O prazo de 30 dias para a interposição do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, previsto no artigo 438º, nº 1 do Código de Processo Penal, conta-se a partir do trânsito em julgado do acórdão recorrido, ou seja, do dia seguinte ao trânsito em julgado.
1. O Ministério Público, junto do Tribunal da Relação de Coimbra, veio interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, nos termos dos artigos 437.º e seguintes do Código de Processo Penal, com fundamento na oposição de julgados entre o acórdão proferido no processo nº 954/22.6JGLSB.C1 do Tribunal da Relação de Coimbra em 16 de Abril de 2025, (acórdão recorrido) e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Fevereiro de 2019, proferido no processo nº 234/15.3JAAVR.S1, (acórdão fundamento) apresentando as seguintes conclusões: (transcrição)
1.º No Acórdão da Relação de Coimbra de 16/04/2025, formulado no Processo 954/22.6JGLSB.C1 (5.ª Secção), entendeu-se que, não obstante, o arguido ter descarregado e carregado ficheiros no Google Drive entre 03.03.2022 e 22.04.2022 suscetíveis de integrarem o crime de pornografia de menor p. e p. pelo art.º 176.º, n.º 5 e n.º 8 do Código Penal, e apesar de aparecerem 10 (dez) situações, com 12 menores envolvidos (cf. Dois ativos e 10 objeto das ações filmadas), o arguido cometeu um único crime de pornografia de menores p. e p. pelos artigos 176.º, n.º 5 e n.º 8 do Código Penal, não aplicando as agravantes do art.º 177.º do Código penal em função da idade;
2.º Desses menores, apenas nos casos a seguir referidos aparecem menores com idade acima de 14 anos:
2.1. «f. o ficheiro af26c0f00….25ebbdbdc3a9618da1ecc7, que corresponde a um vídeo com a duração de seis minutos e trinta e nove segundos, sendo visível pessoa adulta do sexo masculino a introduzir o pénis na vagina de pessoa do sexo feminino com idade não apurada, mas inferior a dezoito anos; » não se aplicando neste caso a agravação do art.º 177.º, n.ºs 7 e 8 do Código Penal;
2.2. «g. o ficheiro d7212da….25a00256fadf6f5d09771511, que corresponde a um vídeo com a duração de nove minutos e catorze segundos, onde é visível pessoa do sexo feminino, com idade não apurada, mas inferior a dezoito anos, a introduzir objetos sexuais no ânus e na vagina de pessoa do sexo feminino com idade não determinada, mas inferior a doze anos; não se aplicando neste caso a agravação do art.º 177.º, n.ºs 7 e 8 do Cód. Penal em relação à menor com idade inferior a 18 anos;
2.3. «h. o ficheiro c561d0c….18d515df1a8a4417d789a6, que corresponde a um video com a duração de nove minutos e dezasseis segundos, onde é visível pessoa adulta do sexo masculino a introduzir o pénis na boca e no ânus de pessoa do sexo feminino com idade não apurada, mas inferior a dezasseis anos;», aplicando-se neste caso a agravação do art.º 177.º, n.º 1, al.ª c), e 7 do Código Penal.
3.º Neste acórdão não se aplicou qualquer agravante do art.º 177.º (cf. n.º 1, al.ª c), e 7 (cf. vítima menor de 16 anos) ou 8 (cf. vítima menor de 14 anos) – correspondente ao art.º 177.º, n.º 5 e 6, respetivamente, do Código Penal, na redação da Lei n.º 59/2007, de 04.09.
4.º Por referência a este segmento - ter descarregado e carregado ficheiros no Google Drive entre 03.03.2022 e 22.04.2022 -, o arguido devia ter sido condenado como autor material, em concurso efetivo real, de 12 (doze) crimes, sendo dois crimes p. e p. pelos artigos 176.º, n.º 5 e 8, e 177.º, n.º 1, al.ª c), do Código Penal – duas menores de 18 anos -, um (1) crime p. e p. pelos artigos 176.º, n.º 5 e 8, e 177.º, n.º 1, al.ª c), e 7 do Código Penal – uma menor de 16 anos -, e 9 (nove) crimes p. e p. pelos artigos 176.º, n.º 5 e 8, e 177.º, n.º 1, al.ª c), e 8 do Código Penal – 9 menores de 14 anos.
