NULIDADE DA DECISÃO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
SUBSTITUIÇÃO
EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
TRÂNSITO EM JULGADO
RENDIMENTO INDISPONÍVEL
FACTOS SUPERVENIENTES
ALTERAÇÃO
Sumário

Sumário (elaborado pela relatora) [1]
I- Padece do vício da nulidade por falta de fundamentação, nos termos do disposto na al. b), do n.º 1, do art. 615º do CPC, o despacho judicial proferido em sede de incidente de exoneração do passivo restante, em que a 1ª Instância se limitou a dar por reproduzido o despacho anterior de indeferimento da alteração do montante fixado a título de rendimento indisponível, sem sequer apreciar os factos supervenientes invocados pela requerente em requerimento apresentado após a notificação do aludido despacho de indeferimento.
II- Verificado tal vício e contendo o processo os elementos probatórios que, com segurança, lhe permita proferir decisão, cumpre à Relação, no uso dos seus poderes de substituição, suprir o vício da nulidade por falta de fundamentação e decidir o incidente em conformidade com os factos que se encontrem provados e o regime jurídico aplicável.
III- Tendo transitado em julgado o despacho que indeferiu a alteração do montante fixado a título de rendimento indisponível com fundamento em determinados factos, não mais pode ser alterado, por via do trânsito em julgado que cobre aquela decisão.
IV- Apenas factos supervenientes dos quais resulte a existência de novas despesas para o devedor ou a alteração das despesas consideradas na anterior decisão - para mais ou para menos -, podem determinar a alteração da decisão transitada em julgado, que, no âmbito do incidente de exoneração do passivo restante, fixou o rendimento indisponível ao devedor.
V- O montante mensal que deverá ser dispensado ao insolvente no período da cessão há-de corresponder ao mínimo necessário ao seu sustento digno e do seu agregado familiar, cabendo ao tribunal fazer uma apreciação do caso concreto.
VI- Os valores recebidos pelo insolvente a título de subsídio de férias e de Natal devem ser considerados para efeitos de cálculo do rendimento indisponível.
VII- Tendo sido fixado a título de rendimento indisponível o equivalente a uma Remuneração Mínima Mensal Garantida e meia e sendo a base de cálculo mensal, a cada mês deverá corresponder um duodécimo do resultado da soma dos 14 meses de tal rendimento, ou seja, 1,5 RMMGx14:12.
VIII- De modo a salvaguardar o princípio da dignidade da pessoa humana, a decisão judicial que altere o rendimento indisponível deve produzir efeitos desde a apresentação em juízo do requerimento em que foi requerida essa alteração.

[1] Por opção da relatora, o presente acórdão não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem.

Texto Integral

Acordam as Juízas na Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa:

I- Relatório
I…, divorciada, apresentou-se à insolvência, enumerando as suas dívidas e invocando encontrar-se em situação de insolvência. Declarou pretender a exoneração do passivo restante, nos termos do disposto nos artigos 235º e seguintes do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE).
Em 24/03/2021, foi proferida sentença declarando a insolvência da requerente.
Em 21/12/2022, foi proferido despacho, admitindo liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante formulado pela insolvente I …  
Nesse mesmo despacho, consignou-se o seguinte:
“- Determino que o rendimento disponível que a devedora venha a auferir durante o período da cessão, que é de três anos contados da data de encerramento do processo, se considere cedido ao fiduciário ora nomeado – 239º nº 2 do CIRE;
- Consigna-se que integram o rendimento disponível da devedora todos os rendimentos que lhe advenham a qualquer título, com exceção dos enumerados nas alíneas a) e b) do n.º 3 do art.º 239º do CIRE, fixando-se para os efeitos previstos na al. b), subalínea i), no caso, tendo em conta a composição do agregado familiar, os rendimentos mensais e as despesas que se presumem, com habitação, alimentação, vestuário e contratos de fornecimento doméstico, a quantia mensal equivalente ao salário mínimo nacional;
- Durante o período da cessão, e sob pena de não lhe ser concedida, a final, a exoneração do passivo restante, nos termos do art.º 239º n.º 4 do CIRE, a devedora fica obrigada a:
a) Não ocultar ou dissimular quaisquer rendimentos que aufira, por qualquer título, devendo informar este Tribunal e o fiduciário, ora nomeado, sobre os seus rendimentos e património na forma e prazo que tais informações lhe sejam requisitadas;
b) Entregar imediatamente ao fiduciário, quando por si recebida, a parte dos seus rendimentos objeto de cessão;
c) Informar este Tribunal e o fiduciário de qualquer mudança de domicílio, no prazo de 10 dias após a respetiva ocorrência, bem como, quando solicitado, sobre as diligências com vista à obtenção de emprego;
d) Não fazer quaisquer pagamentos aos credores da insolvência a não ser através do fiduciário e a não criar especial vantagem para algum deles.”
Em 05/11/2023, a insolvente apresentou nos autos requerimento, requerendo a alteração do rendimento disponível a ceder. Terminou peticionando que fosse determinado “como estando isento de cessão um valor correspondente a dois salários mínimos nacionais”.
