o preço que se pretende obter com o contrato visado pela mediação, a menos que resulte do contrato de mediação que o direito à remuneração está dependente da obtenção de um interessado naquele preço e não noutro (Higina Orvalho Castelo, O Contrato de Mediação, Colecção Teses, Almedina, 2014, pág. 302-303).
- O mediador terá direito à remuneração ainda que os concretos termos do negócio celebrado tenham resultado de negociações directas entre os interessados que o mediador pôs em contacto (Ac. da RL de 05/03/2013, proc. 824/10.0YXLSB.L1-1, consultável in www.dgsi.pt/jtrl).
- O  nexo causal necessário à atribuição à mediadora do direito à comissão não exige que a sua actividade, com vista à consecução do negócio, seja contínua e ininterrupta, no sentido de que tenha participado em todas as tentativas até à sua fase conclusiva, antes sendo apenas necessário que ela indique a pessoa disposta a fazer o negócio e consiga a sua adesão à celebração deste; e competindo ao comitente a prova de factos interruptivos de tal nexo (Ac. da RC de 09/09/2014, proc. 1421/12.1TBTNV.C1, consultável in www.dgsi.pt/jtrc).
- O direito à remuneração não é afastado no caso de ter lugar uma quebra aparente desse mesmo nexo, por via de actos alheios ao mediador (Higina Castelo in O Contrato de Mediação…, pág. 410 e Fernando Baptista Oliveira, ob. cit., pág. 144).
- Quando o contrato visado é celebrado após o termo do contrato de mediação, ou seja, quando ocorra um desfasamento temporal entre a vigência do contrato de mediação e a conclusão do contrato visado pela mediação (seja porque decorreu o prazo a que estava sujeito, seja porque lhe foi posto termo por iniciativa das partes ou de uma delas), mas por influência da actuação do mediador ainda em vida do contrato, o mediador mantém o direito à remuneração (Higina Orvalho Castelo, O Contrato de Mediação, Colecção Teses, Almedina, 2014, pág. 299 e Acs. desta RG de 13/02/2020, proc. 849/18.8T8BGC.G1 e de 27/04/2023, proc. 1523/22.6T8GMR.G1, ambos consultáveis in www.dgsi.pt/jtrg).
- Para quebrar o nexo causal é essencial a verificação de factos que evidenciem, com consistência, que, não obstante a propensão da actividade da mediadora, outras circunstâncias existiram que foram decisivas e determinantes para a dissidência, para uma cisão fatal entre a actuação que foi empreendida e o negócio que veio a ter lugar (Ac. da RL de 15/07/2025, proc. 2615/20.1T8CSC.L1-7, consultável in www.dgsi.pt/jtrl).

Relativamente à expressão “perfeição” utilizada no n.º 1, a mesma tem sido interpretada no sentido de se exigir que o negócio concluído seja eficaz, que não padeça de qualquer invalidade absoluta ou em que se venha a verificar a condição resolutiva de que estava dependente (cfr. Higina Orvalho Castelo in Regime Jurídico da Atividade de Mediação Imobiliário Anotado, 2015, pág. 129-130 e Fernando Baptista Oliveira, ob. cit., pág. 122), nada tendo a ver com o eventual incumprimento do mesmo (aut. e ob. cit. pág. 123).

Finalmente e como é entendimento unânime (cfr. Fernando Baptista Oliveira, ob. cit., pág. 146 e a título exemplificativo o Ac. da RC de 17/01/2012, proc. 486/10.5T2OBR.C1, consultável in www.dgsi.pt/jtrc), é ao mediador que cabe fazer a prova de que a conclusão do negócio definitivo resultou da sua intervenção.

