PLATAFORMA DIGITAL
INTERMEDIÁRIO
PRESUNÇÃO DE LABORALIDADE
ANULAÇÃO
Sumário

Sumário:
I – Para a tarefa de qualificação contratual no âmbito das plataformas digitais é essencial conhecer o circunstancialismo factual em que se firmaram e desenvolveram as eventuais relações entre as partes e vg., perceber com a maior exactidão possível os termos em que os estafetas são retribuídos e a entidade que, afinal, fixa a contrapartida devida pela sua actividade.
II – Para ilidir a presunção de laboralidade prevista no artigo 12.º-A do CT, em lugar de provar a autonomia, a plataforma digital pode invocar que a entidade contratante do prestador de atividade é um intermediário, isto é, uma “pessoa singular ou coletiva que atue como intermediário da plataforma digital para disponibilizar os serviços através dos respetivos trabalhadores” (n.° 5, do artigo 12.º-A).
III – Em tal hipótese, ou caso o próprio prestador de atividade alegue que é um trabalhador subordinado ao serviço do referido intermediário, cabe ao tribunal determinar nos termos do n.º 6 do preceito, quem é o empregador (o intermediário ou a plataforma), e a presunção de laboralidade será aplicável “com as necessárias adaptações”.
IV – Se na decisão de facto da sentença se dão como provados factos cujo sentido não é possível apreender por serem, entre si, dificilmente conciliáveis, deverá o vício da obscuridade e contradição ser sanado em conformidade com o regime do art. 662.º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Civil.

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório
1.1. O MINISTÉRIO PÚBLICO instaurou três acções de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, contra UBER EATS PORTUGAL, UNIPESSOAL, LDA., pedindo em cada uma delas, respectivamente, que seja reconhecida a existência de um contrato de trabalho entre a Ré e AA, entre a Ré e BB e entre a Ré e CC, nos três casos com início em 01 de Maio de 2023, e por tempo indeterminado.
Como fundamento dos pedidos formulados em cada uma delas, o Ministério Público alegou, em muito breve síntese: que a Ré celebrou com as pessoas acima identificadas contratos de trabalho para a realização da atividade de estafetas; que a Ré explora uma plataforma tecnológica que actua como intermediária na entrega de produtos encomendados a estabelecimentos comerciais, definindo a Ré os termos e condições de utilização da plataforma, designadamente de utilização pelos estafetas que procedem à entrega dos produtos aos clientes; que os três estafetas cumpriam os termos e condições definidos pela Ré, assim como os procedimentos de recolha e entrega dos produtos, sendo controlados em tempo real através de GPS e remunerados com o valor da taxa de entrega fixado unilateralmente pela Ré, que também exercia o poder de direcção.
Citada a R., esta apresentou contestação em cada uma das acções. Aí invocou, também em suma: que deve ser desaplicada a norma constante do artigo 32º, nº 3 da Lei nº 13/2023, de 03 de Abril, por via da qual a ACT cumpriu uma ordem inconstitucional que lhe foi dirigida pela Assembleia da República; que a conduta da ACT de emissão de um total de 466 autos de inadequação do vínculo contratual e notificação para resposta da Ré, em dez dias, violou o seu direito ao contraditório, o que tem como consequência a anulabilidade da participação efetuada pela ACT aos Serviços do Ministério Público e a absolvição da Ré da instância; que não se aplica a presunção estabelecida no artigo 12º-A do Código do Trabalho, por as alegadas relações contratuais em causa se iniciarem antes da sua entrada em vigor; que não se aplica o artigo 12º do mesmo Código por não terem sido alegados factos que permitam preencher os indícios de laboralidade previstos naquele preceito; que os três estafetas exercem a atividade na plataforma através de um parceiro de frota, não tendo a Ré qualquer intervenção na relação contratual acordada entre o parceiro de frota (intermediário) e o prestador de atividade (estafeta), relação cujos termos desconhece; que nunca pagou qualquer montante aos estafetas, sendo o parceiro de frota que lhes paga os montantes acordados entre ambos; que não se verificam as características de contrato de trabalho elencadas nas alíneas do nº 1 do artigo 12º-A do Código; que não fixa a retribuição dos prestadores de atividade, não lhes impõe quaisquer regras de procedimento, nem estabelece prazos para cumprimento das entregas, nem determina rotas, tendo os prestadores total liberdade quanto à organização do trabalho, quanto à forma como se apresentam e quanto aos símbolos/marcas que exibem, não sendo a sua atividade controlada ou supervisionada por nenhum meio, designadamente, através de equipamentos de geolocalização, e desenvolvendo os prestadores a sua actividade com total autonomia, pelo que deve ser absolvida dos pedidos.
Notificado o Ministério Público para se pronunciar quanto às excepções suscitadas, pugnou o mesmo pela sua improcedência.
Por despacho de 2024.05.29, foi determinada nestes autos a apensação das três ações.
Foi proferido despacho saneador, no qual se relegou a apreciação das excepções para a decisão final.
Notificados os indigitados trabalhadores, nos termos e para os efeitos do n.º 4 do art. 186.º L do CPT, nenhuma posição assumiram neste processo.
Os autos prosseguiram os seus termos, designando-se data para realização da audiência de discussão e julgamento, à qual se procedeu, vindo a ser proferida em 11 de Abril de 2025 sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a R. dos pedidos de reconhecimento da existência de contratos de trabalho com AA, BB e CC. Fixou ainda o valor da acção em € 30.000,01.
1.2. O Ministério Público, inconformado, interpôs recurso desta decisão e terminou as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
I - O Ministério Público não se conformando com a decisão proferida por entender, conforme ab initio entendeu, que a relação existente entre a Ré “UBER EATS PORTUGAL, UNIPESSOAL, LDA.” e AA, BB CC configura uma relação laboral, o que aliás se mostra espelhados nos elementos de prova colhidos e produzidos nos autos.
II - Na petição inicial desta ARECT apenas é pedido o reconhecimento da existência de contratos de trabalho, a partir de 1 de Maio de 2023.
III – O referido pedido baliza o reconhecimento da existência do contrato de trabalho dos estafetas, fazendo-o coincidir com a data de entrada em vigor da citada disposição legal aditada ao Código do Trabalho, ou seja, 1 de Maio de 2023, precisamente, porque a presunção daí resultante deve abranger os contratos celebrados antes do artigo 12º -A do Código do Trabalho ter entrado em vigor, desde que as relações jurídicas ainda subsistiam àquela data.
IV – Não sendo ressalvado no art. 35º, nº1 da Lei nº 13/2023, de 3 de Abril, que esta não se aplicará às relações laborais já existentes entre os estafetas e as plataformas digitais, então será naturalmente aplicável a tais relações laborais, desde o momento em que entra em vigor.
V - Quanto à titularidade dos meios de produção ou dos instrumentos de trabalho: Resulta verificado este indício, pois o software gerido pela Ré, é a pedra basilar de toda a estrutura, quer da própria Ré, quer de todo o trabalho desenvolvidos pelos estafetas e, afastar tal presunção com base na propriedade do telemóvel, meio de transporte utilizado pelo estafeta e mochila térmica, salvo o devido respeito, desvirtua a forma como é desenvolvida a actividade, não podendo tais instrumentos ser colocados coo instrumentos de trabalho no mesmo patamar que a própria plataforma ou software.
VI - O poder de direção e de conformação do modo como é prestada a atividade: Sem dúvida é a Ré que, através da sua aplicação informática, organiza e gere a atividade de recolha, transporte e entrega de mercadorias, determinando o ponto de entrega e de recolha da mercadoria, cabendo ao estafeta seguir o determinado pela Ré.
VII - O exercício do poder sancionatório: Resulta também verificado, entre outros motivos pelo facto plataforma pode restringir o acesso à aplicação, ou mesmo desativar a conta em definitivo, no caso de suspeita de violação das obrigações assumidas pelo estafeta.
VIII - O modo de cálculo da retribuição: É unilateralmente determinado pela Ré, através das regras essenciais da plataforma fixar o valor dos montantes a pagar por entrega ao estafeta, sendo indiferente a faculdade do estafeta “filtrar” as ofertas, aceitando ou não os pedidos que surgem no ecrã, em nada altera o facto de ser a Ré a fixar os valores.
IX - No artigo 12º-A do Código do Trabalho, o legislador estabeleceu uma presunção de laboralidade, que tem por objetivo dispensar o encargo do ónus da prova que em outro caso impenderia sobre o trabalhador.
X- O preenchimento da presunção de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital, depende da verificação de, pelo menos dois requisitos elencados no art. 12º-A do Código do Trabalho, os quais em concreto se mostram verificados.
XI – É a subordinação jurídica, que caracteriza o contrato de trabalho, é o elemento típico deste contrato que permite distingui-lo, quer do contrato de prestação de serviços, quer de outros contratos afins e, decorre do poder de direcção que a lei confere à entidade empregadora (art.º 97.º CT/09) e a que corresponde um dever de obediência por parte do trabalhador (art.º 128.º / 1 al. e) e 2, CT/09).
XII - In casu, face ao conjunto da prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, conjugada com o teor da prova documental junta aos autos, analisada de forma crítica e conjugada, de acordo com as máximas de experiência comum, nos termos do consagrado no artigo 607.º do Código de Processo Civil, ex vi art. 49º, n.º 2, do Código de Processo de Trbalho, forçoso é concluirque se encontram preenchidas as presunções de laboralidade previstas nas alíneas a), b), c) e d) do n.º 1 e n.º 2 do artigo 12º- A, do Código do Trabalho,
XIII – Apenas por cautela de patrocínio se admite que, afastada a aplicação do art. 12º-A do Código do Trabalho, se pudesse aplicaro artigo 12.º do Código do Trabalho. Porém, na sentença ora recorrida, a Mma. Juiz, também afastou o seu preenchimento.