No dia 04/05/2024, a Sra Fiduciária juntou aos autos o relatório relativo ao primeiro ano de cessão, do qual consta que, findo esse primeiro ano, devia ter sido cedida pela insolvente a quantia de € 2.270,00 € e que até àquele momento a mesma não tinha entregue qualquer quantia.
Em 28/06/2024, foi proferido o seguinte Despacho:
“Visto.
Adverte-se a devedora de que qualquer alteração quanto à quantia disponível a ceder só poderá surtir efeitos a partir do seu requerimento (5 de Novembro de 2023).
*
Notifique-se a devedora para que concretize as circunstâncias supervenientes que determinam a insuficiência da quantia fixada como indisponível.”
Em 11/07/2024, a devedora apresentou requerimento, invocando que à data da fixação da quantia indisponível, auferia subsídio de desemprego e tinha ainda o apoio do Banco Alimentar e da Santa Casa da Misericórdia (apoio financeiro e cabaz de alimentos).
Sustentou que com estes apoios, conseguia ter cobertas/asseguradas todas as despesas básicas, sobretudo as relativas à habitação, serviços essenciais e alimentação.
A partir do momento em que se tornou pensionista e passou a auferir pensão de reforma de € 835,00 líquidos (€ 886,35 ilíquidos), foram-lhe retirados os apoios da Santa Casa da Misericórdia, ou seja, passou a contar apenas com a sua reforma para fazer face às despesas, o que não é suficiente, nomeadamente quando tem que suportar despesas imprevistas.
Por despacho de 11/12/2024, foi determinado que a insolvente esclarecesse e documentasse qual era o valor do subsídio de desemprego que recebia.  
Em 29/01/2025, a Sra Fiduciária juntou aos autos o relatório relativo ao 2º ano de cessão, relatório esse do qual consta que, nesse ano e de acordo com o estabelecido no despacho que admitiu liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante, a devedora deveria ter cedido à fidúcia € 2.878,16 e até àquele momento nada tinha entregue.
Em 28/03/2025, foi proferido o seguinte Despacho:
“Requerimento de 5 de Novembro de 2023:
Aquando da apreciação liminar do pedido de exoneração do passivo restante a requerente auferia €16,94 por dia, logo, €508,20 por mês, e apresentou despesas no valor total de €900, tendo sido fixado o rendimento indisponível em quantia equivalente ao salário mínimo nacional. Atualmente a insolvente aufere €835 líquidos por mês e refere despesas no valor de €815,70 mensais, entre as quais despesas dos filhos, a que, refere, acrescem as despesas com alimentação, já que deixou de ter apoio da Santa Casa da Misericórdia, sendo o seu agregado familiar composto, como à data, por si e por dois filhos maiores.
Isto posto, constata-se uma diferença de rendimento para mais em cerca de €300 e uma diferença nas despesas para menos, acrescidas de despesa com alimentação de valor não concretizado, mas que nada permite concluir que supere os referidos €300, tando mais que os filhos da insolvente têm mais de 25 anos, logo, obrigação de contribuir para as despesas domésticas do agregado familiar e custear as próprias despesas.
Assim sendo, por ausência de fundamento factual e legal, indefiro a pretensão formulada no sentido de incrementar o rendimento indisponível a partir de 5 de Novembro de 2023.
Notifique, inclusive a insolvente para que proceda ao pagamento da quantia a ceder”
Em 31/03/2025 foi expedida carta registada destinada à notificação da devedora do despacho supra referido e na mesma data foi elaborada, via Citius, notificação electrónica com vista à notificação do Ilustre Mandatário da insolvente.
Em 04/04, este Ilustre Mandatário juntou aos autos renúncia ao mandato que lhe tinha sido conferido pela Insolvente e em 08/04 foi expedida carta registada com a/r, notificando a devedora da renúncia.
Em 10/04/2025, a devedora juntou aos autos documento comprovativo que em 06/04 havia solicitado junto do Instituto da Segurança Social o benefício de apoio judiciário nas modalidades de nomeação e pagamento da compensação de patrono e da dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
No dia 14/04/2025, apresentou requerimento subscrito pela própria, requerendo que lhe fosse autorizado entregar a título de rendimento disponível os seguintes montantes:
Ano de 2023 – os dois subsídios no valor de € 1.670,00;
Ano de 2024 - € 1.816,88, deduzidos de € 1.050,00 de despesas de saúde e
Ano de 2025 - € 1.816,88, nas datas do respectivo vencimento: Julho/Agosto e Dezembro de 2025.
Na mesma data, foi elaborada notificação destinada a notificar a Sra Fiduciária do requerimento que antecede e pela mesma nada foi dito.
Em 15/04/2025, a Ordem dos Advogados juntou ofício dando conhecimento que, na sequência do deferimento do pedido de Apoio Judiciário, tinha sido nomeada patrona à insolvente a Sra Dra F… e que nessa data a mesma tinha sido notificada da nomeação.
