ACIDENTE DE TRABALHO
BONIFICAÇÃO DE 1.5 PELA IDADE
Sumário

Sumário:
I – Se, na pendência da acção emergente de acidente de trabalho, o sinistrado completar 50 anos de idade, ser-lhe-á aplicada a bonificação do factor 1.5 previsto na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, sem que haja necessidade de o beneficiário instaurar incidente de revisão da incapacidade para efeitos de ver satisfeito tal desiderato.
II – A jurisprudência uniformizadora adoptada pelos Acórdãos de Uniformização de Jurisprudência deve ser seguida pelos demais tribunais judiciais enquanto subsistirem os pressupostos que a determinaram, atendendo ao seu valor reforçado.

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Relatório.
Caravela − Companhia de Seguros, SA apelou da sentença que a condenou a pagar ao sinistrado AA (i) o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de € 639,48, acrescido de juros de mora, à taxa anual de 4,00%, vencidos e vincendos, contabilizados sobre o valor de capital de remição desde 27-07-2023 e até efectivo e integral pagamento, (ii) o capital de remição de uma pensão anual residual de € 319,74, acrescido de juros de mora, à taxa anual de 4,00%, vencidos e vincendos, contabilizados sobre o valor de capital de remição desde 17-10-2024 e até efectivo e integral pagamento, (iii) a quantia de € 4 421,85 a título de diferenças de indemnização por incapacidade temporária absoluta (ITA) entre 17-09-2022 e 26-07-2023, (iv) acrescida de juros de mora, à taxa anual de 4,00%, vencidos e vincendos, contabilizados sobre o valor do montante em dívida de cada prestação de indemnização por incapacidade temporária, desde o respectivo vencimento e até efectivo e integral pagamento e (v) a quantia de € 16,00 de despesas de transportes efectuadas acrescida de juros de mora, à taxa anual de 4,00%, vencidos e vincendos, contabilizados desde 24-01-2025 e até efectivo e integral pagamento, pedindo que a sentença proferida seja alterada, culminando a alegação com as seguintes conclusões:
"1. Estes autos (para fixação de incapacidade e demais questões, a ela, inerentes) iniciaram-se, com a participação, a Juízo, pela ora Recorrente, enquanto Entidade responsável, de acidente de trabalho, ocorrido em 16 de Setembro de 2022, no qual foi Sinistrado, AA, ora Recorrido.
2. No seu âmbito, foi, realizado, nos termos legais, o respectivo Exame Médico Singular, ao mesmo, e a consequente Tentativa de Conciliação, que se mostrou infrutífera.
3. Atento o motivo da discórdia de tal diligência processual, o Sinistrado, ora Recorrido, depois de requerido, foi submetido a Exame por Junta Médica.
4. Cujo (seu) Resultado mereceu a concordância de ambas as Partes Processuais.
5. Seguidamente, o Tribunal a quo notificou, as mesmas, para, em prazo fixado, virem, aos autos, pronunciarem-se sobre a idade do Sinistrado, ora Recorrido, e sobre a aplicação, nos mesmos, de jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça (Acórdão n.º 16/2024, de 22 de Maio), tendo, apenas, respondido a ora Recorrente, onde defendeu a sua posição processual, quanto às questões, ali, suscitadas.
6. Agora, o Tribunal a quo proferiu Sentença, da qual a ora Recorrente não pode, de forma alguma, concordar.
7. A Sentença recorrida, viola a lei, a jurisprudência e a doutrina, o que faz com que, dela, se recorra.
8. Para além de outras coisas, o Tribunal a quo decidiu, na alínea b) do dispositivo da Sentença recorrida, o seguinte:
'(...) b) Condenar a Caravela Companhia de Seguros, SA a pagar ao sinistrado o capital de remição de uma pensão anual residual de € 319,74 (trezentos e dezanove euros e setenta e quatro cêntimos), acrescido de juros de mora, à taxa anual de 4,00%, vencidos e vincendos, contabilizados sobre o valor de capital de remição desde 17-10-2024 e até efectivo e integral pagamento. (...)'. − negrito e sublinhado da ora Recorrente.
9. Decidiu mal!
10. A Sentença recorrida enferma de 1 (um) erro factual e material que a coloca, irremediavelmente, em crise e em causa, dado que a lei, a jurisprudência e a doutrina não consentem este entendimento, nela, plasmado.
