Um novo ofício de entidade pública, junto a outro processo judicial, com conteúdo material idêntico ao constante do processo da condenação, não é novo meio de prova, nem um novo facto, mas, antes o mesmo facto e o mesmo meio de prova, já ponderado na decisão proferida.
1. No processo Abreviado n.º 1354/16.2PBFUN, pelo Juízo Local Criminal do Funchal – Juiz 3, por decisão de 18 de Janeiro de 2017, transitada em julgado em 18 de Maio de 2017, foi o arguido AA condenado pela prática de “um crime de condução ilegal, p.p. pelo artigo 3.º, n.º 2 do D.L. n.º 2/98, na pena de 9 meses de prisão.”
2. Vem agora o arguido, invocando o disposto no artigo 449.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Penal, interpor o presente recurso extraordinário de revisão, apresentando os seguintes fundamentos: (transcrição)
O presente recurso é interposto da douta sentença proferida em 18-01-2017, transitada em julgado em 18-05-2017, que decidiu "condenar o ora Recorrente pela prática de um crime de condução ilegal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3/01, na pena de 9 meses de prisão" - cfr. certidão judicial eletrónica junta em anexo com o código de acesso ....
1 - DOS FACTOS
A decisão que ora se pretende seja revista - cfr. certidão judicial eletrónica junta em anexo com o código de acesso ..., considerou provados os seguintes factos:
"a) No dia 31 de julho de 2016, cerca das 17h40, na via pública, na cidade do Estrada 1, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula V1, sem possuir a respetiva carta de condução que o habilitasse a tal actividade.
b) O arguido bem sabia que conduzia um veículo motorizado na via pública, e que para fazê-lo, imperioso se tornava estar munido de carta de condução, o que não acontecia.
c) Sabia que a sua conduta era punida e proibida por lei.
d) 0 arguido está desempregado, vive só, numa casa que não tem água potável nem luz.
e) 0 arguido foi condenado pela prática em 29/7/2005, de um crime de condução sob efeito do álcool e ilegal, numa pena de multa; foi condenado pela prática em 28/11/2008, de um crime de condução ilegal, numa pena de multa; foi condenado pela prática em 24/2/2009, de um crime de condução ilegal, numa pena de multa; foi condenado pela prática em 5/9/2015, de um crime de condução ilegal, numa pena de prisão suspensa."
II - DA DECISÃO RECORRIDA
A convicção do Tribunal foi formada, "para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também por declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, parcialidade, coincidências e mais inverosimilhanças que, porventura, transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos." - cfr. certidão judicial eletrónica junta em anexo com o código de acesso ....
Deste modo, a formação da convicção do tribunal, "quanto aos factos dados como provados, resultou da análise crítica da conjugação da leitura atenta do auto de notícia de fls. 3, do documento de fls. 7 e 64, que comprovam que o arguido não tem carta de condução (destaque nosso), e no depoimento da testemunha BB, agente da PSP que, com conhecimento direto dos factos, depôs de forma serena, isenta e imparcial, relatando de forma circunstanciada o modo como o arguido foi fiscalizado, não tendo quaisquer dúvidas de que o arguido conduziu no dia, hora e local acima aludidos o veículo automóvel supra identificado, precisando ainda que pese embora o arguido não tivesse consigo na altura o documento de identificação, já o conhecia de anteriores ocorrências e a sua identificação constava já no sistema informático." - cfr. certidão judicial eletrónica junta em anexo com o código de acesso ....
Assim, entendeu o Tribunal que a apreciação dos factos dados como provados preenchem os elementos objetivos do artigo 3º, n.º 2 do DL 2/98 de 3/1, uma vez que se provou que o arguido conduzia um ligeiro de passageiros, sem ter habilitação legal para o efeito, e na via pública. E subjetivos do tipo legal do art. 3º n.º 2 do citado diploma, já que o arguido, bem sabia que não tinha carta de condução, e tinha consciência da ilicitude da sua conduta, pois tinha conhecimento que ao agir de modo descrito incorria em responsabilidade criminal. - cfr. certidão judicial eletrónica junta em anexo com o código de acesso ....
Concluindo o Tribunal que o arguido praticou o crime pelo qual vinha acusado.
III - DOS MOTIVOS QUE JUSTIFICAM A REVISÃO
Conforme consta dos autos, através do ofício (refª ......15) datado de 02/11/2016, o Tribunal solicitou à Direção Regional da Economia e Transportes - RAM, o envio do cadastro rodoviário do arguido. Mais informando que este ofício poderia "ser utilizado como resposta, se assim for entendido, bastando para tal o preenchimento do quadro seguinte" - fim de citação - cfr. certidão judicial eletrónica junta em anexo com o código de acesso ....
A Direção Regional da Economia e Transportes - RAM, em resposta ao ofício (refª. ......15), de 02/11/2016, informou (refª de entrada .....44) os presentes autos que, "após consulta ao Registo Individual do Condutor, sobre AA, nos últimos 5 anos, NADA CONSTA em matéria de infrações rodoviárias" - cfr. certidão judicial de aditamento à certidão judicial eletrónica junta em anexo com o código de acesso ....