6.2.2. Em concreto
Resulta da factualidade provada que:
- Em junho de 2021, FF, agente imobiliária da Autora, tinha em carteira, para venda, um apartamento de CC e mulher, EE (doravante apenas CC e EE), estando, ainda, responsável por localizar moradias cuja aquisição interessasse aos mesmos (ponto 6 dos factos provados).
- Nessa sequência, FF indagou [junto d]a colega DD, igualmente agente imobiliária da autora, no sentido de saber se tinha em carteira, para venda, moradias do tipo que interessassem aos referidos CC e EE (ponto 7 dos factos provados), tendo a referida DD indicado à referida FF o imóvel dos réus, referido no ponto 3 dos factos provados (doravante apenas “imóvel dos RR.”), como sendo do interesse daqueles (ponto 8 dos factos provados).
- FF informou os referidos CC e EE da existência do imóvel dos réus para venda (ponto 9 dos factos provados) e, na sequência disso, em Junho de 2021, aqueles mostraram-se interessados em visitar o mesmo (ponto 10 dos factos provados).
- A autora, através das suas agentes imobiliárias FF e DD, os referidos CC e EE, assim como os réus, acordaram em efetuar visita ao imóvel, o que aconteceu em data não concretamente apurada de junho de 2021 (ponto 11 dos factos provados), tendo todos comparecido no local, tendo os réus franqueado o acesso ao imóvel e conduzido os presentes pelo seu interior e exterior, ficando os mesmos a conhecer os referidos CC e EE como potenciais compradores (ponto 12 dos factos provados).
- Após a realização da visita os referidos CC e EE declararam, perante a autora, que pretendiam adquirir o imóvel dos RR. pelo valor de 205.000,00€ (ponto 13 dos factos provados).
- A autora, através da sua agente imobiliária, DD, comunicou aos réus a pretensão dos referidos CC e EE de adquirirem o imóvel pelo preço de 205.000,00€, valor que foi aceite por aqueles (ponto 14 dos factos provados).
 - Nessa sequência, a autora, através da sua agente imobiliário DD, contactou os réus com o propósito de agendar uma nova visita à casa e reunião com os interessados CC e EE, com vista à negociação dos termos do contrato promessa de compra e venda, o que foi aceite pelos réus (ponto 15 dos factos provados), tendo a autora, através das suas agentes imobiliárias FF e DD, os potenciais compradores CC e EE, assim como os réus, reunido em casa destes (ponto 16 dos factos provados).
- A 20/06/2021, a autora, através das suas agentes imobiliárias FF e DD, os referidos CC e EE, assim como os réus, reuniram de novo em casa dos últimos, a fim de assinarem o contrato de promessa de compra e venda relativo ao imóvel mencionado no ponto 3 dos factos provados, o que fizeram (ponto 19 dos factos provados), contrato-promessa esse que tem o teor constante do ponto 20 dos factos provados.

Está ainda provado que:
- Por carta registada com aviso de receção, datada de 06/01/2022, remetida pelos réus a CC e mulher, EE, e por estes recebida em 17/01/2022, os RR. declararam a resolução do contrato promessa, invocando perda de interesse no mesmo (ponto 31 dos factos provados).
- O R. marido deu conhecimento dessa resolução à A. por email de 07/01/2022 (ponto 32 dos factos provados).
- Nessa sequência a agente imobiliária da autora, DD, entregou, em mão, à promitente compradora EE, que declarou receber, o cheque que havia sido entregue para titular o sinal (pontos 35 e 36 dos factos provados).
- E por carta registada com aviso de receção, datada de 11/01/2022, remetida pelos réus à autora e por esta recebida em 17/01/2022, aqueles comunicaram que não pretendiam a renovação do contrato de mediação (ponto 36 dos factos provados).

Finalmente, e no que releva, está provado que por documento particular autenticado, intitulado “Contrato de Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca”, outorgado em 29/07/2022, entre os réus, como Primeiros outorgantes, CC e mulher, EE, como Segundos Outorgantes e a Banco 1..., SA, como Terceira Outorgante (entre o mais que consta de fls. 24 a 38 e que aqui se dá por reproduzido), os réus declararam vender e os referidos CC e EE declararam comprar o imóvel referido em 3) pelo preço de 200.000,00€ (duzentos mil euros) (ponto 39 dos factos provados).

Em síntese, verifica-se que a A. tinha na sua carteira de clientes um casal – os referidos CC e EE – que estava interessado na aquisição de uma moradia; aqueles foram informados pela A. da existência do imóvel dos RR.; a A. marcou uma visita daqueles ao imóvel, que se realizou, tendo os RR. estado presentes, assim tendo promovido o conhecimento mútuo de ambos (RR., CC e EE), já que nada foi alegado no sentido de que já se conheciam antes; em virtude da visita intermediada pela A., foi possível aos referidos CC e EE conhecer o imóvel, já que nada foi alegado no sentido de que já o conheciam antes; e em virtude dessa visita, interessarem-se pela aquisição do mesmo (sendo este o negócio visado com a mediação), pelo valor de € 205.000,00, que, comunicado aos RR., foi por eles aceite; houve ainda uma segunda visita para negociação dos termos do contrato promessa e, finalmente, um encontro entre os RR. e os referidos CC e EE, no imóvel em referência, para assinatura do contrato promessa.

Entretanto e após vicissitudes que aqui não relevam, os RR. declararam a resolução do contrato-promessa, que havia sido celebrado entre os mesmos e os referidos CC e EE, e denunciaram o contrato de mediação.

Mas cerca de seis meses depois da declaração de resolução e da declaração de denúncia do contrato de mediação, os RR. venderam aos referidos CC e EE o imóvel objecto do contrato de mediação por € 200.000,00.

