RECURSO PER SALTUM
ROUBO
CRIME CONTINUADO
PENA ÚNICA
Sumário


I -Exige a figura do crime continuado:
- vários actos / condutas ou acções do mesmo agente;
- o preenchimento do mesmo tipo legal de crime ou vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico;
- exista uma execução homogénea ( mesma maneira ou modo de execução)
- ocorra  a mesma situação exterior ao agente (não procurada) facilitadora da execução dos crimes;
- situação essa que contribua opara a diminuição considerável da culpa,
- exista uma certa conexão temporal entre as condutas sucessivas

- ocorra uma pluralidade de resoluções criminosas, e
- não estejam em causa bens jurídicos eminentemente pessoais (caso em que  existe diversidade de bem jurídico impeditivo da existência do crime continuado).
II – Praticam 2 crimes de roubo cada um dos arguidos, coautores, que mediante ameaça de faca se apropriam de bens e valores que as duas vítimas detinham em casa, local para onde os arguidos se deslocaram com essa finalidade
III.  Atenta a diversidade da moldura do concurso, e se um dos arguidos não tem antecedentes criminais, não se configurando dotado de uma personalidade especialmente desvaliosa, ao contrário do outro arguido que teve uma ação preponderante nos factos e tem antecedentes criminais, que nos levam a considerar estarmos parente uma tendência criminosa impregnada no seu modo de vida, a diversidade de tais circunstâncias tem de ter tradução na fixação da pena única.

Texto Integral

Acordam em conferência os Juízes Conselheiros na 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça

1. No Proc. C.C. n.º º 205/24.9JAPTM do Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo Central Criminal de Portimão – juiz 1 em que são arguidos

AA, e

BB,

Foi por acórdão de 7/7/2025 proferido a seguinte decisão:

Pelo exposto, julgamos a acusação parcialmente procedente por provada e em consequência:

Absolvemos os arguidos da pratica de dois crimes de sequestro, previsto e punido pelo artigo 158º, n.º 1, do código Penal

Condenamos o arguido AA:

a) Na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática do crime de roubo qualificado, previsto e punido pelo artigo 210º, n.º 1 e n.º2, alínea b) e 204º, n.º2, alínea f), do Código Penal;

b) Na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática do crime de roubo qualificado, previsto e punido pelo artigo 210º, n.º 1 e n.º2, alínea b) e 204º, n.º2, alínea f), do Código Penal;

c) Operando o cumulo jurídico, condenamos o arguido AA, na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Condenamos o arguido BB

d) Na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática do crime de roubo qualificado, previsto e punido pelo artigo 210º, n.º 1 e n.º2, alínea b), 204º, n.º2, alínea f) e 73º do Código Penal;

e) Na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática do crime de roubo qualificado, previsto e punido pelo artigo 210º, n.º 1 e n.º2, alínea b), 204º, n.º2, alínea f) e 73º do Código Penal;

f) Operando o cumulo jurídico, condenamos o arguido BB, na pena única de 7 (sete) anos de prisão.

g) A título de reparação dos prejuízos sofridos pela vítimas/ofendidas, arbitramos a quantia de €2000,00 (dois mil euros) a cada uma das ofendidas, a serem pagos pelos arguidos, acrescido de juros desde o trânsito em julgado desta decisão até efectivo e integral pagamento.

h) Mantemos o Regime coactivo de prisão preventiva aos arguidos.

i) Mais condenamos os arguidos na taxa de justiça de 4 (quatro) U.C. e nas demais custas do processo.”

2. Recorrem os arguidos para o Supremo Tribunal de Justiça, os quais no final das respectivas motivações apresentam as seguintes conclusões:

2.1. Arguido AA:

A. O presente recurso é interposto diretamente para o Supremo Tribunal de Justiça de acordo com a al. c) do n.º 1 do art. 432º do Código de Processo Penal.

B. O Recorrente que não se conforma com o conteúdo da douta decisão proferida quanto à medida da pena que lhe foi aplicada.

C. O Tribunal a quo sobrevalorizou os elementos negativos do Recorrente em detrimento absoluto de todos os positivos e aos quais deveria ter dado outro valor, tendo em conta uma necessária, adequada, possível e realizável reinserção social do Arguido.

D. O Recorrente não se remeteu ao silêncio, prestou declarações tanto em sede de 1º interrogatório, como na fase de julgamento, colaborando na descoberta da verdade, beneficiando assim de uma atenuação que a confissão lhe traz.

E. O Recorrente não possui quaisquer antecedentes criminais.

F. Conforme resulta do Relatório Social do Recorrente, o mesmo teve um percurso profissional.

G. O Recorrente tem 36 anos de idade.

H. O Recorrente tem-se mostrado abstinente e disponível a colaborar nas tarefas do EP, bem assim como tem frequentado as ações de formação que são ministradas.

I. Mostrando-se o Recorrente um individuo capaz de ser reintegrado na sociedade, que demonstra arrependimento de ter praticado um ato que foi isolado na sua vida e vontade de levar uma vida diferente para o futuro.

J. E, como bem foi evidenciado no douto Acórdão recorrido o Recorrente apresentou uma postura sincera em julgamento e mostrou-se arrependidos.

K. Havendo a possibilidade de aplicar uma pena diferente da pena de prisão, o Tribunal deve optar por esta, ou pela suspensão da pena quando a mesma satisfaça no caso as necessidades de prevenção geral e especial.

L. Além de que, o douto Tribunal a quo, deveria ter sempre optado por uma pena bem mais perto do limite mínimo, uma vez que, e como já mencionado, o Recorrente não tem quaisquer crimes averbados no seu CRC, entre outros fatores positivos que militam a seu favor.

M. Na determinação da respetiva moldura penal, o Tribunal deverá ter em atenção os critérios do artigo 71.º do Código Penal, determinando-se a medida da pena em função da culpa do agente e das exigências de prevenção de futuros crimes, sem olvidar que a finalidade última da intervenção penal é a reinserção social do delinquente.

N. Será em concordância com este modelo que o douto Tribunal a quo deve valorar os diversos factores de determinação da pena, ou seja, as circunstâncias que não fazendo parte do tipo depuseram a favor do agente ou contra ele.

O. Entende o Arguido, ora Recorrente, que a pena única que lhe foi aplicada é excessiva, tendo violado o disposto no artigo 71.º do Código Penal.