Em 17/05/2025, a insolvente apresentou requerimento, peticionando, pelos motivos que invoca, que fosse revisto o valor da quantia indisponível sob o critério definido no artº 239º n.º 3, al. b) do CIRE, fixando-a no salário e meio mínimo nacional com dispensa de cessão dos subsídios nos meses de férias e de Natal, bem como determinados efeitos retroactivos de modo a abranger os 3 anos da pendência da Exoneração do Passivo Restante.
Com este requerimento, juntou documentos relativos às despesas mensais por si suportadas, alguns deles emitidos durante os anos de 2024 e 2025.
No dia 21/05/2025, foi proferido o seguinte Despacho:
“Requerimento de 17 de Maio de 2025:
Nada a apreciar ou decidir face ao já apreciado e decidido nos autos.
Notifique”
Notificada de tal despacho, em 02/06/2025, a devedora apresentou requerimento, invocando que apresentou no requerimento de 17/05 nova factualidade que fundamentou com os novos documentos que atestam que o salário mínimo nacional é inferior às suas despesas elementares e básicas, desde o início da Exoneração do Passivo Restante.
Terminou concluindo que seja considerada a factualidade nova do requerimento anterior, e que, apreciada a mesma, lhe seja fixado, como rendimento indisponível, um salário e meio mínimo nacional por 14 meses, retroactivamente.
Em 17/06/2025 foi proferido o seguinte Despacho:
“Renovo o despacho que antecede.
Notifique”.
*
Notificada deste despacho, a devedora interpôs recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
I. Em 17.06.25 veio a Recorrente a ser notificada de 2 despachos: o 1º é o proferido em 17.05.25 e o 2º corresponde ao notificado em 17.06.25 que lapidarmente diz: “Renovo o despacho que antecede. Notifique”.
II. Em 28.05.25 a Recorrente notificada do despacho que diz laconicamente:
“Requerimento de 17 de Maio de 2025: Nada a apreciar ou decidir face ao já
apreciado e decidido nos autos. Notifique.”
III. In casu, a nulidade destes despachos baseia-se no disposto nos arts. 615º, n.º 1, al. b) e 613, n.º 3, do CPC e prende-se com o dever de o juiz fundamentar a decisão, enunciado no art. 154º do CPC que no conjunto, refletem o comando constitucional contido no art. 205º n.º 1 da CPR que estabelece que “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas nas formas prevista na lei”
IV. Considera-se também, que no caso de ambos estes despachos é total a falta de fundamentação, por ausência absoluta de fundamentos, seja de facto, seja de direito.
V. Concluindo-se, assim, que a nulidade destes dois últimos despachos, - os notificados em 28.05.25 e o de 17.06.25 – inquina os anteriormente proferidos e notificados desde o despacho inicial da EPR.
VI. Com efeito, considerando que o último despacho dispõe que “Renovo o despacho que antecede.” o qual por sua vez, determina que “Requerimento de 17 de Maio de 2025: Nada a apreciar ou decidir face ao já apreciado e decidido nos autos.” verifica-se então, uma remissão em abstracto para os anteriores despachos que assim, voltam a poder ser apreciados do pondo de vista da sua validade e eficácia.
VII. Assim, perante a verificação da relação de dependência de todos os despachos cronologicamente proferidos sobre o pedido de aumento da quantia indisponível, conclui-se que sendo os dois últimos despachos nulos, e que essa nulidade assenta num vicio que afecta a validade dos actos precedentes, então a nulidade destes estende-se aos anteriores despachos.
VIII. Deste modo, considera-se com base nos argumentos acima expendidos e que se dão aqui por integralmente reproduzidos aquando da análise antecedente de cada um dos despachos notificados em 31.03.25; em 16.12.24; em 11.07.24 e em 28.06.23 são nulos com por padecerem dos vícios que, respectivamente, afectam a sua validade.
Terminou peticionando que sejam declarados nulos os referidos despachos e substituídos por outro que, analisando a factualidade vertida, determine a revisão e o aumento do quantum indisponível até ao correspondente a 2 salários mínimos nacionais, com efeitos desde Maio de 2023, data da alteração fundamental da situação económica
da Requerente.
*
Não foram apresentadas Contra-Alegações.
*
O recurso foi admitido por despacho de 25/08/2025, a subir imediatamente, nos próprios autos [com fundamentos no facto de o processo de insolvência se encontrar encerrado] e com efeito devolutivo.
Não obstante nesse despacho a Mmª Juíza da 1ª instância não se ter pronunciado sobre as nulidades invocadas, não se julga imprescindível a baixa dos autos para tal efeito.
*
Foram colhidos os Vistos.
*
II– Objecto do recurso
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do mesmo Código). Acresce que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.
Assim, em face das conclusões apresentadas pela recorrente, há que decidir:
1- se despacho recorrido enferma de nulidade por falta de fundamentação e, em caso afirmativo,
2- se a nulidade afecta os despachos proferidos a partir do que admitiu liminarmente a exoneração do passivo restante e
3- existindo nos autos elementos para o efeito e em obediência à regra da substituição prevista no artº 665º, nº1, do C.P.Civil, após a fundamentação da decisão, decidir se se deve manter o despacho que indeferiu a alteração do rendimento indisponível requerido pela insolvente ou se deve tal despacho ser revogado e em que termos.
