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ÓNUS DE PROVA
INSOLVÊNCIA
CASO JULGADO
EXCEPÇÃO DILATÓRIA
CAUSA DE PEDIR
Sumário
SUMÁRIO (art. 663º, n.º7 do Código de Processo Civil). 1. No contexto de processo de insolvência iniciado a requerimento do credor, a este último incumbe demonstrar que o devedor se encontra em qualquer das situações enunciadas no n.º1 do art. 20º do CIRE, resultando da prova dos factos que preenchem as alíneas desse artigo a presunção de que o devedor se encontra em situação de insolvência, cabendo ao devedor, uma vez cumprido o ónus do credor, provar que a sua situação é de cumprimento, de possibilidade de pagamento ou qualquer outra circunstância cuja prova seja bastante para ilidir a presunção que o onera – art. 30º, n.º3 do CIRE. 2. O que não se inclui entre os ónus probatórios de qualquer das partes, designadamente do credor, será a prova de que o devedor “não se encontra” em qualquer das situações que indiciam a sua insolvência. Isto é, se a requerente da insolvência prova que o devedor acumula créditos vencidos por um prolongado período de tempo ou que se encontra impossibilitado de cumprir obrigações vencidas, terá o devedor que positivamente demonstrar que tem capacidade para solver as suas obrigações, seja por efeito de um concreto rendimento líquido, seja por qualquer comprovada disponibilidade financeira, seja pela total viabilidade de acesso a crédito 3. No âmbito do processo especial de insolvência, para se ter por verificada a exceção dilatória de caso julgado é necessário que, perante os factos jurídicos que suportam o direito da requerente, ainda que essencialmente coincidentes com aqueles que suportaram uma ação anteriormente instaurada, tenha incidido uma pronúncia estável, inalterável e imune aos efeitos do tempo sobre o incumprimento das obrigações. 4. O mesmo credor, alegando o mesmo crédito perante o mesmo devedor, que vê negada uma primeira tentativa de ver declarada a insolvência deste, não pode ver negado o direito de renovar a sua pretensão em nova ação instaurada para o efeito decorridos dois anos, sem que entretanto haja ocorrido qualquer ressarcimento do seu crédito originário, já que o prolongamento temporal da situação de incumprimento ou as circunstâncias que rodeiam o incumprimento de uma ou mais obrigações vencidas, corresponde, por si só, a um distinto facto jurídico em que suporta a sua pretensão de, em nova ponderação feita à luz do período de tempo decorrido, ver analisado e apreciado o preenchimento das alíneas a), b) e e) do art. 20º, n.º1 do CIRE, em que sustenta juridicamente o seu direito.
Texto Integral
Acordam na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I.
a. OITANTE S.A. intentou ação requerendo a declaração de insolvência de R, ambos melhor identificados nos autos.
Alegou, em síntese, que:
- administra os direitos e obrigações que constituem ativos do titular do direito de crédito anteriormente pertencente a BANIF – Banco Internacional do Funchal, S.A., sendo legítima portadora de livranças subscritas pela sociedade "R, Unipessoal, Lda." e devidamente avalizadas pelo requerido que, apresentadas a pagamento, não foram pagas por este;
- foi intentada a ação executiva que corre termos sob o processo n.º, no Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, Juízo Cível e Criminal de Angra do Heroísmo, Juiz .., que se encontra extinta por ausência de bens, ascendendo o capital em dívida a 110.952,44 Euros, a que acrescem juros no montante de 12.426,90€, perfazendo o crédito o valor total de 123.379,34 EUR;
- o Requerido é devedor de elevadas quantias junto de vários credores, incluindo instituições bancárias e a fazenda nacional, tendo pendentes contra si quatro processos executivos (execuções comuns e fiscais), concluindo que montante do envolvimento do Requerido junto dos seus credores, a sua antiguidade, o circunstancialismo do incumprimento, revelam a sua situação de insolvência, não dispondo o requerido de quaisquer rendimentos ou proveitos para pagamento das elevadas quantias de que é devedor, encontrando-se a totalidade do seu património onerado com dívidas, sendo insuficiente para pagar a todos os credores.
Junta documentos.
b. Regularmente citado, veio o requerido deduzir oposição (requerimento de 04-03.2025), pedindo a improcedência da ação e a consequente absolvição do pedido, bem como a condenação da requerente como litigante de má-fé.
Alegou, para o efeito e em síntese, que:
- a requerente instaurou ação idêntica contra o requerido que correu termos no mesmo juízo sob o n.º, em que alegou a situação de insolvência do requerido e que foi julgada improcedente, por se considerar que não estava demonstrada qualquer das situações previstas no artigo 20º do CIRE, com consequente absolvição do requerido do pedido;
- a livrança no valor de 24.611,70 €, emitida a 04.04.2022 e vencida em 04.04.2022, de acordo com “notificação dirigida ao Requerido pela Direção de Recuperação de Créditos do BANIF, datada de 22 de maio de 2013, o crédito financeiro de curto prazo com o nº 298129760544 encontrava-se em incumprimento pelo montante de € 13.151,28”, não fazendo referência a qualquer livrança ou ao seu preenchimento, inexistindo prova da sua apresentação a pagamento, desconhecendo o requerido que tenha sido instaurada qualquer ação executiva pela requerente para cobrança do crédito em questão;
- à data do preenchimento da livrança, há muito que se encontrava ultrapassado o prazo de 3 anos desde a data em que o crédito nela titulado se encontrava em incumprimento;
- a requerente repete o mesmo n.º de livrança e indica um valor de 110.952,44 €, juntando uma livrança com n.º distinto, com data de vencimento de 04-04-2022, sendo o requerimento executivo mencionado respeitante a execução instaurada em 23-10-2018, que não se referia àquela livrança;
- a requerente pretende cobrar várias vezes o mesmo crédito, um dos quais com garantia hipotecária, que se encontra a ser cobrado em execução ainda pendente;
- não há evidência de apresentação a pagamento de qualquer das livranças ou de notificação do requerido quanto ao preenchimento das mesmas;
- o requerido tem a sua situação tributária regularizada, não sendo devedor de elevadas quantias à Fazenda Nacional,
- o requerido é proprietário de 5 prédios rústicos e 3 urbanos, património que, desde 18-12-2012 era propriedade do requerido e da sua então mulher, AE; esse património foi objeto de arrolamento no âmbito do processo n., em que foi nomeada depositária a Referida AE, incluindo o património arrolado “9 imóveis, o recheio da casa morada de família e do apartamento em Lisboa, as contas bancárias no BCP, BANIF e CGD e as rendas de 11 apartamentos sitos na…”, ascendendo as rendas a cerca de 3.700,00 € mensais;
- não obstante o divórcio ter sido decretado por decisão transitada em julgado em 29-09-2014, as partilhas ainda não foram realizadas, mantendo-se a ex-mulher do requerido na posse de todo o património, tendo o requerido uma liquidez muito superior às eventuais dívidas;
- o arrolamento do património impediu o requerido de prosseguir a sua atividade no ramo da construção, que tem vindo a pagar as dívidas por acordos ou execução de hipotecas, não se encontrando em situação de insolvência;
- já se encontra em curso o processo de inventário e de prestação de contas, nº , a correr termos neste Juízo.
- não se encontra preenchido qualquer dos factos índice de insolvência, sendo a ação executiva o meio processual idóneo a assegurar o direito da requerente.
A requerente falseia a verdade dos factos de forma dolosa, litigando de má-fé.
c. Notificada para responder à matéria de exceção, veio a requerente, em 21-03-2025, pronunciar-se quanto ao alegado pelo requerido, referindo, em síntese, que:
- ocorreu lapso na identificação do n.º de umas livranças, cuja retificação requer, sendo as livranças autónomas em relação aos contratos que as precederam, valendo como títulos de crédito perante o requerido, avalista e responsável solidário pelo seu pagamento, independentemente da causa debendi;
- o requerido foi notificado do preenchimento das livranças, conforme documentos que junta;
- o processo de arrolamento ou partilhas não condicionam o crédito da requerente, que não pode aguardar eternamente pelo seu desfecho; se os bens e direitos não estão na posse do requerido, tal corrobora a ausência de património deste para fazer face às suas dívidas, como o evidenciou a execução extinta por impossibilidade de penhorar qualquer dos bens titulados pelo requerido ou por ónus registados anteriormente;
- a impossibilidade de obter pagamento do seu crédito não deixam à requerente outra alternativa que não a de recorrer ao processo de insolvência, inexistindo qualquer má-fé na sua litigância.
d. Por despacho de 09-05-2025, sob a epígrafe “Da exceção de caso julgado”, foi ordenada a junção aos autos de certidão da sentença proferida no processo …, com nota de trânsito em julgado, mais se determinando que fosse oficiado aos seguintes processos : “Processo 112…, para que informe o estado dos autos de inventário; Processo 269…, para que informe o estado da execução, se existem bens penhorados, ou se já houve pagamentos. Caso se mostre extinto, as razões que determinaram a extinção da execução; Processo 363…, para que informe o estado da execução, se existem bens penhorados, ou se já houve pagamentos. Caso se mostre extinto, as razões que determinaram a extinção da execução”.
Foi ainda dirigido convite à requerente para juntar certidão “com nota de trânsito da decisão que declarou a execução extinta no processo n.º 953…”.
Foi designada data para realização da audiência de julgamento (art. 35º, n.º1 do CIRE).
e. Em 26-05-2025 teve lugar a audiência, no contexto da qual foi proferido despacho saneador, reproduzido em ata, do qual se fez constar, além do mais, o seguinte:
“(…) Da execpção do caso julgado: O caso julgado consubstancia uma exceção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso, que conduz à absolvição do réu da instância, cfr. art.ºs 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, al. i), 578.º e 278.º, n.º 1, al. e), todos do C.P.Civil, ex vi do art.º 17.º, n.º 1 do CIRE. No caso em apreço, importa apreciar se o passivo invocado para fundamentar o actual pedido de insolvência já existia e é essencialmente o mesmo que existia à data da sentença no processo 127…, e se o activo é pelo menos o mesmo e não menor, pois que se nenhuma alteração do seu património se apurar poderá verificar-se a referida excepção. No caso concreto, os créditos que são agora invocados já foram objecto de decisão e reconhecimento em sede de sentença proferida em 08.08.2022. Pelo exposto, é necessário apurar se o património actual do devedor e o seu passivo é substancialmente o mesmo que existia à data da decisão no citado processo, o que carece da produção de prova. Pelo exposto, relega-se para final o conhecimento da excepção invocada (…)”.