P. Ao Recorrente deve ser dada uma oportunidade de iniciar um caminho correto, uma nova vida, sendo ainda jovem e encontrando-se a tempo de enveredar por uma vida saudável, sóbria e profissionalmente estável, longe dos meandros da marginalidade.

Q. Pelo exposto, a pena determinada pelo douto Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 71.º e 40.º do Código Penal.

R. Face ao tudo o alegado, no que à medida concreta da pena concerne, deverá a mesma ser reduzida cominando outra que se situe no limite mínimo da pena.

S. Mais se refere, que in casu, a suspensão da execução da pena reúne a virtualidade de poder servir eficazmente, ao mesmo tempo que satisfaz os da prevenção especial, os ditames e desideratos da prevenção geral, aceitando-se que se balize por período temporal bastante para atestar da eficácia da medida, o que se requer nos termos e ao abrigo do artigo 50.º do Código Penal.

Termos em que e nos demais de direito, face ao supra alegado e verificada a ausência de antecedentes criminais do Arguido, assim como a idade do mesmo, entendemos não terem sido observados em rigor os elementos favoráveis ao Arguido no que toca à determinação da medida da pena, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá assim o presente recurso merecer provimento e, em consequência deve a pena de prisão ser reduzida para o mínimo previsto, devendo a mesma ficar suspensa na sua execução…”

2.2. Arguido BB:

A) O caso do autos, o arguido praticou um crime continuado, previsto no nº 2 do art. 30º do CP, trata-se de um único crime de roubo, e não dois crimes, pois apesar de ter afetado duas vítimas, há uma unidade do bem jurídico protegido, execução essencialmente homogénea e diminuição considerável da culpa em razão de uma mesma situação exterior, isto é, os arguidos sob o falso pretexto de manterem relações sexuais com as duas ofendidas combinaram um encontro no apartamento onde ambas residiam, aí chegados, cada um dos arguido deslocou-se acompanhado por uma das ofendidas para um quarto desta e, depois, cada um dos arguido encaminhou cada uma das ofendidas para a casa de banho do apartamento, tendo um dos arguidos ficado de guarda junto da porta, enquanto o outro arguido percorreu a casa em busca de valores que quisesse roubar.

B) A pena de prisão aplicada é desnecessária, desadequada e desproporcional e, nestes termos violadora das normas dos art.º71.º do CP, que haveria de aplicar uma pena próximo do mínimo abstrato consignado na lei, a fim de contemplar adequadamente todas as circunstâncias a favor do recorrente considerando que:

a. As necessidades de prevenção geral são medianas, não há na sociedade qualquer alarme social nem insegurança coletiva gerada por este tipo de crimes, perpetrados em meios marginais de prostituição e tráfico / consumo de drogas.

b. O arguido apresentou postura sincera em julgamento e mostrou-se arrependido.

c. O arguido confessou os factos essenciais objetivos e subjetivos do tipo criminal.

d. As necessidades de prevenção especial são medianas, conforme decorre do Relatório Social.

e. A ilicitude dos factos é reduzida, pois pela inexistência de qualquer violência física; pelo valor das coisas roubadas, cerca de 4.500€ no total, provado unicamente pelas declarações das ofendidas e sem qualquer suporte documental, não houve consequências gravosas além da privação das coisas retiradas as vítimas.

C) Para os efeitos do art. 77.º CP, foi determinado ao arguido uma pena única de 7 (sete) anos de prisão, com a moldura legal do concurso, compreendida entre um mínimo de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses a 11 (onze) anos, ora tendo em conta as considerações supra efetuadas sobre a determinação da medida da pena e considerando o conjunto dos factos e a personalidade do agente, revelada no modo de execução do crime, a inexistência de violência física, o arrependimento, a medida de coação de prisão preventiva, seria adequada e proporcional a determinação de uma pena única perto do mínimo da moldura.

D) Verifica-se o pressuposto material exigível (art. 50.º CP) para a suspensão da execução da pena de prisão a aplicar, sendo de formular um juízo de prognose favorável ao recorrente no que respeita ao seu comportamento futuro.

TERMOS EM QUE E NOS DEMAIS DE DIREITO DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, EM CONSEQUÊNCIA,REVOGAR PARCIALMENTE A SENTENÇA CONDENATÓRIA, SENDO O RECORRIDO CONDENADO PELA PRÁTICA DE UM ÚNICO CRIME DE ROUBO QUALIFICADOE/OU REDUZIDA/SUSPENSA A PENA NOS TERMOS ALEGADOS.”

2.3. O Mº Pº respondeu aos recursos dos arguidos, pugnando pelo seu não provimento

Neste Supremo Tribunal o ilustre PGA é de parecer que os recursos devem improceder.

Foi cumprido o disposto no artº 417º2 CPP

Não foi apresentada resposta

3. Procedeu-se à conferência com observância do formalismo legal.

Cumpre apreciar.

Consta do acórdão recorrido (transcrição):

“II. FUNDAMENTAÇÃO:

1. FACTOS PROVADOS

Discutida a causa resultaram provados, com relevância para a decisão da mesma, os seguintes factos:

1. No dia 24 de Agosto de 2024, em hora não concretamente, mas anterior às 15h30, o arguido AA juntamente com o arguido BB, delinearam um plano para subtrair os bens e quantias monetárias das ofendidas, CC e DD, sob o falso pretexto de manterem relações sexuais com as duas mulheres em troca de dinheiro, os arguidos combinaram encontrar-se com as ofendidas no apartamento onde ambas residiam.

2. Para tal, de comum acordo, cerca das 15h30 os arguidos deslocaram-se ao apartamento onde as ofendidas se encontravam, propriedade da ofendida CC, sito na Rua 1, Portimão.

3. Aí chegados, e depois de aberta a porta, os arguidos entraram.

4. O arguido AA, cumprimentou a ofendida CC com dois beijos na face e de seguida cada um dos arguidos encaminhou-se para o quarto da mulher com quem havia previamente combinado manter relações sexuais.

5. Assim, o arguido AA seguiu a ofendida DD para o seu quarto e o arguido BB seguiu a ofendida CC para o quarto.

6. O arguido BB, logo que entrou começou a fechar a porta do quarto e nesse momento passou o braço direito por cima do ombro de ofendida CC e encostou-lhe uma faca ao pescoço, dizendo: “Fica quieta, fica quieta!”.

