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PER
SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA
PRINCÍPIO DA INDISPONIBILIDADE DOS CRÉDITOS DA SEGURANÇA SOCIAL
VOTO DA SEGURANÇA SOCIAL
PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
Sumário
Sumário (da relatora) – artigo 663.º, n.º 7, do CPC[1] I. No âmbito do PER, à luz do artigo 215.º ex vi do artigo 17.ºF, n.º 7, ambos do CIRE, pode o juiz, oficiosamente, recusar a homologação do acordo quando, não obstante tenha sido aprovado em assembleia de credores, do mesmo resulte violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo. II. O princípio da indisponibilidade a que estão sujeitos os créditos da Segurança Social, decorrente do n.º 2 do artigo 30.º da LGT ex vi do artigo 3.º, al. a), do CRCSPSS, impede que sejam os mesmos extintos ou reduzidos fora das situações legalmente previstas para o efeito, impedimento esse que vigora também em sede de PER. III. Contudo, tal proibição não abrange as situações nas quais o plano de revitalização assuma o pagamento total da dívida contributiva (capital e juros), pese embora acompanhado da sua regularização em prestações, desde que respeitados os limites abstractamente consignados - artigos 189.º e 190.º do CRCSPSS e artigo 81.º do Decreto Regulamentar n.º 1-A/2011 de 03/01. IV. Do teor do artigo 30.º, n.º 2 da LGT não resulta que a autorização da Segurança Social referente ao pagamento prestacional traduza requisito de legalidade do plano de regularização proposto, porquanto a mesma apenas se reporta a acto processual que integra a tramitação do procedimento administrativo de cobrança e regularização dos créditos do Estado (decisão de deferimento ou indeferimento do pedido de regularização). V. A solução de considerar o plano de recuperação ineficaz com relação aos créditos da Segurança Social apenas com esse motivo (omissão de autorização), viabilizaria o prosseguimento das execuções para cobrança das dívidas fiscais, o que, por si só, poderia obstaculizar à execução desse mesmo plano e à recuperação da devedora. VI. Tendo o plano sido aprovado com respeito pelas maiorias legalmente exigíveis, não obstante o voto desfavorável da Segurança Social, e prevendo o plano, quanto ao crédito desta última, a sua regularização através do pagamento de 24 prestações mensais, sem extinção ou redução da dívida, estamos em face de uma violação negligenciável, não violadora do referido princípio da indisponibilidade. VII. Tal plano não contém qualquer medida que acarrete a produção de um resultado que a lei não autoriza, nem que interfira com a justa salvaguarda dos interesses/posição da Segurança social, nessa medida não existindo impedimento, não só à sua homologação, mas também à sua vinculação, razão pela qual se assume o mesmo como eficaz perante a credora Segurança Social.
[1] Por opção da relatora, o presente acórdão não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem.
Texto Integral
Acordam, em conferência, as Juízas da Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa:
I – RELATÓRIO
Puris, Lda. veio intentar o presente processo especial de revitalização, ao abrigo do disposto nos artigos 17.º-A e ss. do CIRE[1], manifestando vontade em encetar negociações conducentes à sua recuperação.
Em 15/10/2024 foi declarado aberto o processo e nomeado administrador judicial provisório (AJP) – artigo 17.º-C, n.º 5.
Em 13/11/2024, o AJP juntou a lista provisória de créditos[2], a qual não foi impugnada e se converteu em definitiva (cfr. despacho do dia 27 do mesmo mês).
Em 12/12/2024, o credor Banco Comercial Português, SA veio requerer a redução do montante do respectivo crédito, nessa sequência tendo o AI juntado nova lista, rectificada em conformidade (cfr. requerimento de 19/12/2024).
O prazo para conclusão das negociações foi prorrogado por um mês, mediante acordo prévio e escrito entre o AJP e a devedora - artigo 17.º-D, n.º 7.
Findas as negociações, em 17/02/2025, a devedora juntou a primeira versão do plano de revitalização, cujo depósito foi publicitado no dia seguinte - artigo 17.º-F, n.º 1.
E, em 28/02/2025, a devedora apresentou a versão final do plano, cujo anúncio foi publicado no portal Citius no próprio dia.
Não foi requerida a não homologação do plano.
Em 31/03/2025, veio o AJP informar aos autos ter sido o plano aprovado (tendo anexado o respectivo mapa de votação – Anexo I), mais requerendo a sua homologação.
Entre os credores que votaram contra o plano, consta a Segurança Social (sendo que a Deliberação pela mesma emitida mostra-se junta ao referido requerimento de 31/03/2025).
Em 30/04/2025, o AJP juntou o respectivo Parecer, nos termos previstos pelo n.º 6 do artigo 17.º-F, pelo qual defendeu que o plano apresentado pela devedora apresenta “perspectivas razoáveis de evitar a insolvência e garantir a viabilidade da mesma”.
Por sentença proferida em 14/05/2025 foi homologado o plano especial de revitalização, na mesma se tendo consignado: “(…) o mesmo foi aprovado por credores cujos créditos (não subordinados) representam 62,18% dos votos emitidos, excluindo abstenções, tendo sido votado por credores cujos créditos representam 78,32% do total dos créditos relacionados com direito de voto, ou seja, foi aprovado em conformidade com a alínea c) do n.º 5, do art.º 17.º-F do CIRE. (…) // Não ocorre fundamento que determine a recusa oficiosa de homologação do plano e também nenhum interessado solicitou a não homologação do mesmo – art.ºs 17.º-F, n.º 7, 215.º, e 216.º, do CIRE. // Nestes termos, decido homologar o plano de recuperação apresentado pela devedora PURIS, LDA. (…)”.