No referido despacho foi definido o objeto do litígio, enunciados os temas da prova, apreciados os requerimentos probatórios e produzida a prova, correspondente à produção de declarações de parte do requerido.
Foi ordenado que os autos fossem conclusos para prolação de sentença.
f. Em 23-06-2025 foi proferida sentença, na qual, após serem elencados os factos que resultaram provados com relevo para a apreciação da exceção de caso julgado invocada relativamente ao processo n.º127…, com indicação acrescida dos factos não provados e motivação da convicção, foi declarada procedente a exceção dilatória de caso julgado, absolvendo-se o requerido da instância e condenando-se a requerente como litigante de má-fé.
Do dispositivo consta: “III. DECISÃO Face ao exposto, decide o Tribunal: a) Julgar verificada a excepção dilatória de caso julgado e, em consequência, absolver o requerido R.. do pedido. b) Julgar procedente o incidente de litigância de má-fé e, em consequência, condenar a requerente Oitante, S.A. como litigante de má-fé, em multa fixada em 8 (oito) UC’s e a indemnizar o requerido R… em importância a fixar nos termos do artigo 543.º, n.º 3, do CPC. * Valor da ação: o indicado na petição inicial, nos termos do artigo 15.º do CIRE, por via do artigo 303.º do mesmo código. Custas a cargo da requerente Registe e notifique.”.
g. Em 14-07-2025 veio a requerente/apelante interpor recurso da decisão aludida em I.f, pretendendo a sua substituição por outra que julgue procedente a requerida insolvência sem procedência da exceção dilatória de caso julgado e condenação de litigância de má-fé ou, subsidiariamente, a procedência do recurso quando à condenação da litigância de má-fé e absolvição da recorrente da decisão a título de multa e de indemnização.
Não foram apresentadas contra-alegações.
h. Por despacho de 20-08-2025 foi proferido despacho de admissão do recurso, com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo
i. Subidos os autos a este Tribunal da Relação de Lisboa, pela Exma. Sr.ª Desembargadora em serviço de turno foi dirigido convite à apelante para “apresentar alegações que contenham conclusões sintéticas dos fundamentos pelos quais pede a revogação da decisão, sob pena de não se conhecer do recurso”.
j. Em 27-08-2025 a requerente/apelante apresentou requerimento com novas alegações, nas quais formula as seguintes conclusões (renumeradas face à existência de lapsos de sequenciação e repetição de números nas conclusões originais):
1. A Oitante, S.A., ora Recorrente requereu a declaração de insolvência de R, atento ser credora do Requerido por ser legitima portadora de uma livrança com o n.º 508225140083451870 cujo valor em dívida ascende a € 27.368,21, e outra livrança com o n.º 508225140083459171 cujo valor em dívida ascende a € 123.379,34, virtude de ser titular de crédito originariamente pertencente ao Banif – Banco Internacional do Funchal, SA, para além de juros vincendos e outros encargos.
2. A Recorrente considera que foram dados como provados e não provados factos contraditórios, bem como admitidos factos sem qualquer prova que sustente tal decisão, ignorou-se a manutenção da situação de incumprimento por período superior a dois anos, moldaram-se os factos trazidos e provados aos autos de forma a encaixar favoravelmente na decisão proferida, ignoradas confissões do requerido relativas ao incumprimento reiterado e prolongado, o cumprimento de algumas obrigações não implica uma situação de solvência ainda mais quando tal é em prol de outros credores que são sujeitados a um constante incumprimento e por último o facto de já estar solidificado na jurisprudência que a situação de insolvência não é matemática, ou seja não é um simples passivo versus activo e “ganhando” o segundo obtém-se a solução, é necessário apurar a liquidez do património, o que no nosso humilde entendimento foi provado e confessado nos autos mas completamente ignorado pelo Tribunal de Primeira Instância.
3. De salientar que a ora Recorrente, ainda que demonstrado e provado nos autos que não está a ser ressarcida do seu crédito por diversos anos, para além dos dois anos entre o primeiro pedido de insolvência e o actual, considerou-se ter litigado de má-fé porquanto quer obter o seu crédito e encontra- se impedida de o fazer.
4. Foi demonstrado pela Requerente que através da ação executiva não é capaz de ser ressarcida do seu crédito.
5. Pretende a Recorrente demonstrar não estarmos perante Caso Julgado, conclusão do Tribunal ad quo, atento o hiato temporal ocorrido entre as duas ações.
6. Não foi considerado para efeitos de apreciação da decisão ora Recorrida, o decurso do tempo e a o incumprimento reiterado das obrigações durante este período.
7. O decurso do tempo é uma alteração factual que teria de ser considerada na decisão Recorrida, e impedia conclusão de estarmos perante o caso julgado.
8. Esta factualidade foi completamente ignorada pelo Tribunal de Primeira Instância e não permitiu uma apreciação correcta do caso apresentado a juízo.
9. Ainda que apoiado numa decisão anterior, teria de ocorrer uma apreciação do caso na sua complexidade.
10. Aliás a existência de um pedido anterior de insolvência e considerando a decisão proferida seria necessário apreciar se efectivamente tinha havido uma alteração, que in casu seria por exemplo sanar a situação de incumprimento generalizado das obrigações.
11. Mas pelo contrário foi o que se verificou, foi demonstrado que a situação se mantinha nos mesmos termos da primeira ação, este facto teria de ser considerado.
12. Aqui chegados, teria de ser apreciada corretamente a prova feita nos autos, o que também não aconteceu conforme a exposição realizada nas alegações.
13. O Tribunal de Primeira Instância aplicou uma fórmula simples do caso julgado, mesmas partes mesma causa.
14. Conforme exposição das alegações e em conjugação com os critérios para a Declaração da Insolvência, foi feita prova que existem alterações das circunstâncias desde a primeira ação que permitem concluir que não estamos perante a mesma situação.
15. A Recorrente pretende assim a revisão da decisão que considerou estarmos perante Caso Julgado, e seja substituída por outra que igualmente declare a insolvência do Requerido porquanto,
16. Na verdade foram trazidos elementos aos autos para ser proferida decisão nesse sentido.
17. Contabilisticamente o passivo não foi corretamente apurado, e não foram trazidos autos todos os elementos nesse âmbito e os quais foram trazidos, sofreram de manipulação.
18. O Requerido não indicou todos os credores e respetivo valor em dívida, tendo omitido o valor em dívida das execuções a correr termos, bem como qual o valor do acordo que tem com a Autoridade Tributária e Aduaneira.
19. Não fez o Requerido prova do cumprimento generalizado das suas obrigações, e consequente demonstração da situação de solvência, como tal lhe incumbe fazer.
20. O Requerido não demonstrou o seu real passivo, e o Tribunal de Primeira Instância escolheu ignorar ações executivas em curso, e sem qualquer demonstração de cumprimento, inclusivamente indicou que as quantias exequendas não existiam ou eram diversas, contrariando assim e imposição legal do ónus da prova do cumprimento.
21. Desconhece-se a base legal da presunção do cumprimento, quando existem ações em curso mas o Tribunal e sem que tenha havido prova produzida pelo Requerido, conclua que a quantia Exequenda não existe.
22. Acresce ainda o facto de o Requerido apesar de ter património, carece de liquidez para conseguir cumprir com todas as obrigações, conforme foi demonstrado nos presentes autos.
23. Salienta-se que o Tribunal de Primeira Instância, utiliza a Sentença proferida no primeiro pedido de insolvência como mais lhe convém, ignorando determinados factos dados como provados.
24. Salientando-se que não foi produzida prova nos presentes autos para contrariar ou se considerar determinados factos, como por exemplo não haver incumprimento, créditos liquidados, incapacidade de cumprimento.
25. Foram considerados determinados factos, como a existência de ações em curso, que nunca poderiam culminar na conclusão de liquidação total ou sequer parcial dos créditos que se fizeram prova existirem.
26. Em contradição com os factos dados como provados, o Tribunal de Primeira Instância considera por outro lado como não provada a existência do valor da quantia Exequenda de determinadas ações, sem que tenha o Requerido, que detém o ónus da prova, feito qualquer prova para culminar nesta conclusão.
27. Atenta a falta de prova do cumprimento da obrigação o Tribunal de Primeira Instância apenas se poderia ter baseado em presunção, o que não pode acontecer.
28. Assumindo esta posição, foram desconsiderados valores como compondo o passivo do Requerido e consequentemente ocorreu uma errónea apreciação deste elemento.
29. Houve uma apreciação errónea da prova produzida, e terá de ser revista no presente Recurso.
30. O Tribunal de Primeira Instância remete para a presunção a liquidação de obrigações, ainda que parcial.
31. Escolheu ainda ignorar o reporte ao Banco de Portugal, no qual consta como incumprimento o montante global de €178.336,07.
32. Em suma, existe prova suficiente nos autos para considerar que o incumprimento se mantém, tem diversos anos e é reiterado.
33. Aqui chegados, não há dúvidas que existem erros graves da apreciação da prova na Primeira Instância, tendo ficado provado a existência de um passivo considerável, bem como a situação de incumprimento perante diversas entidades.
34. Tal conclusão transporta-nos imediatamente então para a análise do activo e sua liquidez.
35. Apesar de o Insolvente fazer prova da existência de património, por outro lado também confessou que não tem rendimentos mensais ou sucessivos, ou como uma periodicidade que se possa considerar saudável, para fazer face a todas as suas obrigações.
36. O Tribunal fundamenta que situação de solvência fica demonstrada atento os factos 7.9 e 7.10, com nos quais os bens imóveis são de valor suficiente para fazer face às dívidas que se apuraram.
37. Olvida-se contudo de analisar se o património tem ou não liquidez.
38. Ponto este que se encontra inevitavelmente associado à consideração anterior de se estar perante caso julgado.
39. Ficou demonstrado que desde o primeiro pedido de insolvência e até à entrada da presente ação, não houve qualquer alteração.
40. Volvido este tempo sem alteração e confirmação da falta de liquidez, não se poderia concluir com o caso julgado, como também se poderá concluir que existência de património mas sem liquidez para cumprimento das obrigações implica estar obrigatoriamente em situação de insolvência.