*
III- Fundamentação
A) De Facto
Atentos os elementos que constam dos autos, encontram-se provados, com interesse para a decisão a proferir, os factos que constam do relatório que antecede e cujo teor se dá por reproduzido.
*
B) De Direito
i) Da nulidade do despacho recorrido por falta de fundamentação
Começou a apelante por invocar que o despacho proferido pelo tribunal da 1ª instância em 17/06/2025 enferma de nulidade por falta de fundamentação.
As causas determinativas de nulidade das decisões judiciais encontram-se taxativamente enunciadas no n.º 1 do art. 615º do CPC e, conforme decorre das diversas alíneas desse normativo, reportam-se a vícios formais da sentença decorrentes de, na sua elaboração ou estruturação, o tribunal não ter respeitado as normas processuais que regulam essa elaboração ou as que balizam os limites da decisão neles proferida.
Estabelece o nº 1 do artº 615º do C.P.Civil que a sentença (e os despachos atento o disposto no artº 613º, nº3, do mesmo diploma) enferma de nulidade quando:
“(…)
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
(…)”
O dever de fundamentação das decisões judiciais que não sejam de mero expediente é uma imposição constitucional decorrente do art. 205º, n.º 1 do CRP, o qual remete para a lei ordinária quanto ao modo como esse dever deverá ser concretizado.
Densificando esse comando constitucional, estabelece o art. 154º do CPC que as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas (n.º 1).
A Lei impõe ao juiz que tome posição directa sobre a factualidade alegada, especificando os factos provados e não provados e também os fundamentos de direito em que estriba a decisão.
 Conforme se refere no Ac. do STJ de 04/07/19, relatora: Rosa Tching, o qual pode ser consultado in www.dgsi.pt, a nulidade prevista na citada alínea b) “Trata-se de um vício que corresponde à omissão de cumprimento do dever contido no art. 205º, nº 1 da CRP que impende sobre o juiz de indicar as razões de facto e de direito que sustentam a sua decisão.
E, tal como é jurisprudência pacífica - [2 - Neste sentido, vide, entre muitos outros, Acs.. do STJ, de 10.5.1973, in, BMJ, n.º 228º, pág. 259 e de 15.3.1974, in, BMJ, n.º 235, pág. 152.], traduz-se na falta absoluta de motivação, quando haja total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão, e não na motivação deficiente, medíocre ou errada”.
Sustenta-se igualmente no Ac. do mesmo STJ de 06/07/17, relator: Nunes Ribeiro, disponível também in www.dgsi.pt:
“(…) é preciso esclarecer que só a falta absoluta de motivação constitui nulidade. A insuficiência ou mediocridade da motivação - como ensinava o Prof. ALBERTO DOS REIS, in Código de Processo Civil Anotado Vol. V, pag 140, afecta o valor doutrinal da sentença, mas não produz nulidade.
A nulidade apontada tem correspondência com o n.º 3 do art.º 607º do mesmo C. P. Civil que impõe ao juiz o dever de, na parte motivatória da sentença, «discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes...»”.
Atento o que fica referido, é jurisprudência assente que só a falta absoluta de motivação – e não a sua imperfeição ou incompletude – constitui fundamento para a nulidade a que se refere o art. 615.º, n.º 1, al. b), do CPC.
In casu, o despacho proferido foi o seguinte:          
“Renovo o despacho que antecede”.
O teor do despacho que antecedeu aquele foi o seguinte:
“Requerimento de 17 de Maio de 2025:
Nada a apreciar ou decidir face ao já apreciado e decidido nos autos.
Notifique”.
No requerimento de 17 de Maio, peticionou a devedora, ora apelante, como anteriormente já havia solicitado mediante requerimento de 14 de Abril desse ano, que fosse revisto o valor da quantia indisponível. Peticionou no requerimento apresentado em último lugar, que o rendimento indisponível fosse fixado no salário e meio mínimo nacional, com dispensa de cessão dos subsídios nos meses de férias e de Natal, bem como que tal fosse determinado com efeitos retroactivos de modo a abranger os 3 anos da pendência da Exoneração do Passivo Restante.
O “já decidido nos autos” foi:
- em 21/12/2022, aquando da prolação do despacho de admissão liminar da exoneração do passivo restante, a fixação da quantia a ceder mensalmente pela insolvente no que excedesse o salário mínimo nacional e
- em 28/03/2025, o indeferimento do requerido pela insolvente no requerimento apresentado em 5 de Novembro de 2023, ou seja, a alteração do rendimento indisponível para o valor correspondente a dois salários mínimos nacionais.
No requerimento que apresentou em 17 de Maio, bem como no de 14 de Abril, invocou a insolvente alteração de receitas e despesas e juntou documentos, não só relativamente ao ano de 2023, mas também aos anos de 2024 e 2025. Não resulta que no despacho proferido em 28 de Março tenham tais factos sido apreciados: não poderiam ter sido alegados pela insolvente no seu requerimento de 5/11, nem o foram em momento subsequente e também não foram, por qualquer outro interveniente ou de forma oficiosa, carreados para os autos.