5.º Nesse mesmo acórdão entendeu-se que, não obstante, o arguido ter descarregado e carregado ficheiros no Google Drive entre 16.07.2023 e 28.08.2023 suscetíveis de integrarem o crime de pornografia de menor p. e p. pelo art.º 176.º, n.º 5 e n.º 8 do Código Penal, e apesar de aparecerem 8 (oito) situações, envolvendo oito menores de 14 anos, o arguido cometeu um único crime de pornografia de menores p. e p. pelos artigos 176.º, n.º 5 e n.º 8 do Código Penal;
6.º Desses menores, nenhum tinha mais de 13 anos, mas o Acórdão não aplicou a agravante do art.º 177.º, n.º 1, al.ª c), e 8 do Código Penal.
7.º Por referência a este segmento - ter descarregado e carregado ficheiros no Google Drive entre 16/07/2023 e 28/08/2023 -, o arguido devia ter sido condenado como autor material, em concurso efetivo real, de 8 (oito) crimes p. e p. pelos artigos 176.º, n.º 5 e 8, e 177.º, n.º 1, al.ª c), e 8 do Código Penal.
8.º No Acórdão em causa subscreve-se o entendimento de que o bem jurídico protegido é o interesse da comunidade em proibir a circulação, venda, comercialização, a simples transmissão de registos audiovisuais de carácter pornográfico envolvendo crianças com idade inferior a 18 anos.
9.º Assim, considera que não estamos perante um bem jurídico eminentemente pessoal, não aplicando o art.º 30.º, n.º 2 do Código Penal.
10.º Sem o dizer de forma expressa, o Acórdão subscreve a tese do crime de trato sucessivo.
11.º Subscreve ainda o entendimento de que a idade não pode funcionar como agravante fora do art.º 176.º do Código Penal, quando o artigo 177.º, n.º 1, al.ª c), e 7 e 8 do Código Penal regulam, no exercício da liberdade de escrita do legislador, a incriminação de forma abstrata, sendo ilegítima a invocação do 177.º, n.º 10, para afastar todas as agravantes desta norma penal.
12.º Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/02/2019 (Processo 234/15.3JAAVR.S1; 5.ª Secção; Relator: Júlio Pereira; disponível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/b0d94dfb97be2b54802583a70051b599?OpenDocument), subscreve-se entendimento totalmente oposto.
13.º Neste último acórdão a situação de facto e o respetivo enquadramento jurídico é idêntico.
14.º No Acórdão do STJ de 20/02/2019 entendeu-se que os crimes praticados pelo arguido, entre os quais 9 crimes de pornografia de menores agravado p. e p. pelos arts. 176.º, n.º 1, al. b) e 177.º, n.º 5 do CP (na redação dada pela Lei 59/2007, de 04.09)], protegem bens jurídicos de natureza eminentemente pessoal 15.º e, para além disso, em cada um dos crimes o arguido ofendeu uma diferente vítima,
16.º e porque a conduta do arguido não se enquadrava em qualquer das designações mencionadas no acórdão, tinha a mesma que ser punida de acordo com as regras do concurso efetivo constantes do art.º 30.º, n.º 1 do CP.
17.º Após a redação da Lei n.º 59/2007, de 04.09, não se verifica alteração substantial do regime jurídico-penal aplicável.
18.º Neste último acórdão afastou-se, pois, a ideia de bem jurídico do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, e, contrariamente a este mesmo acórdão, aplicou-se o art.º 30.º, n.º 2 do Código Penal, condenando-se o arguido também com as agravantes do art.º 177.º, n.º 5 do Código Penal, a que corresponde hoje o art.º 177.º, n.º 7 do Código Penal.