Mais informando "que, de acordo com o Registo Nacional de Condutores, o referido não é titular de carta de condução portuguesa" - cfr. certidão judicial de aditamento à certidão judicial eletrónica junta em anexo com o código de acesso ....
Sucede, porém, que o arguido é titular de carta de condução portuguesa com o n.º M-....56, emitida em 26.02.2003, pela DRTT do Funchal.
Tal como é reconhecido pela Direção Regional dos Transportes e da Mobilidade Terrestre, no âmbito do processo sumário n.9 366/22.1PBSCR, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca da Madeira -Juízo Local Criminal de Santa Cruz, através do seu ofício com o registo de saída n.º DRTMT/..75/2024, de 06-05-2024 (refª ......95), informando o Tribunal que "a carta de condução n.º M-....56, emitida a 26-02-2003, está caducada, desde 12-04-2003, nos termos do n.º 1 do artigo 2º do RHLC, conjugado com o n.º 1 do artigo 122º do CE, no âmbito do processo sumário crime n.º 180/03.3PTFUN, que correu os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca do Funchal, 2º Juízo Criminal" - cfr. certidão judicial eletrónica junta em anexo com o código de acesso LT...31-Z...Y16-SSYT-TIH5.
Tendo a carta de condução n.º M-....56 sido emitida em data anterior à prática dos factos ocorridos e julgados nos autos do processo que ora se pretende que a decisão seja revista -processo abreviado n.º 1354/16.2PBFUN, Tribunal Judicial da Comarca da Madeira - Juízo Local Criminal do Funchal - Juiz 3.
Ora, estamos perante novos factos e novos meios de prova que, numa apreciação global despertam graves suspeitas de inocência do arguido, e, consequentemente, graves dúvidas sobre a justiça da condenação, designadamente que o arguido, afinal, possuía carta de condução, apesar de caducada, que o habilitava a conduzir o veículo ligeiro de passageiros de matrícula V1.
A sentença revidenda está inquinada por um erro de facto originado pela informação da Direção Regional da Economia e Transportes - RAM, em resposta ao ofício (refª ......15), de 02/11/2016, que "...o referido condutor não é titular de carta de condução portuguesa" - cfr. certidão judicial eletrónica junta em anexo com o código de acesso LT..31-ZY...16-SSYT-TIH5.
Acresce que, estamos na presença de um erro de facto, que influenciou negativamente a fixação da matéria de facto da decisão judicial revidenda, mormente, quando se deu como provado que:
"a) No dia 31 de julho de 2016, cerca das 17h40, na via pública, na cidade do Estrada 1, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula V1, sem possuir a respetiva carta de condução que o habilitasse a tal actividade" - destaque nosso - cfr. certidão judicial eletrónica junta em anexo com o código de acesso ....
Tendo a informação dada pela Direção Regional da Economia e Transportes da Região Autónoma da Madeira (refª de entrada .....44), em resposta ao ofício do Tribunal (refª. ......15), de 02/11/2016, sido determinante para a condenação do arguido, pois a formação da convicção do tribunal, quanto aos factos dados como provados, resultou da análise crítica da conjugação da leitura atenta do auto de notícia de fls. 3, do documento de fls. 7 e 64 (a que corresponde a informação da Direção Regional da Economia e Transportes da Região Autónoma da Madeira - ref- de entrada 1801944), que comprovam que o arguido não tem carta de condução - cfr. certidão judicial eletrónica junta em anexo com o código de acesso ....
Todavia, encontra-se provado que o ora Recorrente é titular da carta de condução n.º M-....56, emitida em 26/02/2003, caducada em 12/04/2003 por decisão judicial, e que o IMT,IP não proferiu decisão de cancelamento da carta de condução do arguido (até à data dos factos, a saber, 31/07/2016).
Igualmente, resulta provado que a sentença proferida no processo sumário n.º 180/03.3PTFUN, que correu termos no Tribunal Judicial do Funchal - Tribunal de Turno, em 12/04/2003, transitada em julgado em 06/05/2003, declarou caducada a carta de condução M-....56 do ora recorrente, nos termos dos art.os 122º, n.e 4 e 130.º, n.º 1, al. a) do Código da Estrada", sem a cominação do cancelamento da carta de condução do arguido - cfr. certidão judicial eletrónica junta em anexo com o código de acesso LT...31-ZY...16-SSYT-TIH5.
Ora, à data da prática dos factos, quer a caducidade, quer o cancelamento da licença de condução tinham de ser declaradas, já que a sua verificação não é automática (vide neste sentido, quanto à declaração de caducidade da carta provisória, o Ac. do TRE de 19-12-2013-Pº nº 227/11.0PATVR.E1).
Não havendo qualquer outra prova em sentido contrário.