Inconformado com tal sentença, veio o Instituto da Segurança Social, IP interpor RECURSO de apelação, tendo formulado as CONCLUSÕES, que aqui se transcrevem: “1. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida em 15/05/2025 que homologou o plano de revitalização apresentado no Processo Especial de Revitalização identificado em epígrafe, na medida em que a decisão de homologação do plano, nos termos em que foi proferida vincula todos os credores, incluindo o Instituto da Segurança Social, I.P., apesar de este credor ter votado contra o plano e de ter requerido a declaração de ineficácia ou inoponibilidade da parte dispositiva do plano em relação aos créditos da Segurança Social, caso o mesmo viesse a ser aprovado e subsequentemente homologado. 2. Tal crédito foi reclamado em tempo e foi reconhecido pelo Sr. Administrador Judicial Provisório nos exactos termos em que foi reclamado. 3. No dia 10/03/2025, através de requerimento via mensagem de correio electrónico enviado ao Sr. Administrador Judicial Provisório, o IGFSS, I.P., directamente, manifestou o seu voto contra o Plano de Revitalização apresentado, pelas razões enunciadas na Deliberação do Conselho Diretivo do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P, datada desse mesmo dia 10/03/2025, que juntou em anexo e cujo conteúdo deu por integrado e reproduzido para todos os efeitos legais e que se passam a enunciar: «a) A dívida à Segurança Social, vencida até à data do despacho de nomeação do administrador judicial provisório, será regularizada em 24 prestações mensais, através de plano prestacional a implementar, pela Secção de Processo Executivo competente, no âmbito da execução fiscal. b) O pagamento da primeira prestação será efetuado até ao final do mês seguinte ao da votação do plano de revitalização. c) Nos termos do artigo 199.º, n.° 13, do CPPT, o plano prestacional não depende da constituição de garantias adicionais. d) Nos termos da legislação em vigor são devidos juros vencidos e vincendos calaculados de acordo com a taxa de juros de mora aplicáveis às dívidas ao Estado e outras entidades públicas. e) As ações executivas pendentes para cobrança de dívida à Segurança Social não são extintas mantendo-se suspensas após aprovação e homologação do plano de revitalização até integral cumprimento do plano de pagamentos que venha a ser autorizado». (…) h. Nos termos do artigo 190.º, n.° 2, do CRCSPSS, as condições de regularização de dívida propostas no plano apenas podem ser autorizadas se forem indispensáveis para a viabilidade económica da empresa, o que, face ao exposto supra, não se encontra demonstrado. i. Nos termos do artigo 30.º, n.° 2, da LGT, o crédito tributário - no qual se integra o crédito da Segurança Social - é indisponível, só podendo fixar-se as condições para a sua alteração, redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária. j. a homologação de um plano que inclua o pagamento em prestações de créditos sem o acordo da Segurança Social constitui uma violação não negligenciável das normas legais aplicáveis, nos termos do artigo 215.º do CIRE e, por tal motivo, o mesmo deve ser considerado ineficaz para com a Segurança Social, sendo-lhe inoponível." 4. Portanto, o Instituto da Segurança Social, I.P. manifestou o seu voto contra o Plano de Revitalização apresentado, conforme Despacho do Conselho Diretivo do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P, datado de 10/03/2025, que este juntou em anexo e cujo conteúdo deu por integrado e reproduzido para todos os efeitos legais, no qual se requereu a declaração de ineficácia ou inoponibilidade da parte dispositiva do Plano em relação aos créditos da Segurança Social, caso o mesmo viesse a ser aprovado e subsequentemente homologado, uma vez que este credor não deu o seu consentimento expresso à modificação dos seus créditos, situação que viola a legislação específica da segurança social, bem como a legislação tributária, designadamente o artigo 30.º, da Lei Geral Tributária, que refere que os créditos da Segurança Social são indisponíveis. 5. Por sentença proferida em 15/05/2025 o plano de revitalização apresentado no Processo Especial de Revitalização da Devedora Puris, Lda. foi homologado, e a decisão de homologação do plano, nos termos em que foi proferida, vincula todos os credores, incluindo o Instituto da Segurança Social, I.P. 6. O plano apresentado implica necessariamente a modificação dos créditos da Segurança Social sem o consentimento deste credor, na medida em que os mesmos passam a gozar de uma dilação temporal, de uma moratória, quando é certo que a Segurança Social não autorizou o diferimento temporal do pagamento de créditos públicos, o que, contraria o estipulado no Código dos Regimes Contributivos e Sistema Previdencial da Segurança Social. 7. É hoje pacífico que a obrigação contributiva da segurança social, sem prejuízo da sua especialidade, pertence ao domínio mais amplo das relações jurídico-tributárias, atento o disposto no art. 1.º e 3.º n.º 2 da L.G.T.. 8. De acordo com o art. 30.º, n.º 2, da referida Lei "O crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito ao princípio da igualdade e da legalidade tributária." 9. Acresce que a Lei n.º 55-A/2010, de 31/12, através do seu artigo 125.º, veio reforçar o vertido no n.º 2 do artigo 30.º da LGT, introduzindo o n.º 3 a esse artigo 30.º da L.G.T., do qual consta que "O disposto no número anterior prevalece sobre qualquer legislação especial." 10. Dispõe o art. 125.º da Lei n.º 55/2010, de 31/12, que "O disposto no n.º 3 do art. 30.º da LGT é aplicável, designadamente aos processos de insolvência que se encontrem pendentes e ainda não tenham sido objecto de homologação (...).". 11. As regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título IX do CIRE, aplicam-se, com as necessárias adaptações, à matéria de aprovação e homologação de Planos de Revitalização, em especial o disposto nos artigos 215.º e 216.º, por força do art. 17.º-F, n.º 5, do CIRE. 12. E, assim sendo, tendo a sentença de homologação sido proferida em 15/05/2025, o n.º 3 do art. 30.º da LGT é-lhe aplicável por força do disposto no art. 125.º da Lei n.º 55/2010, de 31/12. 13. Desta forma, depende, pois, do acordo do Estado, em conformidade com as normas próprias da LGT e do Código Contributivo, a alteração, redução ou extinção dos seus créditos fiscais e/ou concessão de moratória. 14. No regime da regularização de dívidas à segurança social plasmado no D. L. n.º 411/91, de 17/10 (cuja vigência cessou com a entrada em vigor do Código Contributivo), a regra geral consistia na proibição de "autorizar ou acordar extrajudicialmente o pagamento prestacional de contribuições em dívida à segurança social", bem como "isentar ou reduzir, extrajudicialmente, os respectivos juros vencidos ou a vencer" (cfr. art. 1.º), salvo nos casos expressamente previstos. 15. Tais casos reconduziam-se, no essencial, à indispensabilidade de tais medidas "para assegurar a viabilidade da empresa devedora" e se esta fosse submetida, nomeadamente, a "processo especial de recuperação de empresas..." (cfr. art.º 2.º, n.º 1, alínea b)), dependendo, em todo o caso, de prévia autorização, "por despacho do membro do Governo que tiver a seu cargo a área da segurança social." - cfr. n.º 2 do citado artigo e diploma). 16. Este regime foi praticamente transposto para o art. 190.º do actual Código Contributivo, sob a epígrafe "Situações excepcionais para a regularização da dívida", aplicável aos créditos reconhecidos ao Recorrente nestes autos. 17. Disposição alguma contempla a possibilidade de modificação ou redução dos créditos da Segurança Social sem o seu consentimento expresso (com excepção, quanto a estes, das mencionadas causas de extinção da obrigação contributiva). 18. Acresce que o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. (IGFSS, I.P.) é o órgão legalmente competente para avaliar a idoneidade ou adequação das condições propostas no Plano para pagamento da dívida à segurança social e conceder a autorização prevista no art. 190.º, n.º 1, do Código Contributivo - cfr. art. 190.º, n,º 6, do Código Contributivo -, tendo concluído, no caso em apreço, que não se encontrarem reunidos os requisitos exigidos para autorizar o pagamento prestacional da dívida à Segurança Social e votar favoravelmente o plano de revitalização. 19. Sendo que os motivos preponderantes para o IGFSS, I.P. não ter dado autorização ao pagamento nos termos propostos foram/são, conforme mencionado na Deliberação do Conselho Diretivo do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., datada de 10/03/2025, nos seus pontos e. A empresa não tem trabalhadores, tendo apenas um membro do órgão estatutário vinculado ao Sistema de Segurança Social, circunstância que indicia a sua inatividade. f. Apesar de constar do plano de revitalização que, quando necessário, a empresa recorre à subcontratação, não se encontra demonstrado no plano como é que a empresa irá obter receita para fazer face ao serviço da dívida. Com efeito, não se afigura credível, nem viável, que uma empresa que labora no setor atividade com o CAE 47730 - Comércio a Retalho de Produtos Farmacêuticos, em Estabelecimentos Especializados, consiga atuar no mercado sem qualquer trabalhador, apenas com a sua gerente que é, em simultâneo, trabalhadora por conta de outrem noutra empresa. g. O plano de revitalização, apesar da sua designação, pouco ou nada tem de revitalização. A análise do documento revela-nos mais uma minuta típica de empresas cujo verdadeiro intuito não é, rigorosamente, a recuperação, mas sim o adiamento do pagamento das dívidas. Esta perceção é corroborada pelo facto de o plano, na página 6, ao listar a distribuição dos créditos por categoria, mencionar que "A Título Genuíno Lda apresenta a seguinte distribuição de Créditos". Ora, a devedora no PER em apreço tem a denominação de PURIS, LDA., e não outra. h. Nos termos do artigo 190.