19.º Termos em que por referência ao Acórdão da Relação de Coimbra, mantendo a mesma pena aplicada ao arguido, em obediência ao art.º 409.º, n.º 1 do CPP (proibição da reformatio in pejus), deve alterar-se a qualificação jurídica,
20.º eliminando o ponto 47 dos factos provados, como fez o Acórdão,
21.º Condenando antes o arguido pela prática de 4 (quatro) crimes de pornografia de menores agravado, p. e p. pelos artigos 176.º, n.º 1, alínea b), 177.º, n.º 1, alínea b), e n.º 8 do Código Penal relativo às fotografias pornográficas retiradas à menor AA
nos dias 30.09.2023, 14.10.2023, 20.10.2023 e 14.11.2023, numa pena de 2 (dois) anos de prisão, atento o disposto no n.º 1 do art.º 409.º do CPP, como fez o acórdão;
22.º mas condenando o arguido:
a) Por ter descarregado e carregado ficheiros no Google Drive entre 03.03.2022 e 22.04.2022, como autor material, em concurso efetivo real, de 12 (doze) crimes, sendo dois crimes p. e p. pelos artigos 176.º, n.º 5 e 8, e 177.º, n.º 1, al.ª c), do Código Penal – duas menores de 18 anos -, um (1) crime p. e p. pelos artigos 176.º, n.º 5 e 8, e 177.º, n.º 1, al.ª c), e 7 do Código Penal – uma menor de 16 anos -, e 9 (nove) crimes p. e p. pelos artigos 176.º, n.º 5 e 8, e 177.º, n.º 1, al.ª c), e 8 do Código Penal – 9 menores de 14 anos;
b) Por ter descarregado e carregado ficheiros no Google Drive entre 16/07/2023 e 28/08/2023, como autor material, em concurso efetivo real, de 8 (oito) crimes p. e p. pelos artigos 176.º, n.º 5 e 8, e 177.º, n.º 1, al.ª c), e 8 do Código Penal.
23.º Mais se deverá reconhecer a oposição de julgados e fixar jurisprudência no seguinte sentido:
O bem jurídico protegido pelo art.º 176.º do Código Penal é um bem jurídico eminentemente pessoal, aplicando-se o art.º 30.º, n.º 2 do Código Penal.
A idade do menor-vítima, pelo facto de o art.º 176.º do Código Penal se referir a pornografia de menores, não deixa de ser relevante para efeitos do artigo 177.º do Código Penal, sem prejuízo do disposto no art.º 177.º, n.º 10 do Código Penal.
Termos em que se entende que, com o suprimento de V.ªs Ex.ªs, se deve realizar a tão costumada justiça! (fim de transcrição)
2. O arguido BB, respondeu ao recurso, apresentando as seguintes conclusões (transcrição)
1. O Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Coimbra, interpôs o presente recurso para fixação de Jurisprudência, ao abrigo dos artigos 437° a 438°, do Código de Processo Penal para o Supremo Tribunal de Justiça;
2. O Acórdão recorrido é o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 16.04.2025, nos presentes autos;
3. O Acórdão fundamento é o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 20.02.2019, no processo 234/15.3JAAVR; 5a Seção; Relator: Júlio Pereira;
4. Entende o Arguido que não se mostram preenchidos os requisitos legais para interposição do presente recurso obrigatório de fixação de jurisprudência;
5. São requisitos legais para a possa ser intentado recurso para fixação de jurisprudência, que: estejamos perante decisões opostas em que se verifique identidade dos factos contemplados nas duas decisões, decisões proferidas sobre a mesma questão de direito e que ambas as decisões em conflito tenham sido proferidas sob o domínio da mesma legislação, ou seja, se verifique identidade de lei reguladora - cfr. artigo 437°, n° 3 do CPP;
6. A exigência de soluções antagónicas pressupõe identidade de situações de facto, pois não sendo elas idênticas, as soluções de direito não podem ser as mesmas;
7. A oposição tem de ser expressa, e não meramente tácita, e incidir sobre a decisão, e pressupõe igualmente uma identidade essencial da situação de facto de ambos os acórdãos em confronto;