11. O presente Recurso de Apelação incide, tão só e apenas, sobre 1 (uma) única e concreta questão: sobre a decisão do Tribunal a quo em ter fixado, agora, nesta sua Sentença e nestes autos, o pagamento, por parte da Entidade Responsável, ora Recorrente, ao Sinistrado, ora Recorrido, do capital de remição de 1 (uma) pensão anual residual de € 319,74 (trezentos e dezanove euros e setenta e quatro cêntimos), acrescido de juros de mora, à taxa anual de 4,00% (quatro por cento), vencidos e vincendos, contabilizados, sobre o valor de capital de remição, desde o dia 17 de Outubro de 2024 e até efectivo e integral pagamento, decorrente da alteração do coeficiente de incapacidade, por força da aplicação (automática) do factor de bonificação de 1,5 (um, vírgula, cinco), pelo facto, daquele, ter, entretanto, alcançado os 50 (cinquenta) anos de idade.
12. Incide, tão só e apenas, sobre o constante na alínea b) do seu dispositivo (a ora Recorrente concorda com todos os outros seus segmentos decisórios).
13. A Sentença recorrida não se demonstra, efectivamente, correcta, quanto a esta única e concreta questão objecto deste Recurso de Apelação.
14. É que o Tribunal a quo, de forma inédita, na Sentença recorrida, fixou, ao Sinistrado, ora Recorrido, 2 (duas) pensões.
15. A 1.a (primeira) pensão – constante da alínea a) do seu dispositivo – é decorrente da sua incapacidade fixada, à data da alta médico-clínica (avaliação inicial).
16. Que se encontra correcta e que a ora Recorrente concorda, em absoluto.
17. A 2.a (segunda) pensão – constante da alínea b) do seu dispositivo – é decorrente da alteração do coeficiente de incapacidade, por força da aplicação (automática) do factor de bonificação de 1,5 (um, vírgula, cinco), pelo facto do Sinistrado, ora Recorrido, ter, entretanto, atingido os 50 (cinquenta) anos de idade.
18. Sucede que isto não é, de facto e de direito, admissível!
19. O único meio processual através do qual a pensão pode ser revista é o do Incidente de Revisão.
20. Não nesta sede, não nestes autos!
21. Uma vez que, neles, apenas e tão só, está, para já, em causa o da fixação (originária/primária) de incapacidade do Sinistrado, ora Recorrido.
22. Só por via do Incidente de Revisão pode o Sinistrado, ora Recorrido, ver a (sua) pensão agravada e aplicado aquele factor de bonificação de 1,5 (um, vírgula, cinco), caso, à data desse Requerimento, tenha, já, completado os 50 (cinquenta) anos de idade, e, claro está, verificados os pressupostos para a sua aplicação (isto é, da existência de agravamento, recidiva ou recaída da lesão que originou a reparação dos danos, pela ocorrência do acidente de trabalho) – que não estão, no entanto, aqui e agora, em questão e em discussão.
23. O factor de bonificação de 1,5 (um, vírgula, cinco), aplicável, a qualquer Trabalhador, a que tenha sido reconhecida 1 (uma) incapacidade, em razão da ocorrência de acidente de trabalho, pelo facto de ter, entretanto, atingido os 50 (cinquenta) anos de idade, está consagrado, legalmente, na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades (T.N.I.), constante do Anexo I do Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro.
24. E, recentemente, a este propósito, o Supremo Tribunal de Justiça fixou (uniformizou) jurisprudência, através do seu Acórdão de (para a) Uniformização de Jurisprudência n.º 16/2024, de 22 de Maio (em www.dgsi.pt).
25. No qual, decidiu, definitivamente, o seguinte:
'(...) 1. A bonificação do factor 1.5 prevista na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais aprovada em anexo ao Decreto-Lei n.º 352/2007 de 23 de Outubro é aplicável a qualquer sinistrado que tenha 50 ou mais anos de idade, quer já tenha essa idade no momento do acidente, quer só depois venha a atingir essa idade, desde que não tenha anteriormente beneficiado da aplicação desse factor;
2. O sinistrado pode recorrer ao incidente de revisão da incapacidade para invocar o agravamento por força da idade e a bonificação deverá ser concedida mesmo que não haja revisão da incapacidade e agravamento da mesma em razão de outro motivo. − negrito e sublinhado da ora Recorrente.
26. Este seu sumário e dispositivo, designadamente, o seu n.º 2, não deixa margem para quaisquer dúvidas e/ou para quaisquer outras questões interpretativas.
27. O seu teor e o seu conteúdo são claros, cristalinos e inequívocos!
28. Para beneficiar daquele (suposto) factor de bonificação de 1,5 (um, vírgula, cinco), previsto naquele preceito e diploma legal – alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades (T.N.I.), constante do Anexo I do Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro -, em razão da ocorrência deste acidente de trabalho, e por ter, entretanto, atingido os 50 (cinquenta) anos de idade, o Sinistrado, ora Recorrido, teria (tem!) que recorrer ao respectivo Incidente de Revisão da Incapacidade.