41. Tudo isto foi ignorado ou mal apreciado pelo Tribunal de Primeira Instância.
42. A prova produzida nos autos conjugada com a falta de demonstração da situação de solvência e cumprimento das obrigações, apenas poderia culminar numa decisão, ser declarada a Insolvência do Requerido.
43. Porém não se verificou esta decisão, motivo pelo qual se apresenta o presente Recurso, o Tribunal de Primeira Instância tinha todos os elementos para Declarar a Insolvência do Requerido.
44. Assim igualmente não se poderia ter concluído pela litigância de má-fé, inclusivamente será contraditório.
45. Foi feita prova que a Requerente não consegue o ressarcimento do seu crédito, seja judicialmente ou extrajudicialmente, como também existe incumprimento com diversos anos e o património até hoje não apresentou ter liquidez.
46. Atenta esta factualidade e decurso do tempo bem como da falta de liquidez do património, é legitimo à Requerente da Insolvência proceder como procedeu, nomeadamente ter requerido novamente a Declaração de Insolvência.
47. Não somos do entendimento ser exigível a um credor aguardar ad eternum pela conclusão de um processo de inventário e ainda mais quando não é certo que isso se reflita no ressarcimento do seu crédito.
48. A Recorrente já explicou que não estamos perante o mesmo caso julgado, e ainda que o fosse, não é censurável a actuação de pretender o ressarcimento do seu crédito quando o incumprimento é de diversos anos.
49. Deparada com um património sem liquidez, incumprimento reiterado e demais vias judicias sem sucesso, é legitimo requerer a insolvência o que se fez.
50. O Tribunal de Primeira Instância condenar em litigância de má-fé, e com o devido respeito, compactou com uma situação de incumprimento, ignorando factos claros trazidos aos autos, e não só fez uma errónea análise dos factos dados como provados e aplicação do direito, como ainda transformou a Recorrente no mau da fita.
51. Atento todo o exposto e porquanto a Recorrente, não só considera que não há caso julgado, como estamos também perante uma situação de insolvência, deverá igualmente ser absolvida da condenação de litigância de má-fé e demais consequências que advém dessa decisão, nomeadamente pagamento de 8 UC’s e pagamento de indemnização a fixar pelo Requerido.
52. Em suma, o Recurso apresentado tem como intuito a revogação da Sentença proferida pela Primeira Instância no âmbito da qual se considerou que estava-se perante caso julgado, e consequentemente ser substituída por outra que declare a Insolvência do Requerido, não havendo obviamente lugar a condenação de litigância de má-fé.
53. No limite sempre terá de ser reapreciado pelo Tribunal de Primeira Instância e proferida Sentença quanto à requerida Declaração de Insolvência atento não haver caso julgado.
54. Subsidiariamente e atenta toda a exposição, e porquanto não é censurável a actuação, deverá ser revogada a parte que condenou a Requerente em litigância de má-fé e demais consequências que advém dessa decisão, nomeadamente pagamento de 8 UC’s e pagamento de indemnização a fixar pelo Requerido.
Não foi apresentada resposta às alegações de recurso aperfeiçoadas.
*
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar.
II.
Dado que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, sem prejuízo das questões passíveis de conhecimento oficioso (artigos 608º, n.º 2, parte final, ex vi do art.º 663º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil), importa apreciar e decidir:
i. atendibilidade e pertinência da impugnação dirigida à matéria de facto;
ii. a verificação dos pressupostos da exceção dilatória de caso julgado;
iii. caso inexista caso julgado, se os factos e o estado dos autos autorizam que seja declarada a insolvência do devedor/apelado.
III.
O tribunal a quo proferiu decisão quanto à matéria de facto no que respeita à “exceção de caso julgado invocada relativamente aos autos n.º127…”, elencado como provados “com relevo para a exceção a decidir”, os seguintes factos:
1. Em 29-04-2022 a ora requerente propôs acção de insolvência contra o requerido, peticionando que o mesmo fosse declarado insolvente, alegando, para tanto:
1.1 Que por deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal (BdP) de 20 de dezembro de 2015 a requerente, anteriormente com a designação de Naviget, S.A. recebeu por transferência os ativos do Banif – Banco Internacional do Funchal, S.A., sendo a atual titular dos créditos invocados.
1.2 Que a requerente é legítima portadora da livrança n.º 508225140083451870, subscrita pela sociedade R.., Unipessoal, Lda., tendo o requerido prestado o seu aval à livrança.
1.3 Que apresentada a pagamento, a livrança não foi paga, sendo que o capital em dívida ascende a €24.611,70, a que acrescem juros de mora, desde a data do vencimento, em 04.04.2022 até 26.04.2022, perfazendo o valor desse crédito a quantia global de €25.850,66, sobre a qual vencem juros vincendos e imposto de selo.
1.4 Que a requerente é também legítima portadora da livrança n.º 508225140083451870, no montante de €110.952,44, emitida em 04.04.2022 e vencida em 04.04.2022, subscrita pela sociedade R.., Unipessoal, Lda., decorrentes do crédito financeiro curto prazo n.º 298129760444, sendo que também o requerido prestou o seu aval à livrança.
1.5 Que apresentada a pagamento, a livrança não foi paga e nessa sequência, foi intentada a ação executiva que corre termos sob o processo n.º 953.., no Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, Juízo Cível e Criminal de Angra do Heroísmo, Juiz. Que o capital em dívida ascende a Euros 110.952,44 (cento e dez mil, novecentos e cinquenta e dois euros e quarenta e quatro), a que acrescem juros de mora e imposto de selo, perfazendo a quantia de 116.778,26 €, bem como os juros vincendos e imposto até efetivo e integral pagamento.
1.6 Mais alegou ser portadora da livrança n.º 508225140083451897, no montante de €100.000,00, emitida em 12-08-2010 e vencida em 12-11-2010, subscrita pela sociedade R, Unipessoal, Lda., para garantir o cumprimento das obrigações decorrentes do Contrato de Empréstimo, celebrado em 17.08.2010 tendo o requerido prestado o seu aval à livrança.
1.7 Que apresentada a pagamento, a livrança não foi paga, sendo o capital em dívida no valor de €102.153.89, a que acrescem juros vencidos e outras despesas, perfazendo o valor desse crédito a quantia de €149.920,11, sobre a qual incidem juros vincendos e imposto de selo.
1.8 Que a estas quantias acrescem ainda as despesas judiciais e extrajudiciais inerentes à cobrança dos valores reclamados que se cifram em €2.145,50.
1.9 Conclui pela existência de um crédito global da requerente sobre o requerido no valor de €294.694,53.
1.10 Mais alegou que o requerido é devedor de elevadas quantias junto de vários credores, incluindo instituições bancárias e a fazenda nacional.
1.11 Que se encontram pendentes sobre o requerido além do processo executivo referido, os seguintes:
Processo n.º 269…, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, Juízo de…, com a quantia exequenda de € 93.146,41, em que figura como Exequente o Banco Santander Totta, S.A..;
Processo n.º 363…, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, Juízo de Central Cível e Criminal – Juiz , com a quantia exequenda de € 148.749,51, em que figura como Exequente o Banco Comercial Português, S.A..
1.12 Que o requerido não dispõe, de quaisquer bens, rendimentos ou proveitos para pagamento das elevadas quantias de que é devedor, não tem qualquer tipo de crédito bancário ou de outra natureza, por falta de meios próprios e de património.
1.13 Que o requerido não cumpre, nem tem possibilidade de cumprir com as suas obrigações assumidas, encontrando-se, há muito, em situação de insolvência.
1.14 Conclui no sentido de estarem verificados os pressupostos previstos nas alíneas a), b) e e) o n.º 1 do artigo 20.º do CIRE, o que é motivo bastante para ser proferida sentença de declaração de insolvência do requerido.
2 Citado, o requerido contestou a ação, opondo-se aos créditos alegados pela requerente, alegando, em suma:
2.1 Que, no que respeita à primeira livrança identificada pela requerente, livrança n.º 50822514008451870, no montante de €24.611,70, emitida a 04-04-2022, o requerido recebeu uma notificação da Direção de Recuperação de Créditos do BANIF, datada de 22 de maio de 2013, de onde consta que o crédito financeiro de curto prazo com o n.º298129760544 encontrava-se em incumprimento pelo montante de €13.151,28, não se fazendo qualquer menção a livrança. Que a requerente não apresenta qualquer prova de que a livrança tenha sido apresentada a pagamento.
2.2 No que respeita à segunda livrança referida pela requerente, pese embora repita o n.º da primeira, pelos documentos juntos tratar-se-á da livrança n.º 508225140083456171, emitida em 04-04-2022 e vencida na mesma data. Que considerando as datas de emissão e vencimento não poderá ter dado origem ao processo de execução n.º 953… que é de data anterior.
2.3 Que no requerimento executivo dos referidos autos de execução não indica como título executivo a referida livrança.
2.4 Que no que respeita à terceira livrança referida pela requerente, esta destinava-se a garantir as obrigações do contrato de Empréstimo celebrado em 25-06-2007 aditado em 13-01-2010, sendo que o aditamento em causa corresponde ao contrato de empréstimo n.º298129760444, sendo que alegadamente era a livrança n.º 508225140083456171 que garantia este contrato.
2.5 Que considerando a data de vencimento desta última livrança só valerá como Título de Crédito se os factos constitutivos da relação subjacente constarem do próprio documento ou forem alegados no requerimento executivo.
2.6 O requerido não foi notificado do preenchimento da livrança e da data aposta na mesma. Que a livrança em causa se mostra prescrita não sendo suficiente para figurar como título executivo contra o requerido.
2.7 Mais alega o requerido que celebrou com a AT um Plano de Pagamentos pelo valor de €9.984,88, do qual se encontra em dívida a quantia de €554,44.
2.8 Que a este valor acresce o montante de €5.126,90 dos quais €1.467,03 estão suspensos por pagamento em prestações e €3.369,28 decorrem de impostos vencidos em 2009, 2010 e 2011, pelo que se mostram ultrapassados os 8 anos para prescrição, sendo assim falso que o requerido seja devedor de elevadas quantias à Fazenda Nacional. Que se encontra a pagar as quantias de que é devedor a esta entidade. Que o requerido é proprietário de oito prédios, sendo três urbanos e cinco prédios rústicos.
