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CONVENÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO
DENÚNCIA
ACÓRDÃO DO COLÉGIO ARBITRAL
Sumário
Sumário: I – A exigência do artigo 500.º, n.º 2, do CT de que “[a] denúncia deve ser acompanhada de fundamentação quanto a motivos de ordem económica, estrutural ou a desajustamentos do regime da convenção denunciada” consagra elementos de fundamentação alternativos, bastando que a parte denunciante se ancore num deles e o densifique em termos congruentes, para se considerar fundamentada a denúncia. II – O desajustamento do instrumento de regulamentação colectiva face à evolução do regime legal, quando abarque um espectro relevante de matérias, constitui fundamento para a respectiva denúncia.
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:
1. Relatório
O CICCOPN - CENTRO DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL DA INDÚSTRIA DA CONSTRUÇÃO CIVIL E OBRAS PÚBLICAS DO NORTE, não se conformando com o Acórdão do Colégio Arbitral de 06 de Maio de 2025, proferido no Processo de Arbitragem nº 10/2025 instaurado no Conselho Económico Social nos termos do artigo 500.°-A do Código do Trabalho para apreciação da denúncia do Acordo de Empresa por si celebrado entre o recorrente e o recorrido STFPSN - SINDICATO DOS TRABALHADORES EM FUNÇÕES PÚBLICAS E SOCIAIS DO NORTE e publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.° 17, de 08 de Maio de 2018, que concluiu, por maioria, pela “improcedência dos fundamentos da denúncia”, dele veio interpor recurso de apelação.
Formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:
“I. O artigo 500.°-A do Código do Trabalho prevê que a arbitragem se rege pelo disposto nos artigos 512.° e 513.° do Código do Trabalho e por legislação específica.
II. O regime da arbitragem para a apreciação dos fundamentos da denúncia de convenção colectiva, a suspensão do período de sobrevigência, a arbitragem obrigatória ou a arbitragem necessária, no que não é regulado no Código do Trabalho, consta de legislação especifica, designadamente, o Decreto-Lei n.° 259/2009, de 25 de Setembro, de acordo com o disposto no artigo 513.° e na alínea b) do n.° 4 do artigo 538.° do Código do Trabalho.
III. Da decisão do Tribunal Arbitral proferida no dia 06 de Maio de 2025 cabe recurso para o Tribunal da Relação, nos mesmos termos que se encontram previstos no Código de Processo Civil.
IV. A decisão do Tribunal Arbitral foi notificada às partes na data de 06 de Maio de 2025, razão pela qual o presente Recurso da decisão do tribunal arbitral é tempestivo.
V.O presente Recurso consubstancia o mais profundo inconformismo da Recorrente face à Decisão proferida pelo Tribunal Arbitral a quo, entendendo, sem quebra do respeito sempre devido por douta opinião em contrário, ser desajustada dos normativos legais e convencionais aplicáveis in casu, padecendo de graves erros.
VI. ímpõe-se a alteração da Decisão arbitral proferida, na parte em que decidiu pela Improcedência dos fundamentos invocados na denúncia, e a sua não produção de efeitos, dado que se encontra desfasada das normas legais e convencionais aplicáveis.
VIL A Recorrente, acompanhou a denúncia do Acordo de Empresa com a respectiva fundamentação quanto aos motivos de ordem económica, estrutural e desajustamentos do regime da convenção que compeliam a Recorrente a proceder à denúncia do Acordo de Empresa.
VIII. As normas que se encontram previstas no Acordo de Empresa celebrado entre as partes ao abrigo da sua liberdade negocial levam a que a decisão proferida pelo tribunal arbitral devesse ser distinta, impondo-se assim a alteração da decisão em conformidade com o que resulta do disposto na convenção outorgada por Recorrente e Recorrido.
IX. A Recorrente «logrou demonstrar e provar que a denúncia do Acordo de Empresa foi acompanhada de motivos de ordem económica, estrutural e desajustamentos do regime da convenção que justificaram a denúncia do Acordo de Empresa promovida pela Recorrente.
X. O excesso de pronúncia ocorre quando se procede ao conhecimento de questões não suscitadas pelas partes ou que sejam de conhecimento oficioso, por força do disposto na segunda parte da alínea d) do n.° 1 do artigo 615.° do Código de Processo Civil.
XI. A nulidade por excesso de pronúncia apenas se verifica quando o tribunal conheça de matéria situada para além das “ temáticas centrais", integrantes do thema decidendum, que é constituído pelo pedido ou pedidos, causa ou causas de pedir e excepções.
XII. O excesso de pronúncia reconduz-se, assim, à inobservância dos estritos limites do poder cognitivo do Tribunal.
XIII. A decisão arbitral a quo foi além do thema decidendum ao qual o Tribunal estava adstrito, consubstanciando-se no uso ilegítimo do poder jurisdicional, por se ter abordado e decidido questões de que não se podia conhecer.
XIV. Prevê o n.° 1 do artigo 500.°-A do Código do Trabalho que, em caso de denúncia de convenção colectiva, a parte destinatária da denúncia pode requerer ao presidente do Conselho Económico e Social arbitragem para apreciação da fundamentação invocada pela parte autora da denúncia.
XV. Nos termos do artigo 500 °-A do Código do Trabalho, a arbitragem tem como objecto a apreciação da fundamentação invocada pela parte autora da denúncia, que se limita à verificação da existência dos motivos apresentados, não cabendo na esfera do tribunal arbitral avaliar a sua suficiência ou mérito.
XVI. O presente artigo, aditado pela Lei n.° 13/2023, de 03 de Abril, não prevê que o tribunal arbitral, na apreciação da fundamentação invocada por parte da autora da denúncia, se deva pronunciar quanto á suficiência ou insuficiência dos motivos e fundamentos invocados na denúncia, mas tão só quanto à existência dos mesmos.
XVII. A competência do tribunal arbitral, conforme delineada no artigo 500.°-A restringe-se à constatação da presença de fundamentos na denúncia apresentada, não tendo o legislador atribuído ao tribunal arbitral a função de julgar da adequação ou suficiência desses mesmos fundamentos.
XVIII. A arbitragem para apreciação da fundamentação invocada pela parte autora da denúncia visa prevenir a existência de denúncias infundadas ou arbitrárias, mas não implica que o tribunal arbitral deva avaliar a pertinência ou suficiência dos motivos invocados na mesma denúncia.
XIX. A intervenção do tribunal arbitral deve bastar-se com a confirmação de que a denúncia foi motivada, não lhe competindo fiscalizar o teor e conteúdo dessa fundamentação, mas tão só aferir se a mesma existe.
XX. O labor do tribunal arbitral não estava focalizado em indagar se a fundamentação invocada pela Recorrente preenchia os motivos de ordem económica, estrutural ou desajustamentos do regime da convenção denunciada, mas antes se esses mesmos fundamentos foram invocados pela Recorrente.
XXI. O Tribunal a quo, ao decidir que não se vislumbra qualquer fundamentação de ordem económica e estrutural ou desajustamento da convenção denunciada para que se possa sustentar a sua denúncia incorreu em nulidade por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 615®, n.® 1, alínea d) do Código de Processo Civil.
XXII. O legislador tem pretendido configurar a convenção colectiva como um contrato, o qual, como qualquer outro, está sujeito a caducidade.
XXIII. A convenção colectiva é semelhante a um contrato a prazo, cujo conteúdo e vigência dependem totalmente da liberdade contratual das partes.
XXIV. O princípio da autonomia colectiva, consagrado na Constituição da República Portuguesa, confere às partes a liberdade de celebrar - e de denunciar - convenções colectivas.
XXV. As convenções colectivas assumem a natureza de contratos celebrados entre os representantes dos trabalhadores e dos empregadores, tendo, por isso, que ser assumidas como um todo que abrange todas as cláusulas convencionadas e que são contrapartida de umas e de outras.
XXVI. No Acordo de Empresa celebrado entre Recorrente e Recorrido, publicado no Boletim de Trabalho e Emprego - BTE) n.° 17, de 08 de Maio de 2018, estabeleceram as partes, no seu artigo 3,°, o seguinte:
"1-O AE pode ser denunciado por qualquer uma das partes com a antecedência mínima de 3 meses relativamente ao termo dos prazos de vigência mínimos indicados na cláusula anterior.
2- A denúncia deve ser acompanhada de proposta de revisão e remetida à outra parte através de carta registada com aviso de receção.
3- A contraparte deverá enviará parte denunciante uma contraproposta no prazo máximo de 30 dias a contar da data de receção da proposta, também através de carta registada.
4- As reuniões de negociação iniciar-se-ão no prazo máximo de 15 dias a contar da data de receção da contraproposta”.
XXVII. Recorrente e Recorrido, no estrito uso da sua liberdade negocial e contratual, face a uma realidade existente no momento da sua celebração, quiseram negociar e celebrar uma determinada realidade.
XXVIII. As partes, Recorrente e Recorrido, no estrito uso da sua liberdade negocial e contratual, convencionaram um regime diferente, no Acordo de Empresa, daquele que se encontra previsto no Código do Trabalho.
XXIX. O artigo 500.°, n ° 1, do Código do Trabalho prevê que qualquer das partes pode denunciar a convenção colectiva, mediante comunicação escrita dirigida à outra parte, acompanhada de proposta negocial global.
XXX. O n.° 2 do mesmo artigo 500.° do Código do Trabalho prevê que a denúncia deve ser acompanhada de fundamentação quanto a motivos de ordem económica, estrutural ou a desajustamentos do regime da convenção denunciada.
XXXI. As partes convencionaram, em sede de Acordo de Empresa, um regime distinto do que se encontra previsto no Código do Trabalho, tendo fixado que o Acordo de Empresa pode ser denunciado por qualquer uma das partes e que a denúncia deve ser acompanhada de proposta de revisão.
XXXII. A Recorrente formalizou a denúncia do Acordo de Empresa, tendo acompanhado a referida denúncia com a proposta de revisão do Acordo de Empresa.
XXXIII. Aquando da celebração do Acordo de Empresa, no estrito âmbito da liberdade negocial e contratual da Recorrente e Recorrido, as partes não exigiram que a denúncia do Acordo de Empresa estivesse dependente de fundamentação quanto a motivos de ordem económica, estrutural ou a desajustamentos do regime da convenção denunciada, mas tão só da simples manifestação de vontade, acompanhada de proposta de revisão global.