29. Aquele coeficiente, em função da idade, não se aplica, automaticamente, nem no momento da avaliação inicial da incapacidade, nem no momento subsequente, quando o(s) Trabalhador(es) atinja(m) aquela referenciada idade.
30. Só, pois, através desse (único) meio processual (Incidente de Revisão da Incapacidade), é que o Sinistrado, ora Recorrido, poderia (pode!) beneficiar do mesmo, e não através de qualquer outro meio processual (como o que está, aqui e agora, em causa, nestes autos, que é a fixação (originária/primária) da sua incapacidade!).
31. Conforme o n.º 2 do sumário e do dispositivo daquele Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de (para a) Uniformização de Jurisprudência n.º 16/2024, de 22 de Maio.
32. A este propósito (desta questão concreta do meio processual para o efeito), e para além da lei e da jurisprudência, tem-se pronunciado, de igual forma, também e unanimemente, a doutrina.
33. A título, meramente, exemplificativo, veja-se o Parecer, elaborado, neste contexto, pelo Exmo. Senhor Professor (da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra), Filipe Albuquerque Matos, e, designadamente, o constante nos n.os 9 e seguintes das suas Conclusões (Páginas 65 e seguintes do mesmo) - Documento n.º 1.
34. O Tribunal a quo, jamais, podia ter decidido, como o fez, na Sentença recorrida, não podia, nela, proferir a decisão que tomou na alínea b) do seu dispositivo.
35. Agrediu, assim, frontalmente, o n.º 2 do dispositivo e do sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de (para a) Uniformização de Jurisprudência n.º 16/2024, de 22 de Maio.
36. Não podia, de acordo com este aresto jurisprudencial do Supremo Tribunal de Justiça, condenar, neste momento e nos termos preditos, a ora Recorrente a pagar, ao Sinistrado, ora Recorrido, 'o capital de remição de uma pensão anual residual de € 319,74 (trezentos e dezanove euros e setenta e quatro cêntimos), acrescido de juros de mora, à taxa anual de 4,00%, vencidos e vincendos, contabilizados sobre o valor de capital de remição desde 17-10-2024 e até efectivo e integral pagamento', em razão da alteração do coeficiente de incapacidade, por força da aplicação (automática) do factor de bonificação de 1,5 (um, vírgula, cinco), pelo facto, daquele, ter, entretanto, alcançado os 50 (cinquenta) anos de idade.
37. Este só pode beneficiar daquele factor (em virtude da sua idade), posteriormente e através do recurso a outro diferente meio processual, que é o do Incidente de Revisão da sua Incapacidade.
38. E não, aqui e agora, no âmbito deste seu Processo/Pedido de Fixação (Originária/Primária) de Incapacidade, decorrente de acidente de trabalho.
39. Por tudo isto, impõe-se que a Sentença recorrida seja revogada, no que concerne à alínea b) do seu dispositivo (e seu respectivo teor).
40. A qual deve ser retirada da Decisão, agora, a proferir, no âmbito deste Recurso de Apelação, mantendo-se o restante decidido, pelo Tribunal a quo, na Sentença recorrida.
41. Deve, assim, ser dado, total e integral, provimento, ao presente Recurso de Apelação, revogando-se e alterando-se/modificando-se/substituindo-se a Sentença recorrida, nos termos, nos modos e com os fundamentos/argumentos, supra, expostos, referidos, mencionados e alegados, em sede de Alegações".
Para tal notificado, o Ministério Público, que representa o sinistrado, contra-alegou, sustentando que deverá ser negado provimento ao recurso e confirmada sentença recorrida na sua totalidade.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar o mérito do recurso, delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente e pelas questões de que se conhece ex officio. Assim, na apelação importa apurar, como de resto se colhe da conclusão 11.ª da apelante, se:
(i) pode o Tribunal a quo determinar na sentença a multiplicação pelo factor de 1,5 da incapacidade do sinistrado para o trabalho caso este perfaça 50 anos de idade no decurso da acção declarativa com processo especial emergente de acidente de trabalho;
(ii) ou só, a requerimento dele, em incidente de revisão.
***
II - Fundamentos.
1. Factos julgados provados:
"1. No dia 16 de Setembro de 2022, quando AA exercia a actividade de motorista de pesados, ao serviço ao serviço da sua empregadora, ao amarrar a carga na viatura, a cinta que estava a agarrar soltou-se e cortou o D2 da mão esquerda causando ferida inciso-contusa distal de D2 da mão esquerda, perda de substância com lesão miotendinosa sem rotura dos tendões flexores.