º, n.º 2, do CRCSPSS, as condições de regularização de dívida propostas no plano apenas podem ser autorizadas se forem indispensáveis para a viabilidade económica da empresa, o que, face ao exposto supra, não se encontra demonstrado. 20. O Plano aprovado enferma de nulidade, que põe em causa a justa salvaguarda dos créditos da segurança social, reconhecidos nos presentes autos, nos termos do art. 201.º do CPC, motivo pelo qual não deveria ser homologado e, a ser homologado, não deveria produzir efeitos relativamente à Segurança Social. 21. Mesmo na corrente jurisprudencial que, até 1 de Janeiro de 2011, defendia inexistir fundamento para a recusa de homologação de plano de insolvência aprovado contra a vontade dos credores públicos, começou a reconhecer-se, a partir daquela data, que o aditamento do citado n.º 3 do art. 30.º da LGT, implicou a revogação da especialidade das normas do CIRE, relativamente aos regimes das dívidas fiscais e parafiscais, dada a natureza imperativa daquela norma, de interesse e ordem pública. 22. Esta interpretação implica que se considerem inaplicáveis as normas em vigor constantes de leis especiais, incluindo as previstas no CIRE, onde se previa a possibilidade de ocorrer uma situação de perdão ou redução de créditos tributários. 23. De resto, sempre será despiciendo observar que a Lei n.º 64-B/2011, de 30/12, que aprovou o Orçamento de Estado para 2012, e alterou, através do seu art. 149.º, diversos preceitos da LGT, deixou intocado o citado art. 30.º, nomeadamente, o aditamento aqui em análise. 24. "Portanto, após as alterações introduzidas ao artigo 30.º da LGT, em face das normas imperativas vigentes, deixou de ser legalmente possível homologar um plano de acordo de pagamento/insolvência ou revitalização de empresa que contemple a alteração, redução, extinção ou mesmo a moratória de créditos de natureza tributária, sem que o Estado - a Fazenda Nacional/Segurança Social - tenha votado favoravelmente tal homologação." - neste sentido cfr., entre muitos outros, Acórdãos do TRP, de 24/01/2022 (Proc. n.° 697/21.8T8AMT.P1), e de 22/05/2017, Acórdão do TRC de 13/01/2015, Acórdão do TRL de 19/04/2015 e Acórdão do STJ de 10/05/2012 (Proc. 368/10.0TBPVL-D) e de 09/06/2021, todos em www.dgsi.pt. 25. O plano apresentado não se coaduna com o regime geral de regularização de dívidas à Segurança Social, violando normas imperativas, como o disposto no art. 30.º, n.os 2 e 3 e art. 36.º, n.os 2 e 3, da LGT e nos artigos 190.º, n.º 1, 2, alínea a), e 6 26. A regularização prestacional da dívida à Segurança Social envolve uma modificação dos créditos, na medida em que os mesmos passam a gozar de uma dilação temporal, de uma moratória, quando é certo que a Segurança Social não autorizou o diferimento temporal do pagamento dos seus créditos. 27. Atento o preceituado no art. 215.º do CIRE, verifica-se que no caso se violaram, relevantemente, normas respeitantes à substância do plano, razão pela qual havia lugar à recusa oficiosa de homologação do plano. 28. Nenhuma norma inserida no Título IX do CIRE admite autorização expressa com vista à alteração dos requisitos legais de pagamento dos créditos da segurança social, através da derrogação, ainda que implícita, das normas aplicáveis, contra o voto daquele. 29. Todavia, da imposição legal de proibição de modificação restritiva do conteúdo do crédito tributário não resulta necessariamente a solução drástica de recusa, pura e simples, de homologação do plano de recuperação da Devedora. 30. Na realidade e na esteira da melhor e mais equilibrada jurisprudência sobre tal questão, há muito que se vem entendendo que se tal acontecesse, tal obstaculizaria à maioria das recuperações de empresas como a requerente, pois os seus Planos de Revitalização seriam totalmente inaproveitáveis, com a consequente frustração dos interesses particulares envolvidos e com grave prejuízo para toda a nossa organização económica e empresarial, exactamente o que o legislador pretendeu proteger, cfr. Acs. do STJ de 17.04.2018, de 18.02.2014, de 1.04.2014, de 13.11.2014, de 24.03.2015, de 9.06.2021, todos in www.dgsi.pt. 31. E assim, desde há muito que se vem entendendo que a solução mais equilibrada, adequada e proporcional e que permitirá, simultaneamente, harmonizar os relevantes interesses sociais e económicos que o legislador se propôs salvaguardar através da instituição do processo de revitalização, pelo que, nesta senda se preconiza que a indisponibilidade do crédito tributário não é absoluta, cfr. Ac. da Rel. de Guimarães de 10.04.2012, in www.dgsi.pt. 32. Determinando-se a mera ineficácia relativa do Plano de Revitalização aprovado e homologado relativamente aos créditos de natureza tributária reclamados e de que seja titular o Instituto da Segurança Social, o plano de revitalização produzirá todos os seus efeitos, viabilizando-se assim o prosseguimento da actividade económica e comercial da Devedora e satisfazendo os interesses dos credores na exacta medida acordada e por eles aceite, com excepção daqueles que teriam reflexo na esfera jurídica do Instituto da Segurança Social, enquanto entidade titular de créditos de natureza tributária, ao qual não serão oponíveis, permanecendo, portanto, intangíveis e imodificáveis no seu conteúdo. 33. Tendo o Recorrente votado contra o Plano de Revitalização, inexistindo a competente e necessária autorização para o aludido pagamento nos termos constantes do Plano de Revitalização apresentado, não podia o plano ser homologado sem mais, portanto a moratória estabelecida é contrária ao disposto nos artigos 30.º, n.º 2 e 3, e 36.º, n.º 2 e 3 da L.G.T. e no art.º 190.º, n.º 1, 2 e 6 do Código Contributivo, normas de natureza imperativa. 34. Ao decidir homologar o plano de revitalização aprovado nos autos, sem declarar a sua inoponibilidade em relação ao aqui Recorrente, o Tribunal violou o disposto nos artigos 30.º, n.º 2 e 3, e 36.º, n.º 2 e 3 da L.G.T., no art. 190.º n.º 1, 2 e 6 do Código Contributivo, e 215.º do CIRE, aplicável ao caso em apreço ex vi art.º 17º-F, nº 5 do mesmo diploma. Termos em que, e sempre com o mui douto suprimento dos Venerandos Desembargadores, no provimento deste Recurso deve decretar-se expressamente que a decisão que homologou o plano de revitalização não produz efeitos em relação aos créditos da segurança social ou, se assim não se entender, a decisão recorrida deve ser substituída por outra que declare nulo o plana aprovado por violação das indicadas normas imperativas e recuse a sua homologação. Como se fará JUSTIÇA!”
Não consta que tenham sido apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido pelo tribunal a quo em 09/07/2025.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II – DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões no mesmo formuladas, salvo no que concerne à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas pertinentes ao caso concreto e quando estejam em causa questões que forem de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido apreciadas com trânsito em julgado- artigos 5.º, n.º 3, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPC.
Assim, as questões a decidir são:
1. Aferir se a sentença que homologou o plano de revitalização deverá ser alterada no sentido de ser declarada a ineficácia do plano quanto ao crédito da apelante;
2. Subsidiariamente, caso assim se não entenda, se a homologação deveria ter sido oficiosamente recusada, por violação de normas imperativas – artigos 30.º, n.º 2 e 3, e 36.º, n.º 2 e 3 da LGT, artigo 190.º, n.º 1, 2 e 6 do Código Contributivo e artigo 215.º do CIRE.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Para além dos factos e ocorrências processuais constantes do relatório supra enunciado, mostra-se igualmente provado nos autos que:
1. A requerente é uma sociedade por quotas, com o capital social de 500,00€, cujo objecto social consiste em: “1 - Realização de congressos feiras e eventos; nomeadamente para o setor dos medicamentos naturais e da indústria farmacêutica 1.2 – Venda e comercialização de produtos farmacêuticos, fitoterapia, suplementos alimentares. Atividades de marketing, formação outsorcing. Comercialização exportação e importação de bens e serviços e representação comercial. Comercio e exportação de bens e serviços diversos” (CAE Principal: 47730-R3).
2. Da lista credores consta o Instituto da Segurança Social, IP, com um crédito no montante global de 5.712,25€ (sendo 5.381,88€ de capital e 330,37€ a título de juros).