XIV - A atividade dos estafetas é realizada em local pertencente à Ré ou por ela determinado? Sim, indubitavelmente, sim, já que é a Ré que estipula o local de recolha e de entrega, encontrando-se o estafeta adstrito a estes dois pontos de início e termo da tarefa determinada - alínea a), do nº 1, do artigo 12º do Código do Trabalho.
XV - Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados são pertença da Ré? Sim. Na realidade o principal instrumento de trabalho, sem o qual nada se desenvolveria, é o software pertencente à Ré e por esta gerido unilateralmente -alínea b), do nº 1, do artigo 12º do Código do Trabalho.
XVI - Os estafetas observam horas de início e de termo da prestação determinadas pela Ré ? Sim, desde que aceitam a entrega a Ré controla o tempo que o estafeta leva a concretizá-la, através do GPS inserido na plataforma - alínea c), do nº 1 do artigo 12º do Código do Trabalho.
XVII - Foi paga pela Ré aos estafetas, com periodicidade, uma quantia certa, como contrapartida da atividade prestada ? Os estafetas recebiam, como contrapartida da sua atividade, um valor por cada pedido/entrega efetuada. Estes valores foram fixados unilateralmente pela Ré e foram pagos mediante transferência bancária para contas bancárias tituladas pelos estafetas - alínea d), do nº 1, do artigo 12º do Código do Trabalho.
XVIII – Resulta ainda dos autos que o estafeta não dispõe de uma organização empresarial própria e autónoma, prestando os seus serviços enxertados na organização de trabalho da Ré, submetidos à sua direção e organização, como demonstra o modo como a Ré estabelece os preços dos serviços de entrega.
XIX - Do conjunto da prova produzida, forçoso é concluir que se logrou provar a base das presunções de laboralidade previstas no art. 12º do Código do Trabalho.
Pelo exposto, deve a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo ser revogada e substituída por outra, ou por Douto Acórdão, que declare a existência do presumido e, em concreto, provado pelo Ministério Público, aqui recorrente, contratodetrabalhoentre a Ré e AA, BB e CC, desde 1 de Maio de 2023, desta forma se fazendo JUSTIÇA!.”
1.3. A R. apresentou contra-alegações ao recurso, nas quais defende dever ser negado provimento ao recurso interposto pelo recorrente, com a confirmação da sentença recorrida.
1.4. O recurso foi admitido.
1.5. Colhidos os vistos e realizada a Conferência, cumpre decidir.
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2. Objecto do recurso
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Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigo 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil – ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal consistem em saber
1.ª – se entre a recorrida e:
• AA,
• BB e
• CC,
se firmaram relações jurídicas de natureza laboral;
2.ª – em caso afirmativo, desde quando devem as mesmas ser reconhecidas.
Mostram-se definitivamente decididas, por a inerente decisão não ter sido impugnada em via de recurso – ou de uma ampliação do seu âmbito –, a excepção relacionada com a pretendida desaplicação da norma constante do artigo 32º, nº 3 da Lei nº 13/2023, de 03 de Abril (por via da qual a ACT teria cumprido uma ordem que lhe foi dirigida pela Assembleia da República, estando ferida de inconstitucinalidade) e a excepção dilatória atípica “derivada da anulabilidade da participação efetuada pela ACT aos Serviços do Ministério Público” por “preterição do direito de pronúncia da Ré”, no sentido do seu não conhecimento e improcedência, respectivamente.
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3. Fundamentação
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3.1. A sentença da 1.ª instância emitiu a seguinte decisão de facto:
«Com relevância e interesse para a apreciação e decisão do mérito da causa resultaram provados os seguintes factos:
A) Factos comuns aos três processos (das petições iniciais)
1) A Ré tem como objeto social inscrito o de “prestação de serviços de geração de potenciais clientes a pedido, gestão de pagamentos; actividades relacionadas com a organização e gestão de sites, aplicações on-line e plataformas digitais, processamento de pagamentos e outros serviços relacionados com restauração; consultoria, concepção e produção de publicidade e marketing; aquisição de serviços de entrega a parceiros de entrega e venda de serviços de entrega a clientes finais”.
2) Na prossecução da sua atividade, a Ré desenvolve, administra e mantém a plataforma tecnológica Uber Eats, que é uma plataforma informática de entregas de bens e produtos, incluindo de refeições, mediante utilização da internet e aplicação informática, criada, desenvolvida e administrada por si para esse efeito.
3) Através da referida plataforma efetua a gestão de um negócio no âmbito do qual certos estabelecimentos comerciais disponibilizam os seus produtos e, quando solicitados pelos utilizadores clientes, através de uma aplicação móvel (app) ou através da internet, diligencia pela entrega dos produtos adquiridos por estes àqueles.
4) Para efetuar a recolha dos produtos nos estabelecimentos comerciais aderentes e realizar o transporte e a entrega desses produtos aos utilizadores clientes, a Ré utiliza os serviços de estafetas que se encontram registados na sua plataforma para esse efeito.
5) Assim, a Ré faz a ligação entre os diferentes utilizadores da plataforma, a saber:
- os utilizadores parceiros (estabelecimentos comerciais, como restaurantes, por exemplo);
- os utilizadores estafetas; e
- os utilizadores clientes.
6) A “Uber Portier, B.V.” (com sede em Mr. Treublaan 7, 1097 DP, Amesterdão, Países Baixos), é a única sócia da Ré “Uber Eats Portugal Unipessoal, Lda.” e é a entidade que fornece o acesso à aplicação (App) UBER EATS e ao software, websites e aos vários serviços de suporte da plataforma UBER EATS.
Quanto a AA
7) No dia 15 de setembro de 2023, pelas 12:40, AA, encontrava-se junto ao estabelecimento de restauração denominado Macdonald`s da Malveira, sito na Estrada nacional 8, Malveira, no exercício das funções de estafeta, quando foi identificado por inspetores da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT).
8) AA, NIF ..., nascido a …-…-1982, residente na Rua 1., ... Milharado, com o telemóvel nº ... e email: ..., presta a referida atividade de estafeta para a plataforma UBBER EATS, pelo menos, desde 02 de abril de 2023, quando recebeu o primeiro pedido de entrega.
9) AA realiza a referida atividade de estafeta, mediante pagamento, entregando refeições e outros produtos, na área da Malveira, conforme pedidos/tarefas que lhe são distribuídos através da plataforma UBBER EATS, na qual se encontra registado com a referida conta de email, e à qual acede através da aplicação (App) que tem instalada no seu telemóvel/smartphone.
10) Os termos e condições de utilização da plataforma UBER EATS para estafetas constam do documento junto aos autos pela Ré (“Contrato de Parceiro de Entregas do Parceiro de Frota”).
11) Para iniciar a prestação do serviço na plataforma UBER EATS, AA teve que se registar e criar uma conta naquela plataforma, a qual se comprometeu a manter atualizada e ativa, declarando reunir as obrigações estabelecidas e previstas no referido “Contrato de Parceiro de Entregas do Parceiro de Frota”, tendo, designadamente, que preencher os requisitos previstos no ponto 5. (“As suas obrigações”).
12) AA enviou a documentação exigida online.
13) Para se poder registar e exercer as referidas funções de estafeta, AA tinha designadamente que ter atividade iniciada na Administração Tributária, ter veículo próprio (mota, carro ou trotinete/bicicleta), possuir um telemóvel (smartphone) e uma mochila para transporte dos bens.
14) No momento da abordagem pelos elementos da ACT, AA encontrava-se equipado com a mochila necessária para o transporte de refeições, tinha veículo próprio para transportar as encomendas e tinha a aplicação (App) da plataforma UBER EATS instalada e ativa no seu smartphone.
15) Para que lhe sejam distribuídas tarefas/pedidos na plataforma UBER EATS, AA tem que aceder ao seu “perfil da conta” na aplicação UBER EATS, através do nome de utilizador por si escolhido bem como do respetivo código de segurança.
16) O perfil de AA deve estar atualizado com a sua foto de perfil, podendo a UBER EATS pedir a apresentação de prova da sua identidade mediante reconhecimento facial efetuado através do telemóvel, o que faz.
17) Assim, conforme determinado pela Ré, através da plataforma digital UBER EATS, AA inicia a sessão nessa plataforma mediante login com credenciais atribuídas para o efeito.
18) Só quando efetua o login na plataforma é que lhe são apresentadas possibilidades de entregas de bens e produtos.
19) É a partir do login que se inicia a jornada diária de trabalho de AA, mediante o acionamento do botão de “disponibilidade”.
20) Foi ainda acordado com a Ré que AA prestaria a sua atividade em período temporal por si escolhido.
21) À data da intervenção dos inspetores da ACT, AA trabalhava num posto de combustível das 9h às 18h, com pausa para almoço.
22) AA prestava a sua atividade de estafeta com uma periodicidade não apurada, distribuindo refeições de almoço, de jantar e outras, sendo que a decisão de fazer login ou logout na aplicação só a si competia.
23) As funções desempenhadas por AA consistiam na recolha dos bens nos estabelecimentos aderentes (restaurantes, supermercados, lojas, etc.), transportando esses produtos até ao cliente final.
24) O estabelecimento, o tipo de pedido, o valor do serviço, o cliente final e a morada de entrega são indicados ao estafeta pela plataforma UBER EATS através da referida aplicação que aquele deve consultar no telemóvel/smartphone.
25) Quando aceita uma proposta de entrega da UBER EATS, o estafeta concorda em prestar aquele serviço de entrega em troca do pagamento da taxa de entrega proposta na aplicação.