8. Os factos que determinaram a condenação do Arguido, Recorrido, em 2 crimes de pornografia de menores p. e p. pelo artigo 176°, n°s° 5 e 8 do Código Penal, não são coincidentes com os factos que determinaram a decisão no processo 234/15.3JAAVR.S1 pela prática e crimes p. e p. pelo artigo 176°, n° 1 alínea b) do Código Penal;
9. No caso dos autos (Acórdão recorrido) os factos que determinaram a condenação do Arguido consubstanciam-se em carregamentos e descarregamentos na plataforma Google de ficheiros contendo meninas menores de 18 anos e pessoas não identificadas, do sexo feminino em atos sexuais, ou seja, ficaram provados nos autos 18 situações, com 20 menores envolvidos, nos períodos de 03.03.2022 a 22.04.2022 e 16.07.2033 a 28.08.2023;
10. No caso do Acórdão fundamento estamos perante o aliciamento e utilização em filme ou gravação de 9 menores de 18 anos, perfeitamente identificados nos autos, utilizados em filme ou gravação pornográfica;
11. Os factos que determinaram a condenação do Arguido no Acórdão recorrido não são idênticos aos factos que determinaram a condenação do Arguido no Acórdão fundamento;
12. No Acórdão recorrido o crime consuma-se com o descarregamento dos ficheiros, nos quais sejam utilizados menores, não identificados ou identificáveis, sem qualquer relacionamento pessoal com o Arguido, enquanto que no Acórdão fundamento, o crime consumou-se com o aliciamento, produção/utilização de menores em filme ou gravação, tendo sido constituídos vitimas/ofendidos, por terem sido identificados e se tratarem de menores conhecidos e da confiança do Arguido;
13. Os factos considerados provados no Acórdão recorrido e Acórdão fundamento nem sequer integram a mesma previsão legal, sendo que no primeiro integra o artigo 176° n°s 5 e 8 do Código Penal e no segundo integra o artigo 176° b) do Código Penal, pelo que se conclui que as suas substâncias são diferentes;
14. Estamos perante factos provados diferentes que determinaram a subsunção a diferentes tipos de crimes com penas distintas;
15. Não há identidade dos factos contemplados nas duas decisões, o que determina a ausência de um dos requisitos previsto no artigo 437° do CPP, requerendo-se a sua não admissão;
16. Caso assim se não entenda, o que não se presume, o que só por mero dever de Patrocínio se admite, sempre se dirá que entende o Arguido que a decisão recorrida e a decisão constante do Acórdão fundamento não são decisões proferidas sobre a mesma questão de direito:
17. Em ambos os Acórdãos, recorrido e fundamento, estão em causa factos integradores do crime previsto no artigo 176° do Código Penal.
18. Entende o Arguido que tendo em conta que estão em causa factos diferentes, a questão de direito em análise em ambos os Acórdãos é também diferente.
19. No caso do Acórdão recorrido, estamos perante a penalização de um comportamento do Arguido em que são carregados e descarregados ficheiros da plataforma Google, em que se encontram representados menores envolvidos em comportamentos sexuais, que não foram identificados.
20. É um crime de perigo abstraio, uma vez que se a possibilidade de ocorrer um perigo concreto para o desenvolvimento livre, físico ou psíquico de um menor ou o dano correspondente pode vir a não ter lugar, trata-se de um crime de mera atividade dado o tipo incriminador se preencher através da mera execução de um determinado comportamento;
21. O crime consumou-se e o Arguido foi condenado por ter carregado e/ ou descarregado ficheiros da plataforma Google de natureza pornográfica. Foi esta a conduta que foi alvo de condenação no Acórdão recorrido.
22. Vide a este respeito os Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 23.11.2021, no Processo 1084/19.3TELSB.E1 e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 11.11.2020, no processo 28/16.9PAACB.C1.