XXXIV. As partes, Recorrente e Recorrido, entenderam e estipularam, em sede de Acordo de Empresa que, para que ocorresse a denúncia do contrato, bastava a manifestação de vontade, por uma das partes, desde que acompanhada de proposta de revisão global.
XXXV. A obrigatoriedade de a denúncia ser acompanhada de fundamentação quanto a motivos de ordem económica, estrutural ou a desajustamentos do regime da convenção denunciada resulta da lei geral, tendo previsão no Código do Trabalho, não podendo tal norma substituir-se à vontade das partes, fixada em sede de Acordo de Empresa, constituindo, portanto, uma norma de natureza supletiva.
XXXVI. Considerar-se como pressuposto para a admissibilidade e eficácia da denúncia a existência de fundamentação quanto a motivos de ordem económica, estrutural ou a desajustamentos do regime da convenção denunciada é ignorar a liberdade negocial e contratual das partes envolvidas na celebração do Acordo de Empresa, violando o seu direito constitucional á negociação colectiva, plasmado no artigo 51.° da Constituição da República Portuguesa.
XXXVII. É inconstitucional o entendimento de que o texto negocial e contratual das partes deve sucumbir á norma do artigo 500.° do Código do Trabalho, cuja natureza é meramente supletiva, sendo patente uma inconstitucionalidade, atenta a grosseira limitação do direito constitucional das partes à negociação e contratação colectiva, na medida em que desvalorizam por completo o acordado pela Recorrente e Recorrida no sentido da denúncia do Acordo de Empresa se bastar com a mera comunicação sem necessidade de fundamentação quanto a motivos de ordem económica, estrutural ou a desajustamentos do regime da convenção denunciada.
XXXVIII. Nos termos previstos no artigo 502.°, n.° 1, do Código do Trabalho, a convenção colectiva pode cessar, no todo ou em parte, mediante revogação por acordo das partes; por caducidade, nos termos do artigo 501.°, decorrente da extinção de associação sindical ou associação de empregadores outorgantes, determinada por decisão judicial, transitada em julgado, nos termos de cláusula convencional expressa sobre a cessação da respectiva vigência, decorrente da verificação do termo do prazo previsto no n.° 1 do artigo 498 decorrente de acto ou facto que determine a extinção jurídica de empregador outorgante de acordo de empresa ou acordo colectivo.
XXXIX. A convenção colectiva pode cessar mediante revogação, através de acordo celebrado por ambas as partes outorgantes; através de denúncia, que se consubstancia no acto de uma das partes outorgantes comunicar à contraparte a vontade de não manter a vigência da convenção colectiva outorgada entre ambas as partes, com o cumprimento dos requisitos estabelecidos pelas partes e previstos na própria convenção colectiva ou, supletivamente, na lei geral, ou mediante caducidade da convenção colectiva, por decurso do prazo estabelecido pelas partes para a sua vigência ou ocorrência de um evento posterior que não possibilite a manutenção da vigência da convenção colectiva.
XL. Ocorreu um facto posterior que impossibilita a manutenção da vigência do Acordo de Empresa celebrado entre Recorrente e Recorrido, designadamente a extinção jurídica de empregador outorgante de acordo de empresa, conforme previsto no ponto vi), alínea b) do artigo 502.°, n.° 1, do Código do Trabalho,
XLI. Através da Portaria n.° 492/87, de 12 de Junho, e da Portaria n.° 559/87, de 06 de Julho, ambas na sua actual redacção, foram homologados os protocolos que criaram o Centro de Formação Profissional para o Sector da Construção Civil e Obras Públicas do Sul (CENFIC) e Centro de Formação Profissional da Indústria de Construção Civil e Obras Públicas do Norte (CICCOPN).
XLII. Através da Portaria n.° 328/2024/1, de 18 de Dezembro de 2024, procedeu-se à fusão do Centro de Formação Profissional para o Sector da Construção Civil e Obras Públicas do Sul (CENFIC) com o Centro de Formação Profissional da Indústria de Construção Civil e Obras Públicas (CICCOPN).
XLIII. Através da Portaria n.° 108/2025/1, de 13 de Março de 2025, procedeu-se à homologação do protocolo que cria o centro protocolar para a formação profissional do sector da construção civil que adopta a designação de Centro de Formação Profissional da Indústria de Construção Civil e Obras Públicas (CICCOPN), outorgado entre o Instituto do Emprego e da Formação Profissional, I. P. (IEFP, I. P.), e a Associação das Indústrias de Construção Civil e Obras Públicas (AICCOPN), tendo a referida Portaria sofrido alterações na data de 14 de Abril de 2025.
XLIV. Nos termos das Portarias n.° 328/2024/1, de 18 de Dezembro de 2024 e 108/2025/1, de 13 de Março de 2025, foi homologado o Protocolo que criou uma entidade - o Centro de Formação Profissional da Indústria de Construção Civil e Obras Públicas -, tendo tal constituição levado à extinção do anterior CICCOPN - Centro de Formação Profissional da Indústria da Construção Civil e Obras Públicas do Norte.
XLV. Com a extinção do CICCOPN - Centro de Formação Profissional da Indústria da Construção Civil e Obras Públicas do Norte e a respectiva fusão com o CENFIC - Centro de Formação Profissional para o Sector da Construção Civil e Obras Públicas do Sul (CENFIC), a Recorrente será extinta, deixando de existir no comércio jurídico.
XLVI. O Centro que resultará da fusão entre o Centro de Formação Profissional para o Sector da Construção Civil e Obras Públicas do Sul (CENFIC) com o Centro de Formação Profissional da Indústria de Construção Civil e Obras Públicas (CICCOPN) sucede nos contratos de trabalho celebrados com cada uma destas entidades e cada um dos respectivos trabalhadores, sendo uma entidade jurídica totalmente nova e recém-constituída.
XLVII. Grande parte dos trabalhadores que irão suceder nos contratos de trabalho celebrados com o Centro de Formação Profissional para o Sector da Construção Civil e Obras Públicas do Sul (CENFIC) não se encontram representados no Acordo de Empresa celebrado entre Recorrente e Recorrida.
XLVIII. A fusão e respectiva extinção da entidade outorgante do Acordo de Empresa (a ora Recorrente) terá de levar, forçosamente, â cessação do Acordo de Empresa por caducidade.
XLIX. A denúncia do Acordo de Empresa deve considerar-se devidamente fundamentada com esta circunstância decorrente da mera aplicação de diplomas legais, sendo consensual a bem próxima caducidade automática do Acordo de Empresa in casu por extinção jurídica da ora Recorrente, a qual deverá ocorrer nos próximos dias.
L. Na data de 07 de Fevereiro de 2025, a Recorrente, procedeu à denúncia do Acordo de Empresa publicado em Boletim do Trabalho e Emprego (BTE) n.° 17, de 08 de Maio de 2018, téndo remetido ao Recorrido os fundamentos que configuram motivos de ordem económica, estrutural ou desajustamentos do regime do Acordo de Empresa denunciado.
LI. Para que a denúncia produza efeitos, esta necessita de ser uma denúncia construtiva, isto é, carece de ser acompanhada de uma proposta negocial global, por parte da entidade denunciante, e fundamentada, isto é, carece de se estribar em motivos de ordem económica, estrutural ou em desajustamentos do regime da convenção denunciada.
LII. A fundamentação da denúncia da convenção colectiva deve ser interpretada em paralelo com a proposta de revisão global que acompanha a respectiva denúncia.
LIII. Caso contrário, a parte denunciante teria, obrigatoriamente, de praticar actos inúteis/supérfluos/desnecessários e proceder à inteira reprodução, na fundamentação da denúncia da convenção colectiva, da proposta de revisão global que não só a acompanha, como é dela parte integrante.
LIV. A denúncia do Acordo de Empresa apresentada pela Recorrente é clara quanto aos seus pressupostos, que consistem na necessidade de introduzir, no Acordo de Empresa, instrumentos de flexibilização das relações de trabalho.
LV. Na proposta de revisão global elaborada e remetida pela Recorrente ao Recorrido, propôs-se a introdução no Acordo de Empresa dos institutos do banco de horas e da adaptabilidade.
LVI. Na fundamentação aposta na denúncia do Acordo de Empresa, a Recorrente justificou a respectiva denúncia com o não acompanhamento, pelo Acordo de Empresa, de diversas alterações legislativas que surgiram no âmbito do Código do Trabalho, designadamente: Lei n.° 90/2019, de 04 de Setembro; Lei n.° 93/2019, de 04 de Setembro; Lei n.° 18/2021, de 08 de Abril; Lei n.° 83/2021, de 06 de Dezembro; Lei n.° 01/2022, de 03 de Janeiro e Lei n.° 13/2023, de 29 de Maio.
LVII. As alterações legislativas mencionadas introduziram diversas mutações fundamentais no âmbito do reforço da protecção da parentalidade, medidas de protecção específicas de trabalhador com deficiência ou doença crónica, alterações no âmbito do número de horas de formação contínua a que o trabalhador tem direito, modificações no âmbito do regime de teletrabalho e as alterações trazidas no âmbito da Agenda do Trabalho Digno, designadamente no que diz respeito ao regime da parentalidade, dever de informação, faltas e trabalho suplementar.
LVIII. O regime previsto na convenção outorgada entre as partes encontra-se totalmente desfasado da realidade actual, e das sucessivas alterações legislativas que foram mencionadas na fundamentação da denúncia do Acordo de Empresa.
LIX. A Recorrente introduziu, na proposta negocial global apresentada em conjunto com a denúncia da convenção colectiva, diversas alterações em matéria de reforço da protecção da parentalidade, âmbito do número de horas de formação contínua a que o trabalhador tem direito, dever de informação, faltas e trabalho suplementar.
LX. A Requerente transpôs, igualmente, para a fundamentação da denúncia do Acordo de Empresa, a enunciação dos normativos previstos na mesma convenção colectiva que se afiguravam desajustados da realidade actual, designadamente: a cláusula 29.a, referente ao direito à formação profissional; a cláusula 65.a, referente às férias, a cláusula 80a, concernente com as faltas justificadas e a cláusula 85.a, referente à maternidade e paternidade.
LXI. O desajustamento do regime da convenção denunciada pela Recorrente é, desde logo, evidenciado pela remissão, que consta da fundamentação da denúncia do Acordo de Empresa, para a proposta negocial global que a Recorrente dá por integralmente reproduzida e como parte integrante da sua fundamentação.