3. No plano de recuperação apresentado pode ler-se: “(…) 1.3. Atividade da Devedora – Puris Lda // A sociedade Puris Lda foi fundada em 2015 e sempre desenvolveu a sua actividade na realização de eventos. Apesar das dificuldades que enfrenta, a Puris Lda continua a reunir as condições para, com a colaboração dos seus credores, recuperar a situação económica, sendo, para isso, essencial que os prazos de pagamento das suas obrigações sejam prolongados, de modo a evitar o seu vencimento e o incumprimento generalizado.// (…) 2.2. Ativo Fixo Tangível // Os equipamentos e investimentos detidos demonstram-se suficientes para o exercício da sua atividade. Os equipamentos da empresa Puris Lda estão adequados à actividade. // 2.3. Colaboradores/Prestadores de Serviços // A empresa mantém-se em laboração, sendo que desenvolve a sua atividade com o gerente, e sempre que necessário recorre à subcontratação. (…) // 2.4. Situação dos Credores // O montante total dos créditos a considerar no âmbito deste Plano de Revitalização ascende a um montante global de €124.059,25, que correspondem a financiamento bancário, Estado e fornecedores. (…) // 3.1. Estratégia e Recuperação Empresarial: (…) a estratégia assentará, por um lado, na procura de novos clientes e por outro na injecção de capitais próprios da Gerente. // A empresa Puris Lda apresenta um Plano que prevê e possibilita a sua reestruturação com vista à consolidação do seu passivo e que demonstra a viabilidade da empresa.”
4. Mais constando do mesmo:
(…)”
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FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
O procedimento especial de revitalização (PER) tem como destinatários os devedores que se encontrem em situação de crise financeira (seja por se encontrarem com sérias dificuldades no cumprimento das respectivas obrigações por falta de liquidez ou crédito, seja por se encontrem numa situação de insolvência iminente), mas ainda susceptíveis de viabilização/recuperação. Visa, pois, facilitar e promover a recuperação efectiva de empresas economicamente viáveis (privilegiando a recuperação sobre a liquidação).
Trata-se de um processo com natureza híbrida, porquanto, não obstante apresentar uma fase extrajudicial (de negociação com os credores), implica que posteriormente exista um controlo judicial – seja aquando do conhecimento e decisão das impugnações à lista de créditos, seja na admissão/rejeição do plano, seja, por fim, em sede de homologação/não homologação desse plano.
Uma vez aprovado o plano (como aqui sucedeu), diz-nos o artigo 17º-F, nº 7, que “Nos 10 dias seguintes à receção da documentação mencionada nos números anteriores, o juiz decide se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação, aplicando, com as necessárias adaptações, as regras previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 194.º a 197.º, no n.º 1 do artigo 198.º e nos artigos 200.º a 202.º, 215.º e 216.º, e aferindo: a) Se o plano foi aprovado nos termos do n.º 5; // b) Se, no caso de classificação dos credores em categorias distintas, nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 17.º-C, os credores inseridos na mesma categoria são tratados de forma igual e proporcional aos seus créditos; // c) Se, no caso de classificação dos credores em categorias distintas, nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 17.º-C, as categorias votantes discordantes de credores afetados recebem um tratamento pelo menos tão favorável como o de qualquer outra categoria do mesmo grau, e mais favorável do que o de qualquer categoria de grau inferior; // d) Que nenhuma categoria de credores, a que alude a alínea d) do n.º 3 do artigo 17.º-C, pode, no âmbito do plano de recuperação, receber nem conservar mais do que o montante correspondente à totalidade dos seus créditos; // e) Se a situação dos credores ao abrigo do plano é mais favorável do que seria num cenário de liquidação da empresa, caso existam pedidos de não homologação de credores com este fundamento; //f) Se aplicável, que qualquer novo financiamento necessário para executar o plano de reestruturação não prejudica injustamente os interesses dos credores; // g) Se o plano de recuperação apresenta perspetivas razoáveis de evitar a insolvência da empresa ou de garantir a viabilidade da mesma”.
Dos artigos mencionados neste preceito, passar-se-á a transcrever os que assumem relevância para o conhecimento do presente recurso.
- Artigo 194.º: “1 - O plano de insolvência obedece ao princípio da igualdade dos credores da insolvência, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objectivas. 2 - O tratamento mais desfavorável relativamente a outros credores em idêntica situação depende do consentimento do credor afectado, o qual se considera tacitamente prestado no caso de voto favorável. 3 – (…)“; - Artigo 195.º: “1 - O plano de insolvência deve indicar claramente as alterações dele decorrentes para as posições jurídicas dos credores da insolvência. 2 - O plano de insolvência deve indicar a sua finalidade, descreve as medidas necessárias à sua execução, já realizadas ou ainda a executar, e contém todos os elementos relevantes para efeitos da sua aprovação pelos credores e homologação pelo juiz, nomeadamente: (…) i) A indicação dos preceitos legais derrogados e do âmbito dessa derrogação.”; - Artigo 196.º: “1 - O plano de insolvência pode, nomeadamente, conter as seguintes providências com incidência no passivo do devedor: a) O perdão ou redução do valor dos créditos sobre a insolvência, quer quanto ao capital, quer quanto aos juros, com ou sem cláusula ‘salvo regresso de melhor fortuna’; b) O condicionamento do reembolso de todos os créditos ou de parte deles às disponibilidades do devedor; c) A modificação dos prazos de vencimento ou das taxas de juro dos créditos; d) A constituição de garantias; e) A cessão de bens aos credores. 2 – (…).”[3]
Já segundo o artigo 215.º, “O juiz recusa oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, e ainda quando, no prazo razoável que estabeleça, não se verifiquem as condições suspensivas do plano ou não sejam praticados os actos ou executadas as medidas que devem preceder a homologação”.
O juiz pode, ainda, recusar a homologação caso algum credor (que tenha já manifestado nos autos a sua oposição) assim o solicite – artigo 216.º[4].
No caso sub judice, a recorrente não efectuou qualquer solicitação nesse sentido, pelo que apenas relevará o artigo 215.º, mais concretamente, saber se o plano incorre em violação não negligenciável de normas aplicáveis ao seu conteúdo (dispositivo do plano de revitalização e princípios imperativos que lhe devam estar subjacentes).
Segundo Carvalho Fernandes e João Labareda[5], “Normas procedimentais são, pois, todas aquelas que regem a atuação a desenvolver no processo, que incluem os passos que nele devem ser dados até que a assembleia de credores decida sobre as propostas que lhe foram presentes (…) e, bem assim, as relativas ao modo como ele deve ser elaborado e apresentado. Normas relativas ao conteúdo serão, por sua vez, todas as respeitantes à parte dispositiva do plano, mas, além delas, ainda aquelas que fixam os princípios a que ele deve obedecer imperativamente e as que definem os temas que a proposta deve contemplar.”
Salientando os mesmos autores: “(...) não são negligenciáveis todas as violações de normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza. Diversamente, são desconsideráveis as infrações que atinjam simplesmente regras de tutela particular que podem, todavia, ser afastadas com o consentimento do protegido. (...) O que importará é, pois, sindicar se a nulidade observada é suscetível de interferir com a boa decisão da causa, o que significa valorar se interfere ou não com a justa salvaguarda dos interesses protegidos ou a proteger – nomeadamente, no que respeita à tutela devida à posição de credores e do devedor nos diversos domínios em que se manifesta -, tendo em conta o que é, apesar de tudo, livremente renunciável”.
Importa, então, aferir se, como defende a apelante, as medidas constantes do plano de revitalização desrespeitam o princípio da legalidade, na vertente da indisponibilidade dos créditos fiscais, sendo violada alguma norma imperativa ou que apenas com o consentimento da afectado possa ser derrogada.
No caso, não é invocada qualquer violação do princípio da igualdade (não obstante a alusão que ao mesmo é feita, surge sempre em contexto de transcrições dos preceitos legais que se refere terem sido violados ou de citações jurisprudenciais).[6]
Dir-se-á, antes de mais, que, não obstante a recorrente sustente, para si, um desfecho de ineficácia do plano por ter votado contra a sua aprovação, igualmente invoca (subsidiariamente) que a homologação do mesmo deveria ter sido recusada por ocorrer violação de normas imperativas que ao caso são aplicáveis.