Deste modo, o despacho proferido em 17 de Junho de 2025 renovou um despacho – o de 21/05/2025 – que enferma de nulidade por absoluta falta de fundamentação (e também por omissão de pronúncia – cfr alínea d) do nº 1 do referido artº 615º do C.P.Civil). Com efeito, além de não indicar as razões pelas quais indefere as alterações requeridas relativamente aos anos de 2024 e 2025, o tribunal a quo também não se pronunciou no que às mesmas concerne.
Não pode, assim, deixar de ser declarada a nulidade do despacho recorrido.
Sustentou a recorrente que tal nulidade se estende também aos despachos proferidos a partir do que admitiu liminarmente a exoneração do passivo restante.
O despacho proferido em 28/03/2025 foi notificado à pessoalmente devedora, mediante carta registada expedida em 31/03 e ao seu Ilustre Mandatário, à data, através de notificação electrónica, elaborada na mesma data.
Deste despacho não foi interposto recurso.
As decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recurso e transitam em julgado logo que não sejam susceptíveis de recurso ordinário ou de reclamação, produzindo um efeito de preclusão definitiva de novo e ulterior conhecimento judicial sobre a mesma questão (cfr. arts. 627º, nº 1 e 628º do CPC).
Prevê o art. 619º, nº 1 do mesmo código que: Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º.”
Como se sabe, o caso julgado pode ser formal ou material. Aquele só tem valor intraprocessual, ou seja, só é vinculativo no próprio processo em que a decisão foi proferida (art. 620º CPC); em contrapartida, o caso julgado material, além de uma eficácia intraprocessual, é susceptível de produzir os seus efeitos para além do processo em que foi proferida a decisão transitada (art. 619º, CPC) – cfr Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil Declaratório, Almedina, III vol., pág. 383 e ss.
O caso julgado forma-se directamente sobre o pedido ou efeito jurídico pretendido pelo autor, traduz a força obrigatória da estabilidade das sentenças ou dos despachos que recaiam sobre a relação controvertida objecto da acção ou incidente ou sobre a relação processual, e tem como finalidade imediata evitar que, em novo processo – por referência ao caso julgado material - ou no mesmo processo – por referência ao caso julgado formal -, o juiz possa validamente apreciar e decidir, de modo diverso, o direito, situação ou posição jurídicas já concretamente definidas por anterior decisão, vinculando o juiz à decisão proferida em primeira instância ou em via de recurso.
Não tendo sido interposto recurso do despacho proferido em 28/03/2025, o mesmo transitou em julgado e, como tal, “tem que ser acatado em todos os tribunais quando lhes for submetida, a qualquer título, quer a título principal (repetição de uma causa), quer prejudicial (como fundamento ou base de qualquer outro efeito da mesma relação).” – Anselmo de Castro, ob. cit., pag. 384.
A intangibilidade do caso julgado significa que, uma vez esgotada a possibilidade de impugnação dentro da relação processual, a sentença e o despacho que recaia sobre a relação controvertida objecto da acção ou incidente ou sobre a relação processual torna-se imutável e indiscutível, tanto para as próprias partes como para o Estado.
Acresce que não se vislumbra como é que a nulidade do despacho posterior por falta de fundamentação poderia afectar aquele e o mesmo se diga quantos aos demais despachos proferidos também em momento anterior, sendo certo que quanto a estes também não foi interposto recurso ou, caso este não fosse admissível – cfr artº 630º do C.P.Civil -, invocada qualquer nulidade no prazo de 10 dias a contar da sua notificação à apelante.
Atento o que ficou referido, julga-se parcialmente procedente o presente fundamento de recurso invocado pela apelante, declarando-se nulo, por total falta de fundamentação, quer de facto, quer de direito, nos termos da al. b), do n.º 1, do art. 615º do CPC, o despacho proferido 17/06/2025 e indefere-se a nulidade invocada relativamente aos demais despachos.
*
ii) Superação do vício da nulidade do despacho recorrido por total falta de fundamentação
O vício da nulidade do despacho sob sindicância por falta de fundamentação, não tem como consequência invariável a remessa dos autos à 1ª Instância para que esse vício seja suprido.
Com efeito, sempre que o tribunal ad quem disponha de todos os elementos probatórios que lhe permitam efectuar, com a necessária segurança, o julgamento da matéria de facto omitido pelo tribunal a quo, terá de, nos termos do disposto nos arts. 662º, n.ºs 1 e 2, al. c), a contrario, e 665º, n.º 1, do CPC e fazendo uso dos seus poderes de substituição, proceder à valoração autónoma desses meios de prova e realizar esse julgamento de facto e decidir a questão em conformidade.