LXIL Deve-se, assim, considerar fundamentação bastante da denúncia a demonstração documental de que a convenção colectiva denunciada é desajustada da realidade, por razão de necessidade de alteração do seu articulado, nos precisos termos constantes da proposta negocial global anexa à denúncia.
LXIII. Não pode, a Recorrente, colher o entendimento do Tribunal Arbitral a quo, de que as várias alterações legislativas a que se alude são constituídas por normas imperativas que já se aplicam ás relações de trabalho na Recorrente, independentemente do texto do Acordo de Empresa.
LXIV. Tal entendimento induz mesmo a que não sejam realizadas alterações no âmbito das convenções colectivas em virtude do facto de as normas imperativas serem aplicadas às relações de trabalho na entidade empregadora outorgante - o que desvirtua, verdadeiramente, o próprio sentido e razão de ser da contratação colectiva.
LXV. A fundamentação aposta na denúncia do Acordo de Empresa não se afigura deficiente ou obscura, pois indica, de forma expressa e veemente, os desajustamentos do regime da convenção denunciada com a realidade actual.
LXVI. A proposta negocial global, que constitui parte integrante da fundamentação da denúncia do Acordo de Empresa é dotada de vários instrumentos que inovam, modernizam a convenção colectiva de trabalho e, sobretudo, a adequam à realidade actual.
LXVII. É faculdade de qualquer peça processual dar por integrado texto anexo para que remete, sem que com isso deixe de ficar claro que este o integra ou que possa deixar de ser analisado em conjunto com o texto de que é parte integrante.
LXVIII. A Recorrente, na fundamentação da denúncia da convenção colectiva invoca motivos de ordem económica e estrutural, designadamente o facto de a tabela salarial constante do Acordo de Empresa entre Recorrente e Recorrida, publicado em B.T.E. a 08 de Maio de 2018 prever vencimentos base no montante de 580,00 Euros {quinhentos e oitenta euros), quando o salário mínimo nacional actual ascende ao montante de 870,00 Euros (oitocentos e setenta euros).
LXIX. Não se afigura necessário que o requerimento de denúncia seja acompanhado de fundamentação que contenha um enunciado exaustivo dos motivos económicos e estruturais (tanto mais quando a mesma fundamentação foi acompanhada de proposta negocial global, que dela fazia parte integrante), bastando que do mesmo se possa deduzir o que é a finalidade desta exigência legal, a de demonstrar “os desajustamentos do regime da convenção enunciada".
LXX. O Tribunal Arbitral a quo não fez a melhor interpretação do Direito aplicável, violando, entre outros, os artigos 500.°, n.° 1 e n.° 2 do Código do Trabalho e artigo 3.° do Acordo de Empresa n.° 17 de 08 de Maio de 2018.
LXXI. Deve o presente Recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a Decisão Arbitral proferida pelo Tribunal Arbitral a dando-se assim provimento ao recurso que ora se interpõe.”
Não foram apresentadas contra-alegações.
Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se em douto Parecer no sentido da confirmação da decisão final do Colégio Arbitral, com a improcedência do recurso.
O recorrente respondeu a este Parecer, dele discordando.
Cumprido o disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657º do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, e realizada a Conferência, cumpre decidir.
* 2. Objecto do recurso
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, aplicáveis “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho –, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal consistem em saber:
1.ª - se a Decisão Arbitral padece de nulidade nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil;
2.ª - se o procedimento previsto no artigo 500.º do Código do Trabalho não pode sobrepor-se à vontade das partes expressa na Cláusula 3º do AE celebrado entre o CICCOPN e STFPSN, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, nº 17, de 8 de Maio de 2018, que não prevê a necessidade de fundamentação da denúncia (mas apenas que a comunicação seja acompanhada de proposta de revisão) e da inconstitucionalidade de entendimento contrário;
3.ª - se a extinção jurídica do empregador outorgante do AE por via das Portarias 328/2024/1 de 18/12 e 108/ 2025/1 de 13/3, sempre determinaria a caducidade do instrumento de regulamentação colectiva, ao abrigo do artigo 502º nº 1, al. b), ponto vi), do CT;
4.ª - se o recorrente fundamentou a denúncia por si promovida, indicando os motivos de ordem económica, estrutural ou desajustamento do regime da convenção que a justificam e, em caso afirmativo, se deve ser declarada improcedente a fundamentação.
* 3. Fundamentação de facto
*
São os seguintes os factos e ocorrências processuais relevantes:
A) No dia 7 de fevereiro de 2025, o CICCPON enviou, via email, para o STFPSN uma comunicação de denúncia do Acordo de Empresa entre o CICCOPN - Centro de Formação Profissional da Indústria da Construção Civil e Obras Públicas do Norte e o Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais do Norte (STFPSN) e outra, publicado em Boletim do Trabalho e Emprego, nº 17, de 8 de Maio de 2018, da qual fez constar, designadamente, o seguinte:
«[…] A denúncia do Acordo de Empresa entre o CICCOPN - Centro de Formação Profissional da Indústria da Construção Civil e Obras Públicas do Norte e o Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais do Norte, publicado em Boletim do Trabalho e Emprego, nº 17, de 8 de Maio de 2018, tem como fundamentos diversos motivos de ordem económica, estrutural e desajustamentos do regime do Acordo ora denunciado, conforme melhor explanado infra. Com efeito, desde a data da sua publicação, surgiram, no âmbito do Código do Trabalho, diversas alterações, que não foram acompanhadas pelo Acordo de Empresa, designadamente: • Lei n.º 90/2019, de 04 de Setembro; • Lei n.º 93/2019, de 04 de Setembro; • Lei n.º 18/2021, de 08 de Abril; • Lei n.º 83/2021, de 06 de Dezembro; • Lei n.º 01/2022, de 03 de Janeiro; • Lei n.º 13/2023, de 29 de Maio. Ora, todas as presentes alterações legislativas introduziram diversas mutações fundamentais no âmbito do reforço da protecção na parentalidade, medidas de protecção específicas de trabalhador com deficiência ou doença crónica, alterações no âmbito do número de horas de formação contínua a que o trabalhador tem direito, modificações no âmbito do regime de teletrabalho e, prementemente, todas as alterações trazidas quer ao Código do Trabalho, quer à legislação conexa, no âmbito da Agenda de Trabalho Digno, o que torna imperiosa a existência de uma revisão do Acordo de Empresa.» Melhor explanando, as alterações trazidas pela Agenda de Trabalho Digno, nomeadamente, no âmbito do regime da parentalidade, dever de informação, faltas, trabalho suplementar, não encontram qualquer respaldo no clausulado, nos termos em que se encontra formulado actualmente. O mesmo é dizer que o Acordo de Empresa ora denunciado se encontra completamente desajustado da realidade actual, não só no que concerne às tabelas salariais e demais cláusulas de expressão pecuniária, mas também nas restantes matérias laborais que foram sofrendo alterações substanciais desde o ano de 2018, designadamente, a cláusula 29.ª, referente ao direito à formação profissional; a cláusula 65.ª, referente às férias, a cláusula 80.ª, concernente com as faltas justificadas e a cláusula 85.ª, referente à maternidade e paternidade. Impõe-se, assim, a introdução de um regime de férias e faltas em consonância com as alterações legislativas na presente matéria, conforme proposta negocial global ora apresentada. De igual forma, o Acordo de Empresa actualmente publicado prevê tabelas salariais desajustadas da realidade económica actualmente em vigor, pelo que se impõe a actualização das mesmas em conformidade com o Anexo II - Proposta de Revisão Global. Veja-se, neste ponto, que a tabela salarial constante do Acordo de Empresa entre o CICCOPN - Centro de Formação Profissional da Indústria da Construção Civil e Obras Públicas do Norte e o Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais do Norte, publicado em B.T.E. a 08 de Maio de 2018 prevê vencimentos base no montante de 580,00 Euros, quando o salário mínimo nacional actual ascende ao montante de 870,00 Euros. Assim, torna-se imperativo proceder a uma revisão global do clausulado e respetivas tabelas salariais, conforme proposta de revisão global que se junta como anexo II. (…) Anexo II – Proposta de revisão do Acordo de Empresa entre o CICCOPN - Centro de Formação Profissional da Indústria da Construção Civil e Obras Públicas do Norte e o Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais do Norte, publicado no B.T.E. n.º 17, de 08 de Maio de 2018.»[1]
B) No dia 19 de fevereiro de 2025, o STFPSN remeteu ao Sr. Presidente do Conselho Económico e Social um requerimento, ao abrigo do artº 500-A, do Código do Trabalho, nos termos do qual expendeu que «na sequência da receção de comunicação de denúncia do Acordo de Empresa supramencionado, rececionado via e-mail em 7 de Fevereiro de 2025 e via CTT em 10 de Fevereiro de 2025 (que aqui se junta, integralmente e em anexo), nos termos e para os efeitos do nº 1, do art.º 500º-A, da Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro, somos a requerer a V.ª Ex., arbitragem para apreciação da fundamentação invocada pelo CICCOPN – Centro de Formação Profissional da Indústria da Construção e Obras Públicas do Norte. Aludindo ao previsto no nº 2, do art.º 500º, da Lei nº 7/2009, de 12 de fevereiro, entendemos que a fundamentação invocada na denúncia não clarifica os motivos de ordem económica e estrutural. E, quanto aos desajustamentos do regime do Acordo de Empresa, as alterações legislativas mencionadas em nada colidem com as disposições constantes no Clausulado; isto porque, ou se sobrepõem por se revestirem de tratamento mais favorável ao trabalhador, ou se aplicam subsidiariamente por omissão do Clausulado. Analisando a proposta negocial apresentada, sobressai ainda, desta, o seu carácter globalmente mais desfavorável.»