O Código da Estrada hoje vigente, cuja redação originária foi dada pelo Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de maio, estabelecia, no seu artigo 125.º, n.º 2, que as cartas de condução eram, em princípio, válidas «para a categoria de veículos e pelo período de tempo nelas averbados». Passado esse período de tempo, as cartas de condução caducavam, prevendo-se que quem, sendo titular de uma carta de condução caducada, conduzisse um veículo fosse punido com a coima prevista no artigo 131.º, n.º 1, desse diploma. Porém, se o condutor tivesse deixado ultrapassar dois escalões etários previstos para a revalidação da carta em diploma próprio, era considerado, para todos os efeitos legais, como não habilitado para a condução de veículos automóveis - artigo 131.º, nº 2, alínea c), desse Código.
O diploma próprio para o qual o Código da Estrada nesta situação remetia era, em 1994, o Decreto Regulamentar n.º 65/94, de 18 de novembro, cujo artigo 7.º, n.º 1, estabelecia que o termo de validade das cartas de condução da categoria B, que é essa que para este efeito nos interessa, ocorria, sucessivamente, na data em que o seu titular perfizesse 65 e 70 anos e, posteriormente, de dois em dois anos.
Esse regime manteve-se praticamente inalterado após revisão do Código da Estrada operada pelo Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro, e a revogação do Decreto Regulamentar n.º 65/94, de 18 de novembro, pelo artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 209/98, de 15 de julho, diploma que aprovou e publicou em anexo o "Regulamento da Habilitação Legal para Conduzir".
Também neste Regulamento se previa que as cartas de condução da categoria B fossem válidas até que o respetivo titular completasse 65 e 70 anos e, depois dessa idade, de dois em dois anos, devendo, em cada uma dessas datas, ser renovadas. A condução de um veículo com uma carta caducada era punível com a coima prevista no n.9 5 do artigo 130.º do Código, salvo se o condutor tivesse deixado ultrapassar sucessivamente dois escalões etários previstos para a revalidação, caso em que se considerava, para todos os efeitos legais, como não habilitado para conduzir- n.ºs 2 e 4 do mesmo preceito legal.
Não obstante o Decreto-Lei n.º 265-A/2001, de 28 de setembro, ter dado nova redação ao artigo 130.º do Código da Estrada, o quadro jurídico antes traçado manteve-se, no essencial, inalterado a partir de 1 de outubro de 2001, data em que entraram em vigor as alterações ao Código da Estrada introduzidas por este diploma.
O mesmo se poderá dizer quanto às alterações ao Código da Estrada introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de fevereiro. Porém, nessa mesma data foi publicado o Decreto-Lei n.º 45/2005, cujo artigo 4.º, pouco depois alterado pelo Decreto-Lei n.º 103/2005, de 24 de junho, alterou de modo significativo o prazo de validade das cartas de condução da categoria B. Essas cartas, que, desde o termo da vigência do Código da Estrada aprovado pelo Decreto-Lei n.º 39 672, de 20 de maio de 1954, caducavam pela primeira vez aos 65 anos, passaram a caducar aos 50, 60, 65 e 70 anos e, posteriormente, de 2 em 2 anos - artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 45/2005, de 23 de Fevereiro.
Este diploma previu, no seu artigo 10.º, n.º 2, que as cartas de condução anteriormente emitidas se mantivessem válidas até 1 de janeiro de 2008, vigência que foi alargada pela nova redação dada ao n.º 5 do artigo 4.º desse diploma pelo Decreto-Lei n.º 103/2005, de 24 de junho. Nele se estabeleceu que o titular de carta de condução emitida antes da entrada em vigor daquele diploma mantinha a habilitação até que ocorresse o primeiro termo de validade então introduzido, ou seja, até que completasse 50 ou 60 anos.
O quadro legal até aqui vigente veio a ser clarificado com a alteração ao Código da Estrada introduzida pela Lei n.9 72/2013, de 3 de setembro, que entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 2014, e com a publicação do novo "Regulamento da Habilitação Legal para Conduzir" aprovado pelo Decreto-Lei n.9 138/2012, de 5 de julho.
O artigo 10º do novo RHLC manteve a obrigação de os titulares das cartas de condução cujo prazo de validade terminasse quando os seus titulares completassem 65 anos as revalidarem quando perfizessem 50 e 60 anos.
O artigo 130.º do Código da Estrada na redação do Decreto-Lei mencionado (n.9 138/2012), distinguiu a caducidade do título de condução, que se verifica, nomeadamente, se ele não for revalidado nos prazos fixados no RHLC, do seu cancelamento, que ocorre se tiverem passado mais de 5 anos sobre a data em que ele devia ser revalidado.
Esta distinção era essencial para qualificar a conduta do agente como contraordenação, prevista no art. 130º, n.º 7, do Código da Estrada, no caso de conduzir com a carta caducada, ou cancelada, caso em que o agente não está já habilitado a conduzir, incorrendo assim no crime previsto no art. 3º do Dec.-lei n.º 2/98 (cf. Ac. da ReL. de Lisboa de 25.11.2015, no proc. 495/14.5GCALM.L1-3, em www.dgsi.pt).
Mas quando é que a carta de condução se poderia considerar cancelada?
As alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 138/2012, de 5/7, no texto do artigo 130º do Código da Estrada verificaram-se, desde logo, na epígrafe do artigo, que era anteriormente "Caducidade do título de condução" e passou a ser "Caducidade e cancelamento dos títulos de condução".
A redação dos diversos números do mesmo artigo sofreu modificações, em que se destaca a alteração da redação do nº 5 de tal preceito: enquanto da primitiva redação se extraía que a não habilitação de conduzir os veículos se verificava, para todos os efeitos legais, sempre que o título de condução se encontrasse caducado nos termos do nº 1 e das alíneas b) e c) do nº 2, da nova redação passou a resultar que se consideravam não habilitados a conduzir, para esses mais amplos efeitos legais, apenas "os titulares de títulos de condução cancelados".
Isto é, a não habilitação para conduzir passou a resultar, para todos os efeitos legais ("máxime", criminais), somente do cancelamento dos títulos e já não da sua mera caducidade, para a qual, embora também implicasse a invalidade dos mesmos títulos, se passou a prever um mero sancionamento administrativo: a coima prevista no nº 7.
Ora, para além do mencionado teor literal do novo texto do artigo 130º do Código da Estrada, também o elemento sistemático inculca que o cancelamento dos títulos de condução (ao invés da sua caducidade) carece de uma tomada de posição do organismo competente.
Com efeito, em consonância com o que a referida alteração ao Código da Estrada, o artigo 29, n.9 1, do Regulamento da Habilitação Legal para Conduzir (RHLC) - publicado em anexo ao aludido Decreto-Lei 138/2012 - estatuiu que "Os títulos de condução, com exceção dos títulos para condução de veículos pertencentes às forças militares e de segurança, são emitidos, revogados e cancelados pelo Instituto da Mobilidade e dos Transportes, IP, nos termos do Código da Estrada e do presente Regulamento".
Existe, pois, uma norma legal conferindo expressa competência à administração (IMT-I.P.) para cancelar os títulos de condução, nos termos do Código da Estrada, ou seja, sempre que o Código da Estrada preveja a possibilidade desse cancelamento.
De resto, esta posição é assumida e confortada pela jurisprudência dos tribunais superiores, como facilmente se mostrará.
Assim, em acórdão publicado em 3/10/2019, proferido no recurso de revisão 587/17.9GFSTB-A.S1, o STJ entendeu que (sumário):
"III - Em 2012, a redação do artigo 130.2, do Código da Estrada, era distinta da redação em vigor a 01.09.2017. Estando perante uma sucessão de leis no tempo, onde assume relevância a classificação de uma certa conduta como crime, é relevante a lei em vigor no momento da prática dos factos. Isto é, no momento em que o arguido conduz sem habilitação legal, pois é este o tipo legal de crime que está em discussão. É irrelevante o que dispunha o artigo 130.º, do Código da Estrada no momento em que o título de condução tinha expirado a sua validade, a 12.05.2012, pois não foi nesta data que os factos foram praticados.
IV - De acordo com a redação do artigo 130.º, do Código da Estrada em vigor em setembro de 2017, o arguido só incorre na prática de um crime se conduzir com o título de condução cancelado; pelo contrário, pratica um ilícito contraordenacional quando conduz com o título de condução caducado."
Mas também já em idêntico sentido haviam decidido, 'in ante':
- o acórdão do TRE de 11/07/2013, proferido no recurso 595/11.3GTABF.E1;
- o acórdão do TRE de 17/10/2017, proferido no recurso 316/14.9 GTABF.E1;
- o acórdão do TRL de 30/04/2019, proferido no recurso 320/18.8PARGR.L1-5.
Refira-se ainda, perfilhando idêntico entendimento, o acórdão do TRC de 16/10/2019, proferido no recurso 27/19.9GABBR.C1.
Como se refere no sumário do Ac. do TRE de 17/10/2017 (disponível para consulta em www.dgsi.pt):
I - O legislador distingue, no artigo 130.º do Código da Estrada, a caducidade e o cancelamento do título de condução. Enquanto no nº1 se refere que o título de condução caduca o que, naturalmente, inculca que tal situação opera ope legis sem necessidade de qualquer declaração para o efeito, já no nº3 refere-se de forma bem distinta que o título de condução é cancelado (e já não que o mesmo título se considera cancelado), ou seja, nesta segunda situação impõe-se uma tomada de decisão para o efeito.
II - Por isso que o titular de título de condução caducado, mas não cancelado, não incorre no crime de condução sem habilitação legal, mas antes na contraordenação prevista no artigo 130.º, n.º 7 do Código da Estrada.
E não suscita qualquer dúvida a interpretação da lei neste sentido, uma vez que se encontra tal expressamente previsto nos n.os 1, aL. c), 5 (Os titulares de título de condução caducados consideram-se, para todos os efeitos legais, não habilitados a conduzir os veículos para os quais o título fora emitido, sendo-lhes aplicável o regime probatório...) e 7 (Quem conduzir veículo com titulo caducado, nos termos previstos no n.º 1, é sancionado com coima de € 120 a €600) do citado art.º. 1302 do Código da Estrada.