Tendo os RR. e o imóvel em causa sido apresentados aos referidos CC e EE pela A., nada tendo sido alegado no sentido de que já se conheciam ou conheciam o imóvel, e tendo sido entre eles (os RR. e os referidos CC e EE) que veio a ser celebrado o contrato de compra e venda cerca de seis meses depois da declaração de resolução e da declaração de denúncia do contrato de mediação - o que constitui um período temporal muito próximo -, e por um valor próximo do inicialmente ajustado - € 205.000,00, impõe-se concluir que a actividade da A. foi decisiva, foi determinante para tal celebração.

Só se poderia concluir em sentido contrário se se pudesse considerar que a actividade da A. foi indiferente para a realização da compra e venda, que esta foi alheia àquela, que não é possível associar, ligar, a primeira à segunda. Porém, face à factualidade provada, isso não é, de todo, possível.

E muito embora os RR. aleguem que a actuação da A. não foi determinante, mas sim a sua actuação, fazem-no de forma conclusiva, pois não é acompanhada de quaisquer factos concretos que a sustentem, não tendo razão de ser a invocação de jurisprudência relativa à intervenção de outra mediadora, já que em momento algum tal foi alegado.

Como se afirma na sentença recorrida e se acompanha “[a] identidade de sujeitos [acrescentamos nós, clientes da mediadora e angariados, por um lado e, respectivamente, vendedores e compradores do imóvel objecto do contrato de mediação, por outro], o preço aproximado, a proximidade temporal entre as atividades desenvolvidas pela A. e a celebração do contrato e a circunstância de não se ter demonstrado qualquer outro evento intercorrente entre réus e os compradores que também tivesse concorrido para a celebração do contrato definitivo (…), tal induz [o] nexo de causalidade.

Impõe-se analisar alguns aspectos específicos.

O facto de os RR. terem declarado a resolução do contrato-promessa - facto totalmente alheio à A. - e denunciado o contrato de mediação só aparentemente constitui uma quebra do nexo causal entre a actividade da A. e o negócio celebrado.

É que, pode afirmar-se, no quadro fáctico já referido, se não fosse a mediação, mais concretamente, a comunicação pela A. aos referidos CC e EE de que tinha a mediação da venda do imóvel dos autos em carteira e a promoção da visita ao mesmo, assim permitindo que conhecessem as suas características e se interessassem pela sua aquisição, o negócio não se concretizaria, pelo que não é possível deixar de considerar que tal actuação se integra de forma idoneamente determinante na cadeia dos factos que deram lugar ao contrato de compra e venda que foi celebrado.

E sendo assim, não releva verificar se a denúncia foi tempestiva ou não, e se produziu o efeito de extinguir o contrato de mediação porque, mesmo que estivesse extinto na data em que foi celebrada a compra e venda, o certo é que ninguém coloca em causa que a actuação da A., de apresentação do imóvel e dos RR. aos referidos CC e EE, ocorreu estando o contrato em vigor e, ainda que assim não o entendam os RR., a mesma foi determinante para a realização daquele negócio.

Também é irrelevante não ter ficado provado que “[o]s réus denunciaram o contrato de mediação unicamente para obviar ao pagamento da remuneração acordada com a autora” porque da não prova de um facto não se pode extrair o seu contrário.

Por outro lado, e como já se deixou dito em sede de enquadramento jurídico, o facto de o imóvel não ter sido vendido pelo valor que constava do contrato de mediação (€ 215.000,00) não colide com o direito à remuneração da A., uma vez que o contrato não faz depender a remuneração da obtenção de um comprador por aquele valor.

E é totalmente irrelevante para a questão em referência a alegação dos RR. de que o cheque que titulava o sinal não lhes foi entregue, sendo certo que (apesar da sua irrelevância), ficou a constar do contrato-promessa subscrito pelos mesmos que o referido cheque ficava à guarda da A. (cfr. ponto 20 dos factos provados).

Em face de tudo o exposto, impõe-se concluir que a actividade da A. foi determinante para celebração do contrato de compra e venda entre os RR., como vendedores e os referidos CC e EE, como compradores, pelo que à luz do n.º 1 do art.º 19º da Lei n.º 15/2013, a mesma tem direito a remuneração, assim improcedente, nesta parte, o recurso dos RR.

6.2.3. Do montante da remuneração
Coloca-se agora a questão do montante dessa remuneração.

A A. pediu que os RR. fossem condenados a pagar, a título de remuneração, a quantia € 15.000,00 acrescida de IVA à taxa legal de 23%, no valor de € 3.450,00.

A sentença recorrida, considerando, à luz do que constava do ponto 5 dos factos provados, ter havido uma redução do valor da venda do imóvel e uma redução da comissão para € 12.000,00, com IVA incluído, e que o imóvel foi vendido por € 200.000,00, entendeu: “Considerando o acordo negocial concreto, o seu sentido, a distribuição concreta do risco e sua subsequente alteração de redução da comissão da autora para 12.000,00€, com IVA incluído, quando acordaram uma redução do valor de venda do imóvel para € 207.000,00, entende-se que as partes teriam acordado uma redução proporcional da comissão da autora em face de uma baixa do preço para 200.000,00€, para o valor de 10.000,00€ com IVA incluído.
Por conseguinte, ainda que por fundamentos jurídicos distintos, procede a pretendida pelos réus redução da comissão.
Assim, os Réus devem ser condenados a pagar à Autora a quantia global de 10.000,00€.”