7. De seguida abriu a porta, que havia fechado, e sempre com o braço a envolver o pescoço da vítima, com a faca encostada ao mesmo e com o braço esquerdo a agarrar-lhe o pulso esquerdo, saiu do quarto e encaminhou-se para o quarto da ofendida DD, que tinha a porta aberta.

8. Esta encontrava-se sentada na cama, sob ameaça de uma faca de que o arguido AA era portador e com a outra mão a tapar-lhe a boca.

9. Seguidamente, em conjugação de esforços, os dois arguidos encaminharam as ofendidas contra a sua vontade para a casa de banho, tendo uma das ofendidas sido encaminhada para o interior do duche e a outra ficado junto à sanita.

11. Após, enquanto o arguido BB começou a revistar os quartos das ofendidas e fazer seus os bens e quantias monetárias que encontrasse e o arguido AA ficou a vigiar as ofendidas continuando a segurar a faca com a mão direita.

12. Do quarto da ofendida CC o arguido BB retirou a quantia de 3.264,00€ em dinheiro, que se encontrava dentro de um par de botas no roupeiro e um telemóvel da marca Redmi, modelo Note 13 Pro 5G de cor azul, no valor de 250,00€.

13. Do quarto da ofendida DD foi subtraída a quantia de 1.037€ em numerário.

10. Após, os arguidos retiraram da mochila do arguido AA umas abraçadeiras em plástico de cor preta que utilizaram para amarrar as mãos das ofendidas e taparam a boca de ambas com fita adesiva.

14. Já na posse das quantias monetárias das ofendidas e do telemóvel, os arguidos colocaram-se em fuga, tendo o arguido BB dito que dava um tiro na testa a cada uma, caso os denunciassem e dando instruções às ofendidas para ficarem no local durante mais dois minutos e depois procurar uma faca para se libertarem uma à outra.

15. Durante todo este lapso de tempo as ofendidas estiveram privadas na sua liberdade de movimentos, não lhe tendo sido permitido pelos arguidos sair do local onde se encontravam.

16. Os arguidos fizeram seus todos os objectos acima descritos contra a vontade das respectivas proprietárias e, posteriormente, de comum acordo, repartiram-nos da forma que quiseram.

17. Os arguidos actuaram sempre em conjugação de esforços e intenções, conscientes de que executavam um plano delineado por ambos com repartição de tarefas entre eles, com o propósito de retirarem e fazerem seus os objetos/quantias monetárias acima indicados, mediante uso da força física e ameaças, com recurso a uma faca, aproveitando-se da inferioridade física das ofendidas e colocando-as na impossibilidade de se opor à concretização de tal propósito.

18. Ao actuar da forma supra descrita, os arguidos, agiram com o propósito de subtrair os objectos e/ou valores que estivessem na posse das ofendidas, para deles se apropriarem e fazer seus, o que lograram, bem sabendo que não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade e em prejuízo das respectivas donas.

19. Os arguidos gizaram um plano previamente concebido por ambos e agiram sempre de comum acordo e em conjugação de esforços e intentos apropriativos, actuando de surpresa e sob falso pretexto de manterem relações sexuais em troca de dinheiro, por forma a entrarem no apartamento onde ambas se encontravam e, com recurso à força física e intimidação com uma faca, impedi-las de resistirem às descritas subtracções.

20. Os arguidos agiram sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal como crime.

21. Os arguidos sabiam que os referidos objectos e valores não lhes pertenciam e que, ao integrá-los nas suas esferas patrimoniais, agiam contra a vontade e sem Autorização das respectivas proprietárias.

22. Ademais, ao actuarem da forma sobredita, e enquanto praticaram os factos supra descritos, pretenderam privar as ofendidas da sua liberdade, impedindo-as de se deslocar para onde quisessem e forçando-as a percorrer trajectos contra a sua vontade, coarctando-lhe a sua liberdade de locomoção.

23. Em tudo os arguidos agiram sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

Mais se apurou:

O arguido AA não possui antecedentes criminais.

O arguido BB,

No âmbito do processo n.º 777/03,1PBBJA, por decisão transitada em julgado a 06.05.2005, foi condenado pela prática em 22.11.2003 de cinco crimes de furto qualificado, pela prática em 22.03.2004 de dois crimes de resistência e coacção e de um crime de condução de veiculo sem habilitação legal, pela prática em 06.05.2004 de um crime de furto simples e pela prática em 12.05.2004 de um crime de furto qualificado na forma tentada, em cumulo jurídico na pena única de oito anos e seis meses de prisão.

No âmbito do processo n.º 571/03.0PBBJA, por decisão transitada em julgado a 24.10.2007, foi condenado pela prática em 26.08.2003 de um crime de dano qualificado na pena de quaro meses de prisão.

No âmbito do processo n.º 294/03.0PBBJA, por decisão transitada em julgado a 11.12.2007, foi condenado pela prática em 02.07.2003 de um crime de ofensas à integridade física qualificadas e pela prática em 30.05.2004 de um crime de trafico de estupefacientes de menor gravidade, na pena única de dois anos e três meses de prisão.

No âmbito do processo n.º 449/03.7PBBJA, por decisão transitada em julgado a 19.01.2009, foi condenado pela prática em 02.07.2003 de um crime de ofensas à integridade física simples na pena de 240 dias de multa à razão diária de €4,00.

No âmbito do processo n.º 30/10.4PEBJA, por decisão transitada em julgado a 04.12.2013, foi condenado pela prática em 05.09.2012 de um crime de trafico de estupefacientes e pela prática em 2012 de dois crimes de condução de veiculo sem habilitação legal na pena única de seis anos e quatro meses de prisão.

Constam dos Relatórios Sociais que

“Antes de ser preso preventivamente no dia 26/06/2024 no Estabelecimento Prisional ... à ordem do actual processo, no qual está indiciado dos crimes de roubo e sequestro, BB estava a residir numa habitação sem condições em Portimão junto do coarguido AA e da namorada deste, EE. Encontrava-se na altura sem qualquer tipo de ocupação profissional e em fase activa de consumos de estupefacientes, sobretudo heroína e cocaína.

BB é natural da ..., tendo os primeiros anos de vida sido marcados pelo afastamento do pai, após separação da sua mãe e também por alguma mobilidade residencial devido ao trabalho da progenitora, tendo vindo residir do norte para o distrito de Beja. O arguido tem uma irmã mais nova (FF), fruto de uma ligação marital posterior da sua mãe.