2.9 Que todo o património que, à data, era propriedade do requerido e de AE, sua então mulher, foi alvo de arrolamento, no âmbito do processo n.º 325.., sendo nomeada depositária AE. Que desse património faziam parte 9 imóveis, o recheio da casa morada de família e do apartamento em Lisboa, as contas bancárias no BCP, BANIF e CGD e as rendas de 11 apartamentos sitos na... Que tendo sido decretado o divórcio entre o requerido e a sua ex-cônjuge, as partilhas decorrentes do divórcio ainda não foram realizadas e AE continua na posse de todo o referido património, nomeadamente no que respeita ao recebimento das rendas.
2.10 Que o requerido pretende pedir contas à sua ex-cônjuge para apurar o montante a receber por conta das rendas.
2.11 Que foi o arrolamento de todo o património impediu o Requerido de prosseguir a sua atividade e de cumprir as suas obrigações.
2.12 Conclui que o requerido não está em situação de insolvência, tendo património suficiente para solver as suas dívidas.
2.13 Mais alegou que recurso ao presente meio processual é inadequado, por desproporcionado, correspondendo a um pedido infundado de declaração de insolvência, pelo que conclui ainda que a requerente litiga de má fé.
2.14 Conclui pedindo a sua absolvição do pedido e a condenação da requerente em litigância de má fé.
3 Por sentença proferida em 08-08-2022, no processo n.º 127…, foram considerados provados, entre o mais, os seguintes factos:
3.1 A requerente é uma sociedade que tem por objeto social a administração dos direitos e obrigações que constituam ativos do Banif-Banco Internacional do Funchal, S.A. que lhe forem transferidos em cada momento, por decisão do Banco de Portugal, tendo em vista as finalidades enunciadas no artigo 145º-C do RGICSF (facto 1).
3.2 A requerente é portadora da livrança n.º 508225140083451870, no montante de € 24.611,70, emitida em 04-04-2022 e vencida em 04-04- 2022 (facto 2).
3.3 Da referida livrança consta, a indicação “crédito financeiro curto prazo 298129760544” (facto 3).
3.4 A livrança foi subscrita pela sociedade R, Unipessoal, Lda. (facto 4).
3.5 Do verso da livrança, consta a assinatura do requerido R, com a menção “Dou o meu aval” (facto 5).
3.6 A requerente é portadora da livrança n.º 508225140083456171, no montante de € 110.952,44, emitida em 04-04-2022 e vencida em 04-04-2022 (facto 7).
3.7 Da referida livrança consta, a indicação “crédito financeiro curto prazo 298129760444” (facto 8).
3.8 A livrança foi subscrita pela sociedade R, Unipessoal, Lda. (facto 9).
3.9 Do verso da livrança, consta a assinatura do requerido R, bem como a menção “Bom para o aval” (facto 10).
3.10 Nos autos de execução com o n.º 953/18.2T8AGH, o exequente, a aqui requerente, Oitante, S.A., indica como título executivo um contrato de mútuo com hipoteca e mandato celebrado com os executados, sendo o requerido na qualidade de garante (facto 17).
3.11 Indica ainda naquele requerimento executivo que a executada constituiu hipoteca a favor do ora exequente, sobre o prédio urbano, localizado na Rua d, freguesia e concelho de M, descrito na respetiva Conservatória do Registo Predial sob o n.º , da referida freguesia e concelho de M (facto 18).
3.12 No âmbito do referido processo n.º 953…, foi efetuada uma penhora sobre uma fração autónoma num prédio em Propriedade Horizontal, composto no 1.º andar por moradia, sito na Rua D, , freguesia e concelho de M, inscrito na respetiva matriz sob o artigo e descrito na Conservatória do Registo Predial de Madalena sob o n.º (facto 19).
3.13 Sobre a fração referida (sita na Rua D) incidia já uma penhora anterior, no âmbito dos autos de execução n.º 269…, motivo pelo qual, a execução no processo n.º processo n.º 953.. foi sustada e depois de apresentado um requerimento e documentos de onde resulta que o bem penhorado é insuficiente para satisfação do crédito do exequente, foi proferido despacho de extinção da execução por insuficiência de bens (facto 20).
3.14 O processo n.º 269…, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, Juízo de.., com a quantia exequenda de € 93.146,41, foi intentado pelo Banif, o qual veio a ser substituído pelo Banco Santander Totta e posteriormente pela Hefesto, STC, S.A. (facto 21).
3.15 O referido processo n.º 269… foi intentado contra o requerido, encontrando-se com diligências de venda em curso e a aguardar o desenvolvimento do processo de inventário para partilha dos bens comuns do casal (requerido e ex-mulher), que corre termos no cartório notarial, atenta à oposição do cônjuge à penhora de bens comuns (facto 22).
3.16 O processo n.º 363…, corre termos no Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, Juízo de Central Cível e Criminal – Juiz, com a quantia exequenda de 148.749,51 €, foi intentado pelo Banco Comercial Português contra o requerido e sua ex-mulher, tendo sido adjudicado o imóvel penhorado e sobre o qual incidia hipoteca a favor do exequente (facto 23).
3.17 No referido processo n.º 363, foi proferida decisão de extinção da execução, sem prejuízo da manutenção da penhora do vencimento da executada AE, com entregas regulares das respetivas quantias ao exequente (facto 24).
3.18 O Requerido celebrou com a AT um Plano de Pagamentos pelo valor de € 9.984,88, do qual se encontra em dívida a quantia de €554,44.
3.19 A este valor acresce o montante de € 5.126,90, decorrentes de Reversão Fiscal, dos quais €1.467,03 estão suspensos por pagamento em prestações e €3.369,28 decorrem de impostos vencidos em 2009, 2010 e 2011.
3.20 O Requerido é proprietário dos seguintes prédios (facto 27):
a. Fração autónoma designada pela letra L do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, inscrito na matriz sob o artigo , sito no, em L…, Alameda, nºs 1, 1-A, 1-B e Rua da, nºs 2, 2-A, 4, 4-A e 4-B, com o valor patrimonial tributário de 182.229,59 €, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º– L;
b. Prédio urbano em propriedade horizontal, inscrito na matriz sob o artigo , sito na Rua do , no concelho e freguesia de M, com o valor patrimonial tributário de 93.775,85 €, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º;
c. Fração B do prédio urbano, constituído em propriedade horizontal, inscrito na matriz sob o artigo , sito na Rua D., concelho e freguesia de M, com o valor patrimonial tributário de 48.517,00 € e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º -B.
d. Prédio rústico, inscrito na matriz sob o artigo , sito na Rua D., concelho e freguesia de M, com o valor patrimonial tributário de 21,12 € e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ;
e. ½ do prédio rústico, inscrito na matriz sob o artigo, sito na B, concelho e freguesia de M, com o valor patrimonial tributário de 4,27 €, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ;
f. Prédio rústico, inscrito na matriz sob o artigo , sito em S, freguesia e concelho de, com o valor patrimonial tributário de 10,88 €, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o artigo;
g. Prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo , sito na, freguesia de , concelho de , com o valor patrimonial tributário de 1,39 €, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ;
3.21 O prédio sito na rua do , freguesia e concelho da M, é composto por 11 apartamentos/moradias (facto 28).
3.22 Em 18-12-2012, os 11 apartamentos suprarreferidos encontravam-se arrendados, produzindo um rendimento mensal superior a 3.500,00€ (facto 29).
3.23 Desde 18-12-2012, o património que, à data, era propriedade do ora requerido e de A E, sua então mulher, foi alvo de arrolamento, no âmbito do processo n.º 325, sendo nomeada depositária A E (facto 30).
3.24 Desse património faziam parte 9 imóveis, o recheio da casa morada de família, sito na Rua, freguesia e concelho da M, bem como o recheio do apartamento em Lisboa, as contas bancárias no BCP, BANIF e CGD e as rendas de 11 apartamentos sitos na M (facto 31).
3.25 Encontra-se a decorrer o processo de inventário para partilha dos bens comuns do casal, no cartório notarial (facto 34).
3.26 A E continua na posse do referido património, enquanto depositária, nomeadamente no que respeita ao recebimento das rendas (facto 35).
3.27 Os 11 apartamentos sitos na rua, freguesia e concelho de M encontram-se avaliados em cerca de 577.500,00 €, valor este assente no pressuposto de que é possível legalizar as construções existentes (facto 38).
4 Ainda nos autos n.º 127… não se provou, além do mais, que:
4.1 O Requerido não dispõe de quaisquer bens, rendimentos ou proveitos para pagamento das quantias de que é devedor.
4.2 O Requerido não tem qualquer tipo de crédito bancário ou de outra natureza, por falta de meios próprios e de património.
4.3 O requerido é proprietário do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo , sito na, freguesia de , concelho de, com o valor patrimonial tributário de 1,39 € e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ;
5 Por sentença proferida no âmbito do processo n.º 127… foi o requerido absolvido do pedido de declaração de insolvência, e a requerente absolvida do pedido de condenação em litigância de má-fé.
6 Em sede destes autos, apurou-se que:
6.1 A requerente é uma sociedade que tem por objeto social a administração dos direitos e obrigações que constituam ativos do Banif-Banco Internacional do Funchal, S.A. que lhe forem transferidos em cada momento, por decisão do Banco de Portugal, tendo em vista as finalidades enunciadas no artigo 145º-C do RGICSF.
6.2 A requerente é portadora da livrança n.º 508225140083451870, no montante de €24.611,70, emitida em 04-04-2022 e vencida em 04-04-2022.
6.3 Da referida livrança consta, a indicação “crédito financeiro curto prazo 298129760544”.
6.4 A livrança foi subscrita pela sociedade R, Unipessoal, Lda..
6.5 Do verso da livrança, consta a assinatura do requerido R, com a menção “Dou o meu aval”.
6.6 A requerente é portadora da livrança n.º 508225140083456171, no montante de €110.952,44, emitida em 04-04-2022 e vencida em 04-04-2022.
6.7 Da referida livrança consta, a indicação “crédito financeiro curto prazo 298129760444”.
6.8 A livrança foi subscrita pela sociedade R, Unipessoal, Lda..
6.9 Do verso da livrança, consta a assinatura do requerido R, bem como a menção “Bom para o aval”.
6.10 No âmbito do processo de execução n.º 363…, em que é exequente Banco Comercial Português S.A. e executados A E e R, a mesma encontra-se extinta quanto à primeira executada e a decorrer penhora de créditos, quanto ao Executado R.
