RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
TÍTULO DE CONDUÇÃO
CADUCIDADE
CASSAÇÃO DO TÍTULO DE CONDUÇÃO
CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL
CRIME
CONTRAORDENAÇÃO
ACÓRDÃO RECORRIDO
ACORDÃO FUNDAMENTO
Sumário


I - Verifica-se a oposição de julgados, quando os acórdãos em conflito assentam em soluções opostas, de modo expresso e a partir de situações de facto idênticas.
II - No caso, para semelhantes realidades factuais, os dois acórdãos em confronto, do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no processo n.º 44/25.0GBPBL.C1-A.S1 e o do Tribunal da Relação de Évora, proferido no processo n.º 20/22.4GDPTM, decidiram a mesma questão de forma oposta, interpretando de forma diferente o disposto no artigo 130.º do Código da Estrada, nomeadamente, nos n.º 1, al. d), 5 e 7, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 102-B/2020, de 9 de dezembro.
III - O acórdão recorrido decidiu que a condução de veículo com a carta de condução caducada por cassação, por decisão da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária em razão da perda total dos pontos (art.º 148.º, n.º 4, al. c), do Código da Estrada), configurava, apenas, a prática da contraordenação prevista no art.º 130.º, n.º 7, do Código da Estrada.
IV - Ao invés, concluiu o acórdão fundamento que esta mesma conduta preenchia a previsão do tipo legal de crime de condução sem habilitação legal (art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro) e, simultaneamente, da contraordenação estradal prevista no art.º 130.º, n.º 7, do Código da Estrada.
V - Sendo certo que tal normativo, manteve a mesma redação durante o período temporal em que foram tomadas as decisões agora em análise, 25.06.2025 e 13.09.2022, respectivamente.
VI - Por ser idêntica a situação de facto de que se ocupam os acórdãos em confronto e diversas as decisões, e ambas as decisões terem sido proferidas na vigência da mesma legislação, verificados, portanto, todos os pressupostos de admissibilidade do recurso, impõe-se concluir pelo prosseguimento do presente recurso, nos termos do disposto no artigo 441º, n.º 1 do Código de Processo Penal.

Texto Integral

 

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça

1 - Relatório

1.1. A Ex.ma Procuradora Geral Adjunta junto do Tribunal da Relação de Coimbra vem, ao abrigo do disposto no artigo 437º e 438º do Código de Processo Penal, em requerimento datado de 01.09.2025, interpor Recurso Extraordinário de Fixação de Jurisprudência do Acórdão proferido nestes Autos n.º 44/25.0GBPBL.C1-A.S1, do Tribunal da Relação de Coimbra, de 25.06.2025, e transitado a 10.07.2025, com fundamento na oposição de julgados relativamente à mesma questão de Direito entre esse Acórdão e o exarado pelo Tribunal da Relação de Évora, proferido a 13.09.2022, no âmbito do processo nº 20/22.4GDPTM, e transitado a 17.10.2022.

1.2. Da motivação, retirou, a final, as seguintes conclusões (transcrição):

“1-No domínio da mesma legislação, ou seja, na redação que o Decreto-Lei n. º102-B/2020, de 09.12, veio dar ao art.º 130.º, do Código da Estrada, o Tribunal da Relação de Coimbra proferiu Acórdão que está em oposição com Acórdão anteriormente proferido pelo Tribunal da Relação de Évora;

2-Sendo que no âmbito dos autos de Recurso nº 44/25.0GBPBL.C1, com data de 25.06.2025, o Tribunal da Relação de Coimbra proferiu Acórdão decidindo que a condução de veículo durante o período de cassação da carta de condução por perda de pontos constitui somente a contraordenação prevista no n.º 7 do art.º 130º, absolvendo o arguido do crime de condução sem habilitação legal pelo qual vinha condenado;