A nível escolar BB registou problemas de comportamento, tendo concluído nesta fase apenas o 6º ano, sendo colocado aos 11 anos na Casa ..., também para mitigar algumas dificuldades económicas da família. Esta situação foi mal aceite pelo arguido que encetou várias fugas da instituição, regressando em 1999 ao agregado da mãe, persistindo no entanto as questões comportamentais e o consumo de estupefacientes com grupos de pares, o que foi determinante para uma nova institucionalização, agora judicial, no Centro Educativo de ... por um período de quase 2 anos. Foi em meio prisional que terminou, já adulto, o 12º ano no EP de ....

No plano profissional BB não apresenta um percurso regular, tendo desempenhado funções na área da construção civil e manutenção nos períodos em que esteve em liberdade, na qual desenvolveu algumas competências, mas a dependência das drogas nunca lhe permitiu estabilizar a nível laboral.

No campo afectivo, para além dos constantes conflitos no seio familiar por causa da sua toxicodependência, com momentos de vivência junto da mãe, residente em ..., mas também outros fora de casa, em situação de sem abrigo ou junto de companheiras temporárias no Alentejo ou no Algarve, BB tem revelado igualmente grande instabilidade pessoal, embora tenha procurado ajuda clínica para a sua adição no ICAD, incluindo programas de desintoxicação, acabando por regressar de novo aos consumos de drogas.

BB tem um percurso multicriminal e antecedentes penais desde muito novo, tendo estado preso pela primeira vez sete anos, entre 2004 e 2011 no Estabelecimento Prisional de .... Saiu em liberdade condicional com acompanhamento pela DGRSP, mas voltou a ser detido em 2012 pelo crime de tráfico de estupefacientes, cumprindo mais dez anos de prisão (2012 a 2022). Durante cerca de 1 ano (até 2023) foi de novo supervisionado pela DGRSP em liberdade condicional, medida desta vez não revogada por incumprimento, tendo durante os primeiros meses de acompanhamento revelado sinais de capacidade de reintegração social, incluindo novo período junto da mãe e actividade laboral. A recaída nos consumos no 1º semestre de 2024 comprometeu este processo e voltou à prisão há 1 ano.

No estabelecimento prisional de ... o arguido tem revelado bom comportamento, cumpre as regras prisionais e exerce funções laborais na manutenção e pinturas. Já completou duas formações no EP e quinzenalmente realiza sessões com terapeuta do ICAD e com psicóloga prisional. Recebe visitas de amigos mas não de familiares (mãe e irmã) que se mostram muito cépticas, embora o apoiem do exterior. O arguido reconhece a gravidade da acusação no presente processo e expressa vontade de manter tratamento para a sua problemática aditiva.”

“Antes de ser preso preventivamente no dia 26/06/2024 no Estabelecimento Prisional de ... à ordem do actual processo, no qual está indiciado dos crimes de roubo e sequestro, AA encontrava-se a residir numa habitação sem condições em Portimão junto da namorada da altura, EE, 41 anos, partilhando a casa também com o coarguido nos Autos, BB. Encontrava-se na altura desempregado há vários meses e em fase activa de consumos de cocaína.

AA é o mais novo de 2 filhos de um casal do concelho de ... (pai empreiteiro/mãe rural), zona onde cresceu junto do agregado de origem. Frequentou a escola até aos 16 anos, idade em abandonou os estudos apenas com a frequência do 6º ano para começar a trabalhar e ajudar economicamente a mãe depois da saída do pai de casa.

O seu percurso profissional é variado e iniciou-se numa serração de ..., em actividades de corte de madeiras, seguindo-se um ano de trabalho como ... na construção civil e outro ano ocupado numa fábrica de tomate em .... Após uma condenação em trabalho comunitário por condução sem carta, cumpriu esta medida no município de ..., que lhe proporcionou concluir o 9º ano via RVCC e continuar a trabalhar mais 2 anos nas piscinas municipais da vila. Nos anos seguintes ainda esteve empregado na logística da ... de Santarém e de novo no corte de lenha, vindo em 2018 para casa de uns amigos no Algarve para obter melhores oportunidades de trabalho.

Ente 2018 e 2023 AA desenvolveu várias tarefas laborais no sotavento algarvio (corte de lenha, isolamentos, jardinagem) e residiu em ... (Faro) e Almancil, tendo rompido os laços familiares com a mãe e a irmã, que residem no Ribatejo. Apesar de manter consumos regulares de estupefacientes, AA mantinha desempenho profissional adequado e apenas durantes os primeiros meses de 2024, já depois de iniciar uma relação afectiva tóxica com EE e ter vindo morar para Portimão, deixou de trabalhar de forma regular.

AA nunca procurou ajuda clínica para deixar os consumos de cocaína pois, segundo o próprio, tal hábito era escondido de terceiros e não afectava o seu trabalho. Desde que foi preso há quase um ano tem-se mantido abstinente e não faz qualquer tipo de medicação no estabelecimento prisional.

AA já tem antecedentes penais, mas é a primeira vez que se encontra preso, estando a aguardar julgamento neste processo que o arguido reconhece como grave, associando o mesmo à amizade com o coarguido BB.

No estabelecimento prisional o arguido tem revelado bom comportamento, cumprindo as regras prisionais. Exerceu actividade de faxinagem e na cozinha, estando no presente colocado em tarefas de manutenção na cadeia. Já fez formação interna no EP e recebe semanalmente visitas de um casal amigo de .... Quanto à família em ... (mãe e irmã) o arguido apenas é contactado ocasionalmente via telefónica.”


*


2. FACTOS NÃO PROVADOS

Inexistem factos não provados relevantes.


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3. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO

Dispõe o artº 374º, nº 2 do CPP, na parte em que estabelece os requisitos da fundamentação da decisão da matéria de facto, que “a fundamentação” deve conter “uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de factos (…) que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.

Deste modo, passamos a fazer uma exposição concisa, mas completa, dos motivos que levaram o Tribunal a dar como provados e como não provados os factos supra referidos, indicando os meios de prova que serviram para formar a convicção dos colectivo de julgadores e fazendo o seu exame crítico, cabendo neste, a razão de ciência das testemunhas (em que o Tribunal se baseou), a forma como depuseram e a sua relação com o litígio, os tipos de documentos em que o Tribunal se baseou, seu valor e origem, bem como o valor, origem e credibilidade da demais prova que acudiu à formação da convicção dos julgadores, sem esquecer o recurso às regras da experiência comum.