Os RR. entendem que a A. só tem direito a metade da remuneração (€ 6.000,00).

A A. pretende que a remuneração é a que consta da factura no valor total de € 18.450,00, factura essa alegadamente junta aos autos, mas que, percorridos, não encontrámos.

Vejamos

O clausulado do contrato de mediação celebrado entre a A. e os RR. consta do ponto 3 dos factos provados.

E aí consta que a Cláusula 5ª n.º 2 tem o seguinte teor (negrito nosso):
2. O Segundo Contraente obriga-se a pagar à Mediadora, a título de remuneração: a quantia de 15.000,00€ (quinze mil euros), acrescido do IVA à taxa legal de 23% (incluso no valor referido). 3. O pagamento da remuneração apenas será efetuado nas seguintes condições: 50% após a celebração do contrato-promessa e os remanescentes 50% na celebração da escritura ou conclusão do negócio. (…)

Em primeiro lugar e eliminada que foi a segunda parte do ponto 5 dos factos provados, em que constava que “Em 22/04/2021, a autora e os réus acordaram (…) uma redução da comissão da autora para 12.000,00€, com IVA incluído.”, fica sem sustentáculo factual a redução da remuneração da A. por via consensual para € 12.000,00.

Em consequência e sem necessidade de analisar a questão de saber se existia uma lacuna do negócio jurídico em causa, fica sem suporte fáctico essencial, e deve ser afastado, o entendimento do tribunal a quo de que com a “subsequente alteração de redução da comissão da autora para 12.000,00€, com IVA incluído, quando acordaram uma redução do valor de venda do imóvel para € 207.000,00, (…) as partes teriam acordado uma redução proporcional da comissão da autora em face de uma baixa do preço para 200.000,00€, para o valor de 10.000,00€ com IVA incluído.”.

E tendo as partes, ao abrigo da sua liberdade contratual, estabelecido como remuneração um valor fixo e não, como é usual, uma percentagem do preço por que a coisa for vendida (tratando-se, naturalmente de uma mediação em que se vise a transmissão do direito de propriedade), carece em absoluto de relevância a questão (de facto) de saber se o preço acordado entre os RR. e os referidos CC e EE foi de mais € 6.000,00 do que aquele que consta declarado no documento que titula a venda, como invocado pela A..

E também em consequência fica também sem sustentáculo factual o entendimento dos RR. de que a A. apenas teria direito à remuneração de € 6.000,00, correspondente a metade do valor antes inscrito na segunda parte do ponto 5 dos factos provados (€ 12.000,00), sendo certo que a sua alegação (conclusão 36ª) é, face ao enquadramento jurídico acima exposto, contraditória, pois se “a actividade da aqui Autora foi determinante para a celebração do negócio”, carece de sentido afirmar-se “que foi a actuação dos Réus que levou à conclusão e perfeição do mesmo”.

6.3. Da inclusão do IVA na quantia de € 15.000,00
Impõe-se agora analisar a alegação da A. de que os RR. não suscitaram a questão da inclusão do IVA na remuneração, pelo que o tribunal não a podia ter considerado.

A A. alega que tem direito a receber a quantia de € 15.000,00, acrescida de IVA à taxa legal, impondo-se desde já afirmar que esta última afirmação não é um facto em si mesmo, mas uma mera conclusão.

É certo que os RR. não suscitaram a questão de o IVA estar incluído na quantia de € 15.000,00.

Mas constata-se que o tribunal considerou provada a Cláusula 5ª n.º 2 com o transcrito teor onde se inclui o segmento “acrescido do IVA à taxa legal de 23% (incluso no valor referido)”.

Não tendo os RR. suscitado a questão da inclusão do IVA na quantia de € 15.000,00, impõe-se então perguntar se o tribunal deu como provado facto essencial não alegado, patologia que é de conhecimento oficioso.

E adiantamos desde já que a resposta é negativa.

É que o referido ponto da matéria de facto provada reproduz o que consta do documento n.º 1 junto com a petição inicial e que a A., no final do art.º 7º da PI, declara “que se junta e dá por integramente reproduzido para todos os efeitos legais” e, além disso, inseriu no art.º 48º da PI imagem da citação cláusula 5ª.

Neste quadro, tem de se entender que a aquisição do que consta do ponto 3 da decisão de facto, e nomeadamente o teor do n.º 2 da Cláusula 5ª do contrato de mediação, está integralmente coberta pela alegação pela A., não apenas do integral teor do contrato de mediação, como especificamente da referida cláusula, não havendo, nesta situação, violação do corpo do n.º 2 do art.º 5º do CPC.