6.11 No âmbito do processo de execução n.º 269…, em que é exequente, entre outros, Oitante S.A., e executado R, os autos encontram-se suspensos, aguardando o resultado do processo de inventário, referente ao divórcio do executado, mas estão penhorados os seguintes bens e direitos:
6.11.1 Penhora do direito à meação do Prédio rústico, sito em Rua D., freguesia de , concelho de M, que se compõe de semeadura e vinha, com área total de 3396 m2, inscrito na matriz sob o artigo , com o valor patrimonial actual de €21,12, e descrito na competente Conservatória sob o número
611.2. Prédio Rústico com área total de 100 m2, sito S, freguesia de, concelho de, inscrito na matriz sob o artigo , e descrito na competente Conservatória do Registo Predial sob o número .
6.11.3 Prédio Rústico com área total de 534 m2, sito, freguesia de , concelho de, inscrito na matriz sob o artigo , e descrito na competente Conservatória do Registo Predial sob o número .
6.11.4 Fração Autónoma que se compõe de Primeiro Andar destinado a habitação com superfície coberta de 143m2 e área descoberta de 47m2, sito na Rua D., na freguesia e concelho da M, descrito na competente Conservatória do Registo Predial sob o número -B, inscrito na matriz sob o artigo , com o valor patrimonial de €47.800.00.
6.12 A situação tributária do requerido encontra-se regularizada, não tendo o mesmo, à data, qualquer dívida perante a Autoridade Tributária.
6.13 O Requerido é proprietário dos seguintes prédios:
a. Fracção autónoma designada pela letra L do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, composto pelo 2.º andar A para habitação, com o lugar de estacionamento nº 121, na cave-1, sito no P, em Lisboa, …, nºs 1, 1-A, 1-B e Rua, inscrito na matriz predial sob o artigo , com o valor patrimonial tributário de €194.530,09, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º – L, da Freguesia S.
b. Fração autónoma designada pela letra B do prédio urbano, constituído em propriedade horizontal, sito na Rua D., concelho e freguesia de M, com o valor patrimonial tributário de €53.247,41 inscrito na matriz sob o artigo , e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º -B.
c. Prédio rústico, inscrito na matriz sob o artigo , sito na Rua D. , concelho e freguesia de M, com o valor patrimonial tributário de €21,12 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º .
d. 1/3 do prédio rústico, inscrito na matriz sob o artigo , sito na B, concelho e freguesia de M, com o valor patrimonial tributário de €4,27, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º .
6.14 A E, ex-mulher do requerido, encontra-se na posse do referido património, enquanto depositária, nomeadamente no que respeita ao recebimento das rendas, por decisão de arrolamento de 18.12.2012, proferida no âmbito do procedimento cautelar n.º325….
6.15 O requerido recebia, por conta do património que detém, até à decisão de arrolamento, o montante global de €3.000,00/€4.000,00 em rendas.
6.16 Embora se encontrem divorciados desde 29.09.2014, encontra-se a decorrer o processo de inventário para partilha dos bens comuns do casal, que corre termos sob o n.º 112…, encontrando-se agendada diligência para continuação de produção de prova para 13.06.2025.
6.17 O Requerido era, à data, construtor de edifícios, o que fazia através de uma Sociedade Unipessoal.
6.18 Através da referida empresa, o requerido solicitou financiamentos para aquisição de terrenos e para construção dos imóveis.
6.19 O requerido tem proposta de aquisição do prédio referido em 6.13 c) pelo valor de €170.000,00.
6.20 Ao instaurar a presente acção a requerente sabia que não havia fundamentos para o decretamento da insolvência do requerido, face ao património deste, que conhece em virtude das acções executivas e dos bens ali penhorados.
7 Nestes autos, não se provou que:
7.1 O requerido é dono do prédio urbano em propriedade horizontal, inscrito na matriz sob o artigo , sito na Rua do , no concelho e freguesia de M, com o valor patrimonial tributário de €102.919,00, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º .
7.2 O requerido é dono do prédio rústico, inscrito na matriz sob o artigo , sito em S, freguesia e concelho, com o valor patrimonial tributário de €10,88, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o artigo;
7.3 O requerido é dono do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo , sito na, freguesia de, concelho de , com o valor patrimonial tributário de €1,39, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º.
7.4 O título executivo dado à execução n.º 953…, em que é exequente a ora requerente, é a livrança n.º 508225140083456171, e que aqueles tenham sido extintos por ausência de bens.
7.5 A existência do processo de execução fiscal n.º contra o requerido, no montante de €188.197,02.
7.6 A existência do processo de execução fiscal n.º contra o requerido, no montante de €190.589,85.
7.7 A quantia exequenda no processo executivo n.º 269… é de €93.146,41.
7.8 A quantia exequenda no processo executivo n.º 363… é de €148.749,51.
7.9 O requerido não dispõe, de quaisquer bens, rendimentos ou proveitos para pagamento das elevadas quantias de que é devedor, não tem qualquer tipo de crédito bancário ou de outra natureza, por falta de meios próprios e de património.
7.10 O requerido não cumpre, nem tem possibilidade de cumprir com as suas obrigações assumidas, encontrando-se, há muito, em situação de incumprimento generalizado das suas obrigações.
7.11 A requerente já contactou diversas vezes o requerido no sentido de tentar chegar a um acordo, contudo o mesmo informa sempre não ter possibilidades económicas para o efeito.
*
Resulta documentado nos autos, com interesse para a apreciação do objeto do recurso, o seguinte (art. 662º, n.º1 do Código de Processo Civil):
A. De documento emitido pela central de responsabilidade do Banco de Portugal, reportado a 30 de abril de 2025 e referente ao devedor/apelado R, constam identificados os seguintes créditos vencidos, em incumprimento:
a. Por informação comunicada pela instituição Oitante, S.A.
i. responsabilidade como avalista/fiador, emergente de financiamento à atividade empresarial, em litígio judicial, com entrada em incumprimento em 2010-12-18, no valor vencido de 13.145,36 € - com duas garantias;
ii. responsabilidade como avalista/fiador por desconto e outros créditos titulados por efeitos, com entrada em incumprimento em 2010-11-16, no valor vencido de 100.000,90 € - com uma garantia;
iii. responsabilidade como avalista/fiador por financiamento à atividade empresarial, em litígio judicial, com entrada em incumprimento em 2010-12-25, no total vencido de 63.006,32 € - com uma garantia;
b. Por informação comunicada pela instituição Unicre, responsabilidade como devedor, cartão de crédito, total em dívida de 17.001,69 €;
B. Constam ainda identificados 5 créditos ou responsabilidades junto da CGD, S.A. (que incluem crédito à habitação e locação financeira), nenhum em situação de incumprimento – cfr. doc. 12 anexo ao requerimento do devedor de 08-06-2023, cujo restante teor se tem por reproduzido.
III.
Importa, em primeiro lugar, apreciar a impugnação dirigida pela recorrente ao julgamento da matéria de facto efetuado pelo tribunal recorrido.
A este respeito, estabelece o art.º 640.º, n.º1 do Código de Processo Civil o ónus que recai sobre o recorrente que pretenda ver impugnada a decisão da matéria de facto, sob pena de rejeição do recurso, ali se incluindo a concretização da matéria de facto que considera afetada por erro de julgamento, bem como os meios de prova que entende determinarem decisão diversa.
No caso concreto, como resulta da conclusão 2, a apelante limita a manifestação de discordância dirigida ao julgamento da matéria de facto (na parte atendível, já que em momento algum indica meios de prova concretos e autonomizados que permitam sindicar a globalidade do julgamento efetuado pela 1ª instância) à indicação de uma contradição entre os factos provados e não provados, mencionando ainda que “foram admitidos factos sem qualquer prova que sustente tal decisão”, omitindo os factos a que pretende referir-se e confundindo o julgamento da matéria de facto com as conclusões jurídicas extraídas pelo tribunal a partir dos mesmos.
Analisadas as alegações de recurso (redigidas em texto corrido, que dificulta a autonomização dos argumentos) e discernindo no seu conteúdo os factos que fundamentam a síntese conclusiva ora identificada, logramos compreender que a apelante firma a contradição apontada na circunstância de o tribunal recorrido, não obstante ter considerado provado o crédito da requerente, assente em livranças avalizadas pelo requerido, bem como ter considerado provado o conjunto de ações executivas pendentes contra o requerido sem liquidação da quantia exequenda, considerou não provado que o requerido não dispõe de bens ou rendimentos para pagamento das elevadas quantias de que é devedor. Considerou ainda não provado que o requerido não cumpre, nem tem possibilidade para cumprir com as obrigações assumidas.
Vejamos.
Como elemento base de apreciação da questão colocada, convirá ter por firmadas as regras de direito probatório convocadas no caso concreto, que se têm por relevantes para uma correta ponderação da (in)correção do julgamento da matéria de facto efetuado pelo tribunal recorrido.
A definição da relevância probatória de factos e da repartição do ónus de prova associadas à aplicação dos artigos 3º, n.º1 e 20º do CIRE é matéria cuja interpretação se encontra absolutamente consolidada na nossa doutrina e jurisprudência.
O artigo 3º, n.º1 (que constitui o preceito chave para definir a situação de insolvência de pessoas singulares, contrariamente ao que sucede com o n.º2, que se reporta à situação patrimonial líquida negativa e é aplicável a pessoas coletivas e patrimónios autónomos com características particulares), estipula que é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontra impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas. Por seu turno, o artigo 20º, n.º1 enuncia um conjunto de situações que, uma vez verificadas, fazem presumir a situação de insolvência do devedor. Como presunções ilidíveis que são, autorizam o devedor a fazer prova de que o facto base alegado e demonstrado, passível de conduzir à verificação de qualquer das situações a lei taxativamente define como indícios da presumida situação de insolvência, não se verifica (art. 349º do Código Civil).
Nesta medida, ao credor incumbe demonstrar que o devedor se encontra em qualquer das situações enunciadas no n.º1 do art. 20º, resultando da prova dos factos que preenchem as alíneas desse artigo a presunção de que o devedor se encontra em situação de insolvência, cabendo ao devedor, uma vez cumprido o ónus do credor, provar que a sua situação é de cumprimento, de possibilidade de pagamento ou qualquer outra circunstância cuja prova seja bastante para ilidir a presunção que o onera – art. 30º, n.º3 do CIRE.