Evitaremos reproduzir, na sua íntegra, o teor da prova, uma vez que, tal não constitui requisito legal para a fundamentação da decisão da matéria de facto, sendo o seu conteúdo sindicável, não por via da motivação da decisão da matéria de facto, sim pela leitura dos documentos e relatórios periciais e pela audição das gravações dos depoimentos prestados.

a) Quanto aos factos provados:

O Tribunal fundou a sua convicção, quanto aos factos que resultaram provados constantes da acusação, no depoimento dos arguidos que confessaram parcialmente os factos, das testemunhas ofendidas e bem assim da prova documental junta aos Autos.

De facto, o arguido AA confirmou tudo o que consta da acusação, à excepção que tenha, de facto, apontado uma faca ao pescoço da ofendida, ainda que admita lhes ter mostrado a faca. Também no que se refere ao montante subtraído, não foi o próprio que andou à procura na casa, mas sim o BB, pelo que recebeu a metade que o BB diz ter subtraído, ou seja, €350,00, num total de €700,00. Mais referiu que não reparou se o BB tinha uma faca apontada ao pescoço da outra ofendida. Era amigo do BB há cerca de um ano e este vivia em casa dele. É consumidor de cocaína, mas ganha para o seu sustento diário de cerca de uma grama e meia, através da sucata que apanha. A companheira também não trabalha e também consome cocaína. Foi o próprio que levou as abraçadeiras e a fita adesiva, mas refere que anda sempre com tais materiais na mala, pelo que não o fez de propósito. Termina dizendo que o BB tinha uma divida por conta de uma bicicleta que penhorou e que precisava de dinheiro para a recuperar, sendo que ele ajudou e inclusivamente lhe deu €100,00 por conta da sua metade para ir recuperar a bicicleta. Não sabe qual a origem da dívida.

O arguido BB referiu que era consumidor de produto estupefaciente há muitos anos. A mãe ter-lhe-á oferecido uma bicicleta para ele se deslocar para o trabalho. Entretanto, como voltou a consumir ficou sem trabalho e sem bicicleta pois estava a dever dinheiro da droga ao traficante e este ficou-lhe com a bicicleta como forma de garantia. Nesse dia, o traficante ter-lhe-á dito que se não pagasse o que devia nesse dia, ia vender a bicicleta. Como a bicicleta lhe tinha sido oferecida pela mãe (que lhe terá dito que se voltasse à droga já não era bem-vindo em casa) teve a ideia de ir assaltar as acompanhantes de luxo para poder pagar a sua divida. O AA foi com ele e aí confirma toda a acusação, mas refere que apenas levava uma faca para intimidar. Igualmente admite ter ficado com mais dinheiro do que dividiu com o AA, mas não o montante que as ofendidas referem. Ainda lhes pediu desculpa antes de sair da casa e admite ter-lhes dito que lhes dava um tiro na cabeça de cada uma só para elas não chamarem a policia. O assalto terá demorado cerca de 15/20 minutos.

Foi ouvida a ofendida CC, que confirmou os factos que constam da acusação, referindo ter sido feita uma marcação, na qual os arguidos chegaram por volta das 15.30h. O BB foi para o quarto com a depoente. Assim que fechou a porta, o BB apontou-lhe uma faca ao pescoço e encaminhou-a pela sala para a casa de banho. Também a colega foi colocada na casa de banho juntamente com ela e, enquanto um dos arguidos (AA) ficou a vigiá-las com uma faca na mão, o BB foi à procura de dinheiro na casa. Levou dinheiro da depoente e da amiga e um telemóvel. Tinha guardado €3000,00 numa bota dentro do armário do quarto que desapareceu, tinha €1000,00 na mala e cerca de €264,00 na bolsa. O BB ainda lhes disse que lhes dava um tiro. Colocaram-lhes as abraçadeiras e a fita adesiva e abandonaram a casa. Admite que não foram agressivos, mas também nega ter recebido qualquer pedido de desculpa da parte deles.

A ofendida DD igualmente confirmou que os arguidos a terão contactado por telefone para fazer uma marcação e apresentaram-se à hora no seu local de trabalho em Portimão. Um dos arguidos agarrou-a por trás e apontou-lhe uma faca ao pescoço e com a outra mão retirou-lhe o telemóvel. Acabou por encaminhá-la para a casa de banho e ameaçaram-nas, ainda que lhe tivessem dito que não lhe queiram fazer mal. Ficaram as duas agachadas na casa de banho, um deles ficou a vigiar e o outro foi procurar dinheiro, percorrendo todas as divisões. Tinha €1037,00 dentro de uma maleta que estava dentro de uma mala de viagem, que foi levado. Após ter percorrido a casa toda, o arguido que não ficou a vigiar dirigiu-se novamente à casa de banho e aí o que estava de vigia retirou abraçadeiras e fita cola da sua mochila e manietaram-nas. Refere que o arguido apenas lhe terá retirado o telemóvel para que a mesma não chamasse a polícia pois deixou-o na sala quando se foi embora. Porém, levaram o telemóvel da amiga, bem como cerca de €1000,00 dela. Terá durado cerca de meia hora todo o ocorrido.

Foram ouvidas as declarações em primeiro interrogatório do arguido AA, onde para além de confirmar o que havia dito em sede de audiência de discussão e julgamento, referiu no entanto (ao contrário do referido em audiência de discussão e julgamento) que o BB tinha uma faca e apontou-a ao pescoço da uma das ofendidas.

Ora, estes depoimentos foram claros e escorreitos logrando convencer o Tribunal no que se reporta ao facto de ambos os arguidos possuírem facas e as terem apontado às ofendidas e bem assim os montantes e objectos que lhes foram subtraídos. Na verdade, em momento algum, as ofendidas foram titubeantes ao confirmar a faca ao pescoço e a mão na boca de ambas, paralelamente à restante dinâmica dos factos, pelo que lograram convencer este colectivo de juízes.