2. Lesão que demandou um período de incapacidade temporária absoluta (ITA) entre 17-09-2022 e 22-09-2022, seguido de um período de incapacidade temporária parcial (ITP) de 20,00% entre 23-09-2022 e 03-01-2023, novo período de incapacidade temporária absoluta (ITA) entre 04-01-2023 e 29-05-2023 e novo período de incapacidade temporária parcial (ITP) 10,00% entre 30-05-2023 e 26-07-2023.
3. Consolidando nesta última data com sequelas de sequelas ao nível de D2 com perda de substância distal da IFD mantendo a unha sem alterações significativas da sensibilidade e rigidez da IFD de D2, determinantes de uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 2,98%.
4. O sinistrado auferia uma remuneração anual de € 30 655,80.
5. A responsabilidade por acidentes de trabalho encontrava-se transferida para Caravela Companhia de Seguros, SA com referência a essa remuneração anual.
6. A seguradora pagou € 6.066,62 a título de indemnização por incapacidade temporária.
7. O sinistrado despendeu € 16,00 em despesas de deslocação a exame médico e a tribunal, quantia que em 24-01-2025 reclamou da seguradora e esta aceitou pagar.
8. O sinistrado nasceu a 17-10-1974 (certidão constante da referência citius 162950205)".
2. O direito.
Flui com absoluta clareza da apelação da seguradora que a apreciação da questão trazida ao desembargo desta Relação de Lisboa se prende com o sentido a dar ao acórdão do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Uniformização de Jurisprudência n.º 16/2024, de 22-05-2024, tirado no processo n.º 33/12.4TTCVL.7.C1.S1 e publicado no Diário da República n.º 244/2024, Série I, de 17-12-2024 e também em http://www.dgsi.pt, que assim decidiu fixar jurisprudência numa questão que em muito dividiu os nossos Tribunais acerca do modo de funcionamento da instrução n.º 5, alínea a) da Tabela Nacional de Incapacidades:
"I - A bonificação do factor 1.5 prevista na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais aprovada em anexo ao Decreto-Lei n.º 352/2007 de 23 de Outubro é aplicável a qualquer sinistrado que tenha 50 ou mais anos de idade, quer já tenha essa idade no momento do acidente, quer só depois venha a atingir essa idade, desde que não tenha anteriormente beneficiado da aplicação desse factor.
II - O sinistrado pode recorrer ao incidente de revisão da incapacidade para invocar o agravamento por força da idade e a bonificação deverá ser concedida mesmo que não haja revisão da incapacidade e agravamento da mesma em razão de outro motivo".
Ora, para ali chegar o Supremo Tribunal de Justiça alinho, inter alia, a seguinte ordem de argumentação:
"(…)
Importa, todavia, ter em conta que ao estabelecer em uma norma legal que um sinistrado com 50 anos (ou mais) tem direito a uma bonificação de 1.5 o legislador exprimiu uma opção, a de considerar que a idade representa um agravamento das consequências negativas da perda da capacidade de trabalho ou de ganho decorrente do acidente de trabalho. 'Em suma: para o legislador dos acidentes de trabalho a idade do sinistrado – no caso, 50 anos ou mais – é factor relevante, que 'acresce' à sua IPP para efeitos de atribuição de incapacidade, factor assente no facto de que a partir dessa idade as condições físicas/psíquicas de qualquer trabalhador se agravam de modo natural'10.
(…)
Tal opção legislativa deve ser interpretada à luz do disposto no artigo 9.º do Código Civil e tendo em conta designadamente, como bem destaca o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09-01-2020, processo n.º 587/06.4TUPRT.4.P1, a unidade do sistema jurídico (n.º 1 do artigo 9.º), por um lado, e, por outro, que 'na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados' (n.º 3 do artigo 9.º). Seria arbitrária e conduziria a uma diferença de tratamento sem qualquer justificação uma interpretação que apenas atribuísse a bonificação a um sinistrado com 50 ou mais anos à data do acidente, ou melhor, à data em que fixada a incapacidade, mas já não a um sinistrado que tendo menos de 50 anos nesse momento, venha, no entanto, a atingir essa idade – com efeito, se e quando tiver 50 anos este último estará exactamente na mesma situação de agravamento das consequências negativas que justificou a bonificação de que beneficiou o sinistrado que já tinha 50 anos quando se procedeu à primeira avaliação da incapacidade.
(…)".