Por outro lado, poder-se-á questionar o facto de num primeiro momento o n.º 2 da cláusula 5ª afirmar que a quantia de € 15.000,00 é “acrescida de IVA à taxa legal de 23%” e imediatamente a seguir afirmar “(incluso no valor referido)”.

Impõe-se em primeiro lugar verificar que o contrato de mediação junto com a petição inicial é constituído por um documento impresso que depois foi preenchido manualmente, como sucede, nomeadamente, com a cláusula 5ª como se verifica pela imagem da mesma:
[Imagem]

Destarte, na cláusula 5ª n.º 2 foi inserido manualmente o montante da remuneração, numericamente e por extenso e a seguir à expressão impressa "acrescida do IVA à taxa legal  de... " foi inserida manualmente a percentagem "23%" e a seguir "(incluso no valor referido)".

Neste circunstancialismo deve entender-se que a vontade real, efectiva e última das partes foi a de considerar incluído o IVA "no valor referido", reportando-se naturalmente, ao valor concreto que consta antes - € 15.000,00 - pese embora antes estar escrito que a remuneração é "acrescida de IVA".

É que de outra forma fica sem sentido útil a expressão “incluso no valor referido”.

Destarte, e à luz do que consta da referida Cláusula 5ª n.º 2 do Contrato de Mediação, a remuneração da A. inclui o IVA à taxa legal de 23%, o que significa que, ao contrário do pedido por ela – o pagamento da quantia total de € 18.450,00, correspondente ao somatório das quantias de € 15.000,00 a título de remuneração e € 3.450,00 a titulo de IVA -, a mesma apenas tem direito a receber dos RR. e estes estão obrigados a entregar-lhe a quantia (total, ou seja, a título de remuneração e IVA) de € 15.000,00.

E sendo assim a decisão recorrida não se pode manter, devendo ser revogada e substituída por outra que condene os RR. a pagar à A. a quantia de € 15.000,00, quantia esta que incluí o IVA à taxa legal de 23%.

6.4. Dos juros de mora
Cabe ainda analisar a questão suscitada pelos RR. no seu recurso: a obrigação só vence juros de mora a contar do momento em que a obrigação se tornar líquida.

Neste ponto importa verificar que a obrigação de juros é acessória da obrigação de capital (obrigação principal), significando que a sua existência depende da existência da segunda e só pode ser exigida se a mesma existir.

Daqui decorre que a revogação da decisão recorrida quanto à obrigação principal, implica, pela natureza das coisas e dada a respectiva incindibilidade, a revogação quanto à obrigação de juros, implicando que, sendo objecto do pedido, como é, o tribunal ad quem a aprecie autonomamente.

Dispõe o art.º 804.º n.º 1 do CC que a simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor.

E nos termos do n.º 2 do mesmo normativo, o devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido.

Quanto ao momento da constituição em mora dispõe o n.º 1 do art.º 805º do CC que o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir.

Mas o n.º 2 prevê um conjunto de situações em que há mora do devedor independentemente de interpelação.

No caso dos autos ficou estabelecido no n.º 3 da cláusula 5ª do contrato de mediação:
3. O pagamento da remuneração apenas será efetuado nas seguintes condições: 50% após a celebração do contrato-promessa e os remanescentes 50% na celebração da escritura ou conclusão do negócio. (…)

A A. apenas peticionou juros de mora à taxa legal (sem discriminar se são juros das obrigações civis ou juros das obrigações comerciais) a contar da interpelação.

Não alegou qualquer interpelação extrajudicial.

No entanto, tem de considerar-se que ocorreu interpelação judicial para cumprir com a citação para contestar a acção, o que ocorreu a 05/06/2023 conforme AR’s juntos aos autos a 14/06/2023, pelo que, tendo em consideração o disposto na alínea b) do art.º 279º do CC - na contagem de qualquer prazo não se inclui o dia (…) em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr –, são devidos juros de mora a contar do dia 06/06/2023.

Finalmente o n.º 3 dispõe (negrito nosso):
3 - Se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor; tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte deste número.

Este preceito não tem aqui aplicação porquanto, como decorre do seu segmento inicial, o mesmo só se aplica se o crédito for ilíquido, o que não se verifica in casu, pois o contrato de mediação prevê uma remuneração fixa perfeitamente líquida: € 15.000,00, com IVA incluído.

Finalmente, nos termos do n.º 1 do art.º 806º do CC na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora, dispondo o n.º 2 que os juros devidos são os juros legais.

A referida expressão tanto abrange os juros das obrigações civis (art.º 559 n.º 1 do CC e Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril), como os juros das obrigações comerciais ou, na expressão do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio, os juros devidos pelo atraso no pagamento de transações comerciais (Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio, §5.º do art.º 102º do C Com e Portaria n.º 277/2013 de 26 de agosto).