C) Na sequência de tal requerimento, o Sr. Presidente do Conselho Económico e Social emitiu o DESPACHO n.º 04/GP/2025 nos termos do qual decidiu: «Considerando que: 1. No dia 19 de fevereiro de 2025 deu entrada nos serviços do Conselho Económico e Social um requerimento de arbitragem apresentado pelo Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais do Norte (STFPSN), nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 500.º-A da Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro (Código do Trabalho), na redação introduzida pela Lei n.º 13/2023, de 23 de abril, para apreciação da fundamentação invocada na denúncia, pelo CICCOPN – Centro de Formação Profissional da Indústria da Construção e Obras Públicas do Norte, do Acordo de Empresa celebrado entre o CICCOPN e o STFPSN, publicado em Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 17, de 8 de maio de 2018. 2. O artigo 500.º-A do Código do Trabalho instituiu um novo processo para arbitragem, que prevê que a parte destinatária da denúncia pode, no prazo de 10 dias a contar da data da respetiva receção, requerer ao presidente do Conselho Económico e Social arbitragem para apreciação da fundamentação invocada pela parte autora, suspendendo por essa via os efeitos da denúncia e impedindo a convenção coletiva de entrar em regime de sobrevigência. 3. A denúncia foi comunicada por correio eletrónico no dia 7 de fevereiro de 2025 e por carta registada com aviso de receção recebida, pelo destinatário, a 10 de fevereiro de 2025, acompanhada da respetiva fundamentação e de proposta negocial global. 4. O n.º 3 do artigo 500.º-A dispõe que a arbitragem nele prevista se rege “pelo disposto nos artigos 512.º e 513.º e por legislação específica”. 5. O artigo 513.º do Código do Trabalho estabelece que “O regime da arbitragem para a apreciação dos fundamentos da denúncia de convenção coletiva, a suspensão do período de sobrevigência, a arbitragem obrigatória ou a arbitragem necessária, no que não é regulado nas secções precedentes, consta de legislação específica”. 6. Por sua vez, o n.º 6 do artigo 32.º da Lei n.º 13/2023, de 23 de abril, dispunha que “No prazo de 60 dias, o Governo procede às adaptações necessárias referidas no artigo 513.º do Código do Trabalho”. 7. Tais “adaptações necessárias” não foram, contudo, adotadas até ao momento, mantendo-se inalterado o teor do Decreto-Lei n.º 259/2009, de 25 de setembro, que regula o regime jurídico da arbitragem obrigatória e a arbitragem necessária, bem como a arbitragem sobre serviços mínimos durante a greve e os meios necessários para os assegurar, de acordo com o artigo 513.º e a alínea b) do n.º 4 do artigo 538.º do Código do Trabalho. 8. Nos termos do n.º 1 do artigo 37.º da Lei n.º 13/2023, de 23 de abril, o diploma entrou em vigor no primeiro dia do mês seguinte ao da sua publicação. Mas de acordo com o n.º 3 do mesmo artigo, “Os artigos 500.º, 500.º-A, 501.º, 501.º-A, 502.º, 510.º, 511.º, 512.º e 513.º do Código do Trabalho entram em vigor no dia seguinte ao da sua publicação”. 9. Resulta do que precede que os artigos 500.º-A e 513.º do Código do Trabalho, na redação que lhes foi dada pela Lei n.º 13/2023, de 23 de abril, se encontram plenamente em vigor e que, por conseguinte, o presidente do Conselho Económico e Social se encontra obrigado a dar sequência ao requerimento de arbitragem que lhe foi apresentado nos termos legais, dando início ao procedimento tendente à nomeação dos árbitros e subsequente constituição do tribunal arbitral. 10.Inexistindo disposições específicas relativamente ao procedimento a adotar, importa proceder à integração da lacuna através do recurso à analogia, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 10.º do Código Civil, fazendo apelo a legislação que regule situação análoga, em razão da identidade apresentada face à situação não regulada. 11. Tal é o caso do disposto nos artigos 509.º (determinação de arbitragem obrigatória) e 511.º (determinação de arbitragem necessária), ambos do Código do Trabalho, no que se refere à determinação por despacho fundamentado do ministro responsável pela área laboral (sendo aqui essa determinação da competência do presidente do Conselho Económico e Social, por força do artigo 500.º-A do Código do Trabalho), bem como dos artigos 6.º a 23.º (Capítulo III – Constituição e funcionamento do tribunal arbitral em arbitragem obrigatória e arbitragem necessária) do Decreto-Lei n.º 259/2009, de 25 de setembro, mediante interpretação extensiva e sistemática. Em conformidade, decido: a) Deferir o requerido pelo Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais do Norte (STFPSN), determinando a realização da arbitragem para apreciação da fundamentação invocada na denúncia do Acordo de Empresa entre o CICCOPN – Centro de Formação Profissional da Indústria da Construção e Obras Públicas do Norte e o STFPSN, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 17, de 8 de maio de 2018; b) Notificar as partes para a designação dos árbitros, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 6.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 259/2009, de 25 de setembro, devendo o processo prosseguir com respeito pelas normas estabelecidas no Capítulo III do mesmo diploma, com as necessárias adaptações sempre que a especificidade da arbitragem o justifique; c) Dar conhecimento à secretária-geral do Conselho Económico e Social, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 7.º, n.ºs 2 a 6, 8.º, 15.º e 23.º do Decreto-Lei n.º 259/2009, de 25 de setembro.»
D) Constituído o Tribunal, este decidiu ouvir as partes, procurando recolher o máximo de informação sobre a situação concreta.
E) Em 06 de Maio de 2025 o Colégio Arbitral proferiu Acórdão, por maioria, que terminou com o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, o Tribunal Arbitral decide, por maioria, pela improcedência dos fundamentos da denúncia, não produzindo esta os seus efeitos. Notifiquem-se as partes e comunique-se ao Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.»
F) Em fundamento da sua decisão o Colégio Arbitral exarou, designadamente, o seguinte:
«[…] 13. O labor deste Tribunal está, assim, focalizado em indagar se a fundamentação supra preenche os «motivos de ordem económica, estrutural ou desajustamentos do regime da convenção denunciada». 14. Entende o Tribunal que a fundamentação da denúncia não preenche qualquer dos motivos acima expostos. Não se vislumbra qualquer fundamentação de ordem económica e estrutural ou desajustamento da convenção denunciada para que se possa sustentar a sua denúncia. As várias alterações legais a que se alude são constituídas, em grande parte, por normas imperativas que já se aplicam às relações de trabalho no Centro de Formação, independemente do texto do AE. No mesmo sentido vai o facto da tabela salarial estar desajustada face ao facto da Remuneração Mínima Mensal ter vindo a ser exponencialmente aumentada, designadamente em resultado dos vários acordos de concertação social, uma vez que aquela é de aplicação imperativa. Finalmente, inexiste qualquer alusão a fatores económicos e estruturais que possam fundamentar a denúncia. 15. É certo que da audição das partes, em particular do Centro de Formação e da leitura do texto do Acordo de Empresa, se pode retirar não só existirem fatores estruturais relevantes (como, por exemplo a «fusão» com outro centro de formação), como importantes propostas de alteração ao nível da organização do tempo de trabalho (introdução de Banco de Horas e Adaptabilidade), mas a verdade é que tais realidades não constam da fundamentação apresentada, a qual constitui o objeto da arbitragem. 16. A este propósito relembremos o que nos ensina a Professora Maria do Rosário Palma Ramalho - «o objecto da arbitragem não é apreciar a proposta negocial global que deve acompanhar a denúncia da convenção (e que também tem que ser fundamentada, designadamente em termos económicos), mas antes e apenas os fundamentos da própria denúncia.
[…]»
G) Foi aposto à decisão, pelo Exmo. Árbitro vencido, o seguinte voto: «Voto contra a decisão de improcedência da fundamentação da denúncia, pelo tribunal arbitral, que determina que a mesma não produz efeitos, nos termos e com os fundamentos seguintes: a) a denúncia é clara quanto aos seus pressupostos, que consistem na necessidade de introduzir na convenção, ou, pelo menos, dar ensejo a que seja negociada a introdução nesta de instrumentos de flexibilização das relações de trabalho; assim, b) por exemplo, propõe-se a introdução na convenção dos institutos do banco de horas e da adaptabilidade colectivos, tão necessários à gestão flexível dos tempos de trabalho e que são de primordial importância para a gestão dos recursos humanos, especialmente nas micro e pequenas empresas; demais, c) não é exacto que a fundamentação da denúncia peque por deficiente ou obscura, sendo certo que contém o essencial: uma remissão genérica para o texto da proposta de revisão da convenção, sendo este muito completo e dotado de vários instrumentos que inovam e, sobretudo, modernizam esta convenção colectiva de trabalho; pelo que, d) cumpre-se, assim, o disposto no art.º 499º, n.º 2 do Código do Trabalho (ex vi do art.º 500º-A, n.º 1 do mesmo Código) que estatui que «A denúncia deve ser acompanhada de fundamentação quanto a motivos de ordem económica, estrutural ou a desajustamentos do regime da convenção denunciada» (itálico nosso); na verdade, e) não é necessário que o requerimento de denúncia seja acompanhado de fundamentação que contenha um enunciado exaustivo dos motivos económicos e estruturais, basta que do mesmo possa deduzir-se o que é a finalidade desta exigência legal, qual seja a de demonstrar os “desajustamentos do regime da convenção enunciada” (sic no texto da lei); ora, f) tal desajustamento é evidenciado pela remissão, que consta da fundamentação da denúncia em apreço, para o texto da proposta de alteração da convenção colectiva que aquela anexa e dá por integralmente reproduzida como parte integrante do seu texto; logo, g) muito embora não haja, ainda, doutrina ou jurisprudência firmadas na matéria, dada a recentíssima introdução da alteração ao Código do Trabalho que contém a possibilidade do requerimento da arbitragem para apreciação da denúncia da convenção que agora se procede, entendemos que esta doutrina e jurisprudência deverão ser assentes no sentido de considerar fundamentação bastante da denúncia a demonstração documental (oral ou escrita) de que a convenção colectiva que se denuncia é desajustada da realidade por razão da necessidade de alteração do seu articulado nos termos que constem de proposta apresentada de novo texto, anexa à denúncia, cumprindo, deste modo, cabalmente, a exigência constante do art.º 499º, n.º 1 do Código do Trabalho («Qualquer das partes pode denunciar a convenção colectiva, mediante comunicação escrita dirigida outra parte, acompanhada de proposta negocial global.» – itálico nosso); ora h) é a própria decisão do tribunal – aqui votada contra – que admite que «É certo que da audição das partes, em particular do Centro de Formação e da leitura do texto do Acordo de Empresa, se pode retirar não só existirem fatores estruturais relevantes (como, por exemplo a «fusão» com outro centro de formação), como importantes propostas de alteração ao nível da organização do tempo de trabalho (introdução de Banco de Horas e Adaptabilidade), […]; de resto, i) o entendimento de Maria do Rosário Ramalho – citado na decisão aqui votada contra – o objecto da arbitragem não é apreciar a proposta negocial global que deve acompanhar a denúncia da convenção (e que também tem que ser fundamentada, designadamente em termos económicos), mas antes e apenas os fundamentos da própria denúncia.» não é contrariado pelo facto de a fundamentação da denúncia ser integrada na decisão pela remissão nesta aí contida; pelo contrário, j) é faculdade de qualquer peça processual dar por integrado texto anexo para que remete, sem que com isso deixe de ficar claro que o integra; assim, k) não é exacto afirmar que a denúncia apresentada pelo empregador denunciante carece de fundamentação cabal. Termos em que consideramos desajustada – e votamos contra – a decisão que julga a improcedência da fundamentação da denúncia, assentes no princípio de que a denúncia que remeta para o articulado da proposta de revisão da convenção supre a exigência de fundamentação constante da lei e se dá, assim, por cabalmente fundamentada. A exigência, constante na lei (art.º 500º/2), de que «A denúncia deve ser acompanhada de fundamentação quanto a motivos de ordem económica, estrutural ou a desajustamentos do regime da convenção denunciada.» (itálico e negrito nossos) consagra elementos de fundamentação alternativos, sendo bastante a reprodução, como parte integrante do requerimento, do texto da proposta alteração apresentada tempestivamente.»