3-Enquanto que no âmbito do Recurso nº 20/22.4GDPTM.E1, com data de 13.09.2022, o Tribunal da Relação de Évora proferiu acórdão, já transitado em julgado, decidindo que a condução de veículo durante o período de cassação da carta de condução por perda de pontos constitui crime de condução sem habilitação legal, punida pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro - publicação em encontrando-se este último publicado em https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/6a69ad00b 470cf4e802588c2002f3e97?OpenDocument ;

4-Ambos os acórdãos transitaram em julgado, não sendo suscetíveis de recurso ordinário;

5-Impondo-se, por isso, fixar jurisprudência que esclareça se na vigência do redação que o Decreto-Lei n.º 102-B/2020, de 09.12, veio dar ao art.º 130.º, do Código da Estrada, a condução de veículo a motor na via pública durante o período de cassação da carta de condução por perda de pontos constitui crime de condução sem habilitação legal, punida pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro, ou integra somente a contraordenação prevista no n.º 7 do art.º 130º do Código da Estrada

Apreciando e decidindo a questão, farão Vossas Excelências, como habitualmente, a melhor aplicação do direito e realização da Justiça.”

1.3. Ao recurso respondeu AA, arguido/recorrente nos presentes autos e nos mesmos melhor identificado, nos termos e com os seguintes fundamentos:

“Mediante douto recurso pretende o Ministério Público que seja fixada jurisprudência que esclareça uma questão jurídica que delimita e circunscreve.

Concorda-se que se verifica o requisito da oposição de julgados e sobre tal temática não se deixará de, eventual e futuramente, responder e formular conclusões em defesa da perspectiva que se defende, nos termos e para efeitos do art.º 442º n.º 1 e 2 CPP.

Todavia e salvo o devido respeito, na pureza da lei apenas com cisão decisória é que se poderá defender que o acórdão acabado de proferir transitou em julgado, na medida em que contempla um segundo segmento decisório a decretar nulidade e baixa dos autos à primeira instância.

De facto, foi doutamente decidido

“V. Decisão:

Em face do exposto, acordam os Juízes da 5ª Secção - Criminal - deste Tribunal da Relação de Coimbra em julgar o recurso interposto pelo arguido AA parcialmente procedente por parcialmente provado e, em consequência, decidem:

a) (…)

b) (…)

c) Julgar verificado o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no artigo 410º, nº 2, alínea a) do CPP e, consequentemente, ordenar o reenvio parcial do processo para novo julgamento, nos termos do disposto nos artigos 426º e 426º-A do mesmo diploma, a realizar pelo mesmo juiz, que abrangerá a matéria de facto indicada no ponto 4.3, valorando documentos juntos aos autos e podendo, caso o juiz a quo assim o entenda, ser antecedido da requisição de documentos e da inquirição de testemunhas que possam vir a revelar ter conhecimento dos factos em causa e serem importantes para a descoberta da verdade material, após o que deverá ser proferida nova sentença complementada com os novos factos (e, caso necessário, corrigindo factos dados como provados e não provados que possam estar em oposição com a nova matéria de facto apurada) e respeitando o princípio da proibição da reformatio in pejus.”

Razão pela qual se julgue que, salvo o devido respeito por diversa opinião, inexistindo verdadeiramente trânsito em julgado do douto acórdão poderá haver um vício processual a impedir tal recurso nesta fase, sendo o mesmo eventualmente extemporâneo, já que o trânsito em julgado da decisão recorrida é um pressuposto essencial do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência.

De facto, a decisão recorrida, ainda que constitua decisão definitiva quanto à questão processual que colocou (existência ou não de crime!, o certo é que verdadeiramente não pôs definitivamente termo ao processo.

Veja-se que a própria certidão extraída para efeitos de tal recurso não atesta qualquer trânsito em julgado pois o mesmo verdadeiramente ainda não ocorreu e só poderia ser atestado com uma interpretação que representasse uma aparente entorse à unidade decisória e sua não cindibilidade, pois não se trata de questões de diferente natureza (cível vs penal) em que se pudesse defender uma autonomia mas sim e apenas penal, sendo um acórdão todo ele uno.