Apensas de referir que o tribunal deu como provado os factos, mas com uma dinâmica diferente pois todos (arguidos e ofendidos) foram coerentes ao referir que inicialmente o AA ficou a vigiar as ofendidas na casa de banho, enquanto o arguido BB foi percorrer as divisões da casa e só após é que, antes de se irem embora, as manietaram e lhes colocaram fita cola e não antes conforme referido na acusação. Ora, ainda que seja inócuo para os crimes em causa, foi assim relatada a dinâmica dos factos por todos os intervenientes processuais.

Foi tido igualmente em atenção e no que se refere à prova documental,

- A comunicação de noticia de crime de fls. 29;

- O Relatório de Inspecção Judiciária de fls. 31;

- O Relatório da PJ de fls. 35 e respectiva reportagem fotográfica;

- A cota de fls. 53 (vestígio digital do dedo da mão esquerda do arguido BB;

- O Auto de diligência de fls. 93, 94 e 95;

- O Auto de reconhecimento de pessoas de fls. 106 (A ofendida CC reconheceu o arguido AA)

- O Auto de reconhecimento de pessoas de fls. 108 (a Ofendida DD reconheceu o arguido AA)

- O Auto de busca e apreensão de fls. 110 e respectiva reportagem fotográfica;

- O Auto de busca e apreensão de fls. 185 e seguintes (arguido BB)

- O Auto de reconhecimento de pessoas de fls. 203 (ofendida CC reconheceu o arguido BB)

- Auto de notícia de fls. 310;

- O Relatório de exame pericial de fls. 304 (vestígio digital do arguido BB conforme cota de fls. 54)

- Relatório de exame pericial de fls. 454 (telemóveis apreendidos ao arguido BB)

- Informação de fls. 517 (documento entregue pelo arguido BB em audiência de discussão e julgamento a confirmar o seu acompanhamento por parte do ETET desde 09.05.2022)

- Informação do EP de fls. 518 a confirmar que o arguido BB não possui registos disciplinares)

- Certificados profissionais do arguido BB de fls. 519 e 520.

Foi tido em atenção igualmente o Certificado de registo criminal dos arguidos que consta dos Autos.

No que concerne aos factos que dizem respeito às condições económicas e pessoais dos arguidos baseou-se o Tribunal no relatório social dos arguidos, junto aos Autos, cuja finalidade é precisamente o apuramento da situação pessoal e social dos arguidos, é proveniente de entidade isenta, elaborado com recurso a um conjunto de fontes e diligências aptas ao apuramento dos factos referidos, e nenhum outro elemento de prova constante dos Autos contraria ou infirma os factos que o Tribunal deu como provados com base no referido relatório, pelo que o mesmo nos mereceu credibilidade.

Perante tal prova acima referida, o Colectivo de Juízes não teve qualquer dúvida na participação dos factos pelos arguidos, conforme ficou agora provado e já atrás referido.”

+

4. O recurso é delimitado pelas conclusões extraídas da motivação que constituem as questões suscitadas pelo recorrente e que o tribunal de recurso tem de apreciar (artºs 412º, nº1, e 424º, nº2 CPP Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98 e Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335), sem prejuízo de ponderar os vícios da decisão e nulidades de conhecimento oficioso ainda que não invocados pelos sujeitos processuais – artºs 410º, 412º1 e 403º1 CPP e Jurisprudência dos Acs STJ 1/94 de 2/12 e 7/95 de 19/10/ 95 este do seguinte teor: “ é oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, nº2 do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”) e do conhecimento dos mesmos vícios em face do artº 432º1 a) e c) CPP (redação da Lei 94/2021 de 21/12) mas que, terão de resultar “do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum” – artº 410º2 CPP, “não podendo o tribunal socorrer-se de quaisquer outros elementos constantes do processo”, sendo tais vícios apenas os intrínsecos da própria decisão, como peça autónoma, não sendo de considerar e ter em conta o que do processo conste em outros locais - cfr. Ac. STJ 29/01/92 CJ XVII, I, 20, Ac. TC 5/5/93 BMJ 427, 100, constituindo a “revista alargada”, pelo que são as seguintes as questões a conhecer:

Arguido AA:

- medida da pena única

- Pena suspensa.

Arguido BB:

- Existência de crime continuado / único crime?

- Medida da pena parcelar

- Medida da pena única

- Pena suspensa


+


4.1 Porque prejudicial ao conhecimento das questões recursivas, importa averiguar da competência deste Supremo Tribunal para conhecer do recurso interposto pelo arguido.

Apreciando.

Dispõe o artº 432º 1 c) CPP que: “1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça: (…)

c) De acórdãos finais proferidos … pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.os 2 e 3 do artigo 410.º;”

Ora tendo sido proferido acórdão pelo tribunal colectivo e os arguidos condenados em pena superior a 5 anos de prisão e estando apenas em causa matéria de direito, é o Supremo Tribunal o competente para apreciar os presentes recursos estando perante um recurso “per saltum” ou seja, directamente para este Tribunal, sendo que nos termos do AFJ nº 5/17 que decidiu: “A competência para conhecer do recurso interposto de acórdão do tribunal do júri ou do tribunal coletivo que, em situação de concurso de crimes, tenha aplicado uma pena conjunta superior a cinco anos de prisão, visando apenas o reexame da matéria de direito, pertence ao Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 432.º, n.º 1, alínea c), e n.º 2, do CPP, competindo-lhe também, no âmbito do mesmo recurso, apreciar as questões relativas às penas parcelares englobadas naquela pena, superiores, iguais ou inferiores àquela medida, se impugnadas.” compete a este Supremo tribunal conhecer de todas as questões suscitadas incluindo as penas parcelares inferiores a 5 anos de prisão caso sejam impugnadas.

4.2 Como decorre das conclusões dos recursos ambos os arguidos questionam a pena única e a possibilidade de substituição por pena suspensa, e o arguido BB pretende ainda ver resolvida a existência de um crime continuado (em vez de dois crimes) e a medida das penas parcelares. Dado que esta primeira questão, porque de comparticipação se trata no cometimento dos crimes, aproveita ao arguido AA, se lhe for favorável – artº 402º 2 a) CPP, será objecto de apreciação imediata, a que se seguira a problemática das penas parcelares que suscitou, após o que se entrará numa apreciação na medida do possível conjunta das demais questões ( medida da pena única e substituição por pena suspensa).

Assim.