* 4. Fundamentação de direito
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4.1. O recorrente veio invocar perante este tribunal de recurso, em primeiro lugar, que o acórdão recorrido, ao decidir que não se vislumbra qualquer fundamentação de ordem económica e estrutural ou desajustamento da convenção denunciada para que se possa sustentar a sua denúncia, incorreu em nulidade nos termos do artigo 615.°, n.° 1, alínea d) do Código de Processo Civil.
Segundo aduz, o artigo 500.°-A do Código do Trabalho não prevê que o tribunal arbitral, na apreciação da fundamentação invocada por parte da autora da denúncia, se deva pronunciar quanto à suficiência ou insuficiência dos motivos e fundamentos invocados na denúncia, mas tão só quanto à existência dos mesmos para prevenir denúncias infundadas e arbitrárias. Conclui que o tribunal arbitral incorreu em nulidade por excesso de pronúncia ao decidir que não se vislumbra qualquer fundamentação que possa sustentar a denúncia pois o seu labor não consistia em indagar se a fundamentação invocada pela aqui recorrente preenchia os motivos de ordem económica, estrutural ou desajustamentos do regime da convenção denunciada, mas antes se esses fundamentos foram invocados,.
Não podemos acompanhar esta alegação.
Com efeito, nos termos da 2.ª parte, da alínea d), do n.º 1, do artigo 615.º do Código de Processo Civil, aplicável à 2.ª instância por remissão do n.º 1 do artigo 666.º do CPC, é nula a sentença quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Esta causa de nulidade está directamente relacionada com o n.º 2 do artigo 608.º do mesmo CPC, na parte em que dispõe que o juiz não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Ora no caso vertente a questão a apreciar na Decisão Arbitral pelo Conselho Económico e Social, após ter sido suscitada a sua intervenção pelo Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais do Norte (STFPSN), consistia, na “apreciação da fundamentação da denúncia” do identificado acordo de empresa, sendo formulado ao tribunal arbitral o pedido de se “declarar a improcedência da fundamentação da denúncia” – vide fls. 4 e verso.
O que, naturalmente, pressupõe um juízo de mérito sobre aquela fundamentação.
Também o regime legal indicia que deve ser feito um tal juízo na Decisão Arbitral. Não só o n.º 1 do artigo 500.º-A, do Código do Trabalho, prescreve que a parte destinatária da denúncia pode requerer ao presidente do Conselho Económico e Social arbitragem “para apreciação da fundamentação invocada pela parte autora da denúncia”, como ainda decorre com clareza do n.º 4 do preceito, que a actividade cognitiva do Tribunal Arbitral compreende a declaração de procedência ou improcedência da fundamentação invocada, sendo certo que, no caso de declaração de “improcedência da fundamentação da denúncia”, o preceito determina que a denúncia “não produz efeitos”.
Não pode, pois, dizer-se, como o recorrente, que a intervenção do Tribunal Arbitral se bastaria com a confirmação de que a denúncia foi motivada e de que não lhe competiria fiscalizar o teor e conteúdo dessa fundamentação.
Independentemente do problema de saber se a avaliação do tribunal vai ao ponto de apreciar se a fundamentação invocada pelo denunciante justifica materialmente a denúncia, ou se se basta com aferir da veracidade dos factos invocados e da sua congruência com a decisão de fazer cessar a Convenção Colectiva de Trabalho[2], certo é que se trata sempre de uma avaliação de mérito, com vista a aferir da procedência ou improcedência da fundamentação (em termos mais amplos ou limitados).
Assim, a questão temática central, o thema decidendum, da arbitragem não se queda pela confirmação de que a denúncia foi motivada, ou pela verificação da presença de fundamentos na denúncia apresentada, mas implica, além disso, a “apreciação da fundamentação” (n.º 1 do artigo 500.º-A) e a análise da respectiva procedência, podendo o tribunal arbitral vir a declarar a “improcedênciada fundamentação da denúncia” (n.º 1 do artigo 500.º-A).
Destarte, ao decidir que não se vislumbra fundamentação de ordem económica e estrutural ou desajustamento da convenção denunciada que sustente a sua denúncia, a decisão arbitral não incorreu no vício de excesso de pronúncia.
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4.2. O recorrente alega também que o procedimento previsto no artigo 500.º do Código do Trabalho não pode sobrepor-se à vontade das partes expressa na cláusula 3ª do AE celebrado entre o CICCOPN e STFPSN, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, nº 17, de 8 de Maio de 2018, que não prevê a necessidade de fundamentação da denúncia, mas apenas que a comunicação seja acompanhada de proposta de revisão.
E sustenta ser inconstitucional o entendimento de que o texto negocial e contratual das partes deve sucumbir à norma do artigo 500.° do Código do Trabalho, cuja natureza é meramente supletiva, atenta a grosseira limitação do direito constitucional das partes à negociação e contratação colectiva, na medida em que se desvaloriza por completo o acordado pelas partes no sentido de a denúncia do Acordo de Empresa se bastar com a mera comunicação sem necessidade de fundamentação quanto a motivos de ordem económica, estrutural ou a desajustamentos do regime da convenção denunciada.
Vejamos.
4.2.1. O direito de contratação coletiva constitui um dos direitos fundamentais dos trabalhadores, competindo o respetivo exercício às associações sindicais nos termos do artigo 56.°, n.° 3, da Constituição da República Portuguesa. A Constituição confia ao legislador a tarefa de garantir esse direito e, nessa linha, o artigo 485.º do Código do Trabalho prescreve que “o Estado deve promover a contratação coletiva, de modo a que as convenções coletivas sejam aplicáveis ao maior número de trabalhadores e empregadores”.
Relativamente à questão do tempo por que persiste em vigor uma Convenção Colectiva de Trabalho que nasça do exercício daquele direito, a nossa ordem jurídica não deu sempre a mesma reposta.
Se no âmbito do Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 de Dezembro, a Convenção Colectiva de Trabalho só deixava de vigorar quando uma outra Convenção a substituísse (artigo 11.º, n.º 5), no âmbito da legislação codicística passou a admitir-se a denúncia unilateral da Convenção, inicialmente prevista no artigo 558.º do Código do Trabalho de 2003 e agora prevista no artigo 500.º do Código do Trabalho de 2009, que impede a sua renovação nos termos do artigo 499.º do mesmo Código.
Seja como for, o legislador continuou a demonstrar a sua preocupação com a existência de um “vazio normativo” consagrando uma “denúncia construtiva”[3], ao estabelecer que a denúncia da convenção colectiva, a operar “mediante comunicação escrita dirigida à outra parte”, é “acompanhada de proposta negocial global” (n.º 1 do artigo 500.º) e ao dispor que, havendo denúncia, a convenção se manterá em regime de sobrevigência (artigo 501.°) e apenas caducará uma vez decorrido esse período.
Esta preocupação teve maior eco nas alterações introduzidas ao Código do Trabalho pela Lei n.° 93/2019, de 4 de Setembro que veio prever a “arbitragem para a suspensão do período de sobrevigência e mediação”, aditando ao Código do Trabalho o artigo 501.°-A, de acordo com o qual qualquer das partes pode requerer ao presidente do Conselho Económico e Social, no período entre 90 e 60 dias antes do decurso do período de sobrevigência, a arbitragem para a suspensão do período de sobrevigência e mediação pelo árbitro presidente (n.° 1), com vista a verificar da existência de probabilidade séria de as partes chegarem a acordo para a revisão parcial ou total da convenção coletiva, devendo o tribunal arbitral, caso entenda que existe probabilidade séria de as partes chegarem a acordo, determinar a suspensão do período de sobrevigência por um prazo não superior a quatro meses e remeter a negociação para mediação, cabendo então ao mediador elaborar e remeter às partes a sua proposta de revisão parcial ou total da Convenção Colectiva de Trabalho (n.°s 2, 4, e 8 do artigo 501.º-A). Além disso, o artigo 500.º passou a prescrever no seu n.º 2 que a denúncia deve “ser acompanhada de fundamentação quanto a motivos de ordem económica, estrutural ou a desajustamentos do regime da convenção denunciada”, mas “sem prejuízo da sua validade e eficácia”, como expressamente assinalava o preceito, o que levou a que a doutrina apelidasse a norma de “imperfecta”[4] ou de “conteúdo meramente pedagógico”[5], pois que estabelecia uma obrigação de fundamentação cujo incumprimento não gerava qualquer sanção.
A Lei n.° 13/2023, de 23 de Abril, que procede à alteração da legislação laboral no âmbito da chamada “agenda do trabalho digno”, continuou a trilhar este caminho no sentido de mitigar – ou mesmo suprimir – o tempo de vazio normativo inerente à caducidade do instrumento de regulamentação colectiva sem ser substituído por outro, e introduziu alterações relevantes nesta matéria que, seguindo a clara exposição de João Leal Amado[6], consistem, no essencial, em dois aspectos: “i) Em conferir real obrigatoriedade à fundamentação da denúncia da convenção coletiva, passando a prever que essa fundamentação seja sindicada por uma entidade independente, isto é, por um tribunal arbitral, sendo que, caso esse tribunal conclua pela improcedência da fundamentação da denúncia, esta não produzirá efeitos (art. 500.°-A); ii) Em atribuir a qualquer das partes (associações sindicais ou patronais), em determinadas circunstâncias, o direito de, durante o período de sobrevigência da convenção, requerer a arbitragem necessária, prevista no art. 510.° do CT (arbitragem determinada por despacho fundamentado do ministro responsável pela área laboral), caso em que, se tal direito for exercido por alguma das partes, a convenção manter-se-á aplicável, em sobrevigência, até que seja proferida a competente decisão arbitral (art. 501.°- A, n.° 11 e 12)”.