Até 8 de janeiro de 2021, data da entrada em vigor das alterações ao Código da Estrada operadas pelo Decreto Lei n.9 102-B/2020, o cancelamento da carta de condução não era automático, ao contrário da sua caducidade, conforme decorre da diferença de redação em vigor à data dos n.os 1 (O título de condução caduca...) e 3 (O título de condução é cancelado...).
Na verdade, o art. 2-, n.9 1, do Regulamento da Habilitação Legal para Conduzir, publicado em anexo ao Dec. Lei 138/2012, com as alterações introduzidas pelo Dec. Lei 37/2014, de 14-3, dispõe que "Os títulos de condução (...) são emitidos, revogados e cancelados pelo Instituto da Mobilidade e dos Transportes, IP (IMT, IP), nos termos do Código da Estrada e do presente Regulamento".
Ou seja, esta norma atribuía a competência para cancelar os títulos de condução ao IMT, IP, nos casos previstos quer no RHLC, quer no Código da Estrada - como era o caso do fundamento para cancelamento em causa nos autos, previsto no art. 1309, n.9 3, ai. a), do CE, na redação anterior à data de 8 de janeiro de 2021.
Revertendo ao caso dos autos, resulta provado que o arguido tem a sua carta de condução caducada, mas não cancelada, pelo que a decisão jamais poderia ser condenatória pela prática do crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo art.º 3º, n.OS 1 e 2, do Dec. Lei n.º 2/98, de 03/01 - cfr. certidão judicial eletrónica junta em anexo com o código de acesso LT...31-ZY...16-SSYT-TIH5.
Mais se dirá que, no caso concreto, o comportamento do arguido -condução de veículo automóvel, sendo titular de título de condução caducado - não consubstancia a prática de um crime de condução sem habilitação legal, mas antes, a prática, pelo mesmo, do ilícito contraordenacional, previsto e punido no nº 7 do art.º 130.º do Código da Estrada.
Deve, por isso, o arguido ser absolvido da prática do referido crime.
A decisão que ora se pretende seja revista prejudicou gravemente os interesses do Recorrente, e descurou de forma grosseira a salvaguarda do princípio da busca da verdade material.
NESTES TERMOS, e nos mais de Direito que V. Exas. sabiamente saberão suprir, autuado por apenso, deverá ser admitido o presente recurso de revisão, notificado o Instituto de Mobilidade e Transportes, IP-RAM para responder, no prazo legal, seguindo-se a ulterior e normal tramitação, vindo, a final, ser julgado procedente e decidido no sentido que o comportamento do arguido - condução de veículo automóvel, sendo titular de título de condução caducado -não consubstancia a prática de um crime de condução sem habilitação legal, mas antes, a prática, pelo mesmo, do ilícito contraordenacional, previsto e punido no nº 7 do art.º 130.-do Código da Estrada, alterando-se o decidido quanto à condenação do arguido pela prática de um crime de condução ilegal, previsto e punido pelo artigo 3.° n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n. º 2/98, de 3/01, na pena de 9 meses de prisão.” (fim de transcrição)
3. O Ministério Público respondeu ao recurso, concluindo “(…) pela inadmissibilidade abstracta deste recurso de revisão, por não estarem verificados os pressupostos legais e, ainda que assim não se entenda, pela improcedência do recurso por não haver fundamento concreto para a revogação da sentença.”
4. A informação judicial a que alude o artigo 454.º do Código de Processo Penal foi a seguinte:
«No âmbito da informação aludida no artigo 454.º do CPP, a ora signatária (que não foi quem proferiu a sentença) declara que entende que o recurso de revisão não deverá proceder, pelos motivos indicados na resposta ao recurso apresentada pelo Ministério Público, razão pela qual se entende que não há qualquer diligencia probatória a realizar.»
5. No Supremo Tribunal de Justiça, o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, concluindo “(…) somos de parecer que deve ser negada a revisão.”
6. Teve lugar a conferência.
II. Fundamentação
7. A Constituição da República Portuguesa, em obediência ao princípio da dignidade da pessoa humana e das garantias de defesa em processo criminal, consagra, no seu artigo 29º, nº 6, expressamente o recurso de revisão estatuindo que “os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença”.
Esta mesma garantia constitucional resulta igualmente de instrumentos de Direito Internacional vinculativos para o Estado Português, nomeadamente da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, a qual, no artigo 4º do Protocolo 7, considera que a sentença definitiva não impede “a reabertura do processo, nos termos da lei e do processo penal do Estado em causa, se factos novos ou recentemente revelados ou um vício fundamental no processo anterior puderem afectar o resultado do julgamento”.
Na densificação do preceito constitucional, o artigo 449º do Código de Processo Penal, sob a epígrafe “Fundamentos e admissibilidade da revisão”, enumera taxativamente os fundamentos deste recurso extraordinário, nos seguintes termos:
“1 - A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:
a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;
b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo;
c) Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;
d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.os 1 a 3 do artigo 126.º;
f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação;
g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça.”