Julga-se assim poder estar em causa o respeito pelo art.º 438º n.º 21 CPP, relativo à tempestividade recursória, e verdadeiramente, na óptica do recorrido, inexistindo verdadeiro e efectivo trânsito em julgado que possa ser desde já atestado face ao doutamente decidido, não se poderá falar em recurso extraordinário…

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Destarte, sempre com o V/ mui douto suprimento requer-se, mui respeitosamente a V/ Exas., a admissão da presente resposta, no sentido da aparente existência de um vício/obstáculo ao recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, o qual ad cautelam e em nome da pureza da legalidade se alega.

V/ Exas., seres humanos sábios, pensarão e decidirão necessariamente de forma justa, alcançando a costumada e almejada Justiça, na medida em que, citando Jean de la Bruyere e Pierre Marivaux, o dever dos juízes é fazer justiça e a sua profissão a de a deferir, sendo natural desejar que se faça justiça na medida em que a maior de todas as almas não ficaria insensível ao prazer de ser conhecida como tal.

Todavia, nunca esquecendo que, acompanhando Joseph Joubert A Justiça é liberdade em acção! Aguardando anuência de V/ Exas.”

1.4. O Ex.mo Procurador Geral Adjunto, no Supremo Tribunal de Justiça, pronunciou-se no sentido de que (…) “a identidade das situações de facto subjacentes aos acórdãos em confronto é inquestionável.

Em ambos a carta de condução dos arguidos foi cassada por decisão da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária em razão da subtração total dos pontos (art.º 148.º, n.º 4, al. c), do Código da Estrada) e em ambos os arguidos conduziram um veículo para os quais o título cassado fora emitido durante o período de dois anos posterior à efetivação da cassação (art.º 148.º, n.º 11, do Código da Estrada).

Nesse contexto factual os dois acórdãos foram chamados a pronunciar-se expressamente acerca da natureza da infração cometida à luz do disposto no art.º 130.º do Código da Estrada, nomeadamente dos n.ºs 1, al. d), 5 e 7, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 102-B/2020, de 9 de dezembro.

O acórdão recorrido entendeu que a conduta em questão apenas configurava a prática da contraordenação (art.º 130.º, n.º 7, do Código da Estrada).

O acórdão fundamento, ao invés, entendeu que a mesma conduta cabia na previsão típica do crime de condução sem habilitação legal (art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro) e, simultaneamente, na da contraordenação estradal (art.º 130.º, n.º 7, do Código da Estrada).

Perante idênticas situações de facto os dois acórdãos decidiram, assim, de forma oposta em virtude de interpretarem diferentemente o art.º 130.º do Código da Estrada no que respeita à categoria/natureza da infração cometida por quem conduz veículo a motor nos dois anos subsequentes à efetivação da cassação administrativa da carta de condução por perda de pontos.

Preenchidos que estão, então, todos os requisitos, formais e substanciais, do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, emite-se parecer no sentido do seu prosseguimento (art.º 441.º, n.º 1, parte final, do CPP)

1.5. Foram os autos aos vistos e à conferência.

Decidindo,

2. Fundamentação

2.1. Integra-se, o recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, nas competências do Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista que tutela pela correta aplicação da lei por todos os tribunais judiciais.

Tem, o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, por finalidade, como pode ler-se no Ac. do STJ de 07.06.20231 “a obtenção de uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça que fixe jurisprudência, “no interesse da unidade do direito”, resolvendo o conflito suscitado (art.º 445.º, n.º 3, do CPP), relativamente à mesma questão de direito, quando existem dois acórdãos com soluções opostas, no domínio da mesma legislação, assim favorecendo os princípios da segurança e previsibilidade das decisões judiciais e, ao mesmo tempo, promovendo a igualdade dos cidadãos.”