23. Mas, pelo contrário, no Acórdão fundamento, apesar de o Arguido ter sido condenado pelo artigo 176° do Código Penal, (n° 1 alínea b)), por ter aliciado jovens para a realização de vídeos ou gravações, os factos provados determinaram a aplicação do direito de forma diferente, ou seja, direcionada para as consequências diretas dos atos praticados, nomeadamente com a atribuição de uma indemnização ás vitimas/ofendidos;
24. No caso do Acórdão fundamento, os menores utilizados em filme ou gravação foram identificados eram das relações pessoais do Arguido, pelo que o bem jurídico protegido, foi de forma direta e concreta a liberdade sexual das vítimas identificadas no processo, tendo sido indemnizadas civilmente por aqueles atos;
25. Pelo que ausência do requisito de estarmos na presença de duas decisões proferidas sobre a mesma questão de direito, deve o recurso ser rejeitado;
26. Caso, ainda assim se não entenda, o que não se presume, o que só por mero dever de Patrocínio se admite, sempre se dirá que entende o Arguido que a decisão recorrida e a decisão constante do Acórdão fundamento não são decisões proferidas sob o domínio da mesma legislação;
27. No Acórdão recorrido estão em causa factos praticados pelo Arguido entre 03.03.2022 e 22.04.2022 e 16.07.2023 e 28.03.2023, pelo que foi condenado na prática de crimes p. e p. no artigo 176° do Código Penal na redação dada pelo pela Lei 40/2020, de 18.08.2020;
28. No Acórdão fundamento estão em causa factos praticados pelo Arguido em data anterior a 2010, em meados do ano de 2010, em data anterior a 03 de janeiro de 2015, entre 03 de janeiro e 11 de junho de 2015, desde 03 de janeiro de 2015 a 24 de fevereiro de 2016, no início do ano de 2015, no último trimestre de 2015, desde setembro de 2015 até abril de 2016, janeiro de 2016 e entre 2 de dezembro de 2014 e 20 de janeiro de 2016, e foi condenado na prática de crimes p. e p. no artigo 176° do Código Penal, na redação dada pelo pela Lei 59/2007, de 4 de setembro, relativamente aos factos praticados em data anterior a 2010 a 22 de setembro de 2015 e relativamente aos factos praticados desde o dia 23.09.2015 fevereiro de 2016 no identificado crime p. e p. no artigo 176° do Código Penal, mas na redação dada pela 103/2015 de 24.08.2015.
29. Conclui-se que estamos perante a aplicação e condenação dos Arguidos por legislação e incriminações diferentes, no Acórdão recorrido (artigo 176°, n°s 5 e 8 do Código Penal, na redação dada pela Lei 40/2020, de 18.08) e no Acórdão fundamento (artigo 176° n° 1 alínea b) do Código Penal, nas redações dadas pelas Leis 59/2007, de 4 de setembro e Lei 103/2015, de 18 de agosto), o que exclui a possibilidade de recurso para fixação de jurisprudência, devendo o mesmo ser rejeitado. (fim de transcrição)
3. Neste Supremo Tribunal de Justiça o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu o seu douto parecer concluindo “pronunciamo-nos pela inexistência de pressupostos formais e substantivos exigidos à admissibilidade do presente recurso extraordinário, devendo o recurso ser rejeitado, nos termos do artigo 441.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.”
4. Notificado o arguido não respondeu.
5. Efectuado o exame preliminar, o processo foi aos vistos e remetido à conferência, nos termos dos n.ºs 3 e 4 do artigo 440.º do Código de Processo Penal.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
6. Sob a epígrafe “Fundamento do recurso”, dispõe o artigo 437.º do Código de Processo Penal, no que tange à interposição de recurso extraordinário de fixação de jurisprudência:
«1 – Quando, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, cabe recurso, para o pleno das secções criminais, do acórdão proferido em último lugar.
2 – É também admissível recurso, nos termos do número anterior, quando um tribunal de relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente relação, ou do Supremo Tribunal de Justiça, e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça.
3 – Os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida.
4 – Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior transitado em julgado.
5 – O recurso previsto nos n.ºs 1 e 2 pode ser interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis e é obrigatório para o Ministério Público».
Por sua vez o artigo 438º, sob a epígrafe “Interposição e efeito”, dispõe:
“1 - O recurso para a fixação de jurisprudência é interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar.
2 - No requerimento de interposição do recurso o recorrente identifica o acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição e, se este estiver publicado, o lugar da publicação e justifica a oposição que origina o conflito de jurisprudência.
3 - O recurso para fixação de jurisprudência não tem efeito suspensivo.”