Reclama o arguido BB a existência de um crime continuado, em vez de dois crimes de roubo porque foi condenado. Para tal avança que “no caso dos autos em que o roubo afeta duas vítimas, trata-se de um único crime de roubo, porque há uma unidade do bem jurídico protegido, execução por forma essencialmente homogénea e diminuição considerável da culpa em razão de uma mesma situação exterior.”

Manifestamente sem razão.

Dispondo o artº 30º 2 CP que “2 - Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.” logo se vê que o alegado pelo recorrente não chega para preencher os requisitos exigidos pela norma, pois não estamos perante no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente, tal como ali expressamente se exige, pois que foram os arguidos que dolosamente e para esse fim se colocaram na situação de se apropriarem, mediamente violência, dos bens das vítimas, ou seja, foram os arguidos que procuraram a situação para a prática dos crimes (combinando o encontro o dirigindo-se à casa das vitimas)

Depois não existem duas (ou mais ) resoluções criminosas, mas uma única: a de ambos se apropriarem dos bens das vítimas, mediante violência, implicando o crime continuado uma pluralidade de resoluções; acresce que inexiste diminuição da culpa do agente (que constitui fundamento da figura do crime continuado) motivada pelo caracter exterior (exógeno) da conduta criadora da especial solicitação (facilitadora do) para o crime, que inexiste, e por fim porque se trata de actos violentos tendo como vítimas pessoas, é excluída a existência de crime continuado quando os crimes são praticados contra bens eminentemente pessoais, como expressamente prevê o nº3 do artº 30º CP.

Assim exigindo a figura do crime continuado:

- vários actos / condutas ou acções do mesmo agente;

- o preenchimento do mesmo tipo legal de crime ou vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico;

- exista uma execução homogénea ( mesma maneira ou modo de execução)

- ocorra a mesma situação exterior ao agente (não procurada) facilitadora da execução dos crimes;

- situação essa que contribua opara a diminuição considerável da culpa,

- exista uma certa conexão temporal entre as condutas sucessivas
- ocorra uma pluralidade de resoluções criminosas, e

- não estejam em causa bens jurídicos eminentemente pessoais (caso em que existe diversidade de bem jurídico impeditivo da existência do crime continuado1),

torna-se evidente que a conduta dos arguidos não se subsume à figura do crime continuado2 e em face da situação de planeamento e execução conjunta e visando duas pessoas como vítimas, estamos perante a prática de dois crimes de roubo3 pois que a apropriação dos bens decorreu mediante violência traduzida no agarrar as vitimas e encostar-lhe a faca ao pescoço, para além dos demais actos de ameaça e impeditivos de locomoção, traduzidos nos factos provados.

Improcede esta questão.

4.3 Questiona o arguido BB as penas parcelares em que foi condenado, porque entende que as “necessidades de prevenção geral são medianas”, tal como a especial, não existe alarme social, pelas qualidade dos arguidos e das vítimas, confessou os factos e mostrou-se arrependido, e a ilicitude reduzida por não ter havido violência física e ainda o seu comportamento prisional e o valor dos bens

Após se ponderarem as finalidades da pena diz-se no acórdão recorrido:

No caso em análise, são elevadíssimas as necessidades de prevenção geral, pelo elevado sentimento de insegurança que geram na comunidade condutas como a praticada pelos arguidos, como bem demonstra o elevado alarme social e insegurança colectiva gerados pelos tão noticiados roubos praticados no nosso País, assim como pelo aumento de tal criminalidade, em especial violenta, que se vem registando nos últimos anos.

O arguido BB possui antecedentes criminais registados por crimes de natureza diferente e da mesma natureza. Já esteve preso o que não lhe serviu de lenitivo suficiente. O arguido AA não possui antecedentes criminais.

Não olvidemos que os arguidos apresentaram uma postura sincera em julgamento e mostraram-se arrependidos.

Os crimes são manifestamente graves pelo modo de execução dos factos o que agrava a ilicitude dos actos cometidos pelos arguidos.

Fazem-se, assim, sentir elevadíssimas necessidades de prevenção especial.

No que concerne ao grau de ilicitude dos factos, importa atender à natureza e valor dos objectos retirados no que concerne a cada crime (dinheiro e telefone), à natureza dos meios usados e ao tipo de violência empregue (inexistiu violência física mas aqui ter-se-á que ter em atenção a falta de liberdade de acção das ofendidas que ficaram manietadas e bem assim as ameaças de que foram alvo), para se concluir que é elevado o grau de ilicitude de todos os factos assim como as respectivas consequências. Devendo-se ter presente que a elasticidade da pena decorre, não só do valor das coisas roubadas, mas também do grau de violência empregue.

Nestes termos, e à luz das citadas disposições legais, entendemos adequado e proporcional aplicar (…)

Ao arguido BB,

- a pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática de cada um dos crimes de roubo qualificado, previsto e punido pelo artigo 210º, n.º 1 e n.º2, alínea b), 204º, n.º2, alínea f) do Código Penal;”

Sendo o recurso um remédio jurídico e não visando uma nova determinação da pena mas apenas saber se na concreta da pena aplicada, foram respeitados ou não os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada”4

Ora visto alegado pelos recorrentes e o expendido pelo Tribunal recorrido, contrapostos no que se prende com as exigências de prevenção e ao grau de ilicitude verifica-se que foram valorados os itens adequados à determinação da pena nomeadamente os factores que elenca como positivos, pelo que tendo em conta os dados de facto, o modo de execução dos crimes de roubo e a energia criminosa posta pelo arguido no acto, como de um verdadeiro assalto à mão armada se tratasse e sob ameaça de faca no pescoço, nas próprias casas das vítimas e que confiadamente lhes abriram a porta, e os danos causados patrimoniais e não patrimoniais, a posição activa no desenrolar dos factos que o arguido BB assumiu e os seus graves antecedentes criminais e visto que a moldura penal do ilícito se situa entre os 3 e os 15 anos a pena de 5 anos e 6 meses por cada crime não se mostra desproporcional aos factos, pelo que é de manter.


+


4.4 Questionam ambos os arguidos a pena única que pretendem:

O arguido BB pelos factores que enuncia quanto às penas parcelares, a sua fixação no mínimo legal, entendendo que se verificam os requisitos necessários para a suspensão da pena.

O arguido AA entende de igual modo que a pena deve ser reduzida ao limite mínimo e suspensa, pois para além do seu comportamento e actividade prisional há que valorar a confissão e o arrependimento, não ter antecedentes criminais.