O que se compreende, tendo em atenção, como se diz no ac. do STJ n.º 5/2006, publicado no DR I-A Série de 06.06.2006, que «a uniformização de jurisprudência tem subjacente o interesse público de obstar à flutuação da jurisprudência e, bem assim, contribuir para a certeza e estabilidade do direito.»

São, também, finalidades a alcançar com este recurso, a previsibilidade das decisões judiciais e a confiança no sistema judiciário. “Trata-se de um recurso de carácter normativo destinado unicamente a fixar critérios interpretativos uniformes com a finalidade de garantir a unidade do ordenamento penal e, com isso, os princípios de segurança, da previsibilidade das decisões judiciais e a igualdade dos cidadãos perante a lei”, como se lê no Ac. do STJ de 13.01.20212.

O que está em causa não é, pois, a reapreciação da decisão de aplicação do direito ao caso no acórdão recorrido, transitado em julgado, mas verificar, partindo de uma factualidade equivalente, se a posição tomada no acórdão recorrido, quanto a certa questão de direito, seria a que o mesmo julgador tomaria, se tivesse que decidir no mesmo momento essa questão, no acórdão fundamento, e vice-versa3.

A admissibilidade do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência depende da verificação de pressupostos formais e de requisitos materiais/substanciais, a que se referem os artigos 437.º e 438.º do CPP.

Dispõe o art.º 437º, sob a epigrafe “fundamento do recurso”, que “quando no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, cabe recurso, para o pleno das secções criminais, do acórdão proferido em último lugar – n.º 1. É também admissível recurso, nos termos do número anterior, quando um tribunal de relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente relação, ou do Supremo Tribunal de Justiça, e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça – n.º 2. Os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida – n.º 3. Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior transitado em julgado – n.º 4. O recurso previsto nos números 1 e 2 pode ser interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis e é obrigatório para o Ministério Público – n.º 5.

Por seu turno determina o art.º 438º que “o recurso para a fixação de jurisprudência é interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar” – n.º 1. “No requerimento de interposição do recurso o recorrente identifica o acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontra em oposição e, se este estiver publicado, o lugar da publicação e justifica a oposição que origina o conflito de jurisprudência” – n.º 2. “O recurso para fixação de jurisprudência não tem efeito suspensivo” – n.º 3.

Assim, entende-se que são requisitos formais, a legitimidade do recorrente, o trânsito em julgado dos acórdãos conflituantes, interposição no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado do acórdão recorrido, a invocação e junção de cópia do acórdão fundamento ou pelo menos identificação de publicação oficial onde tenha sido publicado, justificação, de facto e de direito, do conflito de jurisprudência, e, por sua vez, são requisitos substantivos, a existência de dois acórdãos do STJ, ou, um acórdão da Relação que, não admitindo recurso ordinário, não tenha decidido contra jurisprudência fixada e outro anterior de tribunal da mesma hierarquia ou do STJ, proferidos no domínio da mesma legislação, assentes em soluções opostas relativamente à mesma questão de direito4-5.

Sendo certo que todos os pressupostos, formais e substanciais exigidos para a admissibilidade do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência têm de se mostrar verificados à data da sua interposição, sob pena de rejeição, nos termos do art.º 441º, n.º 1, 1ª parte, do CPP.

Para o não especialmente regulado aplicam-se, subsidiariamente, as disposições que regulam os recursos ordinários (art.º 448º do CPP).

2.2. Requisitos formais.

No que respeita aos requisitos formais de admissibilidade do recurso de fixação da jurisprudência, entende-se que se mostram verificados.

Na verdade, o Ministério Publico tem legitimidade para interpor este recurso (artigos 437.º, n.º 5 do C.P.P.), o recurso é tempestivo, uma vez que foi interposto a 01.09.2025 (após férias), no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar, a 10.07.2025, (como certificado pela Relação), o recorrente invocou no recurso um único acórdão fundamento e indicou o local onde se encontra publicado, juntou cópia com nota de trânsito em julgado, o acórdão fundamento foi publicado na página da DGSI, e justificou, ainda, o recorrente a oposição de julgados que, no seu entender, origina o conflito de jurisprudência.