O n.º 1 do art.º 4º do DL 62/2013 dispõe que os juros aplicáveis aos atrasos de pagamentos das transações comerciais entre empresas são os estabelecidos no Código Comercial ou os convencionados entre as partes nos termos legalmente admitidos.

O art.º 3º, b) do citado diploma define a transação comercial como uma transação entre empresas ou entre empresas e entidades públicas destinada ao fornecimento de bens ou à prestação de serviços contra remuneração.

Importa ter em consideração que, nos termos da alínea d), «Empresa» é uma entidade que, não sendo uma entidade pública, desenvolva uma atividade económica ou profissional autónoma, incluindo pessoas singulares.

Ou seja: a “empresa” não é necessariamente uma sociedade comercial; pode ser uma pessoa singular, desde que desenvolva uma atividade económica ou profissional autónoma.

No caso os RR. não podem ser considerados empresa na medida em que não está alegado nem provado que desenvolvam uma atividade económica ou profissional autónoma.

Destarte, a obrigação de pagamento da quantia de € 15.000,00 é civil e, como tal, está sujeita aos juros de mora das obrigações civis.

6.5. Síntese
Em face de tudo o exposto, a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que julgue a acção parcialmente procedente e em consequência condene os RR. a pagar à A. a quantia de € 15.000,00, com IVA incluído, quantia essa acrescida de juros de mora calculados à taxa de juro das obrigações civis, vencidos desde o dia 06/06/2023 e vincendos até integral pagamento.

6.6. Custas
Dispõe o art.º 527º n.º 1 do CPC que a decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.

E o n.º 2 dispõe que “dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.”

Procedendo parcialmente o pedido da A. em medida diversa da que constava da sentença recorrida, impõe-se conformar as custas da acção em conformidade com o decaimento, que passa a ser de 20% para a A. e 80% para os RR..

Quanto às apelações:
- A apelação dos RR. improcede in totum, pelo que os mesmos são totalmente vencidos e, assim, responsáveis pela totalidade das custas daquel.
- A apelação da A. é parcialmente procedente, já que a mesma pretendia a condenação dos RR. no pagamento da quantia de € 18.450,00 e apenas obtêm a condenação no pagamento da quantia de € 15.000,00, pelo que as custas devem ser repartidas em função do decaimento, que se fixa em 20% para a A. e 80% para os RR., sendo essa também a medida da responsabilidade pelas custas daquela.

7. Da invocada litigância de má fé dos RR. no recurso por eles interposto
7.1. Enquadramento jurídico
Qualquer pessoa que se considere titular de um direito pode solicitar a intervenção judicial para o ver reconhecido ou para alcançar a sua realização coerciva - arts. 20° da Constituição da República Portuguesa e 2° do Cód. Proc. Civil -, assim como qualquer pessoa demandada pode usar os meios processuais existentes para se defender.

A ordem jurídica põe a tutela jurisdicional à disposição de todos os titulares de direitos, sendo indiferente que, no caso concreto, o litigante tenha ou não razão: num e noutro caso gozam dos mesmos poderes processuais.

Mas uma realidade é o direito abstracto de acção ou de defesa; outra é o exercício concreto desse direito.
O primeiro não tem limites, é um direito inerente à personalidade humana.
O segundo tem as limitações impostas pela ordem jurídica.

Como refere Paula Costa e Silva, in Responsabilidade por conduta processual – litigância de má-fé e tipos especiais, Almedina, pág. 45, “o direito de acção, como qualquer outro direito subjectivo, não traduz uma liberdade absoluta: ainda que o direito a agir configure uma permissão normativa genérica, não pode significar uma possibilidade de actuação sem fronteiras de licitude. O direito de acção, como qualquer situação jurídica, está, desde logo, limitado pelos fins da sua atribuição.”

Uma dessas limitações traduz-se nesta exigência: as partes devem agir de boa-fé, como estabelece o art.º 8º, cuja epígrafe é “Dever de boa fé processual”, e devem observar os deveres de cooperação resultantes do preceituado no artigo 7º.

Se a parte procedeu de boa fé, sinceramente convencida de que tinha razão, a conduta é perfeitamente lícita; se não tiver sucesso na sua pretensão, suporta unicamente o encargo das custas, como risco inerente à sua actuação.

Mas se a parte procedeu de má-fé, determina o art.º 542°, n°1 do Cód. Proc. Civil a sua condenação em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.

E nos termos do n.º 2 do art.º 542º do CPC:
2 - Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.

Decorre da conjugação do n.º 1 com o n.º 2, que a condenação por litigância de má-fé exige a verificação de elementos subjectivos e de elementos objectivos.

Quanto aos elementos subjectivos, a norma contempla quer o dolo, quer a negligência grave.
 
Nem sempre foi assim.