7. O recurso extraordinário para fixação de jurisprudência visa a obtenção de uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça que fixe jurisprudência, “no interesse da unidade do direito”, resolvendo o conflito suscitado (artigo 445.º, n.º 3, do Código de Processo Penal), relativamente à mesma questão de direito, quando existem dois acórdãos com soluções opostas, para situação de facto idêntica e no domínio da mesma legislação, assim fomentando os princípios da segurança e previsibilidade das decisões judiciais e, ao mesmo tempo, promovendo a igualdade dos cidadãos.
Como se escreveu no acórdão nº 5/2006 do Supremo Tribunal de Justiça, publicado no DR I-A Série de 6.06.2006, «A uniformização de jurisprudência tem subjacente o interesse público de obstar à flutuação da jurisprudência e, bem assim, contribuir para a certeza e estabilidade do direito.» Por isso se lhe atribui carácter normativo.
Como o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a reiterar, a interposição do recurso para fixação de jurisprudência, depende da verificação de pressupostos formais e materiais.1
São requisitos de ordem formal:
i. a legitimidade do recorrente (sendo esta restrita ao Ministério Público, ao arguido, ao assistente e às partes civis) e interesse em agir, no caso de recurso interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis (já que tal recurso é obrigatório para o Ministério Público);
ii. a identificação do acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição e, se este estiver publicado, o lugar da publicação, com justificação da oposição entre os acórdãos que motiva o conflito;
iii. o trânsito em julgado de ambas as decisões;
iv. tempestividade (a interposição de recurso no prazo de 30 dias posteriores ao trânsito da decisão proferida em último lugar).
São requisitos de ordem material:
i. a existência de oposição entre dois acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ou entre dois acórdãos das Relações, ou entre um acórdão da Relação e um do Supremo Tribunal de Justiça;
ii. verificação de identidade de legislação à sombra da qual foram proferidas as decisões;
iii. oposição referente à própria decisão e não aos fundamentos;
iv. as decisões em oposição sejam expressas;
v. a identidade de situações de facto.
8. Da verificação dos pressupostos formais
Legitimidade e interesse em agir: o Ministério Público tem legitimidade e interesse em agir (artigo 437º, nº 5 do Código de Processo Penal)
Tempestividade: Nos termos do artigo 438.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o recurso para fixação de jurisprudência deve ser interposto no prazo de 30 dias contados do trânsito em julgado do acórdão recorrido.
O acórdão recorrido foi proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 16 de Abril de 2025 e transitou em julgado em 2 de Maio de 2025, conforme resulta da certidão junta aos autos em 02/06/2025 (Ref. ....25 Citius)
O presente recurso deu entrada em tribunal no dia 2 de Maio de 2025, conforme resulta do texto do respectivo requerimento de interposição de recurso e do Citius (Ref. ....03).
Ora, tendo o recurso sido interposto em 2 de Maio de 2025, ou seja, no dia em que transitou em julgado e não num dos 30 dias “a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar” (cf. artigo 438.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), o mesmo é intempestivo.
Na verdade, o prazo de 30 dias para a interposição do recurso conta-se a partir do trânsito em julgado do acórdão recorrido, ou seja, do dia seguinte ao trânsito em julgado, o que manifestamente não se verifica no caso dos autos, como muito bem salienta o Senhor Procurador-geral Adjunto no seu parecer.
Assim, não estando preenchido o pressuposto da tempestividade, é inútil apreciar os demais pressupostos, devendo, por isso, o mesmo ser rejeitado.
Nestes termos, sem necessidade de mais considerandos por desnecessários, conclui-se pela rejeição do presente recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, nos termos dos artigos 437º, 438º, nº 1, 440º e 441º, nº 1, todos do Código de Processo Penal.
III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça, em rejeitar o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência interposto pelo Ministério Público.
Sem custas.
Supremo Tribunal de Justiça, 01 de Outubro de 2025.
Antero Luís (Relator)
António Augusto Manso (1º Adjunto)
Maria Margarida Almeida (2ª Adjunta)
___________
1. Veja- se por todos, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de Janeiro de 2024, proc.298/22.3YUSTR.L1-A.S1, disponível em www.dgsi.pt↩︎