Uma vez que os autos dispõem de todos os elementos para o conhecimento da pretensão formulada pela apelante mediante os requerimentos de 14 de Abril e 17 de Maio de 2025 e a Sra Administradora foi notificada dos mesmos, por força da regra da substituição ao tribunal recorrido estabelecida no artº 665º, nº 2, do C.P.Civil, cumpre conhecer:
Atento o que consta dos requerimentos supra referidos, a não impugnação da Administradora da Insolvência, bem como o teor dos documentos juntos com tais requerimentos, encontram-se provados os seguintes factos:
1- Nos anos de 2024 e 2025, a insolvente auferiu, a título de pensão, a quantia mensal de  € 908,44;
2- No ano de 2024, suportou mensalmente as seguintes despesas:
- renda de casa - € 660,66;
- água, luz, gás, internet, tv e telemóvel - € 95,00;
- alimentação - € 100,00;
- transportes - € 30,00;
- vestuário e calçado - € 10,00;
- médico e farmácia - € 10,00.
3- No ano de 2025, suporta mensalmente as seguintes despesas:
- renda de casa - € 674,94;
- água, luz, gás, internet, tv e telemóvel - € 105,00;
- alimentação - € 100,00;
- transportes - € 30,00;
- vestuário e calçado - € 15,00;
- médico e farmácia - € 20,00.
4- Nos mesmos anos suportou despesas com próteses auditivas. 
*
iii) Da alteração do rendimento indisponível
O instituto da exoneração do passivo restante encontra-se previsto nos arts. 235º e ss. do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e conforme resulta da exposição de motivos que consta do preâmbulo do diploma que aprovou o Código em causa - Dec. Lei nº 53/2004 de 18.03: “o princípio geral nesta matéria é o de poder ser concedida ao devedor pessoa singular a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos (actualmente três – esclarecimento nosso) posteriores ao encerramento deste.
A efectiva obtenção de tal benefício supõe, portanto, que, após a sujeição a processo de insolvência, o devedor permaneça por um período de cinco anos (como se disse, actualmente três) - designado período da cessão - ainda adstrito ao pagamento dos créditos da insolvência que não hajam sido integralmente satisfeitos. Durante esse período, ele assume, entre várias outras obrigações, a de ceder o seu rendimento disponível (tal como definido no Código) a um fiduciário (entidade designada pelo tribunal de entre as inscritas na lista oficial de administradores da insolvência), que afectará os montantes recebidos ao pagamento dos credores. No termo desse período, tendo o devedor cumprido, para com os credores, todos os deveres que sobre ele impendiam, é proferido despacho de exoneração, que liberta o devedor das eventuais dívidas ainda pendentes de pagamento.
A ponderação dos requisitos exigidos ao devedor e da conduta recta que ele teve necessariamente de adoptar justificará, então, que lhe seja concedido o benefício da exoneração, permitindo a sua reintegração plena na vida económica” - ponto 45.
Estabelece o artº 235º do CIRE, na redacção introduzida pela Lei nº 9/2022, de 11/01, em vigor aquando da prolação do despacho de admissão liminar da exoneração: “Se o devedor for uma pessoa singular pode ser-lhe concedida a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos três anos posteriores ao encerramento deste, nos termos do presente capítulo”.
Como refere Menezes Leitão in Direito da Insolvência, Almedina, 2009, p. 305, “Esta situação não representa, por outro lado, grande prejuízo para os credores já que, apesar de a exoneração do passivo restante implicar a extinção dos seus créditos, a verdade é que os mesmos já representavam um valor insignificante, dada a situação económica do devedor (…)”.
Na pendência do período de cessão são impostas ao devedor obrigações, destacando-se a obrigação de durante três anos – o designado período de cessão – ceder os rendimentos disponíveis, que em cada momento serão determinados por contraposição com os rendimentos necessários a uma subsistência humana e socialmente condigna, que ao juiz cabe quantificar e fixar, constituindo estes os rendimentos que o devedor não está obrigado a ceder ao fiduciário nomeado – cfr artº 293º, nº 2, do CIRE.
Com relevo para a questão a decidir, estabelece o nº 3 deste mesmo artigo: “Integram o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor… com exclusão:
(…)
b) do que seja razoavelmente necessário para:
i) O sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional;
ii) O exercício pelo devedor da sua actividade profissional;
iii) Outras despesas ressalvadas pelo juiz no despacho inicial ou em momento posterior, a requerimento do devedor.”
O legislador erigiu como critério orientador do valor a excluir do rendimento disponível o montante do rendimento tido por razoavelmente necessário para o sustento do devedor e do seu agregado familiar, por referência ao salário mínimo nacional, não podendo, em regra, exceder três vezes esse montante, salvo decisão fundamentada do juiz.
Sendo o rendimento indisponível, conforme se disse,  correspondente à quantia que seja razoavelmente necessária para o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar e tendo esse rendimento de ser fixado no despacho de deferimento liminar do incidente de exoneração, as decisões que fixem tal rendimento indisponível, em sede de incidente de exoneração do passivo restante, são alteráveis sempre que ocorram circunstâncias supervenientes que imponham essa alteração, isto é, quando surjam novas despesas ou quando as despesas que foram consideradas na anterior decisão, transitada em julgado, sofram alterações que imponham a alteração do rendimento indisponível antes fixado, de modo a torná-lo conforme ao quantitativo necessária a garantir um sustento minimamente digno ao devedor e ao seu agregado familiar.