O que definitivamente não se inclui entre os ónus probatórios de qualquer das partes, designadamente do credor, será a prova de que o devedor “não se encontra” em qualquer das situações que indiciam a sua insolvência.
Perante a prova efetuada quanto à verificação da situação deficitária do devedor e a prova produzida por este último quanto à medida da sua capacidade de cumprimento das obrigações, restará ao tribunal, após conjugação entre os factos provados, verificar se pode extrair a conclusão de que o devedor se encontra insolvente ou, pelo contrário, se é de concluir que o devedor tem possibilidade de cumprir as obrigações vencidas (contrariando a noção geral de insolvência prevista no art. 3º do CIRE).
A esta luz, impor-se-á, efetivamente, alterar a decisão proferida pelo tribunal recorrido no que respeita ao julgamento da matéria de facto.
O que invoca a apelante é que foram dados como provados e não provados factos contraditórios entre si, identificando os factos 7.9 e 7.10 como aqueles que o tribunal recorrido não poderia ter por demonstrados.
Alega ainda que foram admitidos factos sem qualquer prova que sustente tal decisão. Contudo, apenas expõe e fundamenta, com a suficiência exigida pelo art. 640º, n.º1 do Código de Processo Civil, a questão da evidenciada contradição, sobre a qual nos debruçaremos.
No que concretamente respeita a estes autos, o tribunal recorrido enunciou sob os pontos 6 e 7 a factualidade que considerou, respetivamente, provada e não provada.
Após concluir que se encontrava provado o crédito da requerente (factos 6.2 a 6.9), que a execução instaurada pelo BCP com o n.º363… - pendente desde 2009 - decorre contra o devedor, com penhora de créditos deste (facto 6.10), que a execução 269…, em que é exequente, entre outros, a Oitante, S.A. – pendente desde 2013 –, no contexto da qual foram penhorados bens e direitos que identifica (os autos de penhora – anexos à informação de 26-05-2025 – datam de 19-09-2014, 19-05-2017, 10-11-2017), se encontra suspensa “aguardando o resultado do processo de inventário, referente ao divórcio do executado” (que o próprio admite ter ocorrido em setembro de 2014, sendo precedido de arrolamento no ano de 2012, sem que até ao momento haja partilhas) – facto 6.11 -, que o requerido é proprietário de 3 prédios e 1/3 de um quarto prédio (6.13), estando todo esse património na posse da ex-mulher, sendo esta quem aufere os rendimentos prediais desse património (facto 6.14), que o processo de inventário para partilha de bens comuns corre termos desde o ano de 2013 (facto 6.16), o tribunal recorrido considerou não provados os factos 7.9 e 7.10, com o seguinte conteúdo: 7.9 O requerido não dispõe, de quaisquer bens, rendimentos ou proveitos para pagamento das elevadas quantias de que é devedor, não tem qualquer tipo de crédito bancário ou de outra natureza, por falta de meios próprios e de património. 7.10 O requerido não cumpre, nem tem possibilidade de cumprir com as suas obrigações assumidas, encontrando-se, há muito, em situação de incumprimento generalizado das suas obrigações.
Em sede de motivação, refere a Mm.ª juíza a quo que “Os factos 7.9 e 7.10 assim se consideraram por se ter provado que o requerido tem bens imóveis (vide facto 6.13) de valor suficiente para fazer face às dívidas que se apuraram”.
São duas as questões que se suscitam.
Por um lado, os aludidos “factos” têm um conteúdo claramente conclusivo, não cabendo enunciar o resultado que deverá ser extraído a partir da conjugação da prova dos factos concretizadores da asserção que ao tribunal se impõe extrair e que, necessariamente, terá uma vertente positiva.
Isto é, se a requerente da insolvência prova que o devedor acumula créditos vencidos por um prolongado período de tempo ou que se encontra impossibilitado de cumprir obrigações vencidas, terá o devedor que positivamentedemonstrar que tem capacidade para solver as suas obrigações, seja por efeito de um concreto rendimento líquido, seja por qualquer comprovada disponibilidade financeira, seja pela total viabilidade de acesso a crédito.
O que não onera o credor, caso demonstre a verificação de qualquer das situações indiciárias previstas no art. 20º, n.º1, face à presunção de que beneficia, é que o devedor “não tem possibilidade de cumprir”.
A versão negativa dos factos não constitui ónus probatório de qualquer das partes, sendo que, no caso concreto, não encerra em si qualquer facto, antes constituindo, como se disse, uma conclusão que pode ou não ser extraída a partir da prova de factos concretos, como, na realidade, resulta da expressão usada pelo tribunal recorrido para motivar a inclusão de tais expressões entre os factos não provados.
Por outro lado, como refere a apelante, a listagem do património do devedor (que não contém indicação de valores ou menção à existência de rendimentos dele extraídos que aproveitem ao requerido), a indicação de que o património e os rendimentos desse património se encontram na posse da ex-mulher do requerido e a enunciação do conjunto de execuções pendentes contra o executado há um longo período de tempo sem que haja sido alcançada a cobrança coerciva das quantias exequendas, contrariam as conclusões expressas nos indicados pontos 7.9 e 7.10.
Por outro lado, por referência à sentença anteriormente proferida no âmbito do processo n.º127… (base da apreciação da exceção de caso julgado), é feita alusão – factos 3.11. a 3.12 - ao processo de execução n.º953…, instaurado pelo requerente, no âmbito da qual foi penhorada uma fração autónoma sobre a qual já incidia penhora anterior, realizada no âmbito do processo n.º269…, o que conduziu à sustação da execução instaurada pela requerente, tendo sido declarada extinta aquela execução por se concluir que o bem penhorado “é insuficiente para satisfação do crédito da exequente” e existir “insuficiência de bens”.
Deste facto se extrai a razão pela qual a requerente figura, entre outros, como exequente no processo n.º269…, já que, tendo sido sustada a execução em relação ao bem que havia penhorado, terá ido reclamar o seu crédito ao processo à ordem do qual havia sido efetuada a penhora anterior (art. 794º, n.º1 e n.º2 do Código de Processo Civil).
Note-se ainda, pela desatenção que denota na apreciação da prova, que o prédio identificado no facto provado 6.13.b., que a Mmª juíza a quo considerou ser propriedade do requerido e constitui base probatória do património que o mesmo supostamente detém e lhe permite fazer face ao cumprimento das obrigações – como expressa na motivação para não prova dos “factos” 7.9 e 7.10 – corresponde à mesma fração autónoma identificada como duplamente penhorada nos factos 3.12 e 3.13, pelo que uma breve consulta às certidões prediais anexas ao requerimento apresentado pelo requerido em 08-06-2025 (referência citius 6344795) permitiria verificar que incidem ónus sobre todos os imóveis (hipotecas e penhoras), ainda que o requerido tenha tido o cuidado de, em relação à quase totalidade do seu património, incluindo aquele imóvel (documento n.º8 subsequente ao requerimento), juntar apenas informação predial simplificada.
Em anexo ao seu requerimento de oposição - documentos 13 a 15 -, o requerido juntou cópias de requerimentos dirigidos ao procedimento cautelar de arrolamento, o último dos quais, datado de 19 de fevereiro de 2013, em que referia não ter qualquer fonte de rendimento para além da reforma.
Em suma, quer por não respeitarem as regras de repartição de ónus da prova convocadas para o caso concreto, quer por se revelarem manifestamente conclusivos, quer ainda por traduzirem conclusões não autorizadas pela conjugação do elenco de factos provados e pelos documentos juntos aos autos, impõe-se eliminar os factos 7.9 e 7.10 do elenco de factos não provados.
Não permitindo as alegações e conclusões recursivas ter por respeitadas as regras legais de impugnação da matéria de facto, sem prejuízo de se vir a revelar necessária qualquer alteração oficiosa, rejeita-se, no mais, o recurso quanto à apreciação da genérica censura dirigida pela apelante ao julgamento da matéria de facto efetuado pelo tribunal recorrido (art. 640º, n.º1, do Código de Processo Civil, parte final).
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ii. Exceção dilatória de caso julgado.
Dispõe o art. 576º, n.º2 do Código de Processo Civil que as exceções dilatórias “obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à absolvição da instância ou à remessa do processo para outro tribunal”, incluindo o art. 577º, al. i) o caso julgado entre as exceções dilatórias.
Especifica o art. 580º, n.º1 e n.º2 que a exceção de caso julgado pressupõe a repetição de uma causa depois de a primeira ter sido decidida por sentença transitada em julgado, tendo tal exceção por finalidade “evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior”.
Como requisitos do caso julgado, concretiza o art. 581º que uma causa se repete quando “se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir”, havendo identidade de sujeitos quando as partes são as mesma sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica, identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico e identidade de causa de pedir “quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico”.
Em sede de contestação alegou o requerido que “a presente ação não é muito mais que uma cópia daquela que a Requerente interpôs contra o ora Requerido, em 2022, e que correu os seus termos neste mesmo Juízo sob o número 127…, a qual faz Coisa Julgada destes pedidos”. Acrescentou que, na primeira ação, que foi julgada improcedente por não estar demonstrada a verificação de qualquer das situações previstas no artigo 20º do CIRE, já a requerente requeria a declaração de insolvência do requerido «considerando que “o requerido não cumpre, nem tem possibilidade de cumprir com as suas obrigações assumidas, encontrando-se, há muito, em situação de insolvência” e concluindo que estavam “verificados os pressupostos previstos nas alíneas a), b) e e) o n.º 1 do artigo 20.º do CIRE”»
A Mm.ª juíza a quo, em audiência de julgamento, fez consignar em ata o seguinte: “importa apreciar se o passivo invocado para fundamentar o actual pedido de insolvência já existia e é essencialmente o mesmo que existia à data da sentença no processo 127…, e se o activo é pelo menos o mesmo e não menor, pois que se nenhuma alteração do seu património se apurar poderá verificar-se a referida excepção. No caso concreto, os créditos que são agora invocados já foram objecto de decisão e reconhecimento em sede de sentença proferida em 08.08.2022. Pelo exposto, é necessário apurar se o património actual do devedor e o seu passivo é substancialmente o mesmo que existia à data da decisão no citado processo, o que carece da produção de prova. Pelo exposto, relega-se para final o conhecimento da excepção invocada”.
