Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
QUALIFICAÇÃO DA INSOLVÊNCIA
ABERTURA
PRORROGAÇÃO DO PRAZO
INTERESSADOS
Sumário
Sumário (elaborado pela relatora) [1] I- Tendo em conta o carácter expressamente assumido pelo legislador na Lei nº 9/2022, de 11/01, quanto ao carácter peremptório do prazo para requerer a abertura do incidente de qualificação, foi igualmente intenção do mesmo legislador “temperar” esta rigidez, através da previsão, também ora consagrada, da possibilidade de prorrogação do prazo de 15 dias estabelecido no nº 1 do artº 188º do CIRE para tal efeito. II- O prazo para requerer a abertura do incidente de qualificação da insolvência trata-se de um prazo unitário. III- Sendo proferido despacho prorrogando o prazo para efeitos da abertura de tal incidente, esse alargamento do prazo aproveita não só ao interessado que o requereu, mas a todos aqueles que têm legitimidade para requerer a abertura do incidente.
[1] Por opção da relatora, o presente acórdão não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem.
Texto Integral
Acordam os Juízes na Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. Relatório
Por sentença proferida em 16/09/2024, foi declarada a insolvência de A…, S.A., não tendo na mesma sido declarado aberto o incidente de qualificação da insolvência, nem designada data para realização da assembleia de apreciação do relatório a que alude o artigo 156.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas – diploma a que respeitarão todos os artigos que seguidamente se indiquem sem identificação da origem.
Em 12/11/2024, foi apresentado pelo Administrador da Insolvência o relatório a que alude o artº 155º.
Em 26/11/2004, o Ministério Público juntou aos autos requerimento, solicitando a prorrogação do prazo para requerer a qualificação da insolvência como culposa, por 90 dias.
No dia 27/11/2024, a credora Caixa … requereu a prorrogação do mesmo prazo por 30 dias.
Em 2/12/2024, foi proferido o seguinte Despacho: “Reqs. de 26.11 e 27.11.2024: Concedemos as requeridas – e respetivas – prorrogações de prazo, nos termos do disposto no artigo 188.º, n.ºs 2 a 4, do CIRE, em face das justificações correspondentes juntas. Notifique e publicite”.
Em 02/12/2024, foi publicado no portal Citius anúncio com o seguinte teor: “ANÚNCIO Publicidade da decisão de prorrogação do prazo para efeito da qualificação da insolvência como culposa (nº 4 do artº 188º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas) No Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Comércio de Lisboa - Juiz 3 de Lisboa, e nos autos de processo de Insolvência acima identificados em que é insolvente: A…, S.A., NIF - …, Endereço: Rua…, Lisboa, tendo sido apresentado requerimento pelo para prorrogação do prazo para qualificação da insolvência como culposa, foi proferida decisão de deferimento, na qual foi determinado o prazo de 90 dias, a contar da presente publicação, para alegar, fundamentadamente, por escrito, em requerimento, o que tiver por conveniente para efeito da qualificação da insolvência como culposa e indicar as pessoas que devem ser afetadas por tal qualificação (artº 188º do CIRE).”
Na mesma data, foi elaborada notificação electrónica destinada a notificar o Ilustre Mandatário da Caixa … do despacho supra referido, tendo aquele sido notificado igualmente por telefone e também em 02/12/2024 foi o Ministério Público notificado do despacho em causa.
Em 03/03/2025, a credora Caixa … requereu a abertura do incidente de qualificação da insolvência como culposa, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 188.º do CIRE e que seja afectado pela qualificação o administrador único da insolvente, V…
Em 31/03/2025, foi proferido Despacho que decidiu não declarar aberto o incidente de qualificação da insolvência da sociedade insolvente, com fundamento na intempestividade do requerimento apresentado pela credora Caixa …
*
Inconformada, a mesma interpôs recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
I- Vem o presente recurso interposto da douta decisão de 31/03/2025, de fls. (…) que, decidiu “não declarar aberto o incidente de qualificação da insolvência da mencionada sociedade” “ao abrigo do previsto no artigo 188.º, n.º 1, parte final, a contrario sensu, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.”
II- Com o que a Requerente não se conforma.
III- A Requerente organizou a sua alegação da seguinte forma:
a) num primeiro momento, efectuou uma resenha de todos os actos praticados no processo relativos ao pedido de prorrogação do prazo para pronúncia sobre a qualificação da insolvência e, a final, sobre o pedido de abertura do incidente de qualificação da insolvência como culposa;
b) e num segundo momento, subsumiu-a ao direito.