Pondera-se no acórdão recorrido:

“…antes do mais, há que determinar a moldura legal do concurso, que será compreendida entre um mínimo e um máximo de, 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses a 9 (nove) anos, ao arguido AA e de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses a 11 (onze) anos ao arguido BB.

Ora, é dentro desta moldura que se terá que determinar a pena a aplicar em concreto aos arguidos pelos crimes que cometeram. E é aqui que se têm que ter em conta os factos e a personalidade do agente, ao lado das exigências de prevenção geral e especial e da sua culpa.

No dizer do Prof. Figueiredo Dias (Direito Penal Português – Parte geral II – As Consequências Jurídicas do Crime”, 1993, pág. 291) “tudo deve passar-se (...) como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisivo para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique”, devendo na avaliação unitária da personalidade do agente elevar “sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo será de atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”. Por outro lado, dentro deste contexto, será óbvio dizer que igualmente assume grande relevo a análise do efeito previsível da pena sobre o agente (enquanto vertente da prevenção especial).Tendo em conta as considerações acima feitas e operando o cúmulo jurídico nos termos do art. 77º do Código Penal, (considerando em conjunto os factos e a personalidade do agente, revelada, nomeadamente, no modo de execução dos crimes de roubo),

Condena-se

o arguido AA na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.

o arguido BB na pena única de 7 (sete) anos de prisão.”

4.4.1 Vista esta fundamentação e tal como os arguidos fizeram remete para os fundamentos das penas e determina a pena única numa visão global sobre os factos e a personalidade de cada um dos arguidos tendo em conta o disposto no artº 77º CP que exige essa consideração “em conjunto, os factos e a personalidade do agente” como critério especial, tendo em conta a moldura do concurso (limite mínimo: a pena mais elevada, e o limite máximo: a soma das penas parcelares), e tendo sempre em conta as exigências de prevenção geral e especial, que foram analisadas e a globalidade dos factos, sua natureza e espécie, sendo que os factos ocorreram na mesma ocasião e sob o mesmo desígnio, violando bens jurídicos de natureza patrimonial e pessoal;

Como, temos expressado, em qualquer pena a justa medida, limitada no seu máximo pela culpa,- suporte axiológico de toda a pena - da pena única, há de ser encontrada, tendo em conta as exigências de prevenção (da reincidência), traduzidas na proteção dos bens jurídicos e de reintegração social (ressocialização) – artº 40º CP – como finalidades preventivas e positivas de toda a pena – ponderando as penas aplicadas a cada facto, o conjunto desses factos e a personalidade do arguido neles manifestada como um comportamento global 5 a apreciar no momento da decisão.

Afigurando-se-nos que a análise feita na decisão recorrida quanto aos factos e quanto à personalidade anti-juridica dos arguidos se mostra correta, bem como nela se pondera a evolução positiva em reclusão e os factos que lhes são favoráveis, há que analisar a situação de cada um dos arguidos, e neste âmbito apesar de a situação ilícita ser a mesma pois os factos foram praticados em coautoria, emerge dos factos que a atuação do arguido BB se mostra preponderante na procura dos bens a apropriar , sendo a ação do arguido AA de contenção das vitimas, este não tem antecedentes criminais, pelo que não se configura ditado de uma personalidade especialmente desvaliosa, ao contrário do arguido BB, cujos antecedentes criminais, nos levam para considerar estarmos parente uma tendência criminosa impregnada no seu modo de vida, o que tem de ter tradução e teve na fixação da pena única. Atentos estes factores e que a moldura do concurso diverge para cada um dos arguidos, sendo do arguido AA de 4 anos e 6 meses a 9 anos, e do arguido BB de 5 anos e 6 meses a 11 anos, e tendo em consideração que “De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização.”6, pois o quantum exacto da pena deverá ser determinado também em função das exigências de prevenção especial, em face do que a previsibilidade do feito da pena no arguido AA poderá ser positivo em face do seu comportamento anterior, o que não se antevê no que respeita ao arguido BB pela sua conduta anterior, afigura-se-nos que as penas em que foram condenados, o arguido AA de 5 anos e 6 meses e o arguido BB de 7 anos, não se mostram ofensivas do principio da personalidade antes se adequam aos factos e à personalidade, diversa, de cada um deles.

Improcede esta questão

4.5 Fixada a pena única aplicada aos arguidos superior a 5 anos de prisão, em face, desde logo, da não verificação do requisito formal previsto no artº 50º 1 CP “ O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos…” não é possível substituir, ou sequer ponderar a substituição da pena de prisão aplicada a cada um dos arguidos por pena suspensa.

Improcede também esta questão e com ela os recursos interpostos pelos arguidos.


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5. Pelo exposto, o Supremo Tribunal de Justiça decide:

Julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido BB e em consequência confirma o acórdão recorrido.

Condena o arguido no pagamento da taxa de justiça de 8 Uc e nas demais custas

Julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA e em consequência confirma o acórdão recorrido.

Condena o arguido no pagamento da taxa de justiça de 5 Uc e nas demais custas

Registe e notifique

Dn


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Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 29/10/2025

José A. Vaz Carreto (relator)

Horácio Correia Pinto

Jorge Raposo

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1. Ac STJ 25/5/2016 proc. 610/11.0GCPTM.E1.S1, Raul Borges www.dgsi.pt

2. Sendo que o crime continuado “… é constituído de um ponto de vista real, por hipóteses que conformam um concurso de crimes efectivo que todavia, a lei transforma numa unidade jurídico-normativa”– F. Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª ed. Pag 1038. Cfr. também Ac STJ 8/11/2007 www.dgsi.pt

3. O crime de roubo é um crime complexo e pluriofensivo que visa proteger não apenas bens jurídicos de natureza patrimonial (a propriedade), mas também valores jurídicos relativos à vida, à liberdade e à integridade física humanas (cf. entre outros, o Ac. do S.T.J. de 10-7-85, in B.M.J. n.º 349, p. 269, e Leal-Henriques e Simas Santos, in “Código Penal Anotado”, 1996, 2º v., p. 495

4. Ac. do STJ de 18/05/2022

5. Ac. STJ de 16/05/2019, proc. 765/15.5T9LAG.E1.S1 (Cons. Nuno Gonçalves), in www.dgsi.pt ;

6. As consequências, ob. loc. Cit.… , págs. 291 e 292)