26) A plataforma determina os procedimentos que AA tem de seguir na recolha e entrega dos produtos, nomeadamente, como utilizar a aplicação Uber Eats dando-lhe instruções sobre o momento em que deve introduzir a informação sobre a recolha/entrega que está a realizar (por exemplo, quando chega ao Ponto de Recolha, carrega no botão “Cheguei”).
27) A localização exata do estafeta é conhecida pela plataforma UBER EATS através do sistema de geolocalização.
28) O estafeta deve ter a localização ativa no telemóvel enquanto utiliza a aplicação UBER EATS, selecionando a opção “Permitir sempre a localização”, informação que permanece visível para a Ré e para os clientes.
29) Se os estafetas não tiverem o GPS ligado a aplicação não funciona, uma vez que é o GPS que permite à plataforma apresentar-lhes propostas de entregas tendo em consideração a sua localização e a proximidade com o ponto de recolha.
30) O estafeta e o estabelecimento que prepara o pedido vão introduzindo dados na aplicação de modo a permitir a monitorização de cada recolha, transporte e entrega.
31) A apresentação dos pedidos aos estafetas é determinada essencialmente em função do critério da distância entre aqueles, o estabelecimento e o consumidor.
32) AA recebia como contrapartida da sua atividade um valor por cada pedido/entrega efetuada, não recebendo qualquer valor pelo tempo de espera entre a conclusão de uma entrega e a aceitação de novo pedido.
33) É a Ré quem fixa o valor dos preços cobrados aos clientes da plataforma pelo serviço prestado, sem prejuízo de a taxa mínima por quilómetro poder ser ajustada pelos estafetas.
34) O serviço feito pelo identificado estafeta foi sempre feito conforme instruções e indicações precisas sobre o modo e quais os locais concretos comunicados aquele.
35) Como contrapartida das tarefas executadas, AA auferia valores pagos mediante transferência bancária para conta bancária por si titulada.
36) Após cumprimento da entrega do pedido pelo estafeta ao cliente final, o estafeta está obrigado a proceder ao registo da entrega na plataforma da Ré.
37) No “Contrato de Parceiro de Entregas de Parceiro de Frota” estão previstas várias situações que podem determinar a desativação temporária ou permanente da conta do prestador de atividade, designadamente nas situações enumeradas na alínea b) do ponto 9. (“Acesso à App”): -“no caso de uma alegada violação das obrigações do Parceiro de Entregas Independente (Cláusula 5. supra), incluindo quando recebemos uma reclamação de segurança ou potencial incumprimento das leis e regulamentos aplicáveis, bem como dos costumes locais e boas práticas, ou sempre que necessário para a proteção de terceiros, ou cumprimento da legislação aplicável, ou decorrente de ordem judicial ou administrativa, temos o direito de restringir o Seu acesso à, e utilização da App. Se o fizermos, será notificado por escrito das razões para tal restrição. (…)”.
38) Resulta do “Contrato de Parceiro de Entregas de Parceiro de Frota”, que estão previstas várias situações que podem determinar a desativação temporária ou permanente da conta do prestador de atividade, como resulta do ponto 14., alínea b) (“Resolução”), do qual se apura que a Uber Eats pode: - “resolver o contrato a qualquer momento, mediante notificação prévia, por escrito, com 30 (trinta) dias de antecedência, salvo nas seguintes situações, nas quais, este período de aviso prévio não se aplica: (i) se estivermos sujeitos a uma obrigação legal ou regulamentar que nos obrigue a terminar a sua utilização da App ou dos nossos serviços em prazo inferior a 30 (trinta) dias; (ii) se o Parceiro de Entregas tiver infringido o presente Contrato; ou (iii) mediante denúncia de que o Parceiro de Entregas tenha agido de forma não segura ou violou este Contrato ou legislação em conexão com a prestação de serviços de entrega; (iv) o Seu comportamento equivale a fraude (atividade fraudulenta pode incluir, mas não está limitada a, as seguintes ações: partilhar sua conta com terceiros não autorizados; aceitar propostas sem intenção de as entregar; induzir utilizadores a cancelar os Seus pedidos; criar contas falsas para fins fraudulentos; solicitar reembolso de taxas não geradas; solicitar, executar ou confirmar intencionalmente a disponibilidade de propostas fraudulentas; interromper o funcionamento das aplicações e do GPS da Uber, como alterar as configurações do telefone; fazer uso indevido de promoções ou para fins diferentes dos pretendidos; contestar cobranças por motivos fraudulentos ou ilegítimos; criar contas duplicadas; fornecer informações falsas ou documentos falsificados); ou (iv) se estivermos a exercer um direito de resolução por um motivo imperativo nos termos da lei aplicável, que pode incluir situações em que o Parceiro de Entregas já não se qualifique, nos termos deste Contrato, da legislação aplicável ou regulamentos, ou das normas e políticas da Uber Eats e das suas Afiliadas (…)”.
39) A Ré celebrou com a Companhia de Seguros “Allianz Care”, um contrato de seguro de responsabilidade emergente de acidente de trabalho a favor de AA, ao qual coube o respetivo número de apólice.
40) AA não utiliza a plataforma UBBER EATS há cerca de 6/7 meses – facto apurado em sede de audiência de julgamento.
Quanto a BB
41) No dia 20 de setembro de 2023, pelas 12:43, BB, encontrava-se junto ao estabelecimento de restauração denominado Burguer King de Mafra Malveira, sito na Rua Almirante gago Coutinho, 7, Mafra, no exercício das funções de estafeta, quando foi identificado por inspetores da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT).
42) BB, com o CC ..., residente na Rua 2, Mafra, com o telemóvel nº ... e endereço de email: ..., presta a referida atividade de estafeta para a plataforma UBBER EATS, pelo menos, desde 02 de abril de 2023, quando recebeu o primeiro pedido de entrega.
43) BB realiza a referida atividade de estafeta, mediante pagamento, entregando refeições e outros produtos, na área de Mafra, conforme pedidos/tarefas que lhe são distribuídos através da plataforma UBBER EATS, na qual se encontra registado com a referida conta de email, e à qual acede através da aplicação (App) que tem instalada no seu telemóvel/smartphone.
44) Os termos e condições de utilização da plataforma UBER EATS para estafetas constam do documento junto aos autos pela Ré (“Contrato de Parceiro de Entregas do Parceiro de Frota”).
45) Para iniciar a prestação do serviço na plataforma UBER EATS, BB teve que se registar e criar uma conta naquela plataforma, a qual se comprometeu a manter atualizada e ativa, declarando reunir as obrigações estabelecidas e previstas no referido “Contrato de Parceiro de Entregas do Parceiro de Frota”, tendo, designadamente, que preencher os requisitos previstos no ponto 5. (“As suas obrigações”).
46) BB enviou a documentação exigida online.
47) Para se poder registar e exercer as referidas funções de estafeta, BB tinha designadamente que ter atividade iniciada na Administração Tributária, ter veículo próprio (mota, carro ou trotinete/bicicleta), possuir um telemóvel (smartphone) e uma mochila para transporte dos bens.
48) No momento da abordagem pelos elementos da ACT, BB encontrava-se equipado com a mochila necessária para o transporte de refeições, tinha veículo próprio para transportar as encomendas e tinha a aplicação (App) da plataforma UBER EATS instalada e ativa no seu smartphone.
49) Para que lhe sejam distribuídas tarefas/pedidos na plataforma UBER EATS, BB tem que aceder ao seu “perfil da conta” na aplicação UBER EATS, através do nome de utilizador por si escolhido bem como do respetivo código de segurança.
50) O perfil de BB deve estar atualizado com a sua foto de perfil, podendo a UBER EATS pedir a apresentação de prova da sua identidade mediante reconhecimento facial efetuado através do telemóvel, o que faz.
51) Assim, conforme determinado pela Ré, através da plataforma digital UBER EATS, BB inicia a sessão nessa plataforma mediante log in com credenciais atribuídas para o efeito.
52) Só quando efetua o login na plataforma é que lhe são apresentadas possibilidades de entregas de bens e produtos.
53) É a partir do login que se inicia a jornada diária de trabalho de BB, mediante o acionamento do botão de “disponibilidade”.
54) Foi ainda acordado com a Ré que BB prestaria a sua atividade em período temporal por si escolhido.
55) BB prestava a sua atividade de estafeta com uma periodicidade não apurada, distribuindo refeições de almoço, de jantar e outras, sendo que a decisão de fazer login ou logout na aplicação só a si competia.
56) As funções desempenhadas por BB consistiam na recolha dos bens nos estabelecimentos aderentes (restaurantes, supermercados, lojas, etc.), transportando esses produtos até ao cliente final.
57) O estabelecimento, o tipo de pedido, o valor do serviço, o cliente final e a morada de entrega são indicados ao estafeta pela plataforma UBER EATS através da referida aplicação que aquele deve consultar no telemóvel/smartphone.
58) Quando aceita uma proposta de entrega da UBER EATS, o estafeta concorda em prestar aquele serviço de entrega em troca do pagamento da taxa de entrega proposta na aplicação.
59) A plataforma determina os procedimentos que BB tem de seguir na recolha e entrega dos produtos, nomeadamente, como utilizar a aplicação Uber Eats dando-lhe instruções sobre o momento em que deve introduzir a informação sobre a recolha/entrega que está a realizar (por exemplo, quando chega ao Ponto de Recolha, carrega no botão “Cheguei”).
60) A localização exata do estafeta é conhecida pela plataforma UBER EATS através do sistema de geolocalização.
61) O estafeta deve ter a localização ativa no telemóvel enquanto utiliza a aplicação UBER EATS, selecionando a opção “Permitir sempre a localização”, informação que permanece visível para a Ré e para os clientes.