No que concerne ao primeiro aspecto do regime – o que releva para o caso sub judice –, a nova disciplina do artigo 500.°-A do Código do Trabalho introduzido em 2023 veio possibilitar que, em caso de denúncia de convenção coletiva, a parte destinatária da denúncia requeira ao Presidente do CES arbitragem para apreciação da fundamentação invocada pela parte autora da denúncia (n.º 1), sendo que o requerimento de arbitragem suspende os efeitos da denúncia, impedindo a convenção de entrar em regime de sobrevigência (n.º 3) e a declaração de improcedência da fundamentação da denúncia, pelo tribunal arbitral, determina que a mesma “não produz efeitos” (n.º 4).
Ou seja, havendo denúncia, esta só produz efeitos se for acompanhada de proposta negocial global por parte de quem denuncia e se for devidamente fundamentada em motivos de ordem económica, estrutural ou em desajustamentos do regime da convenção denunciada, fundamentação esta que pode ser contestada através de requerimento de arbitragem, que suspende os efeitos da denúncia.
Esta nova obrigatoriedade de fundamentação da denúncia, com a faculdade da parte destinatária de requerer a apreciação da fundamentação da denúncia por um tribunal arbitral, acompanhado da possibilidade de ser requerida a arbitragem necessária nos termos do artigo 501.º-A, n.ºs 11 e 12 (o segundo aspecto do regime), denota a patente vontade do legislador em impedir – ou em minorar, na medida do possível – a existência de espaços de vazio normativo no plano temporal, sempre que se verifique a denúncia da Convenção Colectiva de Trabalho por iniciativa individual de uma das partes.
Regime este que, pelas concretas soluções que contém e pelo desiderato que visa alcançar, o legislador traçou em termos que se nos afiguram imperativos.
A cláusula 3.ª do AE invocada pelo recorrente para sustentar que sobre si não impendia a obrigação de fundamentar a denúncia, estabelece o seguinte: a1 - O AE pode ser denunciado por qualquer uma das partes com a antecedência mínima de 3 meses relativamente ao termo dos prazos de vigência mínimos indicados na cláusula anterior 2- A denúncia deve ser acompanhada de proposta de revisão e remetida â outra parte através de carta registada com aviso de receção. 3A contraparte deverá enviar ã parte denunciante uma contraproposta no prazo máximo de 30 dias a contar da data de receção da proposta, também através de carta registada. 4- As reuniões de negociação iniciar-se-ão no prazo máximo de 15 dias a contar da data de receção da contrapropostaa.
Alega o recorrente que formalizou a denúncia do Acordo de Empresa, tendo acompanhado a referida denúncia com a proposta de revisão do Acordo de Empresa e que, aquando da celebração do Acordo de Empresa, no estrito âmbito da liberdade negocial e contratual, as partes não exigiram na sua cláusula 3.ª que a denúncia do Acordo de Empresa estivesse dependente de fundamentação quanto a motivos de ordem económica, estrutural ou a desajustamentos do regime da convenção denunciada, mas tão só da simples manifestação de vontade, acompanhada de proposta de revisão global.
Parte todavia o recorrente do princípio de que a norma que estabelece a obrigatoriedade de a denúncia ser acompanhada de fundamentação quanto a motivos de ordem económica, estrutural ou a desajustamentos do regime da convenção denunciada (artigo 500.º, n.º 2 do CT) tem natureza supletiva e não prevalece sobre a vontade das partes fixada em sede de Acordo de Empresa.
O que, como vimos, não pode afirmar-se face aos termos em que o legislador fixou essa obrigação no regime introduzido no Código do Trabalho pela Lei n.º 13/2023.
A cláusula 3.ª do AE, firmada no ano de 2018 quando sequer estavam em vigor as alterações introduzidas pela Lei n.º 93/2019, prescreveu um iter procedimental para a operatividade da denuncia do AE mais simples e adequado à lei então em vigor (o Código do Trabalho de 2009 na sua versão primitiva). Mas tal iter procedimental convencionalmente estabelecido deixou de coincidir com o regime legal que passou a vigorar com a nova redacção do artigo 500.º e o artigo 500.º-A do Código do Trabalho. Este novo regime que, nos termos das regras de aplicação da lei no tempo plasmadas no artigo 12.º do Código Civil, deve aplicar-se às denúncias comunicadas após a data da sua entrada em vigor, exige que a denúncia, além de dever ser acompanhada de uma proposta negocial global por parte da entidade denunciante, seja “acompanhada de fundamentação quanto a motivos de ordem económica, estrutural ou a desajustamentos do regime da convenção denunciada”.
Deve notar-se que, por expressa determinação do artigo 35.º, n.º 3, da Lei nº 13/2023, “[a]s disposições de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho contrárias a normas imperativas do Código do Trabalho devem ser alteradas na primeira revisão que ocorra nos 12 meses posteriores à entrada em vigor da presente lei, sob pena de nulidade”, o que no caso vertente os autos não revelam que se tenha verificado.
Seja como for, é patente que a cláusula 3.ª do AE de 2018 passou a ser parcialmente desconforme com a lei imperativa, o que se mostra vedado pelo artigo 478.º, n.º 1, alínea a), do Código do Trabalho, segundo o qual o instrumento de regulamentação colectiva de trabalho não pode contrariar norma legal imperativa.
E é, nessa medida, nula, devendo considerar-se que não produz efeitos a partir do momento em que passou a verificar-se essa contrariedade, deixando então de vincular as partes da convenção.
Como escreve Maria do Rosário Palma Ramalho, debruçando-se sobre casos em que, por virtude da evolução da lei, a norma convencional passa a ser desconforme com norma legal imperativa, na verdade “mais do que um caso de nulidade, trata-se de uma situação de caducidade, uma vez que o vício destas cláusulas não é um vício originário, mas superveniente, decorrendo da alteração da lei. O efeito prático é, contudo o mesmo.”[7]
É pois de considerar que, quando em 7 de Fevereiro de 2025 o recorrente emitiu a comunicação de denúncia do instrumento de regulamentação colectiva publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 17 de 2018, sobre o mesmo impendia a obrigação de observar o procedimento prescrito no artigo 500.º do Código do Trabalho na sua redacção actual incluindo o dever de fundamentar a denúncia efectuada, apesar de tal exigência não se mostrar convencionada na cláusula 3.ª do AE.
O que, diga-se, o próprio terá considerado na medida em que fez acompanhar a sua declaração de denúncia de dois anexos: o anexo I intitulado “FUNDAMENTAÇÃO” e o anexo II intitulado “PROPOSTA NEGOCIAL” – vide fls. 8 e ss. dos autos
4.2.2. O recorrente invoca ainda ser inconstitucional o entendimento de que o texto negocial e contratual das partes deve sucumbir à norma do artigo 500.° do Código do Trabalho, cuja natureza é meramente supletiva, atenta a grosseira limitação do direito constitucional das partes à negociação e contratação colectiva, na medida em que desvaloriza por completo o acordado entre as partes no sentido de a denúncia do Acordo de Empresa se bastar com a mera comunicação sem necessidade de fundamentação quanto a motivos de ordem económica, estrutural ou a desajustamentos do regime da convenção denunciada.
Ora o recorrente, para sustentar esta sua tese, parte de uma premissa que não se verifica, qual seja a de o artigo 500.º do Código do Trabalho se revestir de natureza supletiva, o que, como se viu, não acontece.
Seja como for, não se vislumbra como pode considerar-se inconstitucional esta exigência de fundamentação da denúncia e, particularmente, que a mesma contenda com o direito constitucional à negociação colectiva, plasmado no artigo 56.°, n.º 3 [diz-se 51.º por evidente lapso] da Constituição da República Portuguesa, como afirma o recorrente.
Muito sucintamente, dir-se-á que, ainda que possam legitimamente suscitar-se questões de constitucionalidade no âmbito deste novo regime, a um outro nível[8], não cremos que o facto de a Lei n.º 13/2023 introduzir novos requisitos para a eficácia da denúncia do instrumento de regulamentação colectiva além dos incluídos no AE no momento em que as partes o celebraram, contenda com o direito constitucional à negociação colectiva em medida superior à que possa considerar-se admissível.
Com efeito, o artigo 56.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa prescreve que cabe à lei garantir a eficácia das normas das Convenções Colectivas de Trabalho, o que denota que a Constituição remete para a lei a fixação do regime da eficácia da Convenção Colectiva de Trabalho, aqui se considerando compreendido o regime da eficácia da respectiva denúncia e caducidade, incluindo o procedimento a observar.
O entendimento subjacente ao Acórdão Arbitral de que se aplica ao caso em análise a exigência legal de exposição pela parte denunciante dos fundamentos que a levam a denunciar a convenção, como pressuposto para a admissibilidade e eficácia da denúncia, que o artigo 500.º, n.º 2, do Código do Trabalho veio exigir adicionalmente ao que ficou convencionado no AE com as alterações nele introduzidas pela Lei n.º 13/2023, não só é conforme com as regras da aplicação da lei no tempo prescritas no artigo 12.º do Código Civil, como tem raiz no texto constitucional, pois que a lei, neste ponto, se limita a enquadrar os termos e procedimento a observar na denúncia do instrumento de regulamentação colectiva.
Não restando ao recorrente outra opção senão a de observar os requisitos previstos no artigo 500.º, n.º 2, do Código do Trabalho, na denúncia a que procedeu do AE que vinculava as partes.
Improcede, também neste ponto, a apelação.
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4.3. Numa outra vertente argumentativa, o recorrente vem invocar que a extinção jurídica do empregador outorgante do AE, ocorrida por via das Portarias 328/2024/1 de 18/12 e 108/2025/1 de 13/3, sempre determinaria a caducidade do instrumento de regulamentação colectiva, ao abrigo do artigo 502º nº 1, al. b), ponto vi), do Código do Trabalho.