IV- Atente-se, assim, ao ocorrido:
a) Aos 12/11/2024, o Sr. Administrador de Insolvência apresentou o relatório a que alude o art.º 155.º do CIRE;
b) Aos 26/11/2024, o Ministério Público requereu a prorrogação do prazo para deduzir o incidente de qualificação da insolvência, por 90 dias;
c) Aos 27/11/2024, a CGD requereu a prorrogação do prazo, para efeitos de pronúncia sobre a qualificação da insolvência (como culposa), por mais 30 dias;
d) Aos 02/12/2024: despacho a conceder as requeridas e respectivas prorrogações e prazo, nos termos do art.º 188.º, n.ºs 2 e 4 do CIRE;
e) Aos 02/12/2024, foi publicitado o anúncio para prorrogação do prazo para qualificação da insolvência como culposa, nos seguintes termos: “foi proferida decisão de deferimento, na qual foi determinado o prazo de 90 dias, a contar da presente publicação”;
f) Aos 03/03/2025, a CGD requereu a abertura do incidente de qualificação da insolvência como culposa;
g) Aos 31/03/2025 foi proferida a decisão em crise de não abertura do incidente de qualificação da insolvência, por extemporaneidade.
V- É a seguinte a questão a dilucidar: tendo sido prorrogado o prazo para efeitos de pronúncia sobre a qualificação da insolvência, com dias distintos, para o Ministério Público (90 dias) e para a CGD (30 dias), qual o prazo a atender para dedução do incidente, nos termos do art.º 188º, n.ºs 2 e 3 do CIRE?
VI- Subsumindo a exposta factualidade ao direito, estipula, desde logo, o art.º 4º do CPC, aplicável ex vi artigo 17.º, n.º 1 do CIRE, que, “o tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais.”
VII- Ora, ambos os intervenientes processuais (Ministério Público e CGD) pediram a beneficiação excecpional da prorrogação do prazo; o que foi concedido, mas a final com prazos desiguais.
VIII- Todavia, no anúncio atinente à publicidade da decisão de prorrogação do prazo, nos termos do art.º 188.º, n.º 4, do CIRE, é feita menção a um único prazo, o de 90 dias, a contar de tal publicação.
IX- Donde, expectavelmente atendível o prazo mais longo: 90 dias.
X- A não ser assim, teriam, então, de ser publicados dois anúncios ou, este concreto anúncio teria de destrinçar os distintos prazos.
XI- Além de que, decorre do espírito da lei, entenda-se da conjugação dos n.ºs 2 e 4 do art.º 188.º do CIRE, que, por um lado, o pedido de abertura do incidente para efeitos de qualificação da insolvência como culposa pode ser prorrogado no prazo de 15 dias por qualquer interessado e, por outro lado, a decisão que sobre o mesmo cairá terá de obrigatoriamente ser publicitada na Área de Serviços Digitais dos Tribunais.
XII- Ou seja, o pedido de prorrogação aproveita a todos que do mesmo queiram tirar proveito, não carecendo, para tanto, de ser notificados (dado que vigora a publicitação).
XIII- Logo, e pelos motivos já carreados, se à CGD fosse concedido prazo distinto do concedido ao Ministério Público teria, no mínimo, da publicitação ocorrida, ou outra, anunciar distinto prazo; sob pena de omissão de prática de acto relevante (a publicitação imposta pelo n.º 4 do referido art.º 188.º).
XIV- A publicitação no caso em apreço foi genérica – leia-se, não intuitu personae (do Ministério Publico) – com efeito, contemplou o prazo da prorrogação tout court.
XV- Sob outra perspectiva, entendeu, por exemplo, o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, de 12/09/2017, no proc. n.º 293/13.3TVLSB.L1-6, que “em caso de pluralidade de réus, se a prorrogação do prazo de defesa for concedida apenas a um deles tal benefício deve considerar-se extensivo aos restantes demandados, por aplicação adaptada do regime do artigo 569º, nº2, do CPC.”
XVI- Na mesma linha de entendimento, exarou-se no Ac. da Relação do Porto de 28/11/2017, no proc. n.º11403/16.9T8PRT que, “(…) mas, ainda que assim não fosse, o princípio de igualdade de armas com a já referida dimensão estruturante no âmbito de qualquer processo jurisdicional sempre imporia que o prazo de contestação termine na mesma data para todos os réus. Admitir solução contrária por força de uma leitura estrita do preceito em apreço e que, conforme decorre das doutas alegações, parece ser desmentida por uma interpretação que se atenha ao elemento histórico, permitiria que, nomeadamente no que concerne aos próprios co-réus, uns tivessem a possibilidade de deduzir a sua argumentação já após conhecer a dos restantes, sendo certo que, em alguns casos, a defesa de uns pode ser divergente, ou mesmo oposta, à de outros. (…) Concluímos, portanto, que o carácter “intuitu personae” que esteve na origem de uma dada prorrogação de prazo a um réu não pode pôr em causa o interesse processualmente superior que impõe fazer coincidir na mesma data o prazo de contestação de todos os réus.”