Para mais adiante concluir o Supremo Tribunal de Justiça:
"(…)
Há, pois, que proceder a uma interpretação teleológica, de resto mais conforme com a tutela constitucional em matéria de acidentes de trabalho, e afirmar que o factor de bonificação deve ser atribuído ao sinistrado com 50 anos ou mais, quer tenha já 50 à data em que é avaliada inicialmente a incapacidade, quer tenha menos idade, mas venha a atingir 50 anos. Se, porventura, fosse exacto que o legislador não tinha previsto um mecanismo processual para operar esta actualização e a aplicação da bonificação, tal implicaria a existência de uma lacuna a preencher pelo intérprete, já que o direito adjectivo não deve trair o direito material ou substantivo.
(…)".
Já se vê, pois, que a boa interpretação das palavras do aresto prolatado pelo Supremo Tribunal de Justiça arreda aquela que é proposta pela apelante e mostra-se adequadamente conforme com aquela que é sugerida na sentença recorrida, a saber:
"Da leitura que se faz deste aresto e do entendimento nele fixado, o factor de bonificação 1,5, previsto na al. a) do .º 5 das Instruções Gerais da TNI, é aplicável a todo o sinistrado, ao qual tenha sido reconhecida uma incapacidade, pelo facto de o mesmo ter atingido os 50 anos de idade e independentemente de qualquer agravamento.
Ou seja, a sua aplicação, com a consequente bonificação da medida da incapacidade, depende apenas do 50.º aniversário do sinistrado.
Estando as prestações por incapacidade condicionadas à medida da incapacidade − art.º 48.º da Lei 98/2009, de 04-09 − a idade de 50 anos, com o seu reflexo na medida da incapacidade para efeitos de reparação, configura-se como um pressuposto de revisão de prestação que tenha sido fixada anteriormente, sem carecer da demonstração de circunstâncias − 'agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou de intervenção clínica ou aplicação de ajudas técnicas e outros dispositivos técnicos de compensação das limitações funcionais ou ainda de reabilitação e reintegração profissional e readaptação ao trabalho' − que, nos termos do art.º 70.º da Lei 98/2009, de 04-09, justificam, quando demonstradas, a revisão da prestação.
Sendo a idade do autor um facto que a seguradora, que o tratou, não pode desconhecer − o facto mostra-se certificado nos autos por certidão de nascimento, foi mencionado pela empregadora na participação de acidente, consta dos registos clínicos da seguradora e foi por esta consignado na participação de acidente − entende-se que nada obsta à consideração do estabelecido no referido Acórdão de Uniformização de Jurisprudência tanto mais que a reparação por acidentes de trabalho se enquadra no domínio dos direitos indisponíveis − art.os 12.º e 78.º da Lei 98/2009, de 04-09".
Não faria qualquer sentido que a lei concedesse ao sinistrado a bonificação apenas por uma razão natural (ter perfeito 50 anos de idade) para depois somente reconhecer esse facto numa acção (incidental) posteriormente por ele intentada: o que a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça louvavelmente disse foi que a lei quis que o factor envelhecimento deve ser majorado quando tal ocorrer (presumido relevante nos 50 anos de idade) e não somente após o reconhecimento do direito à pensão (que depende outros factores, que não daquele), tanto mais que, como sabemos, o factor tempo processual é na prática desligado da vontade do sinistrado, quando, é certo, é ele quem precisa do conforto e amparo material que a pensão representa para a sua vida.
Diga-se, de resto, que esta Relação de Lisboa já teve oportunidade de assim se pronunciar sobre a questão decidenda:
"I – Se, na pendência da acção emergente de acidente de trabalho, o sinistrado completar 50 anos de idade, ser-lhe-á aplicada a bonificação do factor 1.5 previsto na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, sem que haja necessidade de o beneficiário instaurar incidente de revisão da incapacidade para efeitos de ver satisfeito tal desiderato.
II – A jurisprudência uniformizadora adoptada pelos Acórdãos de Uniformização de Jurisprudência deve ser seguida pelos demais tribunais judiciais enquanto subsistirem os pressupostos que a determinaram, atendendo ao seu valor reforçado".
Decisão individual (da relatora) da Relação de Lisboa, de 24-07-2025, no processo n.º 16299/23.1T8LSB.L1-4, publicado em http://www.dgsi.pt
Sendo assim, resta negar provimento à apelação e confirmar a sentença recorrida.
***
III - Decisão.
Termos em que se acorda negar provimento à apelação e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela apelante (art.º 527.º, n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil e 6.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais).
*
Lisboa, 22-10-2025.
Alves Duarte
Celina Nóbrega
Susana Silveira