2.3. Requisitos substanciais

Quanto aos requisitos substanciais de admissibilidade, deste recurso extraordinário, verifica-se a existência nos autos de dois acórdãos, um do Tribunal da Relação de Coimbra e outro do Tribunal da Relação de Évora que o recorrente entende terem julgado a mesma questão de direito, com decisões opostas, proferidos no domínio da mesma legislação.

Questão central a decidir é a existência de oposição de julgados, no sentido de que os acórdãos assentam em soluções opostas, de modo expresso e a partir de situações de facto idênticas.

Na opinião do recorrente tal decorre como resume que, “[n]o domínio da mesma legislação, ou seja, na redação que o Decreto-Lei n. º102-B/2020, de 09.12, veio dar ao art.º 130.º, do Código da Estrada, o Tribunal da Relação de Coimbra proferiu acórdão que está em oposição com Acórdão anteriormente proferido pelo Tribunal da Relação de Évora.”

A verificação deste requisito substancial demanda que se analise, e se compare, em primeiro lugar, o essencial das decisões proferidas no acórdão recorrido e no acórdão fundamento sobre a questão objeto de recurso. E depois, que se decida pela existência, ou não, de oposição de julgados e consequente prosseguimento ou rejeição do recurso.

Acórdão recorrido

a.Como pode ver-se do acórdão recorrido, [n]o Juízo Local Criminal de Pombal - Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, foi proferida sentença datada de 18 de fevereiro de 2025, que condenou o arguido AA pela prática, em autoria material e de forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo disposto no artigo 292.º nº 1 e 69.º n.º 1, al. a), do Código Penal, numa pena de 10 (dez) meses de prisão e na pena acessória de inibição de conduzir veículos a motor pelo período de 1 (um) ano e 6 (seis) meses pela prática, em autoria material e de forma consumada, de um crime de condução sem habilitação legal previsto e punido pelo artigo 3.º n.º 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03 de janeiro, numa pena de 06 (seis) meses de prisão.

Em cúmulo jurídico, foi condenado na pena única de 1 (um) ano e 1 (um) mês de prisão efetiva.”


*


2.1. A decisão condenatória assentou na seguinte realidade factual, dada como provada:

2.1.1. No dia 29 de janeiro de 2025, pelas 02h15m, na Rua 1, AA seguia aos comandos do veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula V1 sendo portador de uma Taxa de Álcool no Sangue (TAS) de 2,641 g/l.

2.1.2. Sem que estivesse devidamente habilitado por título de condução válido ou por qualquer outro documento emitido por autoridade competente que o habilitasse a conduzir aquele tipo de veículo numa via pública.

2.1.3. Atuando da forma descrita, não obstante ter efetivo conhecimento de que tinha ingerido bebidas alcoólicas previamente e de que estava influenciado pelas mesmas, de tal modo que era

passível de acusar uma taxa de álcool superior a 1.2 g/l, e, ainda assim, ciente de tal realidade, quis agir como fez.

2.1.4. Sabendo ainda que não possuía título de condução válido ou de qualquer outro documento

emitido por uma autoridade competente que o habilitasse a conduzir o veículo automóvel com as

características daquele que conduzia, bem como conhecia devidamente as características da via onde o conduzia.

2.1.5. Mas ainda assim, consciente destas realidades, AA quis conduzir nas circunstâncias em que o fez, atuando de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que as suas

condutas eram e são proibidas e punidas pela lei penal.

(mais se provou ainda que:)

2.1.6. No âmbito do processo de cassação de carta de condução n.º 295/2022 AA viu cassada a sua carta de condução, por subtração total de pontos, nos termos do artigo 148.º do Código da Estrada, por decisão do Presidente da ANSR, iniciando essa decisão os seus efeitos a 01 de fevereiro de 2024 e tendo o seu termo previsto para 01 de fevereiro de 2026.