Porém, em qualquer um desses desfechos, está em causa a análise dos mesmos regimes legais.
Feita em nota, a questão que se coloca é: violará o plano homologado alguma norma imperativa, designadamente o artigo 30.º, n.º 2 e 3 da LGT?[7]
No que concerne aos créditos tributários, consagra esta norma o chamado princípio da indisponibilidade, ao estatuir no seu n.º 2 que “O crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e legalidade tributária”.
Já o seu n.º 3 (aditado pelo artigo 123.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31/12 - Lei do Orçamento do Estado para o ano de 2011), acrescenta que “O disposto no número anterior prevalece sobre qualquer legislação especial”.[8]
O invocado princípio encontra-se, ainda, reflectido no artigo 36.º da mesma Lei - “(…) 2 - Os elementos essenciais da relação jurídica tributária não podem ser alterados por vontade das partes. 3 - A administração tributária não pode conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias, salvo nos casos expressamente previstos na lei. (…)” – e no artigo 85.º, n.º 3 do CPPT - “A concessão da moratória ou a suspensão da execução fiscal fora dos casos previstos na lei, quando dolosas, são fundamento de responsabilidade tributária subsidiária.”
Entende a recorrente ter sido violado o princípio da indisponibilidade dos créditos do Estado, sob o argumento de que o crédito de que é titular foi modificado sem o seu consentimento - passou “a gozar de uma dilação temporal, de uma moratória”, por si não autorizada.
Realça que, sendo o crédito da segurança social um crédito tributário, o mesmo assume natureza indisponível, pelo que, em face do n.º 2 do artigo 30.º, só poderão ser fixadas condições para a sua alteração, redução ou extinção, com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária, também assim ocorrendo para que seja fixada qualquer moratória.
Assim, conclui, a homologação de um plano que inclua o pagamento em prestações de créditos sem o acordo da segurança social (o qual é exigido pelos artigos 190.º e ss. do CRCSPSS[9]) constitui uma violação não negligenciável das normas legais, nos termos do artigo 215.º do CIRE, como tal devendo ser considerado ineficaz para aquela, sendo-lhe inoponível.
Mais acrescenta não ter sido demonstrado que tal pagamento prestacional seja indispensável à viabilidade económica da empresa (n.º 2 do referido artigo 190.º).[10]
Vejamos se lhe assiste razão.
A tutela do crédito tributário apresenta-se, sem dúvida, munida de natureza imperativa, obstando a que o tribunal homologue um PER quando o mesmo implique afectação, pela modificação restritiva do seu conteúdo, dos créditos tributários reclamados e reconhecidos.[11]
Como refere Suzana Tavares da Silva[12], não se justifica “afastar do processo de insolvência a aplicação dos artigos 30.º, n.º 2 e 36.º, n.º 3 da LGT, e do artigo 85.º do CPPT, o que seria não só ilegal, por violar directamente os preceitos legais acabados de mencionar, mas ainda violador dos mais elementares critérios de juridicidade que informam o direito tributário (princípio da igualdade na contribuição para os encargos públicos) e o direito económico europeu (princípio da concorrência e da proibição de auxílios de Estado). (…) Em nosso entender, o aditamento do n.º 3 ao artigo 30.º à LGT não trouxe qualquer conteúdo inovador, devendo mesmo considerar-se uma norma de carácter interpretativo, pois a solução nele vertida defluía já dos princípios jurídicos fundamentais ordenadores no nosso sistema jurídico e dos princípios constitucionais que conformam o Estado fiscal. (…) Aliás, a nosso ver, o regime da indisponibilidade do crédito tributário, por consubstanciar uma expressão legal do princípio fundamental da igualdade na contribuição para os encargos públicos é, em si, um regime tendencialmente indisponível para o próprio legislador, que apenas se encontra legitimado para estipular excepções a ele na medida em que circunstâncias excepcionais de conjuntura económica assim o justifiquem.”
Com relação a tais créditos, apenas se mostra possível levar a efeito as modificações excepcionalmente previstas na lei (e já não as que possam resultar do que traduz a vontade da maioria dos credores).
Sucede que o facto de a Segurança Social ter votado contra a aprovação do plano, por si só, não acarreta a ilegalidade do mesmo (ou das medidas que, nesse plano, tenham sido consignadas para os créditos do Estado).[13]
Tal ilegalidade apenas existirá caso o plano não respeite os legais requisitos e limites impostos em matéria de extinção e redução das dívidas fiscais e contributivas.[14]
Como recentemente esta Secção defendeu no seu acórdão de 10/07/2025[15], “o nº 3 do art. 30º da LGT não veio (e num Estado de Direito seria no mínimo de estranhar que o fizesse) conferir caráter indisponível ou imperativo ao sentido de voto do credor Segurança Social ou Autoridade Tributária, no sentido de dele depender a aprovação e a validade do Plano de Insolvência e/ou das medidas por ele previstas, transformando-o num voto de qualidade que, no sentido preconizado pela recorrente, corresponderia a um verdadeiro direito de veto. A indisponibilidade ou imperatividade da lei, como dos próprios termos do nº 3 do art. 30º da LGT, vai reportada apenas aos créditos, no que aqui interessa, às condições legais expressamente previstas para a respetiva extinção ou modificação – com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária -, que são objetiva e juridicamente sindicáveis, e já não ao sentido de voto que pelo credor Estado seja manifestado em sede de votação de Plano (seja no âmbito de PER, seja em processo de insolvência), que o emite como qualquer outro credor, nas condições previstas pelo art. 73º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. Assim, a imperatividade prevista pelo art. 30º, nº 3 da LGT e o âmbito da inderrogabilidade do regime de regularização de dívidas ao Estado reporta às condições em que a lei ‘autoriza’ a Autoridade Tributária ou a Segurança Social a autorizar o pagamento em prestações mas, na regularização das dívidas do Estado no âmbito de processo de insolvência ou de PER, não inclui a autorização destas entidades. Autorização ou deferimento (ato administrativo) que constitui condição de eficácia da proposta de pagamento em prestações no âmbito do procedimento (administrativo) legalmente previsto para o seu processamento no âmbito das competências administrativo-processuais da Autoridade Tributária e da Segurança Social (cfr. art. 190º, nº 6 do CRCSPSS e 197º do CPPT) dada a qualidade de sujeito titular desse procedimento - à laia do que sucede no acordo para pagamento em prestações no âmbito da execução comum (art. 882º do CPC) -, mas que não tem nem pode ter assento e constituir requisito de eficácia do plano prestacional para pagamento de dívidas ao Estado inserido no âmbito mais alargado de um plano de reestruturação do passivo do devedor ‘universalmente’ aprovado em sede de procedimento judicial legalmente erigido a motor de promoção da recuperação do agente económico endividado. Note-se que no âmbito dos procedimentos administrativos de cobrança e regularização dos créditos do Estado, sob a epígrafe Requisitos do pedido, o art. 198º, nº3 inserido na Secção IV Do pagamento em prestações, prevê que 3 - Caso o pedido de pagamento em prestações obedeça a todos os pressupostos legais, deve o mesmo ser objeto de imediata autorização pelo órgão considerado competente nos termos do artigo anterior, notificando-se o requerente desse facto e de que, caso pretenda a suspensão da execução e a regularização da sua situação tributária, deve ser constituída ou prestada garantia idónea nos termos do artigo 199.