62) Se os estafetas não tiverem o GPS ligado a aplicação não funciona, uma vez que é o GPS que permite à plataforma apresentar-lhes propostas de entregas tendo em consideração a sua localização e a proximidade com o ponto de recolha.
63) O estafeta e o estabelecimento que prepara o pedido vão introduzindo dados na aplicação de modo a permitir a monitorização de cada recolha, transporte e entrega.
64) A apresentação dos pedidos aos estafetas é determinada essencialmente em função do critério da distância entre aqueles, o estabelecimento e o consumidor.
65) BB recebia como contrapartida da sua atividade um valor por cada pedido/entrega efetuada, não recebendo qualquer valor pelo tempo de espera entre a conclusão de uma entrega e a aceitação de novo pedido.
66) É a Ré quem fixa o valor dos preços cobrados aos clientes da plataforma pelo serviço prestado, sem prejuízo de a taxa mínima por quilómetro poder ser ajustada pelos estafetas.
67) O serviço feito pelo identificado estafeta foi sempre feito conforme instruções e indicações precisas sobre o modo e quais os locais concretos comunicados aquele.
68) Como contrapartida das tarefas executadas, BB auferia valores pagos mediante transferência bancária para conta bancária por si titulada.
69) Após cumprimento da entrega do pedido pelo estafeta ao cliente final, o estafeta está obrigado a proceder ao registo da entrega na plataforma da Ré.
70) No “Contrato de Parceiro de Entregas de Parceiro de Frota” estão previstas várias situações que podem determinar a desativação temporária ou permanente da conta do prestador de atividade, designadamente nas situações enumeradas na alínea b) do ponto 9. (“Acesso à App”): -“no caso de uma alegada violação das obrigações do Parceiro de Entregas Independente (Cláusula 5. supra), incluindo quando recebemos uma reclamação de segurança ou potencial incumprimento das leis e regulamentos aplicáveis, bem como dos costumes locais e boas práticas, ou sempre que necessário para a proteção de terceiros, ou cumprimento da legislação aplicável, ou decorrente de ordem judicial ou administrativa, temos o direito de restringir o Seu acesso à, e utilização da App. Se o fizermos, será notificado por escrito das razões para tal restrição. (…)”.
71) Resulta do “Contrato de Parceiro de Entregas de Parceiro de Frota”, que estão previstas várias situações que podem determinar a desativação temporária ou permanente da conta do prestador de atividade, como resulta do ponto 14., alínea b) (“Resolução”), do qual se apura que a Uber Eats pode: - “resolver o contrato a qualquer momento, mediante notificação prévia, por escrito, com 30 (trinta) dias de antecedência, salvo nas seguintes situações, nas quais, este período de aviso prévio não se aplica: (i) se estivermos sujeitos a uma obrigação legal ou regulamentar que nos obrigue a terminar a sua utilização da App ou dos nossos serviços em prazo inferior a 30 (trinta) dias; (ii) se o Parceiro de Entregas tiver infringido o presente Contrato; ou (iii) mediante denúncia de que o Parceiro de Entregas tenha agido de forma não segura ou violou este Contrato ou legislação em conexão com a prestação de serviços de entrega; (iv) o Seu comportamento equivale a fraude (atividade fraudulenta pode incluir, mas não está limitada a, as seguintes ações: partilhar sua conta com terceiros não autorizados; aceitar propostas sem intenção de as entregar; induzir utilizadores a cancelar os Seus pedidos; criar contas falsas para fins fraudulentos; solicitar reembolso de taxas não geradas; solicitar, executar ou confirmar intencionalmente a disponibilidade de propostas fraudulentas; interromper o funcionamento das aplicações e do GPS da Uber, como alterar as configurações do telefone; fazer uso indevido de promoções ou para fins diferentes dos pretendidos; contestar cobranças por motivos fraudulentos ou ilegítimos; criar contas duplicadas; fornecer informações falsas ou documentos falsificados); ou (iv) se estivermos a exercer um direito de resolução por um motivo imperativo nos termos da lei aplicável, que pode incluir situações em que o Parceiro de Entregas já não se qualifique, nos termos deste Contrato, da legislação aplicável ou regulamentos, ou das normas e políticas da Uber Eats e das suas Afiliadas (…)”.
72) A Ré celebrou com a Companhia de Seguros “Allianz Care”, um contrato de seguro de responsabilidade emergente de acidente de trabalho a favor de BB, ao qual coube o respetivo número de apólice.
73) BB não utiliza atualmente a plataforma UBBER EATS – facto apurado em sede de audiência de julgamento.
Quanto a CC
74) No dia 20 de setembro de 2023, pelas 13:00, CC, encontrava-se junto ao estabelecimento de restauração denominado Burguer King de Mafra Malveira, sito na Rua Almirante gago Coutinho, 7, Mafra, no exercício das funções de estafeta, quando foi abordado e identificado por inspetores da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT).
75) CC, tem o NIF ..., cc ..., reside Rua 3., ... MAFRA, com o telemóvel nº ... e endereço de email: ..., presta a referida atividade de estafeta para a plataforma UBBER EATS pelo menos desde 02 de abril de 2023, quando recebeu o primeiro pedido de entrega.
76) CC realiza a referida atividade de estafeta, mediante pagamento, entregando refeições e outros produtos, na área de Mafra, conforme pedidos/tarefas que lhe são distribuídos através da plataforma UBBER EATS, na qual se encontra registado com a referida conta de email, e à qual acede através da aplicação (App) que tem instalada no seu telemóvel/smartphone.
77) Os termos e condições de utilização da plataforma UBER EATS para estafetas constam do documento junto aos autos pela Ré (“Contrato de Parceiro de Entregas do Parceiro de Frota”).
78) Para iniciar a prestação do serviço na plataforma UBER EATS, CC teve que se registar e criar uma conta naquela plataforma, a qual se comprometeu a manter atualizada e ativa, declarando reunir as obrigações estabelecidas e previstas no referido “Contrato de Parceiro de Entregas do Parceiro de Frota”, tendo, designadamente, que preencher os requisitos previstos no ponto 5. (“As suas Obrigações”).
79) CC enviou a documentação exigida online.
80) Para se poder registar e exercer as referidas funções de estafeta, CC tinha designadamente que ter atividade iniciada na Administração Tributária, ter veículo próprio (mota, carro ou trotinete/bicicleta), possuir um telemóvel (smartphone) e uma mochila para transporte dos bens.
81) No momento da abordagem pelos elementos da ACT, CC encontrava-se equipado com a mochila necessária para o transporte de refeições, tinha veículo próprio para transportar as encomendas e tinha a aplicação (App) da plataforma UBER EATS instalada e ativa no seu smartphone.
82) Para que lhe sejam distribuídas tarefas/pedidos na plataforma UBER EATS, CC tem que aceder ao seu “perfil da conta” na aplicação UBER EATS, através do nome de utilizador por si escolhido bem como do respetivo código de segurança.
83) O perfil de CC deve estar atualizado com a sua foto de perfil, podendo a UBER EATS pedir a apresentação de prova da sua identidade mediante reconhecimento facial efetuado através do telemóvel, o que faz.
84) Assim, conforme determinado pela Ré, através da plataforma digital UBER EATS, CC inicia a sessão nessa plataforma mediante log in com credenciais atribuídas para o efeito.
85) Só quando efetua o login na plataforma é que lhe são apresentadas possibilidades de entregas de bens e produtos.
86) É a partir do login que se inicia a jornada diária de trabalho de CC, mediante o acionamento do botão de “disponibilidade”.
87) Foi ainda acordado com a Ré que CC prestaria a sua atividade em período temporal por si escolhido.
88) CC prestava a sua atividade de estafeta com uma periodicidade não apurada, distribuindo refeições de almoço, de jantar e outras, sendo que a decisão de fazer login ou logout na aplicação só a si competia.
89) As funções desempenhadas por CC consistiam na recolha dos bens nos estabelecimentos aderentes (restaurantes, supermercados, lojas, etc.), transportando esses produtos até ao cliente final.
90) O estabelecimento, o tipo de pedido, o valor do serviço, o cliente final e a morada de entrega são indicados ao estafeta pela plataforma UBER EATS através da referida aplicação que aquele deve consultar no telemóvel/smartphone.
91) Quando aceita uma proposta de entrega da UBER EATS, o estafeta concorda em prestar aquele serviço de entrega em troca do pagamento da taxa de entrega proposta na aplicação.
92) A plataforma determina os procedimentos que CC tem de seguir na recolha e entrega dos produtos, nomeadamente, como utilizar a aplicação Uber Eats dando-lhe instruções sobre o momento em que deve introduzir a informação sobre a recolha/entrega que está a realizar (por exemplo, quando chega ao Ponto de Recolha, carrega no botão “Cheguei”).
93) A localização exata do estafeta é conhecida pela plataforma UBER EATS através do sistema de geolocalização.
94) O estafeta deve ter a localização ativa no telemóvel enquanto utiliza a aplicação UBER EATS, selecionando a opção “Permitir sempre a localização”, informação que permanece visível para a Ré e para os clientes.
95) Se os estafetas não tiverem o GPS ligado a aplicação não funciona, uma vez que é o GPS que permite à plataforma apresentar-lhes propostas de entregas tendo em consideração a sua localização e a proximidade com o ponto de recolha.
96) O estafeta e o estabelecimento que prepara o pedido vão introduzindo dados na aplicação de modo a permitir a monitorização de cada recolha, transporte e entrega.
97) A apresentação dos pedidos aos estafetas é determinada essencialmente em função do critério da distância entre aqueles, o estabelecimento e o consumidor.