XVII- Em sentido idêntico, António Montalvão Machado e Paulo Pimenta, in O Novo Processo Civil, Almedina 9ª edição, pág. 185, entendem que a possibilidade de prorrogação do prazo, até ao máximo de 30 dias, quando o réu o requeira e o tribunal considere relevantes os motivos invocados deve, em caso de pluralidade de réus, considerar-se extensivo aos restantes.
XVIII- Revertendo ao caso os autos, afigura-se defensável a aplicação analógica do exposto regime (leia-se, da extensão da prorrogação do prazo de contestação à totalidade dos réus que da mesma se queiram aproveitar).
XIX- Consequentemente, a extensão da beneficiação excepcional da prorrogação do prazo contemplada na lei a quem, de resto, a pediu considerando-se, para o efeito, que, o prazo mais longo, tanto mais que assim publicitado, apresenta-se como a solução mais justa e equitativa. Assim não se entendendo emerge uma evidente situação anómala e incongruente, de havendo mais do que um requerente da prorrogação do prazo, na ponderação individual de cada uma delas haver decisões com tempos de ampliação de prazo diferentes, resolução com absoluta falta de utilidade, pois que mesmo o beneficiário de um prazo menor, sempre deveria poder usufruir do prazo mais alargado que eventualmente fosse concedido.
XX- Termos em que cumpre revogar a decisão em crise e substituí-la por outra que considere tempestivo o pedido de abertura do incidente de qualificação da insolvência como culposa e, consequentemente, declare a sua abertura.
Terminou peticionando que o recurso seja julgado procedente, o despacho revogado e substituído por outro que considere tempestivo o pedido de abertura do incidente de qualificação da insolvência como culposa e, consequentemente, declare a sua abertura.
*
Não foram apresentadas Contra-Alegações.
*
O recurso foi admitido como apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
* II- Questões a decidir:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações do recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (artigo 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do mesmo Código). Acresce que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.
Assim, face das conclusões apresentadas pela recorrente, importa analisar e decidir se o requerimento da credora Caixa … a requerer a abertura do incidente de qualificação da insolvência é tempestivo, o que passa por decidir se a prorrogação por 90 dias do prazo para esse efeito, concedido na sequência de requerimento do Ministério Público, aproveita aos demais interessados, incluindo à aludida credora.
* III- Fundamentação
A) De Facto
Com relevo para a decisão a proferir, encontram-se provados os factos vertidos no relatório que antecede e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
*
B) O Direito
Dispõe o artº 36.º, n.º 1, al. i), do CIRE, que, na sentença que declarar a insolvência, o juiz: “Caso disponha de elementos que justifiquem a abertura do incidente de qualificação da insolvência, declara aberto o incidente de qualificação, com carácter pleno ou limitado …”.
Por sua vez, estabelece o artº 188º do mesmo diploma, na redacção introduzida pela Lei nº 9/2022, de 11/01/2002: “1 - O administrador da insolvência ou qualquer interessado pode alegar, fundamentadamente, por escrito, em requerimento autuado por apenso, o que tiver por conveniente para efeito da qualificação da insolvência como culposa e indicar as pessoas que devem ser afetadas por tal qualificação, no prazo perentório de 15 dias após a assembleia de apreciação do relatório ou, no caso de dispensa da realização desta, após a junção aos autos do relatório a que se refere o artigo 155.º, cabendo ao juiz conhecer dos factos alegados e, se o considerar oportuno, declarar aberto o incidente de qualificação da insolvência, nos 10 dias subsequentes. 2 - O prazo de 15 dias previsto no número anterior pode ser prorrogado, quando sejam necessárias informações que não possam ser obtidas nesse período, mediante requerimento fundamentado do administrador da insolvência ou de qualquer interessado, e que não suspende o prazo em curso. 3 - A prorrogação prevista no número anterior não pode, em caso algum, exceder os seis meses após a assembleia de apreciação do relatório ou, no caso de dispensa da realização desta, após a junção aos autos do relatório a que se refere o artigo 155.º 4 - O juiz decide sobre o requerimento de prorrogação, sem possibilidade de recurso, no prazo de 24 horas, e a secretaria notifica imediatamente ao requerente o despacho proferido, nos termos da segunda parte do n.º 5 e do n.º 6 do artigo 172.º do Código de Processo Civil, e publicita a decisão através de publicação na Área de Serviços Digitais dos Tribunais. 5 - O despacho que declara aberto o incidente de qualificação da insolvência é irrecorrível, sendo de imediato publicado no portal Citius. (…)”
Da conjugação destes dois preceitos, resulta que:
1- actualmente o incidente só pode ser aberto oficiosamente na sentença que declara a insolvência caso os autos disponham desde logo de elementos para o efeito e que
2- caso não seja declarado aberto na referida sentença, só o poderá ser posteriormente, no caso previsto no supra referido artº 188º, nº1, mediante requerimento e alegação apresentados para tal pelo administrador da insolvência ou por qualquer interessado.