º ou, em alternativa, obter a autorização para a sua dispensa. Desta norma resulta que mesmo no âmbito dos procedimentos tributários a decisão de autorizar ou de não autorizar o pagamento em prestações não assenta em critérios de oportunidade ou de conveniência pelo que à AT não assiste uma qualquer faculdade discricionária ou arbitrária de o deferir ou indeferir; antes está legalmente vinculada a autorizá-lo se o pedido satisfizer todos os pressupostos legais, assistindo ao devedor a faculdade de reagir contra uma decisão de indeferimento através dos meios legais próprios de impugnação, reclamação ou recurso quando entenda que a decisão da AT viola o disposto no citado art. 198º, nº3 do CPPT (cfr. arts. 184º e 193º do Código de Procedimento Administrativo, 50º e ss. do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, e 95º da LGT). Ora, no âmbito dos processos judiciais insolvenciais ou pré-insolvenciais, considerar o voto desfavorável da AT ou da SS como impeditivo da homologação e/ou da sua vinculação às medidas do Plano aprovado pela maioria dos credores, conduz e determina a impossibilidade de submeter aquela decisão público-administrativa (de não aprovação do Plano) a qualquer impugnação, reclamação ou recurso de natureza administrativa e, em ultima linha, a subtrair à sindicância judicial a conformidade ou desconformidade legal do pedido de regularização dos créditos fiscais com os requisitos legais de que depende a sua autorização/aceitação que, no processo de insolvência, como já se afirmou, é devida cumprir nos termos e por força do art. 215º do CIRE. Resultado – de impossibilidade de sindicância judicial - que se nos afigura violar o art. 202º, nº 2 da CRP e que é apto a fundamentar juízo de inconstitucionalidade da norma que nesse sentido resulte da interpretação do art. 30º, nº 2 e 3 da LGT. Em reforço, se a intenção do legislador fosse atribuir ao Estado o direito de vetar a aprovação dos Planos de recuperação de devedores fiscais, ou o direito de se auto-excluir do âmbito e eficácia do Plano – no sentido de lhe conferir essa prorrogativa pela mera emissão de voto desfavorável à sua aprovação –, tratando-se de medida legal tão grave e fortemente restritiva e condicionadora do direito privado e dos objetivos de politica-económico-social prosseguida pelo próprio Estado em matéria de recuperação de empresas, temos por certo que não deixaria de prever esse direito de forma expressa e inequívoca. Com efeito, cumpre salientar que o efeito devastador do reconhecimento desse poder ao voto desfavorável do Estado não é neutralizado pela solução jurisprudencial, de exclusão dos créditos públicos da eficácia do Plano, na medida em que o prosseguimento das execuções para cobrança das dívidas fiscais geradas até à data do despacho de nomeação do AJP e, com elas, a penhora dos bens e direitos da empresa - designadamente, dos saldos das contas bancárias e dos créditos sobre clientes –, como é bom de ver, conduz ao total estrangulamento da tesouraria da devedora e inviabilizará a execução do Plano de recuperação que a maioria legal dos seus credores considerou viável e, consequentemente, conduzirá ao seu fracasso, situação que, em algumas situações, poderá ser mais prejudicial para todos do que a não homologação do plano; (…). Acresce que, não só do art. 30º, nº 2 e 3 não resulta atribuído esse valor ao voto do Estado-AT (ou SS), como seria absolutamente contrário e contraproducente dos assinalados objetivos de recuperação almejados pelo regime legal dos procedimentos pré-insolvenciais e diametralmente opostos aos preconizados pela Diretiva (EU) 2019/1023 do Parlamento Europeu e do Conselho e do diploma legal que a transpôs para o direito nacional que, como foi referido pelo Ministério da tutela responsável pela sua elaboração, visa ‘contribuir para a regeneração do tecido empresarial’. O reconhecimento judicial de direito de veto corresponderia a reconhecer que ‘o mesmo Estado que quer recuperar as empresas, é o mesmo Estado que as pode matar’, contra o que foi o juízo dos credores a respeito da viabilidade da sua recuperação através do plano por eles aprovado que, além do mais, passa sempre pelo crivo da apreciação judicial. Seria conferir legitimidade/poder ao credor Estado para, independentemente do montante do seu crédito no contexto do passivo da devedora, e a contra-ciclo do objetivo de recuperação empresarial priorizado pela legislação produzida na matéria, gorar todo e qualquer Plano de Recuperação e, assim, impedir a recuperação de agentes económicos que a maioria legal dos credores avaliaram como económica e financeiramente sustentáveis. Com o que se conclui que a recusa da homologação do Plano (ou a inibição da eficácia do Plano aos créditos do Estado) com fundamento em violação do princípio da indisponibilidade dos créditos do Estado previsto pelo art. 30º, nº 2 e 3 da LGT e, este, por referência às normas legais que regulam os termos e limites da regularização dos créditos tributários, apenas se justifica e impõe se se concluir pela violação dessas normas, e não pelo simples facto de os credores públicos terem emitido voto desfavorável, sob pena de atribuição de voto de qualidade/direito de veto que não só não encontra suporte em qualquer disposição legal, como se nos afigura constitucionalmente repudiado pelo art. 202º, nº 3 da CRP.” (sublinhados nossos).
Em face do transcrito, que se subscreve, há que concluir que, do teor do artigo 30.º, n.º 2 da LGT não resulta que a autorização da Segurança Social referente ao pagamento prestacional traduza requisito de legalidade do plano de regularização proposto, porquanto a mesma apenas se reporta a acto processual que integra a tramitação do procedimento administrativo de cobrança e regularização dos créditos do Estado (decisão de deferimento ou indeferimento do pedido de regularização).
E, a solução de considerar o plano de recuperação ineficaz com relação aos créditos da Segurança Social apenas com esse motivo (omissão de autorização), viabilizaria o prosseguimento das execuções para cobrança das dívidas fiscais, o que, por si só, poderia obstaculizar à execução do próprio plano e à recuperação da devedora.
Vejamos, então, se as medidas aprovadas pelo plano violam os limites dos requisitos atinentes à regularização de dívidas ao Estado.
Para além dos preceitos já invocados, importa ainda atender às seguintes normas do CRCSPSS: a) artigo 186.º: “1 - A dívida à segurança social é regularizada através do seu pagamento voluntário, nos termos previsto no presente Código, no âmbito da execução cível ou no âmbito da execução fiscal. (…)”; b) artigo 189.º: “1 – O diferimento do pagamento da dívida à segurança social, incluindo os créditos por juros de mora vencidos e vincendos, assume a forma de pagamento em prestações. (…)”; e c) artigo 190.º: “1 - A autorização do pagamento prestacional de dívida à Segurança Social, a isenção ou redução dos respetivos juros vencidos e vincendos, só é permitida nos termos do presente artigo, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte e das regras aplicáveis ao processo de execução fiscal. 2 - As condições excepcionais previstas no número anterior só podem ser autorizadas quando, cumulativamente, sejam requeridas pelo contribuinte, sejam indispensáveis para a viabilidade económica deste e desde que o contribuinte se encontre numa das seguintes situações: a) Processo de insolvência, de recuperação ou de revitalização; (…). 3 - Para efeitos do disposto no número anterior, o incumprimento do pagamento das contribuições mensais desde a data de entrada do requerimento constitui indício da inviabilidade económica do contribuinte. (…) 6 – (…) a autorização a que se refere o n.º 1 do presente artigo é concedida por deliberação do conselho directivo do Instituto de Gestão Financeira, I.P. (IGFSS,I.P.). (…)”. Bem como o artigo 81.º do Decreto Regulamentar n.º 1-A/2011 de 03/01[16]: “1 - O diferimento do pagamento da dívida à segurança social, incluindo os créditos por juros de mora vencidos e vincendos, assume a forma de pagamento em prestações mensais, iguais e sucessivas, com o limite máximo de 150. 2 - O número de prestações autorizado para o pagamento depende: a) Da capacidade financeira do contribuinte; b) Do risco financeiro envolvido; c) Das circunstâncias determinantes da origem das dívidas; d) Do grau de liquidez da garantia. 3 - A taxa de juros vincendos a aplicar no âmbito de pagamentos prestacionais autorizados pode ser reduzida em função da idoneidade da garantia. (…).”