Efetivamente, num despacho precedente proferido em 09-05-2025, o tribunal recorrido, com vista a apreciar a exceção de caso julgado, solicitou que se obtivesse “certidão da sentença com nota de trânsito” junto do processo 127…
Há um aparente lapso na compreensão da natureza da exceção.
Não está em causa verificar apenas se existe decisão transitada em julgado, mas sim se esta incidiu sobre uma ação idêntica, o que, em primeiro lugar, se analisaria pelo confronto dos requerimentos que deram início às duas ações, sempre tendo em conta a influência que o tempo decorrido poderá ter no contexto das especificidades do processo de insolvência.
Por outro lado, tratando-se de uma exceção que impede o conhecimento do mérito da causa, será incoerente referir que é necessário realizar julgamento para apurar se o passivo é o mesmo e se o ativo é “pelo menos o mesmo e não menor”, considerando que “se nenhuma alteração do seu património se apurar poderá verificar-se a referida excepção”, quando, repete-se, a apreciação quanto à identidade da causa de pedir terá que ser evidenciada pela coincidência entre os factos jurídicos em que a requerente fez assentar ambas as pretensões, elementos que não reclamam a prévia produção de prova quanto aos factos, antes prevenindo que o julgamento se realize, conduzindo à absolvição do requerido da instância.
Analisando os fundamentos da decisão recorrida, verificamos uma manifesta contradição, a que a apelante não faz menção.
Não obstante iniciar a apreciação da verificação da exceção dilatória de caso julgado identificando-a como uma exceção dilatória que conduz à absolvição do réu da instância, a Mmª Juíza a quo, após decidir que estava perante um caso em que tal exceção se verificava, concluiu, a final, por “absolver o requerido R do pedido”, o que, naturalmente, não é inócuo.
Vejamos, contudo, se a fundamentação prévia a esta conclusão merece a nossa concordância.
Não existe qualquer dúvida quanto à existência de identidade de sujeitos e de pedido entre as ações propostas, em ambos os casos intervindo como partes a requerente e o requerido em idêntica qualidade jurídica (credora e devedor) e sendo deduzida, a final, a pretensão de ver declarada a insolvência do requerido, com consequente coincidência de efeitos jurídicos.
A única questão que pode ser suscitada contende com a identidade da causa de pedir.
A esse respeito, no essencial, considerou o tribunal recorrido o seguinte:
“No caso em apreço, importa apreciar se o passivo invocado para fundamentar o actual pedido de insolvência já existia e é essencialmente o mesmo que existia à data da anterior declaração de insolvência e se o activo do devedor é substancialmente o mesmo (…) o núcleo essencial – objecto da acção – assenta num juízo de mérito sobre os pressupostos da situação de insolvência (…) No que concerne a causa de pedir, não podemos deixar de concluir afirmativamente. Com efeito, compulsada a causa de pedir apurada nos factos 1 com correspondente resposta nos factos 2, na acção 127…, é evidente a existência de identidade na causa de pedir, embora não absolutamente coincidente. Com efeito, são alegados naquela acção três diferentes créditos sobre o requerido, tendo vindo a ser reconhecidos apenas dois, que são coincidentes com os agora invocados – as livranças n.º 508225140083451870 e n.º 508225140083456171. São invocadas acções executivas pendentes sobre o requerido, para fundamentar a situação generalizada de incumprimento das suas obrigações, concretamente os processos n.º 953/…, 269/… e 363/…. As mesmas acções são invocadas em sede de requerimento inicial nesta acção (…) Não obstante, o requerido provou ser proprietário de, pelo menos, um património de cerca de €247.802,89 em valor de imóveis, para além das rendas que, tal como naquela acção alegou, é titular em virtude do património que detém, embora não as receba ou delas possa dispor porquanto a sua ex-mulher é a depositária do património comum até à partilha do património conjugal. Escalpelizada a causa de pedir de ambas as acções, forçoso é concluir que existe a tríplice identidade de sujeitos, causa de pedir e pedido. Com efeito, a causa de pedir nestes autos é absolutamente coincidente com aquela deduzida no proc. n.º 127/…. Na verdade, naquele processo são alegados mais créditos do que aqui são, pelo que, por maioria de razão, somos levados a concluir que a situação de dívida do requerido estaria, quanto muito, atenuada. (…) Por outro lado, já aquando da decisão no proc. n.º 127/…, se encontravam penhorados imóveis do requerido em acções executivas nas quais a requerente figura como exequente (processos 269/… e 953/…), pelo que esta sabia que, pelo menos em parte, o pagamento daquelas dívidas está assegurado. Assim, considerando que o património do requerido é hoje substancialmente o mesmo que existia à data da decisão no processo n.º 127/…, na medida em que, embora inferior, continua a ser superior aos créditos invocados, forçoso é concluir que nenhuma alteração fáctica significativa se verifica da causa de pedir destes autos e daqueles, não se apurando situação patrimonial do devedor materialmente diversa, pelo que a pretensão formulada é idêntica àquela que já foi conhecida e declarada na anterior sentença”.
Analisada a petição inicial que deu início a estes autos verificamos que, para além do crédito que titula sobre o requerido, a requerente, após referir que instaurou ação executiva contra o requerido (processo n.º953/…) que foi declarada extinta por ausência de bens, bem como mencionar que o requerido é devedor de elevadas quantias junto de vários credores, tendo pendentes contra si ações que identifica (parte das quais se encontram provadas), alega que “O montante do envolvimento do Requerido junto dos seus credores, a sua antiguidade, bem como o circunstancialismo do incumprimento, revelam a sua situação de insolvência”, “O Requerido não dispõe de quaisquer rendimentos ou proveitos para pagamento das elevadas quantias de que é devedor”, “O pouco património que o Requerido detém encontra-se todo onerado com valores avultados de dívidas, não sendo suficiente para pagar a todos os credores”, “O Requerido não tem qualquer tipo de crédito bancário ou de outra natureza, por falta de meios próprios e de património”, “O Requerido não cumpre, nem tem possibilidade de cumprir com as suas obrigações assumidas, encontrando-se, há muito, em situação de insolvência”, “A falta de pagamento não se traduz numa impossibilidade meramente pontual e temporária do cumprimento das obrigações assumidas pelo Requerido”, “Situação que, face ao incumprimento generalizado do Requerido quanto às suas obrigações perante a Requerente, assim como ao montante das suas dívidas, se enquadra esta mesma”.
O conjunto de factos alegados pela requerente na ação que correu termos sob o n.º 127/… constam provados no ponto 1 dos factos provados da sentença recorrida sem consulta ou análise da petição inicial daquela ação. Como o evidencia a motivação da convicção da Mmª juíza a quo, “todos os factos dos pontos 1, 2, 3, 4 e 5 resultaram da sentença proferida no processo n.º 127/…, cuja certidão foi junta a estes autos em 20.05.2025”.
Ou seja, concluiu-se pela verificação da exceção de caso julgado com base no confronto entre a síntese de factos espelhada no relatório da sentença proferida em 08-08-2022 no processo n.º127/… e os factos alegados no requerimento inicial da presente ação.
Não há nenhuma dúvida que a exceção de caso julgado, como a própria lei estatui, tem em vista evitar que um tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior, sendo, nessa medida, relevante a análise dos fundamentos da sentença, cuja apreciação de mérito pode ter considerado prejudicadas questões que se torne pertinente apreciar na ação subsequente, sem qualquer ofensa ao caso julgado.
Contudo, essa análise não é, nem pode ser, a via erigida como pilar essencial de apreciação da exceção, sob pena de se impossibilitar uma decisão segura quanto à repetição da causa de pedir.
Adiantando conclusões, cremos que, no caso concreto, dificilmente se poderá ter por idêntica a causa de pedir, posição que fundamos num elemento essencial: a influência que o mero decurso do tempo poderá ter na comprovação de uma situação de insolvência, sempre que ao longo deste período permaneça totalmente inalterado o já verificado incumprimento de obrigações vencidas.
Para o preenchimento, designadamente, do facto-índice previsto na al. b) do n.º1 do art. 20º do CIRE – falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações -, o decurso do tempo com persistência da situação de incumprimento altera os pressupostos da ação anterior, ainda que os factos sejam idênticos.
A decisão recorrida (ainda que não o afirme) centrou-se no efeito positivo do caso julgado, considerando que, por estar em causa o mesmo ativo e um passivo ligeiramente inferior, o julgador seria colocado na situação de contrariar a decisão anterior, que concluiu pelo não preenchimento de qualquer dos factos-índice previstos no art. 20º, n.º1 do CIRE, declarando a ação improcedente. Ou seja, assumiu os fundamentos que conduziram à improcedência da primeira ação como pressuposto indiscutível desta segunda demanda.
Contudo, como já referimos, não é irrelevante o decurso do tempo quando persistem todas as razões alegadamente justificativas do incumprimento – comprovado – de um conjunto de obrigações, não se compreendendo a conclusão expressa na decisão recorrida de que “já aquando da decisão no proc. n.º 127/…, se encontravam penhorados imóveis do requerido em acções executivas nas quais a requerente figura como exequente (processos 269/.. e 953/…), pelo que esta sabia que, pelo menos em parte, o pagamento daquelas dívidas está assegurado”, quando parece evidente, pela situação de generalizada suspensão em que se encontra o único processo executivo que persiste sob tramitação, que nenhum pagamento se encontra a ser assegurado (com exceção da autoridade tributária, que mantém titulada uma penhora sobre um dos imóveis – doc. 2 anexo ao requerimento probatório de 08-06-2024 – em garantia de uma quantia exequenda de 190.589,85) e que, hoje como na ação pendente em 2022, não houve qualquer desenvolvimento na partilha de bens do casal, que o tribunal entendeu ser “ativo” do devedor, sem sequer ponderar a situação de oneração generalizada em que tal património se encontra.