O art.º 465º do CPC de 1939 dispunha:
Deve considerar-se litigante de má-fé não só o que tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não podia razoavelmente desconhecer, como também o que tiver conscientemente alterado a verdade dos factos ou omitido factos essenciais e o que tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal ou de entorpecer a acção da justiça ou de impedir a descoberta da verdade.

A citada norma era interpretada como punindo, apenas, as actuações dolosas e não as actuações com culpa grave (neste sentido Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. II, pág. 262).

O CPC alterado em 1961 estabelecia a litigância de má-fé no art.º 456º de forma quase idêntica, dispondo:
2. Diz-se litigante de má-fé não só o que tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não ignorava, como também o que tiver conscientemente alterado a verdade dos factos ou omitido factos essenciais e o que tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal ou de entorpecer a acção da justiça ou de impedir a descoberta da verdade.

Destarte, e quanto a esta norma, mantinha-se válida a interpretação de Alberto dos Reis e também a de Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, 1003, pág. 356.

Porém, o DL 329-A/95, de 12 de Dezembro veio mudar o paradigma, passando a dispor no corpo do n.º 2:
2 - Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:…

Esta norma corresponde hoje ao n.º 2 do art.º 542º.

Assim, e actualmente, o elemento subjectivo tanto abrange o dolo, como a negligência grave.

O CPC não contém qualquer norma definidora de tais conceitos.

Alberto dos Reis, in CPC Anotado, II, pág. 262 distinguia quatro tipos de conduta processual, sendo que, no que releva, face à norma actual, apenas os dois últimos interessam:
- Lide temerária – a parte embora convencida da sua razão, incorreu em erro grosseiro ou culpa grave, ajuizando a acção com desconsideração de motivos ponderosos, de facto ou de direito, que comprometiam a sua pretensão – e que podemos hoje fazer corresponder à negligência grave.
- Lide dolosa – a parte, apesar de estar ciente de que não tinha razão, litigou e deduziu pretensão ou oposição conscientemente infundada.

No domínio das obrigações e para efeitos de responsabilidade, Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, 6ª edição, vol. I, pág. 532-542, integra nas condutas dolosas:
- O dolo directo – o agente prefigura determinado efeito do seu comportamento e quer esse efeito como fim da sua actuação.
- O dolo necessário – o agente, não querendo directamente o facto ilícito, prevê-o como consequência necessária e segura da sua conduta.
- O dolo eventual – caracterizado pelo facto de o agente prever a produção do facto ilícito como consequência possível da sua conduta, conformando-se com o resultado.

Paula Costa e Silva, in Responsabilidade…, pág. 344, refere que o dolo “revela-se numa intencionalidade da parte quer na dedução de pretensão ou oposição infundada, quer na alteração ou omissão de factos, quer na violação do dever de cooperação, quer, por fim, na utilização maliciosa ou abusiva do processo ou dos meios processuais com vista a conseguir um objectivo ilegal ou de entorpecer a acção da justiça.
Assim e consoante os tipos, age dolosamente a parte que sabe que não tem razão quando deduz determinada pretensão ou oposição, a parte que sabe que procede a uma descrição dos factos essenciais não coincidente com a realidade, a parte que viola intencionalmente o dever de cooperação bem como a parte que sabe estar a fazer um uso reprovável, porque disfuncional, dos meios processuais ou do processo.

Quanto à negligência, em termos gerais, consiste na omissão da diligência devida num caso concreto.

Mas, face à norma em apreço, só releva a culpa grave, que é a negligência grosseira, escandalosa, intolerável, em que só cai um homem anormal ou extraordinariamente descuidado – Nuno Manuel Pinto Oliveira, Princípios de direito dos contratos, pág. 434-435 (cfr. o conjunto de exemplos jurisprudenciais recenseados por Paula Costa e Silva, in Responsabilidade…, pág. 345).

A doutrina distingue ainda má-fé substancial, dolosa ou com culpa grave - deduz-se pretensão ou oposição cuja improcedência não poderia ser desconhecida, altera-se a verdade dos factos, omite-se um elemento essencial – da má-fé instrumental - faz-se, dos meios e poderes processuais, um uso manifestamente reprovável.

Quanto aos elementos objectivos, traduzem-se nas condutas identificadas nas várias alíneas do n.º 2, às quais está subjacente um conjunto de deveres processuais, cuja violação constitui o fundamento da condenação por litigância de má-fé e que radicam no dever processual geral já referido, imposto a todas as partes, de agir de boa-fé.

A A. indica como fundamento da sua pretensão a alínea a) do n.º 2 do art.º 542º do CPC.

De acordo com a alínea a) a parte actuará ilicitamente se souber ou dever saber que a sua pretensão ou oposição, quer atendendo aos aspectos de facto, quer aos efeitos que deles são retirados, não é compatível com o que o sistema jurídico dita.