2 - Para o efeito do disposto no número anterior, à sentença é equiparado despacho que tiver posto fim ao processo.
3 - Com fundamento na alínea d) do n.º 1, não é admissível revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada.
4 - A revisão é admissível ainda que o procedimento se encontre extinto ou a pena prescrita ou cumprida.”
O recurso extraordinário de revisão visa superar, como refere Alberto dos Reis, “(…) o caso julgado se formou em circunstâncias patológicas susceptíveis de produzir injustiça clamorosa”; “visa eliminar o escândalo dessa injustiça”.1’2Acrescenta o insigne Professor, que “estamos perante uma das revelações do conflito entre as exigências da justiça e a necessidade de segurança ou da certeza. Em princípio, a segurança jurídica exige que, formado o caso julgado, se feche a porta a qualquer pretensão tendente a inutilizar o benefício que a decisão atribuiu à parte vencedora.
Mas pode haver circunstâncias que induzam a quebrar a rigidez do princípio. A sentença pode ter sido consequência de vícios de tal modo corrosivos, que se imponha a revisão como recurso extraordinário para um mal que demanda consideração e remédio.
Quer dizer, pode a sentença ter sido obtida em condições tão estranhas e anómalas, que seja de aconselhar fazer prevalecer o princípio da justiça sobre o princípio da segurança. Por outras palavras, pode dar-se o caso de os inconvenientes e as perturbações resultantes da quebra do caso julgado serem muito inferiores aos que derivariam da intangibilidade da sentença”.3
Neste mesmo sentido, Germano Marques da Silva, seguindo Cavaleiro Ferreira, considera que o “princípio da justiça exige que a verificação de determinadas circunstâncias anormais permita sacrificar a segurança que a intangibilidade do caso julgado exprime, quando dessas circunstâncias puder resultar um prejuízo maior do que aquele que resulta da preterição do caso julgado”.4
Ainda neste mesmo sentido, Figueiredo Dias, apesar de considerar a segurança um dos fins do processo penal, considera que tal “não impede que institutos como o do «recurso de revisão» (…) contenham na sua própria razão de ser um atentado frontal àquele valor, em nome das exigências da justiça. Acresce que só dificilmente se poderia erigir a segurança em fim ideal único, ou mesmo prevalente, do processo penal. Ele entraria então constantemente em conflitos frontais e inescapáveis com a justiça; e, prevalecendo sempre ou sistematicamente sobre esta, pôr-nos-ia face a uma segurança do injusto que, hoje, mesmo os mais cépticos têm de reconhecer não passar de uma segurança aparente e ser só, no fundo, a força da tirania”5
Ao nível jurisprudencial o recurso de revisão é, tal como resulta da sua designação extraordinária, um meio de reação processual contramanifestas injustiças e intoleráveis erros judiciários. A segurança do caso julgado apenas pode e deve ser afastada, em situações de evidente injustiça material.
A título exemplificativo e a este propósito, o Supremo Tribunal de Justiça, no seu acórdão de 17/12/2009, considera que os “fundamentos do recurso extraordinário de revisão de sentença vêm taxativamente enunciados no art. 449.º do CPP, e visam o compromisso entre o respeito pelo caso julgado, e com ele a segurança e estabilidade das decisões, por um lado, e a justiça material do caso, por outro”.6
Feito este enquadramento sobre os entendimentos jurisprudencial e doutrinal do recurso extraordinário de revisão, voltemos ao caso concreto.
O recorrente baseia o seu pedido de revisão na alínea d) do n.º 1 do artigo 449º do Código de Processo Penal, isto é, descoberta de “novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação”.
Como fundamento da revisão, em síntese conclusiva, o arguido invoca um documento da Direção Regional dos Transportes e da Mobilidade Terrestre, junto no processo sumário n.º 366/22.1PBSCR, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca da Madeira -Juízo Local Criminal de Santa Cruz (ofício com o registo de saída n.º DRTMT/..75/2024, de 06-05-2024 (refª ......95) no qual se atesta que “a carta de condução n.º M-....56, emitida a 26-02-2003, está caducada, desde 12-04-2003, nos termos do n.º 1 do artigo 2º do RHLC, conjugado com o n.º 1 do artigo 122º do CE, no âmbito do processo sumário crime n.º 180/03.3PTFUN, que correu os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca do Funchal, 2º Juízo Criminal”.
Tendo na base este ofício, que o recorrente considera “novo meio de prova”, o mesmo faz uma interpretação jurídica do Código da Estrada e outros diplomas legais, para concluir que a referida licença de condução tinha de ser declarada cancelada.
Vejamos.
Adiantando a conclusão, importa dizer que não tem razão o arguido.
Em primeiro lugar, do ofício da Direção Regional dos Transportes e da Mobilidade Terrestre, junto ao processo sumário n.º 366/22.1PBSCR, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca da Madeira -Juízo Local Criminal de Santa Cruz, datado de 06 de Maio de 2024, também consta, para além do que o recorrente alega, que o “arguido AA, reafirmamos que este não é titular de carta de condução que o habilite legalmente a conduzir veículos a motor”.