Como se diz no Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 22/06/2023, Proc. nº 1824/2020.8T8GMR.G1, relator: José Alberto Martins Moreira Dias, in www.dgsi.pt:
“As circunstância supervenientes que fundamentam a alteração da decisão antes proferida e transitada em julgado, que fixou o rendimento indisponível ao devedor, terão de ser necessariamente factos ocorridos historicamente após a prolação dessa anterior decisão e que, por isso, nela não podiam ser considerados, como é o caso de uma alteração da composição do agregado familiar do devedor (v.g. nascimento de um filho ou redução de elementos desse agregado, cujo sustento era assegurado pelo devedor, seja por morte, casamento, etc.), da alteração das necessidades do agregado familiar (v.g. um elemento que antes dependia do sustento do devedor, entretanto, arranjou trabalho remunerado e passou a dispor de condições económicas próprias para prover ao seu sustento, ou a situação inversa), o surgimento de novas necessidades do devedor ou do seu agregado familiar (v.g., fruto do avançar da idade, de uma doença, etc.) ou de necessidade já consideradas na anterior decisão mas cuja satisfação demandem agora um custo acrescido ao antes considerado.
In casu, resulta do confronto das receitas e despesas alegadas pela devedora, ora apelante, aquando da instauração da acção em 05/03/2021 e que foram consideradas aquando da prolação do despacho liminar relativo à exoneração, com as que ora ficaram provadas, resulta evidente que a requerente passou da situação de desempregada a pensionista e se a sua reforma é em montante superior àquele que auferia a título de subsídio de desemprego, é evidente que as despesas suportadas pela mesma mensalmente também aumentaram.
Desde a data da prolação de tal decisão – 21/12/2022-, que fixou o rendimento indisponível no equivalente a um salário mínimo nacional, que no ano de 2023 foi no valor de € 760,00 – cfr Dec. Lei nº 85-A/2022, de 22 de Dezembro – e a data em que a devedora requereu novamente a alteração de tal rendimento – Abril de 2025 -, além de se ter verificado um aumento do custo de vida, também a renda de casa suportada pela insolvente subiu de € 600,00 para € 674,94 em 2025. Não sendo este aumento por si só significativo, não deixa de o ser porque as receitas mensais da requerente mal chegam para suportar tal renda. Depois de paga a mesma, resta à insolvente neste ano a quantia de € 146,00.
Acresce que não se pode descurar o incremento do custo de vida que se tem vindo a sentir nos últimos anos, sobretudo, ao nível dos produtos alimentares de primeira necessidade.
Requereu a insolvente no requerimento que apresentou em 14 de Abril que apenas fosse considerado como rendimento indisponível relativamente ao ano de 2024 o montante equivalente aos subsídios de férias e de Natal, deduzido da quantia de € 766,88 que diz ter suportado com próteses auditivas e em relação ao ano de 2025 o correspondente aos dois subsídios.
No requerimento de 17 de Maio requereu que tal rendimento seja fixado em 1,5 salário mínimo nacional com dispensa de cessão dos subsídios nos meses de férias e de Natal e que tal seja determinado com efeitos retroactivos de modo a abranger os 3 anos da pendencia da Exoneração.
Não há fundamento para que o rendimento indisponível possa ser fixado unicamente na cedência do auferido a título de subsídios, sendo certo que a insolvente aufere mensalmente uma prestação de pensão no valor de € 908,44.
Também não pode proceder o requerido posteriormente no que concerne à dispensa total de cessão dos referidos subsídios.
In casu, a insolvente, ora apelante, encontra-se reformada.
Estabelece o artº 41º do DL nº 187/2007, de 10/5: “Nos meses de Julho e Dezembro de cada ano, os pensionistas têm direito a receber, além da pensão mensal que lhes corresponda, um montante adicional de igual quantitativo”. Face ao disposto neste normativo, tem que se concluir que os “montantes adicionais” pagáveis aos pensionistas, em Julho e Dezembro, não têm natureza diferente das pensões de reforma e que devem integrar igualmente o rendimento disponível a ceder à fidúcia.
No sentido que os valores recebidos a título de subsídio de férias de Natal devem, por via de regra, integrar o rendimento disponível podem ver-se, entre outros, os Acs da Relação de Coimbra de 17.03.2015, de 16.10.2018 e de 22.06.2020, da Relação do Porto de 07.05.2018, de 24.05.2021 e de 28.10.2021 e da Relação de Évora de 26.09.2019 e também a decisão individual desta Relação de Lisboa de 24.05.2023, relatora Fátima Reis Silva e o Ac. também desta Relação de Lisboa de 29-04.2025, relatora: Elisabete Assunção, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
E quanto à forma de cálculo, como se sumaria neste último Acórdão:
“6 - Quando os rendimentos recebidos pelos insolventes são mensais, como é o caso, a base de cálculo do rendimento indisponível deverá ser mensal.
7 - Sendo a base de cálculo mensal, a cada mês deverá corresponder um duodécimo do resultado da soma dos 14 meses de RMMG, ou seja, RMMGx14:12.”