98) CC recebia como contrapartida da sua atividade um valor por cada pedido/entrega efetuada, não recebendo qualquer valor pelo tempo de espera entre a conclusão de uma entrega e a aceitação de novo pedido.
99) É a Ré quem fixa o valor dos preços cobrados aos clientes da plataforma pelo serviço prestado, sem prejuízo de a taxa mínima por quilómetro poder ser ajustada pelos estafetas.
100) O serviço feito pelo identificado estafeta foi sempre feito conforme instruções e indicações precisas sobre o modo e quais os locais concretos comunicados aquele.
101) Como contrapartida das tarefas executadas, CC auferia valores pagos mediante transferência bancária para conta bancária por si titulada.
102) Após cumprimento da entrega do pedido pelo estafeta ao cliente final, o estafeta está obrigado a proceder ao registo da entrega na plataforma da Ré.
103) No “Contrato de Parceiro de Entregas de Parceiro de Frota” estão previstas várias situações que podem determinar a desativação temporária ou permanente da conta do prestador de atividade, designadamente nas situações enumeradas na alínea b) do ponto 9. (“Acesso à App”): -“no caso de uma alegada violação das obrigações do Parceiro de Entregas Independente (Cláusula 5. supra), incluindo quando recebemos uma reclamação de segurança ou potencial incumprimento das leis e regulamentos aplicáveis, bem como dos costumes locais e boas práticas, ou sempre que necessário para a proteção de terceiros, ou cumprimento da legislação aplicável, ou decorrente de ordem judicial ou administrativa, temos o direito de restringir o Seu acesso à, e utilização da App. Se o fizermos, será notificado por escrito das razões para tal restrição. (…)”.
104) Resulta do “Contrato de Parceiro de Entregas de Parceiro de Frota”, que estão previstas várias situações que podem determinar a desativação temporária ou permanente da conta do prestador de atividade, como resulta do ponto 14., alínea b) (“Resolução”), do qual se apura que a Uber Eats pode: - “resolver o contrato a qualquer momento, mediante notificação prévia, por escrito, com 30 (trinta) dias de antecedência, salvo nas seguintes situações, nas quais, este período de aviso prévio não se aplica: (i) se estivermos sujeitos a uma obrigação legal ou regulamentar que nos obrigue a terminar a sua utilização da App ou dos nossos serviços em prazo inferior a 30 (trinta) dias; (ii) se o Parceiro de Entregas tiver infringido o presente Contrato; ou (iii) mediante denúncia de que o Parceiro de Entregas tenha agido de forma não segura ou violou este Contrato ou legislação em conexão com a prestação de serviços de entrega; (iv) o Seu comportamento equivale a fraude (atividade fraudulenta pode incluir, mas não está limitada a, as seguintes ações: partilhar sua conta com terceiros não autorizados; aceitar propostas sem intenção de as entregar; induzir utilizadores a cancelar os Seus pedidos; criar contas falsas para fins fraudulentos; solicitar reembolso de taxas não geradas; solicitar, executar ou confirmar intencionalmente a disponibilidade de propostas fraudulentas; interromper o funcionamento das aplicações e do GPS da Uber, como alterar as configurações do telefone; fazer uso indevido de promoções ou para fins diferentes dos pretendidos; contestar cobranças por motivos fraudulentos ou ilegítimos; criar contas duplicadas; fornecer informações falsas ou documentos falsificados); ou (iv) se estivermos a exercer um direito de resolução por um motivo imperativo nos termos da lei aplicável, que pode incluir situações em que o Parceiro de Entregas já não se qualifique, nos termos deste Contrato, da legislação aplicável ou regulamentos, ou das normas e políticas da Uber Eats e das suas Afiliadas (…)”.
105) A Ré celebrou com a Companhia de Seguros “Allianz Care”, um contrato de seguro de responsabilidade emergente de acidente de trabalho a favor de CC, ao qual coube o respetivo número de apólice.
106) CC não utiliza a plataforma UBBER EATS desde dezembro de 2023 – facto apurado em sede de audiência de julgamento.
B) Das contestações (factos comuns aos três processos)
107) Os estafetas registados na Plataforma Uber Eats podem decidir livremente exercer a atividade na plataforma diretamente ou através de um intermediário.
108) Os três estafetas acima identificados sempre exerceram a sua atividade na Plataforma Uber Eats através de um intermediário designado por “Parceiro de Frota”.
109) A 15 de setembro de 2023, AA exercia a sua atividade na Plataforma através do Parceiro de Frota 3WAQUISECONDUZ, UNIPESSOAL LDA, pessoa coletiva com o número identificativo 516574361.
110) A 20 de setembro de 2023, BB exercia a sua atividade na Plataforma através do Parceiro de Frota MAYKO NEVES, UNIPESSOAL, LDA, pessoa coletiva com o número identificativo 517676001.
111) A 20 de setembro de 2023, CC exercia a sua atividade na Plataforma através do Parceiro de Frota 3WAQUISECONDUZ, UNIPESSOAL LDA, pessoa coletiva com o número identificativo 516574361.
112) A Ré não intervém nos termos e condições acordados entre os estafetas e o Parceiro de Frota.
113) É o Parceiro de Frota quem paga aos estafetas acima identificados os valores decorrentes da prestação da atividade.
114) Desde o início da prestação a Ré não pagou qualquer montante aos estafetas acima identificados.
115) É ao Parceiro de Frota que a Ré paga a taxa de entrega relativa às entregas realizadas pelos estafetas.
116) A Ré desconhece o valor que é pago aos estafetas pelo Parceiro de Frota.
117) Os estafetas não faturam o valor da atividade que desempenham à Ré.
118) Os estafetas são pagos de acordo com as entregas que completam, cada uma das quais é paga segundo as suas especificidades, nomeadamente os quilómetros que o estafeta tem de percorrer entre o ponto de recolha e o ponto de entrega.
119) Consoante a quantidade de entregas completadas e as especificidades de cada uma delas, os estafetas receberão a soma das respetivas taxas de entrega.
120) Todos os estafetas registados na plataforma decidem livremente o local onde prestam a sua atividade.
121) Os estafetas podem bloquear comerciantes e/ou clientes com quem não desejam contactar.
122) A plataforma não dá qualquer tipo de indicação aos prestadores de atividade sobre o local onde devem estar para receber propostas de entregas.
123) A Ré não exige aos estafetas a utilização de roupa ou sacos com a marca da Uber Eats, podendo os estafetas utilizarem equipamentos de marcas concorrentes da Ré.
124) Os estafetas não têm, nem nunca tiveram de reservar turnos, cumprir horários, indicar as horas em que preferem prestar a sua atividade ou informar previamente a Ré (ou a plataforma) sobre quais os seus horários de preferência.
125) Os estafetas são livres de iniciar e terminar a sessão na plataforma sempre que quiserem, segundo a sua própria vontade e de acordo com os seus próprios horários e disponibilidade.
126) Os estafetas podem aceitar, recusar ou simplesmente ignorar todo e qualquer pedido de entrega disponível na plataforma.
127) Todos os pagamentos dos bens encomendados pelos clientes finais através da plataforma são processados através da mesma, não tendo os estafetas acima identificados qualquer contacto com valores monetários pagos pelos mesmos.
128) Os estafetas podem fixar a sua taxa mínima por quilómetro para realizar entregas.
129) A taxa mínima por quilómetro pode ser ajustada pelos estafetas a qualquer momento e a seu exclusivo critério de forma a receber propostas de entrega acima do seu valor mínimo (que podem ser sempre rejeitadas).
130) Quando determinam o seu preço mínimo por quilómetro, os estafetas decidem que propostas querem receber na plataforma e quais não são do seu interesse por não serem pagas de acordo com os preços que querem cobrar pelos seus serviços.
131) A taxa de entrega das entregas que os estafetas fazem depende das suas próprias definições na plataforma, e a plataforma só lhe irá enviar ofertas de entrega de valor igual ou superior à sua taxa mínima por quilómetro.
132) A plataforma quando apresenta a oferta de entrega apresenta ao estafeta valor final que irá receber caso aceite o pedido, bem como os pontos de recolha e de entrega e a distância que os separa.
133) A apresentação de prova da identidade dos estafetas mediante reconhecimento facial efetuado através do telemóvel visa evitar situações de partilha de contas, que não são permitidas na plataforma, e para garantir que quem se encontra a prestar atividade através de uma determinada conta é o respetivo titular, único que comprovou que cumpre com todos os requisitos exigidos.
134) Os estafetas podem passar dias, semanas ou meses sem se ligarem à plataforma, sem que daí resulte qualquer consequência para si, continuando as contas ativas.
135) O GPS é uma ferramenta necessária para o funcionamento da plataforma e para a apresentação de ofertas de entrega aos estafetas melhor posicionados para recolher a encomenda.
136) Os estafetas são livres para escolher o sistema de GPS da sua preferência ou não usar nenhum sistema de GPS, escolhendo livremente a rota a seguir.
137) Os estafetas podem fazer-se substituir por outro estafeta no exercício da atividade.
138) Os estafetas podem, em simultâneo com a prestação de atividade à Ré, prestar a mesma atividade a terceiros, incluindo através de outras plataformas digitais.
Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa. Não se provou, designadamente (das petições iniciais):
a) que a Ré atua como intermediária na entrega de produtos encomendados por clientes a certos estabelecimentos comerciais;
b) que os estafetas acima identificados atuem como Parceiros de Entregas Independentes;
c) que a Ré pague aos estafetas qualquer montante pela atividade prestada e que estes emitam recibos à Ré;
d) que a Ré tenha exigido aos estafetas o uso de mochila térmica para transporte dos pedidos;
c) qual a regularidade com que os estafetas prestam a sua atividade (artigos 23º e 24º das petições iniciais);
e) que os estafetas só tomem conhecimento de cada pedido concreto a partir do momento em que o aceitam;
f) que os estafetas que operam através da plataforma da Ré só quando chegam aos pontos de recolha é que sabem, através da aplicação, qual o pedido e se o pagamento do cliente final será feito ou não em dinheiro;
g) que os clientes finais paguem em dinheiro aos estafetas e que estes tenham que proceder ao depósito dos valores recebidos na conta determinada na plataforma;
h) que os estafetas não possam intervir na definição do valor cobrado aos clientes utilizadores da plataforma;
i) que os estafetas aufiram uma prestação monetária paga quinzenalmente pela Ré, com os valores indicados nas petições iniciais (€150,00/€200,00);
j) que os estafetas sejam classificados pela Ré de acordo com a avaliação dos clientes a quem efetuaram entregas;
l) que o valores auferidos pelos estafetas pelas entregas realizadas sejam exclusivamente fixados pela Ré;
m) que os estafetas procedam ao registo diário do seu tempo de trabalho na plataforma;
n) que a Ré alguma vez tenha supervisionado a qualidade da atividade prestada pelos acima identificados estafetas através de um sistema denominado “sistema de reputação” no qual os utilizadores avaliam as entregas, através de meios eletrónicos inseridos na aplicação;
o) que os estafetas não possam decidir, por si, da substituição por terceira pessoa;
p) que o sistema de reconhecimento facial seja um ato de controlo dos estafetas por parte da Ré.
À demais matéria não se responde por se tratarem de factos repetidos, irrelevantes, conclusivos e/ou matéria de direito.»
*
3.2. A despeito de não ter sido impugnada a decisão de facto constante da sentença, a sua análise suscita-nos uma questão que se prefigura como prévia à apreciação do mérito do recurso1.
Vejamos.
3.2.1. Nos termos do preceituado no artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil, a Relação deve, mesmo oficiosamente, anular a decisão proferida pela 1ª instância quando, não constando do processo todos os elementos que permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute tal decisão de deficiente, obscura ou contraditória, ou quando considere indispensável a sua ampliação.
E, por força do disposto na alínea d), do n.º 2, do mesmo preceito, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, a Relação deve ainda determinar que o tribunal de 1ª instância a fundamente.
3.2.2. A presente acção tem por objecto, essencialmente, a delicada tarefa de identificar a existência de uma relação contratual de natureza laboral entre a R. e os identificados prestadores de actividade AA, BB e CC.
Tal tarefa deve realizar-se à luz do regime laboral do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, tendo em consideração as alterações emergentes da Agenda do Trabalho Digno (Lei n.º 13/2023, de 3 de Abril) que mantém a definição de contrato de trabalho plasmada no seu artigo 11.º, e a presunção de laboralidade constante do seu artigo 12.º, mas introduziu no Código do Trabalho uma nova disposição, o artigo 12.º-A, que consagra uma “presunção de laboralidade” no âmbito das plataformas digitais.
Com efeito, no que concerne à aplicação da lei no tempo neste âmbito da presunção de laboralidade no trabalho nas plataformas digitais, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de15 de Maio de 20252, inflectiu a jurisprudência até então pacífica ao nível daquela alta instância judicial, no sentido de que a aplicação da lei nova se restringe aos casos em que, após o início da sua vigência, o vínculo obrigacional estabelecido entre as partes se vai reconfigurando3, e veio a decidir inovatoriamente que “[r]elativamente a relações jurídicas iniciadas antes da entrada em vigor do art. 12.º-A, do Código do Trabalho, a presunção de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital é aplicável aos factos enquadráveis nas diferentes alíneas do seu nº 1 que, no âmbito dessas relações jurídicas, tenham sido praticados posteriormente àquele momento (01.05.2023)”.
O aresto convoca, além do mais, a Directiva (UE) 2024/2831 do Parlamento Europeu e do Conselho de 23 de Outubro de 2024, cuja transposição foi antecipada pela Lei n.º 13/2023, de 3 de Abril (que, exprimiu o empenhamento das instituições da União Europeia no combate ao abuso do estatuto de trabalhador independente e às relações de trabalho encobertas (em linha com a Recomendação nº 198 (2006) da OIT), visando, precisamente, a melhoria das condições de trabalho em plataformas digitais), que nesta matéria não pode ser olvidada e que estabelece no seu artigo 5.º sob a epígrafe “Presunção legal” que: «1. A relação contratual entre uma plataforma de trabalho digital e uma pessoa que trabalha em plataformas digitais através dessa plataforma é legalmente presumida como uma relação de trabalho quando se verificarem factos que indiciem a direção e o controlo, nos termos do direito nacional, das convenções coletivas ou das práticas em vigor nos Estados-Membros e tendo em conta a jurisprudência do Tribunal de Justiça. Se a plataforma de trabalho digital pretender ilidir a presunção legal, cabe à plataforma de trabalho digital provar que a relação contratual em causa não constitui uma relação de trabalho, tal como definida pelo direito, por convenções coletivas ou pelas práticas em vigor nos Estados-Membros, tendo em conta a jurisprudência do Tribunal de Justiça. 2. Para efeitos do n.º 1, os Estados-Membros estabelecem uma presunção legal ilidível eficaz de uma relação de trabalho que constitua uma facilitação processual em benefício das pessoas que trabalham em plataformas digitais. Além disso, os Estados-Membros asseguram que a presunção legal não tem por efeito aumentar o ónus dos requisitos para as pessoas que trabalham em plataformas digitais, ou para os seus representantes, nos processos para determinar o seu estatuto profissional correto
Esta orientação jurisprudencial no sentido de que a presunção prevista no artigo 12.º-A é aplicável aos factos enquadráveis nas diferentes alíneas do seu nº 1 que, no âmbito dessas relações jurídicas, tenham sido praticados posteriormente àquele momento, ainda que tenham sido anteriormente estabelecidas, foi reiterada por aquele mais alto tribunal nas decisões que posteriormente proferiu e foram publicadas sobre esta matéria, vg. no recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Setembro de 20254.
Pelo que, em presença do comando constante do artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil, nos cabe acatar a sua doutrina que prescinde de qualquer alteração dos termos essenciais da relação jurídica para que se aplique a uma determinada relação jurídica a presunção de laboralidade instituída pela lei no seu decurso.
Deve, pois, a tarefa de qualificação jurídica a efectuar na presente acção ter presente, além do enquadramento típico da figura contratual que se pretende ver reconhecida, e que se mostra descrita no artigo 11.º do Código do Trabalho, o regime que emerge do artigo 12.º-A do mesmo Código, em vigor desde 1 de Maio de 2023 e especificamente vocacionado para as relações contratuais firmadas no âmbito das plataformas digitais.
3.2.3. Como diz João Leal Amado, “qualificar o trabalho em plataformas, o trabalho realizado com recurso a apps, como autónomo ou dependente sempre dependerá de uma apreciação casuística, que leve em conta os dados resultantes de cada tipo de relação, de cada concreto contrato. E também é claro que estas novas formas de prestar serviços levantam consideráveis dificuldades de enquadramento, até porque, infelizmente, não dispomos de um qualquer “subordinómetro” que nos forneça uma resposta infalível e irrefutável5.
Neste cenário, e tendo em consideração os problemas de aplicação que a longa e complexa norma do artigo 12.º-A do Código do Trabalho tem suscitado na prática, apesar do seu curto período de vigência, quer na vertente do preenchimento das alíneas do seu n.º 1, quer na vertente da ilisão da presunção que consagra – que não dispensa uma análise global dos indícios que emergem dos factos provados6, deles se partindo para aferir se, “nomeadamente”, a plataforma digital fez prova de que “o prestador de atividade trabalha com efetiva autonomia, sem estar sujeito ao controlo, poder de direção e poder disciplinar de quem o contrata” (n.º 4 do preceito) –, é fundamental uma averiguação fáctica que permita um lastro de factos concretos coerente e suficiente para realizar todos os juízos compreendidos na aplicação concreta desta norma.
A qualificação da relação existente entre quem presta a atividade nas plataformas digitais e o respetivo beneficiário como relação de trabalho dependente continua a exigir uma análise em que todos os factos e circunstâncias relevantes devem ser tidos em conta, particularmente os emergentes do comportamento das partes na fase de execução das relações contratuais, extraindo de todo o circunstancialismo a conclusão pela subordinação jurídica ou pela autonomia na prestação da actividade.
O que sucede particularmente em casos, como o vertente, em que não é sequer pacífico que as partes – o prestador de actividade e a “plataforma digital” demandada – tenham estabelecido relações contratuais entre si no âmbito daquela prestação de actividade, pois os documentos contratuais não o evidenciam, ao menos formalmente.
Pelo que é essencial conhecer o circunstancialismo factual em que se firmaram e desenvolveram as eventuais relações contratuais que se pretendem ver reconhecidas, e, como se afirmou no Acórdão da Relação de Lisboa de 26 de Março de 202577perceber, sem equívocos, qual a decisão que o tribunal a quo adoptou quanto aos factos alegados pelas partes susceptíveis de relevar para a compreensão global da situação e de permitir o juízo necessário à tarefa de qualificação contratual”.
3.2.4. Ora, salvo o devido respeito, uma vez analisada a decisão de facto, não vemos que a sentença se tenha pronunciado sobre factos alegados pela R. que, na nossa perspectiva, se prefiguram como relevantes para a solução de direito, em desconformidade com o disposto no art. 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, segundo o qual a sentença deve tomar uma posição concreta sobre os factos alegados pelas partes, segundo as várias soluções plausíveis de direito.