Refira-se também que, segundo o artigo 203.º do CRCSPSS: “As dívidas à segurança social podem ser garantidas através de qualquer garantia idónea, geral ou especial, nos termos dos artigos 601.º e seguintes do Código Civil.” (pelo que não terão necessariamente de o ser), sendo que o artigo 199.º n.º 13 do CPPT, dispõe que “Os pagamentos em prestações ao abrigo de plano de recuperação no âmbito de processo de insolvência ou de processo especial de revitalização ou em acordo sujeito ao regime extrajudicial de recuperação de empresas em execução ou em negociação que decorra do plano ou do acordo não dependem da prestação de quaisquer garantias adicionais.”
Reportando todos os citados preceitos ao caso concreto, somos forçadas a discordar da posição defendida pela apelante, já que apenas lhe assistiria razão na eventualidade de estarmos perante alguma violação não negligenciável nos moldes aludidos pelo artigo 215.º, o que não é o caso.
Com efeito, está pacificamente demonstrado que não se estipulou qualquer extinção ou redução do crédito da SSocial (nem do capital, nem de juros), mas apenas uma mera modificação dos prazos de pagamento desse mesmo crédito (sendo que o artigo 30.º, n.º 2 só refere as hipóteses de redução ou extinção do crédito).
O pagamento prestacional mostra-se legal e expressamente previsto como admissível, sendo que o número de prestações previstas no plano (24) contém-se bem abaixo do limite máximo permitido.
A falta de autorização da Segurança Social não constitui violação de qualquer norma imperativa, apenas podendo, quanto muito, traduzir violação de uma norma procedimental (sem que, no entanto, apenas com fundamento nessa falta de autorização, se possa afirmar inexistir salvaguarda dos créditos tributários e da indisponibilidade de que os mesmos beneficiam). Não acarreta, pois, qualquer ilegalidade do plano.
Consequentemente, mau grado a discordância da recorrente, e não obstante o teor do artigo 190.º, n.º 1 e 6 do CRCSPSS, tal incumprimento apenas consubstanciará um vício negligenciável para os efeitos previstos pelo artigo 215.º, já que não ocorre qualquer compressão do crédito tributário da recorrente.
Por outras palavras, o plano não contém qualquer medida que acarrete a produção de um resultado que a lei não autoriza, nem que interfira com a justa salvaguarda dos interesses/posição da Segurança social.
A isto acresce que igualmente não procedem os demais argumentos invocados no recurso, a saber:
- O argumento segundo o qual não terá sido demonstrado que as condições de regularização de dívida propostas no plano sejam indispensáveis para a viabilidade económica da empresa não pode proceder, não só em face do que resulta do processo, mas também pela circunstância de nem sequer ter a recorrente apelado ao disposto no n.º 3 do artigo 190.º do CRCSPSS. A isto acresce o teor do parecer do AJP – no qual este afirma que, para além de o plano apresentar “perspectivas razoáveis de evitar a insolvência e garantir a viabilidade da mesma”, será com tal plano “e com a reestruturação do passivo proposta, e com o projetado aumento da faturação atual” que a devedora “conseguirá cumprir as suas obrigações e liquidar as prestações mensais que se propôs” –, sendo que a apresentação a PER, e o facto de a devedora assumir que não consegue liquidar de imediato todas as suas dívidas, leva a que se conclua pela referida indispensabilidade (o que não deixa de ser corroborado pela posição dos credores que votaram, favoravelmente o plano, entre os quais se encontram a Autoridade Tributária e o Instituto de Emprego e Formação Profissional);
- Já o argumento segundo o qual a devedora não terá trabalhadores, mas apenas “um membro do órgão estatutário vinculado ao Sistema de Segurança Social”, o que, defende, indiciará estar a mesma inactiva, também não pode ser valorado nos moldes pretendidos, tanto mais que, como a recorrente não deixa de reconhecer, quando necessário, há recurso à subcontratação;
- Quanto ao modo através do qual a devedora irá fazer face à dívida, contrapõe a recorrente não estar demonstrado como aquela irá obter receita. Porém, consta do plano que o fará através da “procura de novos clientes e (…) injecção de capitais próprios da Gerente”. Por seu turno, no parecer que apresentou, o AJP afirma ter-lhe já sido apresentada uma listagem de novos clientes, bem como existirem já diversos projetos que, a concretizarem-se, libertarão “fluxos (…) suficientes para cobrir as necessidades de tesouraria”.
- E, contrariamente ao invocado pela recorrente, não obstante o objecto social da devedora abarque diversas actividades, como também consta do plano, a mesma “sempre desenvolveu a sua actividade na realização de eventos”, pelo que o facto de não possuir outros trabalhadores, não obsta a que cumpra com a actividade a que realmente se dedica (subcontratando quando necessário);
- Por fim, sendo certo que, no plano, se faz menção a uma sociedade distinta da devedora (o que sucede por uma única vez, a fls. 6, onde se pode ler o nome “A Título Genuíno Lda”), trata-se de um evidente lapso, sem quaisquer consequências, porquanto assim decorre da leitura do mesmo plano, na sua globalidade. Seja como for, nunca tal menção constituiria fundamento para obstar à homologação do plano, mas apenas seria motivo de rectificação nessa parte.
Conclui-se, assim, pela eficácia do plano homologado também com relação à recorrente e, por maioria de razão, carece de justificação a pretensão de que deveria ter sido recusada a sua homologação.
O entendimento agora defendido já o foi no âmbito dos acórdãos de 17/05/2024 (Proc. n.º 919/23.0T8BRR-B.L1, ao que se julga não publicado), de 22/02/2022 (Proc. n.º 10646/21.8T8LSB-A.L1)[17] e de 25/02/2025 (Proc. n.º 22595/23.0T8LSB-A.L1), todos da mesma relatora.
Como nota final, dir-se-á que não se ignora não ser este o entendimento maioritário do STJ. Quanto a essa posição remete-se para o defendido no acórdão desta Secção de 01/10/2024[18], parcialmente transcrito no já citado acórdão proferido 25/02/2025 (Proc. n.º 22595/23.0T8LSB-A.L1), pelos que nos dispensamos de reproduzir.
Não se poderá, contudo, deixar de referir o que, mesmo esta superior instância, não deixou de realçar no acórdão do STJ de 27/05/2025 (proferido no âmbito do Proc. n.º 22595/23.0T8LSB-A.L1.S1, relatora Maria Rosário Gonçalves), a saber: “o plano aprovado, não obstante, não ter reduzido o crédito da Segurança Social e de ter estipulado o pagamento em 72 prestações, ou seja, dentro do limite máximo de 150 prestações (…), o certo é que, contra a vontade expressa do recorrente, dilatou no tempo, o inerente pagamento, o que na realidade traduz uma restrição de satisfação do crédito. Como se escreveu no Ac. do STJ. de 9-3-2021, in www.dgsi.pt. «Haverá modificação do crédito quando se estabeleçam alterações substanciais à morfologia do crédito, de modo a que a relação jurídico-creditícia fique algo distante das condições inicialmente contratualizadas, seja através da estipulação de expressivas moratórias ou de planos prestacionais prolongados no tempo, seja através da abolição ou abrupta redução da taxa de juros, seja através da eliminação ou atenuação das garantias». Com efeito, um pagamento em 72 prestações, implica seis anos para satisfação do valor do crédito em causa, o que não será de todo despiciendo” (sublinhado nosso).
Ora, no presente caso, o plano prevê um pagamento de 24 prestações mensais, vencendo-se a primeira até ao final do mês seguinte ao da votação do mesmo (logo, ainda na pendência do PER). Não ocorre, pois, qualquer alteração substancial à morfologia do crédito, nem se está em face de um plano prestacional que se possa considerar excessivo quanto ao hiato temporal previsto para o pagamento.
Em face de tudo o que se deixou consignado, não poderá proceder a presente apelação, confirmando-se a homologação e eficácia do plano de revitalização, inclusive quanto ao crédito da Segurança Social.