Declarado, em qualquer dos momentos, aberto o incidente de qualificação, nos termos do n.º 3 do citado artigo 188.º e se a proposta de abertura não provier do administrador, deve este apresentar parecer fundamentado sobre os factos relevantes, devendo formular uma proposta e, sendo caso disso, a identificação das pessoas que devem ser afectadas pela qualificação da insolvência como culposa.
A natureza do mencionado prazo de 15 dias (se peremptório ou meramente ordenador) encontra-se ora esclarecida com a nova redacção conferida ao n.º 1 do art. 188.º pela Lei n.º 9/2022. Assim sendo, com esta nova redacção, o legislador prevê que o interessado dispõe do prazo peremptório de quinze dias para alegar o que entender por conveniente, com possibilidade de este prazo ser prorrogado, nos termos do n.º 2 do art. 188.º, n.º 2. Porém, essa prorrogação não pode, em nenhum caso, exceder os seis meses após a assembleia de apreciação do relatório ou, no caso de dispensa da realização desta, após a junção aos autos do relatório a que se refere o artigo 155.º (cfr. art. 188.º, n.º 3). A decisão acerca da prorrogação deve ser proferida no prazo de vinte e quatro horas e não admite recurso. Por sua vez, à secretaria compete promover a notificação da decisão ao requerente e a sua publicitação (art. 188.º, n.º 4).
Tendo em conta o carácter ora expressamente assumido pelo legislador daquele prazo como peremptório, justificado por razões de protecção jurídica e dos eventuais sujeitos afectados, o mesmo legislador veio “temperar” esta rigidez, através da previsão de uma possibilidade de alargamento do aludido prazo de 15 dias. Adicionalmente, introduziu-se uma limitação fulcral, ao evidenciar que aquela prorrogação não poderá, “em caso algum, exceder os seis meses após a assembleia de apreciação do relatório ou, no caso de dispensa da realização desta, após a junção aos autos do relatório a que se refere o artigo 155º”.
A propósito da nova redacção conferida ao artigo 188º e do que a mesma implicou por confronto com o regime anteriormente vigente, escreve Catarina Serra [in O incidente de qualificação da insolvência depois da Lei nº 9/2022 – Algumas observações ao regime com ilustrações de jurisprudência, Julgar nº 48, Setembro-Dezembro 2022, Almedina, págs. 13-16]: “(…) a alteração nos nºs 1, 2, 3 e 4 do art. 188º prende-se com o prazo para apresentação do requerimento de abertura do incidente de qualificação da insolvência e visa, simultaneamente, esclarecer a natureza do prazo para requerer a abertura do incidente e admitir a sua prorrogação. Corresponde isto como que a uma solução de consenso – entre, por um lado, a segurança jurídica que a natureza perentória ou preclusiva dos prazos sempre assegura e, por outro, a realização dos interesses públicos e privados que o incidente persegue e que estão associados à repressão e à prevenção dos comportamentos antijurídicos e ao ressarcimento dos danos, respetivamente. (…) Fixa-se um prazo máximo para requerer a abertura do incidente: este nunca pode exceder o prazo de seis meses a contar da data da assembleia de apreciação do relatório ou a contar da junção aos autos do relatório referido no art. 155º, consoante os casos. Note-se que este prazo não é o prazo máximo da prorrogação, mas sim o prazo máximo total (prazo inicial mais prazo de prorrogação), dado que se conta a partir daqueles factos.”
Considerando a redacção do referido artº 188º, temos como certo que o legislador não pretendeu conceder aos interessados e ao Administrador da Insolvência a disponibilidade de a qualquer altura requererem, e ao juiz a discricionariedade de, para além da fase processual prevista pelo no nº 1, declarar a abertura do incidente de qualificação da insolvência.