A nosso ver, a sentença sub judice enferma de uma patologia que não pode deixar de se apreciar quanto aos factos “não provados” o que resulta de, após elencar, sob numeração, os factos que considerou provados e alguns dos factos alegados que considerou não provados, afirmou o seguinte:
“À demais matéria não se responde por se tratarem de factos repetidos, irrelevantes, conclusivos e/ou matéria de direito”.
Ora, se quanto aos factos alegados na petição inicial a sentença foi exaustiva, há vários factos que a R. alegou nas suas contestações e que o tribunal a quo não incluiu no elenco dos factos provados, nem dos “não provados”, e que, perante esta fórmula adoptada na sentença, fica este Tribunal da Relação sem saber qual foi afinal a decisão que a sentença pretendeu adoptar quanto a cada um de tais factos que não incluiu no elenco dos factos provados ou “não provados”.
Considerou-os “não provados” porque efectivamente entendeu que a prova produzida não era bastante para os considerar provados ou porque a prova era contrária aos mesmos? Ou, apesar de os entender provados, simplesmente não se pronunciou sobre eles porque os reputou de repetidos? Ou porque os reputou de irrelevantes? Ou porque considerou que são conclusivos ou contêm matéria de direito?
É o que acontece com a alegação constante dos artigos das contestações que a seguir se elencam, a saber:
- à R. é impossível saber quantos prestadores de atividade estão com sessão iniciada na Plataforma em determinada altura, quantos deles se manterão conectados (e por quanto tempo) e quantos aceitarão as ofertas de entrega disponibilizadas (artigos 289.º da contestação do processo principal, 290.º do apenso A e 283.º do apenso B);
- por vezes as entregas não são realizadas por não existirem prestadores de atividade com sessão iniciada na Plataforma ou por nenhum prestador de atividade aceitar uma determinada oferta de entrega (artigos 290.º da contestação do processo principal, 291.º do apenso A e 284.º do apenso B);
- entre 19 de Maio de 2023 e 14 de Agosto de 2023, durante 87 dias seguidos, o AA não utilizou uma única vez a Plataforma para prestar a sua atividade (artigo 293.º da contestação do processo principal);
- entre 14 de Agosto de 2023 e 31 de Agosto de 2023, durante 17 dias seguidos, o BB não utilizou uma única vez a Plataforma para prestar a sua atividade (artigo 294.º da contestação do apenso A);
- a Ré não faz uso do feedback dado pelos clientes e restaurantes para efeitos de avaliação da performance dos prestadores de atividade (artigos 304.º da contestação do processo principal, 305.º do apenso A e 297.º do apenso B);
- a Plataforma não verifica a qualidade da atividade prestada pelos prestadores de atividade, incluindo AA, BB e CC (artigos 307.º da contestação do processo principal, 308.º do apenso A e 300.º do apenso B).
Trata-se de elementos de facto que têm sido ponderados (os mesmos ou similares) em anteriores arestos desta Relação e relativamente aos quais não se nos afigura que a sentença contenha uma decisão inequívoca.
A referência genérica como a que foi feita – e acima se reproduziu – não constitui uma forma correcta de enunciação dos factos provados ou não provados. Com efeito, na primeira parte do nº 4 do 607.º do CPC prevê-se que na “fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tirados dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção”. Apesar de, relativamente aos factos não provados, inexistir uma previsão similar à dos factos provados, no sentido de os mesmos deverem ser discriminados (nº 3 do artigo 607º), a verdade é que também inexiste qualquer norma a prever que os factos não provados se identifiquem por exclusão de partes, antes se exigindo no n.º 4 do preceito a declaração, por parte do juiz, sobre quais os factos que julga não provados, o que pressupõe um juízo concreto e individualizado sobre estes factos8.
É assim de concluir que a decisão de facto, neste aspecto, não observa o comando legal constante do artigo 607.º, n.º 4, primeira parte do Código de Processo Civil, de declaração, na sentença, de “quais” os factos que se julgam provados e não provados, o qual demanda ao tribunal da 1.ª instância que se debruce especificamente sobre os diversos pontos de facto relevantes para as questões suscitadas pelas partes e à luz das soluções plausíveis dessas mesmas questões.
Destarte, porque se reputa de necessária a ampliação da decisão de facto quanto aos factos alegados na acção que acima se elencaram, impõe-se determiná-lo oficiosamente ao abrigo do número 2, alínea c), do artigo 662.º do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, deverão os autos baixar à 1ª instância a fim de o tribunal recorrido, relativamente a tal matéria, declarar quais os factos alegados nestes artigos que considera provados e não provados e fundamentar esta decisão de facto, especificando as razões que a determinaram.
3.2.5. Acresce que, no específico segmento da matéria de facto relativo à contrapartida da actividade dos estafetas, se evidenciam incongruências e obscuridades que se impõe sanar.
É, a nosso ver, essencial para a decisão final a proferir nesta acção quanto à existência – ou não – de um contrato de trabalho entre cada um dos estafetas e a ora recorrida, perceber com a maior exactidão possível os termos em que os primeiros são retribuídos e a entidade que, afinal, fixa a contrapartida devida pela sua actividade.
Quer porque se trata de um elemento essencial do contrato de trabalho tal como o mesmo se mostra previsto no Código do Trabalho, que pressupõe a correspectividade das prestações das partes, quer porque uma das características eleitas como base da presunção de laboralidade atine a esta matéria, quer porque pode relevar para a ilisão da eventual presunção de laboralidade que se verifique, como facto revelador de que inexiste um vínculo laboral com a recorrida, estando os prestadores vinculados, ao invés, às sociedades identificadas na matéria de facto (denominadas “parceiros de frota”).
Com efeito, o artigo 11.º do Código do Trabalho dita ser contrato de trabalho “aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas (…)”.
Por seu turno a alínea a), do n.º 1, do artigo 12.º-A indica o seguinte primeiro facto base da presunção: “[a] plataforma digital fixa a retribuição para o trabalho efetuado na plataforma ou estabelece limites máximos e mínimos para aquela”.
Além disso, e quanto ao terceiro aspecto, o artigo 12.°-A afirma no seu n.° 4 que a presunção prevista no n.° 1 pode ser ilidida nos termos gerais, “nomeadamente” se a plataforma digital fizer prova de que o prestador de atividade trabalha com efetiva autonomia, sem estar sujeito ao controlo, poder de direção e poder disciplinar de quem o contrata. O que denota que a prova da autonomia não é a única de a plataforma digital ilidir a presunção de laboralidade. Pode fazê-lo de outra forma: em lugar de provar a autonomia, a plataforma digital pode invocar que a entidade contratante do prestador de atividade é um intermediário, isto é, uma “pessoa singular ou coletiva que atue como intermediário da plataforma digital para disponibilizar os serviços através dos respetivos trabalhadores” (n.° 5, do artigo 12.º-A). Em tal hipótese, ou caso o próprio prestador de atividade alegue que é um trabalhador subordinado ao serviço do referido intermediário, cabe ao tribunal determinar, di-lo o n.º 6 do preceito, quem é o empregador (o intermediário ou a plataforma), e a presunção de laboralidade estabelecida no n.° 1 será aplicável “com as necessárias adaptações”.
Como refere João Leal Amado, “[a] plataforma pode, portanto, ou tentar persuadir o tribunal de que o contrato que celebrou com o prestador não é de trabalho, ou tentar persuadir o tribunal de que nem sequer celebrou qualquer contrato com o prestador de atividade, antes quem contratou com este teria sido outrem, um intermediário. Nesta segunda hipótese, porém, mesmo que o tribunal conclua que há contrato de trabalho e que este foi celebrado com o intermediário, nem por isso a plataforma sairá de cena, em virtude da responsabilidade solidária que sobre ela recai, por força do n.° 8 (…)”9.
Ora, quanto à matéria da contrapartida da actividade, ficou provado na sentença, sem que qualquer das partes o tenha impugnado na apelação, que:
“25) Quando aceita uma proposta de entrega da UBER EATS, o estafeta concorda em prestar aquele serviço de entrega em troca do pagamento da taxa de entrega proposta na aplicação; [ponto de facto referente ao AA, replicado nos factos 58) e 91) quanto aos outros estafetas]
“33) Quando aceita uma proposta de entrega da UBER EATS, o estafeta concorda em prestar aquele serviço de entrega em troca do pagamento da taxa de entrega proposta na aplicação; [ponto de facto referente ao AA, replicado nos factos 128) e 131) quanto aos outros estafetas]
132) A plataforma quando apresenta a oferta de entrega apresenta ao estafeta valor final que irá receber caso aceite o pedido (…)”
32) AA recebia como contrapartida da sua atividade um valor por cada pedido/entrega efetuada (…);
65) BB recebia como contrapartida da sua atividade um valor por cada pedido/entrega efetuada (…);
98) CC recebia como contrapartida da sua atividade um valor por cada pedido/entrega efetuada (…).
E ficou também provado que:
113) É o Parceiro de Frota quem paga aos estafetas acima identificados os valores decorrentes da prestação da atividade.
114) Desde o início da prestação a Ré não pagou qualquer montante aos estafetas acima identificados.
115) É ao Parceiro de Frota que a Ré paga a taxa de entrega relativa às entregas realizadas pelos estafetas.
116) A Ré desconhece o valor que é pago aos estafetas pelo Parceiro de Frota.
119) Consoante a quantidade de entregas completadas e as especificidades de cada uma delas, os estafetas receberão a soma das respetivas taxas de entrega.