Em segundo lugar, no mesmo processo, consta um outro ofício da Direção Regional dos Transportes e da Mobilidade Terrestre de 12 de Abril de 2024, do qual consta expressamente o seguinte:
“após consulta ao processo físico do arguido AA, reafirmamos que este à data não é titular de carta de condução que o habilite legalmente a conduzir veículos a motor.
Mais informamos que a carta de condução n.° M-....56, emitida a 26-02-2003, está cancelada, desde 12-04-2003, nos termos do n° 1 do artigo 2o do Regulamento da Habilitação Legal para Conduzir, conjugado com o n.° 1 do artigo 122° do Código da Estrada, no âmbito do processo sumário crime n.° 180/03.3PTFUN, que correu os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca do Funchal, 2o Juízo Criminal.
Informamos ainda que a carta de condução supra identificada, porque está cancelada, não se encontra abrangida pelo regime extraordinário de revalidação de títulos de condução, previsto no Decreto-Lei n.° 63/2023, de 31 de julho.” (negrito nosso).
Estes dois ofícios, um dos quais o arguido invoca como “novo meio de prova”, em nada contradizem o ofício da mesma entidade com base no qual foi dado como provado, no processo de que estes autos são apenso, que o arguido não era titular de carta de condução.
Contrariamente ao alegado pelo arguido, o ofício invocado para a peticionada revisão confirma que o mesmo, em 31 de Julho de 2016, “não é titular de carta de condução que o habilite legalmente a conduzir veículos a motor”.
Não estamos, assim, em presença de um “novo meio de prova”, mas, antes, do mesmo meio de prova interpretado juridicamente pelo arguido de forma diversa.
Como refere Paulo Pinto de Albuquerque, “factos ou meios de prova novos são aqueles que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e não puderam ser apresentados antes deste (…). Portanto, não basta que os factos sejam desconhecidos do tribunal. Por essa razão, o arguido só pode indicar novas testemunhas se justificar que “ignorava a sua existência ao tempo da decisão” ou elas não puderam ser apresentadas (“estiverem impossibilitadas de depor”, artigo 453, n.º 2, cuja redacção reproduz o artigo 678, § 1.º, do CPP de 1929). É pela generalização deste princípio que se deve interpretar a expressão “factos ou meios de prova novos” (…). Se o arguido (ou o MP em seu benefício) conhecia os factos e os meios de prova ao tempo do julgamento e os podia apresentar, devia ter requerido a investigação desses factos e a produção desses meios de prova (…). A lei não permite que a inércia voluntária do arguido em fazer actuar os meios ordinários de defesa seja compensada pela atribuição de meios extraordinários de defesa (…). Só esta interpretação faz jus à natureza excepcional do remédio da revisão e, portanto, aos princípios constitucionais da segurança jurídica, da lealdade processual e da protecção do caso julgado”.7
Da análise conjugada dos artigos 449º, nº 1 alínea d) e 453º, ambos do Código de Processo Penal, a lei permite a revisão com base em novos meios de prova de factos já debatidos no julgamento que conduziu à sentença cuja revisão se pede8 e não só com base em novos factos e respectivos meios de prova, exigindo-se, contudo, em relação a estes, que o recorrente justifique que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estiveram impossibilitados de depor.
Como se refere no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 27 de abril de 2022, “os factos e ou as provas têm de ser novos (…) no sentido de serem desconhecidos do tribunal e do arguido ao tempo do julgamento, resultando a sua não oportuna apresentação precisamente desse desconhecimento ou, no limite, duma real impossibilidade de apresentação em julgamento, da prova em causa”.9
No mesmo sentido, escreveu-se no sumário do acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 09 de Fevereiro de 2022, “Constitui jurisprudência constante deste tribunal a de que, para efeitos de admissibilidade da revisão com fundamento no n.º 1, al. d), deste preceito, são factos novos ou novos meios de prova os que não tenham sido apreciados no processo que levou à condenação e que, sendo desconhecidos da jurisdição no ato de julgamento, permitam suscitar graves dúvidas acerca da culpabilidade do condenado; “novos” são também os factos e os meios de prova que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e, porque aí não apresentados, não puderam ser considerados pelo tribunal. III - Novos meios de prova são aqueles que são processualmente novos, que não foram apresentados no processo da condenação; a novidade, neste sentido, refere-se ao meio de prova, seja pessoal, documental ou outro, e não ao resultado da produção da prova.”10
Para além desta exigência, dos novos factos ou meios de prova, devem resultar graves dúvidas sobre a justiça da condenação, conceito que reclama «um grau ou qualificação tal que ponha em causa, de forma séria, a condenação, no sentido de que hão de ter uma consistência tal que aponte seriamente no sentido da absolvição como a decisão mais provável”.11
Tendo em conta este entendimento jurisprudencial e doutrinal sobre “novo meio de prova”, é manifesto que o documento junto não é um novo meio de prova, nem um novo facto, mas, antes o mesmo facto e o mesmo meio de prova, já ponderado na decisão proferida.