Esta questão consubstancia uma questão nova, que não foi invocada na denúncia efectuada, nem no requerimento com que o recorrido despoletou a intervenção do tribunal arbitral.
Por isto mesmo, a referida questão não foi tratada na Decisão Arbitral, que sobre ela não se pronunciou.
Ora, como decorre do disposto no artigo 627.º do Código de Processo Civil, e constituem jurisprudência e doutrina uniformes, os recursos, como remédios jurídicos que são, não se destinam a conhecer questões novas não apreciadas pelo tribunal recorrido, mas, sim, a apurar da adequação e legalidade das decisões sob recurso, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso[9]
A questão da alegada extinção jurídica do empregador como fundamento da cessação da vigência do instrumento de regulamentação colectiva nos terms do artigo 502.º do Código do Trabalho traduz-se numa questão nova e não é de conhecimento oficioso.
Assim, não se conhece do recurso neste segmento (conclusões XL a XLIX) sem prejuízo de se deixar consignado que, como bem observa a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, não tendo ainda sido concretizada a futura extinção jurídica do empregador outorgante do AE, por via das Portarias 328/2024/1 de 18/12 e 108/ 2025/1 de 13/3, apenas na data da sua extinção poderá ser invocada a caducidade do AE por ela subscrito.
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4.4. Cabe finalmente enfrentar a questão de saber se o empregador, ora recorrente, fundamentou a denúncia por si promovida, indicando os motivos de ordem económica, estrutural ou o desajustamento do regime da convenção que a justificam.
4.4.1. Já se enunciou o regime da denúncia da Convenção Colectiva de Trabalho actualmente em vigor e o procedimento a observar pela parte denunciante.
Na palavra da lei, a denúncia carece de ser “acompanhada de proposta negocial global” por parte da entidade denunciante (n.º 1 do artigo 500.º) e, adicionalmente, “deve ser acompanhada de fundamentação quanto a motivos de ordem económica, estrutural ou a desajustamentos do regime da convenção denunciada” (n.º 2 do artigo 500.º), podendo esta fundamentação ser sindicada por um tribunal arbitral (artigo 500.º-A).
4.4.2. O objecto da arbitragem – e consequentemente do presente aresto que versa sobre a Decisão Arbitral – traduz-se em apreciar os fundamentos da própria denúncia e não em apreciar a proposta negocial global que deve acompanhar aquela, ao invés do que parece defender o recorrente na sua apelação.
É o que resulta, a nosso ver, do regime fixado nas disposições conjugadas dos artigos 500.º e 500.º-A, do Código do Trabalho, este último estabelecendo que a arbitragem se destina à “apreciação da fundamentação invocada pela parte autora da denúncia nos termos do n.º 2 do artigo anterior”, ou seja, fazendo uma remissão inequívoca para a “fundamentação quanto a motivos de ordem económica, estrutural ou a desajustamentos do regime da convenção denunciada” que deve acompanhar a denúncia nos termos do n.º 2 do artigo 500.º, o que constitui realidade distinta da “proposta negocial global” que também deve acompanhar a denúncia, nos termos do n.º 1 do preceito. Só aquela, não esta, constitui objecto da arbitragem[10].
4.4.3. Quanto à questão de saber em que fundamentos pode ancorar-se a denúncia, entendemos, salvo o devido respeito, que se infere também com clareza do texto legal do artigo 500.º, n.º 2, do Código do Trabalho, que a necessária “fundamentação” da denúncia da Convenção Colectiva de Trabalho se pode sustentar, em alternativa, em motivos de ordem económica e estrutural “ou” em desajustamentos do regime da convenção denunciada, neste ponto não coincidindo a nossa interpretação do texto legal com a que se evidencia ter sido sufragada na decisão recorrida, pois que não autonomiza estes dois tipos de fundamentos.
Acompanhamos, isso sim, neste específico aspecto, o voto aposto à Decisão Arbitral pelo Exmo. Árbitro vencido, na parte em que o mesmo afirma que “a exigência, constante na lei (art.º 500º/2), de que «A denúncia deve ser acompanhada de fundamentação quanto a motivos de ordem económica, estrutural ou a desajustamentos do regime da convenção denunciada» (…) consagra elementos de fundamentação alternativos (…)”.
Sendo certo que a parte denunciante pode invocar fundamentos que se enquadrem em ambas as alternativas, nada obsta, a nosso ver, que os fundamentos invocados se enquadrem apenas numa delas (numa ou noutra).
4.4.4. Expostas estas considerações gerais, retornemos ao caso sub judice.
O ora recorrente verteu no documento que corporiza a denúncia os seguintes fundamentos, que aqui se recordam:
«[…] A denúncia do Acordo de Empresa entre o CICCOPN - Centro de Formação Profissional da Indústria da Construção Civil e Obras Públicas do Norte e o Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais do Norte, publicado em Boletim do Trabalho e Emprego, nº 17, de 8 de Maio de 2018, tem como fundamentos diversos motivos de ordem económica, estrutural e desajustamentos do regime do Acordo ora denunciado, conforme melhor explanado infra. Com efeito, desde a data da sua publicação, surgiram, no âmbito do Código do Trabalho, diversas alterações, que não foram acompanhadas pelo Acordo de Empresa, designadamente: • Lei n.º 90/2019, de 04 de Setembro; • Lei n.º 93/2019, de 04 de Setembro; • Lei n.º 18/2021, de 08 de Abril; • Lei n.º 83/2021, de 06 de Dezembro; • Lei n.º 01/2022, de 03 de Janeiro; • Lei n.º 13/2023, de 29 de Maio. Ora, todas as presentes alterações legislativas introduziram diversas mutações fundamentais no âmbito do reforço da protecção na parentalidade, medidas de protecção específicas de trabalhador com deficiência ou doença crónica, alterações no âmbito do número de horas de formação contínua a que o trabalhador tem direito, modificações no âmbito do regime de teletrabalho e, prementemente, todas as alterações trazidas quer ao Código do Trabalho, quer à legislação conexa, no âmbito da Agenda de Trabalho Digno, o que torna imperiosa a existência de uma revisão do Acordo de Empresa.» Melhor explanando, as alterações trazidas pela Agenda de Trabalho Digno, nomeadamente, no âmbito do regime da parentalidade, dever de informação, faltas, trabalho suplementar, não encontram qualquer respaldo no clausulado, nos termos em que se encontra formulado actualmente. O mesmo é dizer que o Acordo de Empresa ora denunciado se encontra completamente desajustado da realidade actual, não só no que concerne às tabelas salariais e demais cláusulas de expressão pecuniária, mas também nas restantes matérias laborais que foram sofrendo alterações substanciais desde o ano de 2018, designadamente, a cláusula 29.ª, referente ao direito à formação profissional; a cláusula 65.ª, referente às férias, a cláusula 80.ª, concernente com as faltas justificadas e a cláusula 85.ª, referente à maternidade e paternidade. Impõe-se, assim, a introdução de um regime de férias e faltas em consonância com as alterações legislativas na presente matéria, conforme proposta negocial global ora apresentada. De igual forma, o Acordo de Empresa actualmente publicado prevê tabelas salariais desajustadas da realidade económica actualmente em vigor, pelo que se impõe a actualização das mesmas em conformidade com o Anexo II - Proposta de Revisão Global. Veja-se, neste ponto, que a tabela salarial constante do Acordo de Empresa entre o CICCOPN - Centro de Formação Profissional da Indústria da Construção Civil e Obras Públicas do Norte e o Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais do Norte, publicado em B.T.E. a 08 de Maio de 2018 prevê vencimentos base no montante de 580,00 Euros, quando o salário mínimo nacional actual ascende ao montante de 870,00 Euros. Assim, torna-se imperativo proceder a uma revisão global do clausulado e respetivas tabelas salariais, conforme proposta de revisão global que se junta como anexo II.
[…]»
Para considerar improcedente esta fundamentação alinhada pelo empregador ora recorrente, o acórdão arbitral considerou, em suma:
- que não vislumbra qualquer fundamentação de ordem económica e estrutural ou desajustamento da convenção denunciada que possa sustentar a denúncia;
- que as várias alterações legais a que se alude são constituídas, em grande parte, por normas imperativas que já se aplicam às relações de trabalho no Centro de Formação, independentemente do texto do AE.
Quanto à fundamentação de ordem económica e estrutural, é patente que, efectivamente, inexiste na missiva que corporiza a denúncia apresentada qualquer alusão a factores económicos e estruturais que a possam fundamentar. Basta uma simples leitura da mesma para o constatar. Apesar de inicialmente se anunciar que “[a] denúncia do Acordo de Empresa entre o CICCOPN - Centro de Formação Profissional da Indústria da Construção Civil e Obras Públicas do Norte e o Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais do Norte, publicado em Boletim do Trabalho e Emprego, nº 17, de 8 de Maio de 2018, tem como fundamentos diversos motivos de ordem económica, estrutural”, certo é que os dizeres subsequentes não substanciam quaisquer fundamentos que assim se possam qualificar, nada havendo a censurar ao juízo expresso pelo tribunal a quo a este propósito.
Já quanto ao desajustamento, não podemos acompanhar a sentença arbitral quando a mesma afirma que este não foi invocado.
Com efeito, na missiva datada de 6 de Março de 2025 o empregador CICCOPN - Centro de Formação Profissional da Indústria da Construção Civil e Obras Públicas do Norte anunciou também, em geral, como fundamento da denúncia o “desajustamentos do regime do Acordo ora denunciado”. Mas, ao invés do que sucedeu com a inexistente fundamentação económica e estrutural, explicitou, subsequentemente, que desde a data da publicação do Acordo de Empresa (em 2018) surgiram, no âmbito do Código do Trabalho, diversas alterações, que não foram acompanhadas pelo Acordo de Empresa, enunciando os diplomas legais que corporizam seis alterações legislativas, bem como as áreas em que as mesmas introduziram mutações – “no âmbito do reforço da protecção na parentalidade, medidas de protecção específicas de trabalhador com deficiência ou doença crónica, alterações no âmbito do número de horas de formação contínua a que o trabalhador tem direito, modificações no âmbito do regime de teletrabalho” –, dando ênfase às alterações trazidas, quer ao Código do Trabalho, quer à legislação conexa, no âmbito da Agenda de Trabalho Digno, e afirmando que tal torna “imperiosa” a existência de uma revisão do Acordo de Empresa.