Por outro lado, ficou como “não provado” que:
l) que o[s] valores auferidos pelos estafetas pelas entregas realizadas sejam exclusivamente fixados pela Ré;
Ora, estando provado, por um lado, que quando aceita uma proposta de entrega da recorrida, o estafeta concorda em prestar aquele serviço de entrega em troca do pagamento da taxa de entrega proposta na aplicação e que a plataforma, quando apresenta a oferta de entrega, apresenta ao estafeta [o] “valor final que irá receber caso aceite o pedido” (factos 25. e 132.), o que denota que o valor a receber é o fixado na plataforma, não se vê como, por outro lado e concomitantemente, se possa dar como provado que a recorrida procede ao pagamento ao parceiro de frota do valor correspondente às taxas de entrega relativas às entregas efectuadas pelos estafetas, que o valor pago pelo parceiro de frota aos estafetas é também o corresponde à soma das respectivas taxas de entrega, mas que a plataforma desconhece o valor pago aos estafetas pelo parceiro de frota (factos 113., 115., 116. e 119.).
Se a plataforma apresenta ao estafeta o valor final que ele irá receber e o mesmo corresponde à soma das taxas de entrega, como pode desconhecê-lo?
Independentemente da possibilidade conferida ao estafeta de definir uma taxa mínima por quilómetro – que revela à plataforma os serviços que não são do seu interesse, por não serem pagos de acordo com os preços que querem cobrar, levando a que plataforma só lhes envie ofertas de entrega de valor igual ou superior àquela taxa mínima, como decorre dos factos 33), 66), 99) e 128) a 131) –, se a plataforma é alheia ao valor dos pagamentos efectuados aos estafetas e não é ela quem procede aos mesmos, como compreender que se dê como provado que a mesma apresenta ao estafeta o valor “final” que este irá receber pelo serviço?
Afinal quem é que fixa, ou determina, os valores a receber pelos estafetas como contrapartida da sua actividade?
A decisão de facto não permite responder inequivocamente a estas questões.
Acresce que debalde se procura na motivação que se segue à decisão de facto uma justificação que permita compreender qual a razão desta incongruência.
Sem melhor explicação e concretização que ligue as assinaladas afirmações de facto que ficaram a constar da sentença, ou sem uma alteração que as torne coerentes e congruentes, as mesmas são dificilmente conciliáveis e não é possível apreender o seu exacto sentido, pelo que não podem subsistir nos exatos termos em que se encontram.
Assim, por ser esta parcela da decisão obscura, deve ser sindicada nos termos previstos na alínea c), do n.º 2, do artigo 662.º do Código de Processo Civil.
3.2.6. Finalmente, deve dizer-se que também no que concerne ao uso do GPS, a matéria de facto padece de obscuridade.
Na verdade, ficou provado que a localização exata do estafeta é conhecida pela plataforma UBER EATS através do sistema de geolocalização, que o estafeta deve ter a localização ativa no telemóvel enquanto utiliza a aplicação UBER EATS, selecionando a opção “Permitir sempre a localização”, informação que permanece visível para a Ré e para os clientes e que, se os estafetas não tiverem o GPS ligado a aplicação não funciona, uma vez que é o GPS que permite à plataforma apresentar-lhes propostas de entregas tendo em consideração a sua localização e a proximidade com o ponto de recolha (factos 27. a 29., 60. a 62. e 93. a 95.).
Em conformidade, ficou provado no facto 135) que o GPS “é uma ferramenta necessária para o funcionamento da plataforma e para a apresentação de ofertas de entrega aos estafetas melhor posicionados para recolher a encomenda”.
Mas já no facto 136) ficou provado que os estafetas “são livres para escolher o sistema de GPS da sua preferência ou não usar nenhum sistema de GPS, escolhendo livremente a rota a seguir”.
Ora se estafeta deve ter a localização ativa no telemóvel “enquanto utiliza a aplicação” sob pena de a aplicação “não funcionar”, não se compreende que, do mesmo passo, se afirme genericamente na matéria de facto que os estafetas são livres de “não usar nenhum sistema de GPS”. Sem que se restrinja esta afirmação do facton 136) a algum momento em concreto da prestação de actividade, ou sem que se exceptue da mesma o momento da apresentação da proposta de entrega, este segmento da decisão revela-se incompatível com o afirmado nos antecedentes factos 27) a 29), 60) a 62) e 93) a 95).
Note-se que, também aqui, a motivação da decisão de facto não permite compreender qual a razão desta discrepância, pois tanto são ponderados os depoimentos dos estafetas acima identificados, que afirmaram que “podiam utilizar o GPS da aplicação ou outro ou nenhum”, como o depoimento da testemunha da Ré, DD, que afirmou ser o uso do GPS de “livre escolha pelo estafeta”.
Haverá pois, também, que compatibilizar estes pontos da decisão de modo a tornar a mesma coerente e compreensível.
3.2.7. Deste modo, ao abrigo do artigo 662.º, n.º 2, alíneas c) e d), do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho:
• considerando necessária a ampliação da decisão de facto no que diz respeito à matéria elencada no ponto 3.2.4., bem como a motivação dessa decisão, e
• considerando ser a decisão de facto nos aspectos assinalados em 3.2.5 e 3.2.6. obscura e contraditória, bem como carecida da devida fundamentação,
deverão os autos baixar à 1ª instância a fim de o tribunal recorrido, sanar as apontadas patologias.
A anulação não contende com a parte da decisão que não se encontra viciada, nem com os anteriores actos processuais, podendo embora o tribunal apreciar outros pontos que não haja tido em vista e ampliar o julgamento, com o fim de evitar contradições, como expressamente é dito no artigo 662.º, n.º 3, alínea c), do Código de Processo Civil, sendo proferida nova sentença em conformidade com os factos entretanto apurados10.
*
3.3. Em consequência desta decisão atinente à apreciação oficiosa da matéria de facto, mostra-se prejudicado o conhecimento das questões objecto do recurso (artigo 608.º, n.º 2, aplicável ex vi do disposto no artigo 663.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil).
*
3.4. Sendo de considerar que o recorrente obteve vencimento, pois vê o processo prosseguir em vez de se manter a sentença, e a recorrida sai vencida no recurso, pois a decisão de anular a sentença acaba por objectivamente a desfavorecer, as custas recairiam sobre esta (vide o artigo 527.º do Código de Processo Civil). Não havendo lugar a encargos no recurso, a sua condenação seria restrita às custas de parte que haja, mas sendo o Ministério Público o recorrente, não haverá custas de parte a reclamar pela contra-parte.
*
4. Decisão
Em face do exposto, acorda-se em ordenar a remessa dos autos à 1.ª instância, a fim de que o tribunal recorrido:
• amplie a matéria de facto e, relativamente aos factos que se mostram acima elencados em 3.2.4., declare quais daqueles factos alegados os que considera provados e não provados e fundamente esta decisão de facto;
• relativamente à matéria referida em 3.2.5 e 3.2.6., que sane os vícios de obscuridade e contradição detectados, concretizando na medida do possível a factualidade ali descrita, tornando-a coerente e fundamentando a sua opção decisória;
aplicando subsequentemente o direito à globalidade dos factos que considerar provados.
Não há lugar a custas.
Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, anexa-se o sumário do presente acórdão.

Lisboa, 22 de Outubro de 2025
Maria José Costa Pinto
Francisca Mendes
Manuela Bento Fialho
_______________________________________________________
1. Problemática similar se suscitou no Acórdão da Relação de Lisboa de 26 de Março de 2025, proferido no processo n.º 19880/23.5T8SNT.L1, inédito tanto quanto nos é dado saber e relatado pela ora relatora (onde foi também adjunta a Exma. Sra. Desembargadora ora primeira adjunta), bem como no Acórdão da Relação de Lisboa de 14 de Maio de 2025, proferido no processo n.º 2009/24.0T8LSB.L1, igualmente inédito tanto quanto nos é dado saber.
2. Processo n.º 1980/23.3T8CTB.C2.S1, in www.dgsi.pt.
3. Como se expressa designadamente nos Acórdãos de 2024.09.16, proc. nº 368/22.8T8VRL.S1, e de 2025.01.15, proc. nº 751/21.6T8CSC.L1.S1.
4. Proferido no processo: 31164/23.4T8LSB.L1.S1, in www.dgsi.pt. Desconhecemos jurisprudência posterior em sentido diverso
5. Vide sobre a nova presunção de laboralidade, João Leal Amado, “As plataformas digitais e o novo artigo 12.º-A do Código do Trabalho: empreendendo ou trabalhando?”, in A Revista – Supremo Tribunal de Justiça, n.º 3, 2023, pp. 83-103.
6. O tradicional método indiciário que a jurisprudência adoptou à luz da Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969 (LCT).
7. Citado na nota 1 e relatado pela ora relatora.
8. Vide neste sentido o Acórdão da Relação de Lisboa de 5 de Julho de 2018, Processo n.º 31609/16.0T8LSB.L1, 4.ª Secção, relatado pela ora relatora e inédito, tanto quanto supomos.
9. In ob. e loc. citados.
10. Chama-se ainda a atenção para a possibilidade de, em observância do que estabelecem os preceitos adjectivos dos artigos 5.º, n.º 2, alíneas a) e b), do Código de Processo Civil e 72.º do Código de Processo do Trabalho, e com a necessária salvaguarda do contraditório, se averiguar a matéria que o Supremo Tribunal de Justiça tem reputado indispensável à decisão de casos similares – vide os Acórdãos de 18 de Junho de 2025 (processo n.º 3848/23.4T8PTM.E1.S1), de 17 de Setembro de 2025 (processo n.º 31164/23.4T8LSB.L1.S1) e um outro da mesma data de 17 de Setembro de 2025 (este proferido no processo n.º 29220/23.8T8LSB.L1.S1), todos in www.dgsi.pt.