Do mesmo modo, não se antevê a base probatória em que o tribunal terá suportado a asserção de que “o património do requerido é hoje substancialmente o mesmo que existia à data da decisão no processo n.º 127/…, na medida em que, embora inferior, continua a ser superior aos créditos invocados, forçoso é concluir que nenhuma alteração fáctica significativa se verifica da causa de pedir destes autos e daqueles, não se apurando situação patrimonial do devedor materialmente diversa, pelo que a pretensão formulada é idêntica àquela que já foi conhecida e declarada na anterior sentença”, quando desconhecemos o valor do património comum, desde 2012 na posse da ex-mulher do devedor e onerado com penhoras e hipotecas, sendo o valor em que o tribunal avaliou o património – ao referir que o requerido provou ser proprietário de, pelo menos, um património de cerca de €247.802,89 em valor de imóveis – resultado claro da soma dos valores tributários dos imóveis, que sabe serem património comum (o que, de imediato, reduziria para metade o valor considerado), estando provado que aquele património não lhe assegura qualquer rendimento e que, pelas concretas circunstâncias em que se encontra (afetado por um arrolamento e excluído da disponibilidade do devedor) será insuscetível de assegurar o pagamento das dívidas vencidas, como o evidencia a comprovada suspensão da execução que, com penhoras realizadas entre 2014 e 2017, aguarda a conclusão do inventário, pendente desde 2013.
Em síntese, para se ter por verificada a exceção dilatória de caso julgado seria necessário que, perante os factos jurídicos que suportam o direito da requerente, ainda que essencialmente coincidentes com aqueles que suportaram uma ação anteriormente instaurada, tenha incidido uma pronúncia estável, inalterável e imune aos efeitos do tempo sobre o incumprimento das obrigações.
Esta mesma ideia é refletida no Acórdão do STJ de 18-09-2018 (proc.º n.º21852/15.4T8PRT.S1, rel. Tomé Gomes, disponível para consulta nesta ligação), onde se refere que “a diferenciação de causas de pedir é, em regra, feita na base da conjugação da factualidade alegada com o quadro normativo aplicável, em função da espécie de tutela jurídica visada, o mesmo é dizer, do efeito prático-jurídico pretendido pelo autor. Porém, como também ficou ressalvado, casos há em que a mesma factualidade empírica alegada é suscetível de preencher quadros normativos distintos de modo a sustentar efeitos prático-jurídicos qualitativamente diferentes, pelo que, em tais situações, a diferenciação da causa de pedir é feita basicamente à luz do seu recorte normativo. A par disso, tem-se entendido que, para delimitar determinada causa de pedir, não basta a mera identidade naturalística da factualidade alegada, havendo sempre que considerar a sua relevância em face do quadro normativo aplicável e em função da espécie de tutela jurídica pretendida”.
Pondo de parte o insistente foco de ambas as decisões na ponderação da circunstância de o ativo de devedor ser superior ao passivo (conclusão com base frágil) como fonte inabalável de negação da situação de insolvência do devedor pessoa singular (que contraria a jurisprudência quase unânime dos tribunais superiores, aconselhando-se a leitura, por todos, do muito recente acórdão deste TRL de 17-06-2025, processo n.º3412/24.0T8VFX-B.L1, rel. Fátima Reis Silva, disponível para consulta nesta ligação, onde se reafirma que “um ativo superior ao passivo vencido não significa solvência, uma vez que o devedor nessa situação pode não ter liquidez no seu ativo – este pode não estar disponível ou não ser facilmente convertível em liquidez”), o que temos por relevante, no caso concreto, é que o mesmo credor, alegando o mesmo crédito perante o mesmo devedor, que vê negada uma primeira tentativa de ver declarada a insolvência deste, não pode ver negado o direito de renovar a sua pretensão em nova ação instaurada para o efeito decorridos dois anos, sem que entretanto haja ocorrido qualquer ressarcimento do seu crédito originário, já que o prolongamento temporal da situação de incumprimento ou as circunstâncias que rodeiam o incumprimento de uma ou mais obrigações vencidas (relembrando-se que penhora de bens em execuções sustadas não corresponde a cumprimento) correspondem, por si só, a um distinto facto jurídico em que suporta a sua pretensão de, em nova ponderação feita à luz do período de tempo decorrido, ver analisado e apreciado o preenchimento das alíneas a), b) e e) do art. 20º, n.º1 do CIRE, em que sustenta juridicamente o seu direito.
Consideramos, pelas razões expostas, que não há identidade de causa de pedir, com consequente não verificação da exceção dilatória de caso julgado, o que impõe a revogação da decisão recorrida.
iii.
A 1ª instância, após a realização da audiência de julgamento, proferiu sentença em que, na parte referente à fundamentação de facto, se limita a enunciar um conjunto de factos que entende relevantes para apreciação da exceção dilatória de caso julgado, omitindo o seu juízo em relação à matéria de facto alegada pelas partes em suporte das suas posições, não encarando ou antecipando a necessidade de a fundamentação de facto ter a amplitude necessária à oportuna prolação de decisão de mérito.
Não obstante prever o art. 665º, n.º2 do Código de Processo Civil a possibilidade de o tribunal de recurso se substituir ao tribunal recorrido na apreciação das questões que este haja considerado prejudicadas pela solução dada ao litígio, esta apreciação implica que os autos disponham dos elementos necessários para o efeito, ou que nada obste à apreciação das questões, o que não sucede no caso concreto, em que o julgamento da matéria de facto foi, como se disse, limitado à factualidade tida por relevante para apreciação da exceção de caso julgado.
Muito embora peticione a apelante que, uma vez revogada a decisão, seja esta substituída por outra que declare a insolvência do requerido, dado que o tribunal de 1ª instância, como ficou dito, não atendeu aos temas da prova na definição do elenco de factos provados e não provados [1.º - Da existência dos créditos da requerente sobre o requerido; 2.º - Da situação de insolvabilidade do requerido], mostra-se vedada a apreciação fundada, quer do preenchimento de cada um dos pressupostos alegados pela requerente como base da pretendida declaração de insolvência, quer de parte das questões suscitadas na oposição, não podendo este tribunal de recurso proferir decisão enquanto primeira instância decisória que, necessariamente, condicionaria o direito das partes a um duplo grau de apreciação da matéria de facto.
Tal possibilidade é, aliás, antecipada pela apelante na pretensão subsidiária contida na conclusão 54.
Atente-se, designadamente, que a matéria alegada nos artigos 11 a 13 e 19 a 21, da petição inicial ou 107, 108 e 111 do articulado de oposição, não foi objeto de julgamento.
Não podemos deixar de referir que, numa menor exigência probatória certamente afetada pela perspetivada declaração de procedência da exceção dilatória de caso julgado, não cuidou o tribunal recorrido de, no uso dos poderes inquisitórios que lhe são conferidos pelo art. 11º do CIRE, diligenciar por obter confirmação documental de factos que, estando em causa a apreciação de mérito, serão de particular relevo, limitando-se a considerar “não provados” os factos 7.4 a 7.8 “por total ausência de prova”, ou por ter o requerido a situação contributiva regularizada (o que não contraria a existência de execuções fiscais, que podem estar sustadas por acordo de pagamento sob cumprimento), quando, por mero ofício, lograria corroborar ou fundadamente considerar não provada aquele factualidade, que é relevante para a decisão da causa e permitiria sanar quaisquer dúvidas quanto ao estado de processos judiciais ou sobre a existência de processos de execução fiscal.
Face ao exposto, tendo em conta a já citada previsão do art. 665º, n.º2, do Código de Processo Civil, por existirem obstáculos à apreciação pela Relação das questões que ficaram prejudicadas pela procedência da exceção dilatória, a revogação desta última decisão não é de molde, no caso concreto, a permitir o exercício dos poderes substitutivos deste tribunal, impondo-se ordenar que, como consequência da revogação, os autos regressem à fase de julgamento e que, produzidas as provas que sejam tidas por relevantes para julgamento da globalidade da matéria de facto já mencionada, sem prejuízo de serem apurados os factos que carecem apenas de prova documental passível de ser obtida no uso dos poderes inquisitórios do tribunal, seja concluído o julgamento da matéria de facto e proferida decisão de mérito, caso para o efeito não sobrevenha qualquer obstáculo. As diligências ordenadas deverão ser desenvolvidas pela Mm.ª Juiz que presidiu à audiência de julgamento, porquanto a produção de prova foi já iniciada (art. 605º do Código de Processo Civil).
*
Importa, por último, concluir que a revogação da decisão que julgou procedente a exceção dilatória de caso julgado implica a necessária revogação da decisão de condenação da requerente como litigante de má-fé, que é consequencial em relação às conclusões extraídas pelo tribunal recorrido referentes à verificação da exceção de caso julgado, impondo-se, com vista a evitar ulteriores contradições, e face ao seu teor manifestamente conclusivo, eliminar do elenco de factos provados o facto 6.20, que parte de um pressuposto de reconhecimento da ausência de fundamento para o decretamento da insolvência que não pode ter-se por adquirido nesta fase do processo, traduzindo uma evidente conclusão a extrair após prova eventual de factos que a concretizem.
Em suma, declarando-se a procedência do recurso interposto, elimina-se da fundamentação o facto provado 6.20 e os factos não provados 7.9 e 7.10 e, revogando-se a decisão, determina-se que os autos regressem à 1ª instância para julgamento da factualidade omitida e já identificada, sem prejuízo da produção acrescida de prova ou da obtenção de elementos documentais no âmbito dos poderes inquisitórios do tribunal.
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Não obstante a procedência do recurso, uma vez que o apelado não apresentou contra-alegações, as custas serão suportadas pela apelante, única que do mesmo retirou proveito (art. 527º, n.º1, parte final, do Código de Processo Civil)
V.
Nos termos e fundamentos expostos, acordam as juízas desta secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente o recurso e, consequentemente, em:
- alterando a matéria de facto nos termos enunciados, revogar a decisão recorrida que julgou procedente a exceção dilatória de caso julgado e condenou a requerente/apelante como litigante de má-fé;
- determinar o regresso dos autos à fase de julgamento em 1ª instância para, com respeito pela previsão do art. 605º do Código de Processo Civil e, se necessário, após produção complementar de prova, concluir o julgamento da matéria facto nos termos expostos e, caso nenhum obstáculo sobrevenha, proceder à apreciação do mérito da causa,
Custas a cargo da apelante (art. 527º, n.º1 do Código de Processo Civil).
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Lisboa, 14-10-2025,
Ana Rute Costa Pereira
Susana Santos Silva
Renata Linhares de Castro