***
V - DECISÃO
Pelo exposto, as Juízas desta Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa, acordam em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Lisboa, 14 de Outubro de 2025
Renata Linhares de Castro
Susana Santos Silva
Amélia Sofia Rebelo
_______________________________________________________ [1] Diploma ao qual nos estaremos a referir sempre que for citado um artigo sem referência à respectiva fonte. [2] Dessa lista constam créditos no montante global de 124.059,25€, dos quais 11.119,41€ foram qualificados como créditos privilegiados (titulados pela Fazenda Nacional – Autoridade Tributária, pelo Instituto da Segurança Social e pelo Instituto do Emprego e da Formação Profissional), sendo os demais créditos comuns. Inexistem créditos subordinados. [3] O n.º 2 do artigo 196.º elenca as entidades que não podem ser afectadas pelas medidas propostas/aprovadas, sendo que aí não é mencionado o Estado. [4] Estatui o n.º 1 do artigo 216.º: “O juiz recusa ainda a homologação se tal lhe for solicitado pelo devedor, caso este não seja o proponente e tiver manifestado nos autos a sua oposição, anteriormente à aprovação do plano de insolvência, ou por algum credor ou sócio, associado ou membro do devedor cuja oposição haja sido comunicada nos mesmos termos, contanto que o requerente demonstre em termos plausíveis, em alternativa, que: a) A sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, designadamente face à situação resultante de acordo já celebrado em procedimento extrajudicial de regularização de dívidas; b) O plano proporciona a algum credor um valor económico superior ao montante nominal dos seus créditos sobre a insolvência, acrescido do valor das eventuais contribuições que ele deva prestar.“ [5]Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, 3.ª Edição, 2015, págs. 781/782. [6] Ocorre violação do princípio da igualdade quando o plano prevê um tratamento desfavorável de um ou mais credores face aos demais e sem que tal medida (tratamento diferenciado) esteja assente em razões objectivas. No caso, o crédito da recorrente mereceu o mesmo tratamento concedido ao crédito do Instituto do Emprego e da Formação Profissional e até um tratamento mais favorável com relação ao foi concedido ao crédito da Fazenda Nacional/Autoridade Tributária. Assim, para além de não ter sido invocada, nenhuma violação ocorreu com relação ao previsto no artigo 194.º do CIRE. [7] Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98 de 17/12, diploma este aplicável aos créditos da Segurança Social por força da alínea a) do artigo 3.º do CRCSPSS. [8] Como refere ALEXANDRE SOVERAL MARTINS, Um Curso de Direito da Insolvência, Almedina, 2015, págs. 412/413, “O aditamento do nº 3 referido (ao artigo 30º da Lei Geral Tributária) visava, designadamente, enfrentar as dúvidas que até aí surgiam acerca da relação entre o CIRE, a LGT, o CPPT, e o regime da regularização das dívidas à segurança social. Com efeito, a jurisprudência mostrava-se dividida quanto à possibilidade de o plano de insolvência, porque previsto em lei especial, afastar o regime contido em normas imperativas da legislação referida. O artigo 30º, nº 3, da LGT não permite agora dizer que as soluções previstas no plano prevaleceriam sobre a legislação fiscal”. [9] Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 110/2009, 16/09. [10] Para além de serem indisponíveis, os créditos tributários são irrenunciáveis – artigo 60.º do CPPT -, apenas sendo possível conceder perdões e/ou moratórias nas situações legalmente previstas (mesmo que tais medidas se mostrem imprescindíveis à recuperação do devedor).
Como refere SARA LUÍS DIAS, O Crédito Tributário no Processo de Insolvência e nos Processos Judiciais de Recuperação, Almedina, 2021, pág. 46, “não pode a AT estabelecer qualquer tipo de negociação com os contribuintes e afetar o seu crédito, devendo cingir a sua atuação ao que estiver legalmente disposto. Só o legislador pode definir as situações em que tal tratamento aparentemente ´desigual´, refletido na concessão de perdões e/ou moratórias dos seus créditos, se pode verificar, só ele está habilitado a fixar as condições em que deva acontecer a modificação e/ou extinção da obrigação fiscal”. [11] Neste sentido, vide o acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15/12/2011 (Proc. n.º 467/09.1TYVNG-Q.P1.S1, relator Silva Gonçalves) e de 10/05/2012 (Proc. n.º 368/10.0TBPVL-D.G1.S1, relator Álvaro Rodrigues). [12] SUZANA TAVARES DA SILVA e MARTA COSTA SANTOS, Os créditos fiscais nos processos de insolvência: reflexões críticas e revisão da jurisprudência, Janeiro/2015, disponível para consulta in https://estudogeral.sib.uc.pt/jspui/bitstream/10316/24784/1/STS_MCS%20insolvencia.pdf [13] Caso contrário, dificilmente se conseguiria compatibilizar a protecção dos créditos tributários com a efectiva e eficaz prossecução das finalidades do CIRE, bem como dar cumprimento às obrigações a que o Estado se vinculou no Memorando de entendimento sobre condicionalismos específicos de política económica, de 17/05/2011, onde se consigna expressamente que “as autoridades tomarão também as medidas necessárias para autorizar a administração fiscal e a segurança social a utilizar uma maior variedade de instrumentos de reestruturação baseados em critérios claramente definidos nos casos em que os credores tenham aceite a reestruturação dos seus créditos, e para rever a lei tributária com vista à remoção de impedimentos à restruturação voluntária das dívidas”.
Por pertinente, veja-se a posição de CATARINA SERRA, Processo Especial de Revitalização - contributos para uma “rectificação”, Revista da Ordem dos Advogados, nº 72, Abril/Setembro, 2012, pág. 740, onde se defende uma interpretação restritiva das normas tributárias com fundamento na teleologia subjacente ao PER e na unidade do sistema jurídico - “a regra de que havendo contradição entre o que resulta da interpretação do texto expresso de uma norma jurídica e aquilo que resulta do silêncio de outra se resolve com a sobreposição da primeira à segunda não deve ser mantida quando acarrete uma desconsideração da teleologia que está subjacente a esta e outras perturbações intoleráveis para a harmonia do sistema jurídico”. [14] Nesse sentido, veja-se SARA LUÍS DIAS, obra citada, pág. 167: “a aprovação e consequente homologação de planos de recuperação que alterem ou condicionem o crédito tributário para além dos limites previstos na lei tributária afeta o princípio da indisponibilidade do crédito tributário (e o interesse público e colectivo que lhe está subjacente), o qual, conforme vimos, impossibilita a AT de, livremente, aceitar e/ou aderir a medidas que, mesmo imprescindíveis e favoráveis à recuperação do insolvente, impliquem uma redução ou extinção dos seus créditos”. [15] Proc. n.º 475/24.2T8VPV.L1, relatora Amélia Sofia Rebelo. [16] Decreto que procedeu à regulamentação do CRCSPSS. [17] Para o qual se remete para efeitos da jurisprudência e doutrina que no mesmo se mostram citados, designadamente, designadamente dos acórdãos da Relação de Lisboa de 22/09/2020, da Relação de Coimbra de 24/09/2013 e de 01/10/2013, da Relação de Guimarães de 11/07/2013 e do STJ de 18/02/2014 e de 24/03/2015, aos quais se aditam o da Relação de Coimbra de 26/04/2022 (Proc. n.º 840/21.7T8ACB.C1, relatora Maria João Areias) e desta Secção de 04/07/2023 (Proc. n.º 11886/22.8T8LSB.L1-1, relatora Maria Manuela Espadaneira); bem como ANA PAULA BOULAROT, publicação Julgar, n.º 31, Janeiro-Abril de 2017 - Apontamentos sobre os efeitos do processo especial de recuperação -, disponível em http://julgar.pt.; CATARINA SERRA, O Regime Português da Insolvência, 5.ª edição, 149 e segs; L. M. PESTANA DE VASCONCELOS, Recuperação de Empresas: o Processo de Revitalização, págs. 135 e segs. [18] Acórdão proferido no âmbito do Proc. n.º 11271/23.4T8LSB.L1-1, relatora Ana Rute da Costa Pereira.