Aduz, ainda, que as alterações trazidas pela Agenda de Trabalho Digno, nomeadamente, no âmbito do regime da parentalidade, dever de informação, faltas, trabalho suplementar, “não encontram qualquer respaldo no clausulado, nos termos em que se encontra formulado actualmente”.
E particulariza que o Acordo de Empresa ora denunciado se encontra completamente desajustado da realidade actual, “no que concerne às tabelas salariais e demais cláusulas de expressão pecuniária”, pelo que se “impõe a actualização das mesmas”, evidenciando que neste ponto “a tabela salarial constante do Acordo de Empresa entre o CICCOPN - Centro de Formação Profissional da Indústria da Construção Civil e Obras Públicas do Norte e o Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais do Norte, publicado em B.T.E. a 08 de Maio de 2018 prevê vencimentos base no montante de 580,00 Euros, quando o salário mínimo nacional actual ascende ao montante de 870,00 Euros”.
Desajustamento da realidade actual que diz verificar-se, também, nas matérias laborais que foram sofrendo alterações substanciais desde o ano de 2018, “designadamente, a cláusula 29.ª, referente ao direito à formação profissional; a cláusula 65.ª, referente às férias, a cláusula 80.ª, concernente com as faltas justificadas e a cláusula 85.ª, referente à maternidade e paternidade”, afirmando que se impõe a introdução de um regime consonante com as alterações legislativas na presente matéria.
E conclui, depois, que se torna “imperativo proceder a uma revisão global do clausulado e respetivas tabelas salariais, conforme proposta de revisão global que se junta como anexo II”.
Com esta fundamentação, cremos que o ora recorrente enunciou de modo suficiente os fundamentos da denúncia do instrumento de regulamentação colectiva publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 17 de 8 de Maio de 2018, evidenciando o desajustamento do regime do Acordo de Empresa que denuncia face à realidade actual e ao regime legal em vigor.
Não procede, a nosso ver, a argumentação expressa na Decisão Arbitral no sentido de que as várias alterações legais a que alude o empregador são constituídas, em grande parte, por normas imperativas que já se aplicam às relações de trabalho no Centro de Formação, independentemente do texto do AE para alicerçar a sua afirmação de que “não se vislumbra qualquer fundamentação de ordem económica e estrutural ou desajustamento da convenção denunciada para que se possa sustentar a sua denúncia”.
Com efeito, as Convenções Colectivas de Trabalho, enquanto fontes laborais específicas de índole convencional ou autónoma, têm em vista a “regulação das situações juslaborais individuais e colectivas numa determinada profissão ou sector de actividade e numa certa área geográfica ou empresa”[11].
Como escreve o Professor Monteiro Fernandes, “[é] na convenção colectiva de trabalho que cristaliza juridicamente a dinâmica social dos interesses profissionais, fazendo penetrar no círculo da regulamentação do trabalho normas directamente conformadas pelo jogo das forças que integram aquela dinâmica, e, por outro ângulo, ajustadas ao particularismo das profissões, dos ramos de actividade económica e das zonas geográficas”[12].
É, pois, de todo o interesse que, relativamente às diversas matérias referidas na fundamentação da denúncia em que se verifica um desajustamento do regime do AE face ao regime legal que entretanto evoluiu – e, eventualmente, relativamente a outras matérias que as partes do instrumento de regulamentação colectiva reputem necessário adequar aos novos ventos da lei –, as partes entrem em negociações e alcancem um novo texto normativo que se adeque à especificidade do sector de actividade e, no caso em análise, à especificidade da própria empresa, na sua singularidade, uma vez que se trate de um AE.
Independentemente da circunstância de, por apelo à hierarquia das fontes de Direito do Trabalho, não haver um efectivo vazio de regulação em determinadas matérias, por serem as alterações legais a que se alude constituídas, na sua maior parte, por normas imperativas, como diz a Decisão Arbitral, é um facto que a lei a que se apela (o Código do Trabalho) foi pensada para se aplicar à generalidade dos trabalhadores e não tem em vista a especificidade do sector de actividade em causa, muito menos a da concreta empresa a que, no caso sub judice, se aplica o acordo de empresa negociado entre o empregador e a associação sindical celebrante.
O que justifica que se considere o regime do Acordo de Empresa que se pretende denunciar desajustado face à realidade actual e ao regime legal em vigor e justifica, também, que as partes desenvolvam esforços para, perante a proposta negocial global anexa à denúncia, alcançarem consensos no sentido de, em novo instrumento de regulamentação colectiva, regularem as matérias em que o AE se tornou anacrónico, bem como outras que reputem relevantes, tendo em consideração a especificidade da actividade em causa e do contexto empresarial em que a mesma se desenvolve.
O desajustamento do instrumento de regulamentação colectiva face à realidade actual e à evolução do regime legal, quando abarque um espectro relevante de matérias, como acontece no caso em análise, face aos fundamentos invocados na missiva em que o recorrente procede à denúncia, não pode deixar de constituir fundamento para a sua denúncia.
A entender-se de modo diverso, teria em coerência de se considerar justificada a subsistência de um instrumento de regulamentação colectiva cujas normas contrariassem in totum leis imperativas com o argumento de que estas se aplicam independentemente do seu texto, o que se nos afigura absurdo.
Nesta conformidade, tendo em consideração que a fundamentação invocada na missiva em que o ora recorrente procede à denúncia do Acordo de Empresa é verdadeira – o que não foi posto em causa na Decisão Arbitral – , denota o desajustamento do regime desta convenção e é congruente com decisão de denunciar o instrumento de regulamentação colectiva, concluímos que a denúncia operada pelo recorrente é válida e se mostra apta a produzir os seus efeitos.
Em conclusão:
- a exigência legal de que “[a] denúncia deve ser acompanhada de fundamentação quanto a motivos de ordem económica, estrutural ou a desajustamentos do regime da convenção denunciada” (artigo 500º, n.º 2, do CT) consagra elementos de fundamentação alternativos, bastando que a parte denunciante se ancore num deles e o densifique em termos congruentes para se considerar fundamentada a denúncia;
- o desajustamento do instrumento de regulamentação colectiva face à evolução do regime legal, quando abarque um espectro relevante de matérias, constitui fundamento para a respectiva denúncia.
Deverá ser revogada a Decisão Arbitral de 06 de Maio de 2025.
4.5. No que diz respeito à responsabilidade tributária, rege a regra do decaimento, considerando-se no caso que o mesmo é totalmente do recorrido – cfr. o artigo 527.º do Código de Processo Civil. Atender-se-á, contudo, à isenção de que o mesmo beneficia – artigo 4.º, n.º 1, alínea g) do Regulamento das Custas Processuais – e a que nos termos do n.º 7 do artigo 4.º do RCP a referida isenção não abrange os reembolsos à parte vencedora a título de custas de parte.
* 5. Decisão
Em face do exposto, concede-se provimento ao recurso e revoga-se a Decisão Arbitral considerando-se válida e eficaz a denúncia do Acordo de Empresa entre o CICCOPN - Centro de Formação Profissional da Indústria da Construção Civil e Obras Públicas do Norte e o Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais do Norte (STFPSN) e outra, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, nº 17, de 8 de Maio de 2018.
Condena-se o recorrido nas custas de parte que haja (artigo 4.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais).
Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC, anexa-se o sumário do presente acórdão.
Lisboa, 22 de Outubro de 2025
Maria José Costa Pinto
Alves Duarte
Celina Nóbrega
_____________________________________________________ [1] Procede-se à transcrição da parte relevante do documento para melhor esclarecimento e por se tratar de facto plenamente provado nos autos – cfr. os artigos 374.º e 376.º do Código Civil e 607.º, n.º 4, e 662.º, n.º 1, do CPC. [2] Vide Pedro Romano Martinez e L. Gonçalves da Silva, "Constituição e agenda do trabalho digno" RIDT, Ano III, n.° 4, Maio 2023, pp. 357 e ss., in http://wwwjidt.pt [3] Na expressão de Bernardo Xavier, in Manual de Direito do Trabalho, Lisboa, 2020, pp. 261-262 [4] Vide João Leal Amado no seu artigo “Agenda do Trabalho Digno: da resiliência da Convenção Colectiva à paixão pela arbitragem”, na Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 152º, Março- Abril de 2023, nº 4039, pp. 244 e ss. [5] Na expressão de Luís Gonçalves da Silva, in Da Eficácia da Convenção Colectiva, vol. II, Imprensa FDUL, 2022, p. 1723, apud João Leal Amado, in artigo citado. [6] No mesmo artigo publicado na Revista de Legislação e de Jurisprudência, a p. 246. [7] In “Tratado de Direito do Trabalho – Parte III – Situações Laborais Colectivas”, Coimbra, 2012, p. 285. [8] Vide Pedro Romano Martinez e Luís Gonçalves da Silva, no seu supra citado artigo, pp. 329 e ss. [9] Vide, entre muitos outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Outubro de 2007, Processo n.º 3634/07-3.ª Secção, de 4 de Dezembro de 2008, Processo n.º 2507/08-3.ª Secção, de 23 de Setembro de 2009, Processo n.º 5953/03.4TDLSB.S1-3.ª Secção, de 9 de Julho de 2014, Processo n.º 2127/07.9TTLSB.L1.S1, de 12 de Setembro de 2013, Processo n.º 381/12.3TTLSB.L1.S1, de 18 de Janeiro de 2012, Processo n.º 543/06.2TTGRD.L1.S1 e de Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Outubro de 2015, Processo n.º 677/12.4TTALM.L1.S1, todos sumariados em www.stj.pt e, na doutrina, o Prof. José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, p. 141 e António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2ª edição revista e actualizada, Coimbra, 2008, pp. 25-26. [10] Subscrevemos, a este propósito, o entendimento da Professora Maria do Rosário Ramalho (no seu Tratado de Direito do Trabalho - Parte III - Situações Laborais Coletivas, págs.476 e ss.), também citado na Decisão Arbitral recorrida e de Luís Gonçalves da Silva, in Código do Trabalho Anotado, obra colectiva de Pedro Romano Martinez e outros, 14.ª edição, Coimbra, 2025, p. 1188. [11] Maria do Rosário Palma Ramalho, in “Tratado de Direito do Trabalho – Parte III – Situações Laborais Colectivas”, Coimbra, 2012, p. 184. [12] Vide António Monteiro Fernandes in "Direito do Trabalho", 22.ª edição, Coimbra, 2024, p. 835.