Como refere Paula Costa e Silva in ob. cit., pág. 389, na evolução deste tipo, o conhecimento efectivo quanto à falta de fundamento da defesa foi substituído pela exigibilidade desse conhecimento; e bastando-se a lei com a exigibilidade do conhecimento, a sua prova pode ser feita a partir de índices externos, construídos sobre a parte “média”.

7.2. Em concreto
Em primeiro lugar impõe-se deixar expresso que, em princípio, ao abrigo do disposto no art.º 3º, n.º 3 do CPC, haveria que ordenar a notificação dos RR. para, querendo, se pronunciarem quanto à invocada litigância de má fé.

No entanto, e como decorre do mesmo normativo, o princípio do contraditório pode deixar de ser observado em caso de manifesta desnecessidade, o que se verifica quando se torna patente que a questão suscitada é manifestamente improcedente.

É o caso como veremos a seguir.

A A. alega que o recurso dos RR. é desprovido de fundamento, quer porque suscitam questões que não foram invocadas na contestação, quer porque sabem e não podem deixar de saber que o direito do mediador imobiliário à remuneração constitui-se quando em resultado da sua atuação é obtido um interessado no negócio que apresenta uma proposta no valor pedido e assina mesmo um contrato-promessa, o cliente comunica que desistiu do negócio resolvendo o contrato mas depois celebra o negócio com o mesmo interessado, tendo recebido do interessado parte do preço em dinheiro e evitado com esta atuação o pagamento da comissão imobiliária, quer por que invocam que o pagamento da comissão acordada com a Autora não é devida por entenderem válida a resolução por eles promovida, quando a mesma é ilegítima, na medida em que lograram conseguir o objetivo da mediação.

A questão essencial suscitada pelos RR./recorrente era a de que a actuação da A. não foi determinante para a compra e venda que vieram a celebrar com CC e esposa devido, essencialmente, à intercorrência da resolução do contrato-promessa e à denúncia da mediação.

Tal alegação foi julgada improcedente, antes se tendo confirmado o julgamento da 1ª instância, de que a actuação da A. foi determinante na conclusão do negócio visado com a mediação.

Porém, isso é manifestamente insuficiente para considerar que os RR. apresentaram um recurso cuja falta de fundamento não deviam ignorar.

Desde logo porque, como refere Fernando Baptista Oliveira in Manual da Mediação Imobiliária, pág. 136 (sublinhado nosso), a “questão da relação de causalidade que deve intercorrer entre a actividade desenvolvida pelo mediador e a conclusão do negócio é um dos temas mais melindrosos e mais debatidos da teoria da mediação”.

E a demonstrá-lo está o que ficou expresso no ponto 6.2.1., ou seja, as múltiplas formas de expressão do referido nexo causal e as múltiplas precisões que é necessário ter em consideração.

Mas não é só do ponto de vista da definição teórica que se suscitam dificuldades. Também na sua aplicação concreta, como o demonstra a vasta jurisprudência sobre o tema.

Além disso, estão em falta elementos para considerar que os mesmos agiram com dolo ou negligência grave.

Como se deixou referido, a ordem jurídica põe a tutela jurisdicional à disposição de todos os titulares de direitos, sendo indiferente que, no caso concreto, o litigante tenha ou não razão.

Neste quadro, a condenação de uma parte como litigante de má fé exige segurança e certeza quanto à verificação dos seus pressupostos objectivos e subjectivos.

No caso concreto e face ao exposto, não é possível alcançar essas certeza e segurança.

Em face do exposto, deve julgar-se improcedente a invocada litigância de má fé dos RR. ao interporem recurso.

8. Decisão

Termos em que acordam os Juízes da 1ª Secção da Relação de Guimarães em:
i) Julgar a apelação dos RR. totalmente improcedente.
ii) Julgar a apelação da A. parcialmente procedente e em consequência revogam a decisão recorrida, a qual substituem por outra que julga a acção parcialmente procedente e em consequência condenam os RR. a pagar à A. a quantia de € 15.000,00, com IVA incluído, quantia essa acrescida de juros de mora calculados à taxa de juro das obrigações civis vencidos desde o dia 06/06/2023 e vincendos até integral pagamento, absolvendo-os do mais peticionado.
iii) Julgar improcedente a invocada litigância de má fé dos RR. ao interporem recurso.

Custas da acção: por A. e RR. na proporção do decaimento, que se fixa em 20% para a A. e 80% para os RR.

Custas da apelação dos RR: pelos RR.
Custas da apelação da A: por A. e RR. na proporção do decaimento que se fixa em 20% para a A. e 80% para os RR..

Notifique-se
*
Guimarães, 23/10/2025
(O presente acórdão é assinado electronicamente)

Relator: José Carlos Pereira Duarte
Adjuntos: Alexandra Maria Viana Parente Lopes
                Maria João Marques Pinto de Matos