Assim, impõe-se concluir pela procedência parcial do presente fundamento de recurso, devendo ser revogada a decisão recorrida, que indeferiu o aumento do rendimento indisponível da devedora e aumentar esse rendimento indisponível mensal para o montante imediatamente supra referido. O montante a ceder deve corresponder ao que exceder, mensalmente, 1,5 RMMGx14:12.
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iv) Momento a partir do qual a presente decisão que altera o rendimento indisponível produz efeitos.
Nos requerimentos supra referidos, a apelante requereu que a alteração do rendimento indisponível operasse efeitos retroactivos ao ano de 2023 e no recurso invoca que tais efeitos se deverão reportar a Maio de 2023.
Como já se disse, uma vez fixado o rendimento indisponível, notificada essa decisão ao devedor e aos demais interessados e decorrido o prazo para a impugnarem, sem que dela recorram ou reclamem, essa decisão transita em julgado, tornando-se incontestável e imodificável, excepto no caso de ocorrerem circunstâncias supervenientes que demandem a sua alteração, por o rendimento indisponível nela fixado se ter tornado insuficiente ou excessivo para garantir uma subsistência minimamente digna do devedor e do seu agregado familiar.
Essas circunstâncias supervenientes têm de ser alegadas por quem requer a alteração da decisão anterior, transitada em julgado, que fixou o rendimento indisponível.
E será ao julgador que, uma vez observado o contraditório e produzida a prova apresentada, terá de verificar se se encontram ou não preenchidos os requisitos legais que permitem a alteração da decisão antes proferida que fixou o rendimento indisponível e, em caso afirmativo, determinar o quantum dessa alteração.
Daí que relativamente aos rendimentos anteriores a Novembro de 2023 e uma vez que do despacho que indeferiu a alteração do montante indisponível não foi interposto recurso, o decidido, em termos de manter a fixação de tal rendimento em montante equivalente à RMMG, não mais pode ser questionado e sindicado, por via do trânsito em julgado que cobre aquela anterior decisão.
Quanto às devidas desde então, não obstante, regra geral, a alterações determinadas apenas operarem efeitos jurídicos a partir do momento em que o tribunal profere decisão determinando essa alteração, tal “carece de ser conjugado com o facto do rendimento indisponível, em sede de incidente de exoneração, corresponder à quantia necessária para garantir o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, pelo que sempre que seja requerida a alteração do rendimento indisponível antes fixado, por decisão transitada em julgado, com os fundamentos fácticos e jurídicos explanados no requerimento para tanto apresentado e se venha a constatar judicialmente que esses fundamentos se mostram procedentes, alterando-se o rendimento indisponível antes fixado, à medida necessária a garantir ao devedor e ao seu agregado familiar um sustento minimamente digno, essa decisão que altera o rendimento indisponível tem de produzir efeitos jurídicos desde a data em que foi apresentado o requerimento de alteração, sob pena de se violar o princípio da dignidade da pessoa humana tutelados pelos arts. 1º, 13º, n.º 1 e 63º, n.ºs 1 e 3 da CRP, 25º da Declaração dos Direitos do Homem e 239º, n.º 3, al. b), i), do CIRE e, assim, se incorrer em inconstitucionalidade material, na medida em que se privaria a apelante e os filhos dos meios necessárias a um sustento minimamente digno entre o momento em que a situação daquele agregado familiar se alterou e se tornou necessária a alteração do rendimento indisponível que antes lhe fora judicialmente fixado (data em que a apelante o requereu, em 09/03/2021) e o momento da prolação da decisão que reconheceu essa alteração e necessidade” – cfr neste sentido Ac. da Rel. de Guimarães de 22/06/2023, supra citado.
Assim, em nosso entendimento, a alteração do rendimento indisponível para a quantia mensal correspondente a um RMMG e meio tem de produzir os seus efeitos jurídicos desde o momento em que a apelante requereu essa alteração em juízo, ou seja, a partir de 17 de Maio de 2025.
Por tudo o exposto, procede parcialmente o recurso.
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IV – Decisão
Nestes termos, as juízas desta Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa, acordam em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência:
a) declaram nulo o despacho recorrido por falta de fundamentação;
b) suprindo o vício da nulidade que afecta o despacho recorrido por falta de fundamentação, julgam provada a factualidade supra identificada e
c) revogam o despacho recorrido que indeferiu a alteração do rendimento indisponível requerida pela apelante em 17 de Maio de 2025 e substituem essa decisão, alterando tal rendimento indisponível para a quantia mensal equivalente a 1,5 RMMG, a calcular nos seguintes termos: 1,5 RMMGx14:12 e determinam que essa alteração produza efeitos a partir da referida data de 17 de Maio de 2025;
d) no mais, julgam a apelação improcedente.
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Custas pela apelante - uma vez que tirou proveito do recurso – artº 527º, nº1, in fine, do C.P.Civil – sem prejuízo do benefício de apoio judiciário.

Registe e Notifique.
Lx, 14/10/2025
Manuela Espadaneira Lopes
Isabel Maria Brás Fonseca
Fátima Reis Silva