Como refere o Senhor Procurador-Geral Adjunto na sua promoção, “estamos perante alegação de factualidade e mesmo de diferente enquadramento jurídico que não é de todo uma novidade para o arguido, nem era de todo uma novidade à data em que praticou o crime que importou a sua condenação na sentença revidenda, e que nem no julgamento ou no processo invocou ou mencionou tal circunstância ou apresentou justificação atual para essa omissão.
Significa isto que sendo estes factos, que justificam a sua elaboração jurídica, de conhecimento pessoal do arguido, que não os desconhecia e que os poderia ter mencionado no decurso do processo onde foi proferida a decisão revidenda, importa pois concluir sem sombra de dúvida que não estamos perante um facto novo, inédito ou desconhecido. Nenhuma novidade de factos ou meios de prova pode, pois, ser invocada.
(…)
No presente caso é o próprio requerente quem esclarece a ausência de novidade ao juntar certidões e alegar factos que isso mesmo comprovam, designadamente a condenação anterior por igual crime onde foi declarada a caducidade da carta de condução que agora alega que o titulava a conduzir por não ter sido cancelada.
Tendo o ora requerente omitido a informação que agora traz à discussão, aceitou as consequências inerentes, tal como as aceitou – diga–se – nas anteriores e posteriores condenações por igual crime, não tendo sequer lançado mão de recurso ordinário, pelo que agora não se pode fazer valer do recurso de revisão, como se este fosse sucedâneo daquele, mas que não serve nem para conseguir uma condenação mais justa, nem para corrigir erros de facto ou de direito, cujas consequências apenas são imputáveis à própria defesa (cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24–2–2021, no processo n.º 95/12.4GAILH-A.S1, Conselheiro Nuno Gonçalves).”
Como se refere e reafirma jurisprudência uniforme deste Supremo Tribunal de Justiça, no seu acórdão de 7 de Abril de 2021, “o recurso extraordinário de revisão não pode servir de mecanismo destinado a corrigir deficiências ou erros que, a terem existido, são exclusivamente imputáveis à estratégia de defesa que o condenado entendeu adoptar”.12
Em resumo, as certidões e o documento apresentados pelo arguido, não trazem para os autos qualquer elemento que possa suscitar dúvidas quanto aos factos que foram provados nos autos e conduziram à condenação do arguido ou lançar suspeitas sobre a justiça da mesma condenação.
Sendo o ofício da Direção Regional dos Transportes e da Mobilidade Terrestre, designado pelo arguido como “novo meio de prova”, materialmente igual ao que constava dos autos e omitindo o mesmo a parte desse mesmo ofício que lhe era desfavorável, não pode deixar de se considerar o pedido como manifestamente infundado, para efeitos do artigo 456º do Código de Processo Penal.
Não pode, pois, proceder o pedido de revisão.
III Decisão
Pelo exposto, acordam na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça em:
a) Negar a revisão – artigo 456.º do Código de Processo Penal;
b) Condenar o recorrente em custas, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC – artigos 513.º do CPP e 8.º, n.º 9, e Tabela III do RCP;
c) Condenar o arguido no pagamento da quantia de 6 UC, por o pedido ser manifestamente infundado.
Supremo Tribunal de Justiça, 01 de Outubro de 2025.
Antero Luís (Relator)
José Carreto (1º Adjunto)
António Augusto Manso (2º Adjunto)
Nuno Gonçalves (Presidente)
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1. Código de Processo Civil anotado, Vol. V, reimpressão, 1981, página 158.
2. Neste mesmo sentido, Pereira Madeira “eventuais injustiças a que a imutabilidade absoluta do caso julgado poderia conduzir”, pois “não se pode impedir a revisão de sentença quando haja fortes elementos de convicção de que a decisão proferida não corresponde em matéria de facto à verdade histórica que o processo penal quer e precisa em todos os casos alcançar”, in Código de Processo Penal Anotado, António Henriques Gaspar e Outros, 2014, pág. 1609.
3. Código de Processo Civil Anotado, vol. VI, Coimbra Editora, Coimbra, 1953, pp. 336-337.
4. Direito Processual Penal, Vol.3 Universidade Católica, Lisboa 2015, pág.368.
5. Direito Processual Penal Primeiro Volume, Coimbra Editora, 1981, pág. 44.
6. Proc. 330/04.2JAPTM-B.S1, disponível em www.dgsi.pt
7. Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Volume II, 5.ª edição atualizada, UCP Editora, págs. 755-756,
8. Neste sentido, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Março de 2009, Proc. nº 09P316, disponível em www.dgsi.pt
9. Processo nº 1928/16.1PAALM-A.S1, disponível em www.dgsi.pt
10. Processo n.º 163/14.8PAALM-A.S1, disponível em www.dgsi.pt
11. Acórdão Supremo Tribunal de Justiça de 28 de outubro de 2020, Proc. nº1007/10.5TDLSB-B.S1, disponível em www.dgsi.pt
12. Proc. Nº 921/12.8TAPTM-J.S1, disponível em www.dgsi.pt