Todavia, com a possibilidade ora consagrada de, a requerimento fundamentado do administrador da insolvência ou de qualquer interessado, o aludido prazo de 15 dias, poder ser prorrogado, sem que se continue a afastar qualquer possibilidade da manutenção de um estado de indefinição para os sujeitos que, em abstracto, sejam passíveis de ser sujeitos passivos do incidente de qualificação, pretendeu-se conferir, em situações justificadas, a possibilidade de um “alargamento” do prazo para que possa ter lugar a abertura do incidente, dentro dos limites que continuam a estar concretamente estabelecidos. Esta possibilidade assume inteira relevância, nomeadamente, em processos de maior complexidade e que podem obrigar à realização de maior número e mais morosas diligências para um apuramento dos factos por parte dos interessados.
Sendo deferida a prorrogação, determina a lei que tenha lugar, além da notificação imediata ao requerente do respectivo despacho, a publicitação da decisão através de publicação na Área de Serviços Digitais dos Tribunais.
O prazo para requerer a abertura do incidente trata-se de um prazo unitário, sendo também una a cadência temporal subsequente para a tramitação e conclusão do incidente.
Sendo este declarado aberto, tanto o devedor, como as demais pessoas que possam ser afectadas pela qualificação culposa, podem deduzir oposição, no prazo de 15 dias, a contar da respectiva citação e o administrador da insolvência, o Ministério Público ou qualquer interessado podem responder à oposição no prazo de 10 dias, a contar do termo do prazo de 15 dias para o oferecimento da oposição (artº 188º, nºs 9 e 10, do CIRE).
Assim sendo e atento o que fica referido, é nosso entendimento que, sendo prorrogado o prazo para efeitos de requerimento de abertura do incidente de qualificação da insolvência, tal prorrogação aproveita a todos aqueles que têm legitimidade para requerer tal incidente.
No anúncio que foi publicado, na sequência do despacho que deferiu a prorrogação por 30 dias que tinha sido requerida pela ora apelante Caixa … e de 90 dias requerida pelo Ministério Público, ficou a constar: “(…) tendo sido apresentado requerimento pelo para prorrogação do prazo para qualificação da insolvência como culposa, foi proferida decisão de deferimento, na qual foi determinado o prazo de 90 dias, a contar da presente publicação, para alegar, fundamentadamente, por escrito, em requerimento, o que tiver por conveniente para efeito da qualificação da insolvência como culposa e indicar as pessoas que devem ser afetadas por tal qualificação (artº 188º do CIRE).”
Faz-se ali referência unicamente ao prazo maior pelo qual foi deferida a prorrogação. Também, por isso, tal prazo não pode deixar de ser o aplicável a todos os demais interessados, incluindo à credora Caixa … O relatório a que alude o artº 155º do CIRE foi apresentado pelo Administrador da Insolvência em 12/11/2024.
Em 26/11/2024, o Ministério Público requereu a prorrogação do prazo para deduzir o incidente de qualificação da insolvência, por 90 dias e em 02/12/2024 foi proferido despacho a conceder tal prorrogação as requeridas e respectivas prorrogações e prazo, nos termos do art.º 188.º, n.ºs 2 e 4 do CIRE.
Nesta mesma data foram o Ministério Público e a credora notificados de tal despacho e foi publicitado o anúncio publicitando a decisão. O prazo de 90 dias terminava no dia 2 de Março de 2025, que foi Domingo, pelo que se transferiu para o 1º dia seguinte: 3 de Março.
Tendo o requerimento visando a abertura do incidente de qualificação da insolvência sido apresentado neste mesmo dia, o mesmo é tempestivo.
Impõe-se, assim, a revogação do despacho que declarou não aberto o incidente com fundamento na intempestividade do requerimento da credora Caixa …
*
IV- Decisão
Pelo exposto, acordam as Juízas na Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar o recurso procedente e consequentemente, revogam o despacho que declarou não aberto o incidente de qualificação da insolvência com fundamento na intempestividade do requerimento da credora Caixa …, despacho esse que deverá ser substituído por outro a declarar aberto tal incidente, com os trâmites subsequentes, caso não se verifique qualquer outra causa de indeferimento.
Custas pela credora Caixa … - uma vez que tirou proveito do recurso e não houve oposição – artº 527º, nº1, in fine, do C.P.Civil.
Registe e Notifique.
Lisboa, 14/10/2025
Manuela Espadaneira Lopes
Fátima Reis Silva
Ana Rute Costa Pereira