2.1.7. São conhecidos ao arguido as seguintes condenações:

a) condenado por sentença transitada em julgado a 05.05.2021 [Proc. 266/20.0GBPBL] pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez numa pena de 70 dias de multa à taxa diária de 7,00 € e numa pena de 4 M e 15 D de inibição de conduzir, ambas declaradas extintas pelo seu cumprimento.

b) condenado por sentença transitada em julgado a 05.01.2022 [Proc. 379/21.0GBPBL] pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez numa pena de 100 dias de multa à taxa diária de 6,50 € e numa pena de 6 M de inibição de conduzir, ambas declaradas extintas pelo cumprimento.

c) condenado por sentença transitada em julgado a 28.11.2022 [Proc. 184/21.4GBPBL] pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez e um crime de violação de proibição, imposições e interdições na pena única de 170 dias de multa à taxa diária de 7,00 € e na pena de 8 M de inibição de conduzir, declaradas extintas pelo cumprimento.

d) condenado por sentença transitada em julgado a 02.10.2023 [Proc. 66/23.5GTLRA] pela prática a 10.07.2023 de um crime de desobediência, previsto e punido pelos artigos 152.º nºs 1 al. a) e 3 ex vi artigo 156.º n.º 1 do Código da Estrada e do artigo 348.º n.º 1 al. a) do Código Penal, na pena de 4 (quatro) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, sujeito a regime de prova, e numa pena de 9 meses de inibição de conduzir, declaradas extintas pelo seu cumprimento.

e) condenado por sentença transitada em julgado a 10.09.2024 [Proc. 128/23.9GBPBL] pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez numa pena de 5 (cinco) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, sujeito a deveres [fixar residência; manter boa conduta e integração social e familiar; aceitação da tutela da reinserção social e aceitar a sua referenciação para unidade de saúde], e numa pena de 12 meses de inibição de conduzir.

2.1.8. AA nasceu em 1997 e é solteiro; integra presentemente o agregado familiar constituído por si, por BB, sua mãe, CC, seu pai, e DD, seu irmão; vive uma habitação, do tipo moradia, com sala, cozinha, 3 quartos e casa de banho; com uma grande área exterior vedada, onde se situa a oficina onde trabalha, a cerca de 50 metros da habitação, e onde é valorizado pelas suas competências como mecânico; AA tem o 12.º ano de escolaridade e aufere em médio a quantia de 900,00€ por mês, enquanto que o seu pai, como motorista de transportes internacionais, tem um ordenado de 2.000,00 € por mês; a mãe trabalha três dias por semana na Caixa de Crédito Agrícola de ..., onde realiza tarefas de limpeza e aufere um rendimento de cerca de 180,00 €; o irmão mais velho, com necessidades especiais, potenciado por consumos de drogas no passado e com contactos com o sistema de justiça, encontra-se reformado por invalidez e aufere uma pensão de 300,00 € por mês; AA emprega os seus tempos livres a ajudar a sua mãe e a privar com os amigos da mesma faixa etária, com as mesmas características de consumos exagerados de álcool, situação que, aliado à personalidade frágil do arguido, à falta de maturidade, de responsabilidade e de autocontrolo, tem-se revelado um fator de risco na reincidência criminal; o arguido não minimiza esta problemática, mas tem-se revelado incapaz, continuadamente, de debelar, não obstante a intervenção dos membros da sua família, em termos de orientação, controlo e supervisão, para que este passasse a adotar comportamentos normativos, mas sem qualquer resultado prático até à data, pois que o mesmo persiste em manter uma conduta desconforme normativamente.

2.1.9. AA foi detido em flagrante delito no dia 04 de janeiro de 2025 pela GNR de Pombal por indiciada prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal dando origem ao processo n.º 8/25.3GBPBL.

2.1.10. AA iniciou acompanhamento em consulta de alcoologia no passado dia 12 e tem nova consulta agendada para o dia 14 de maio de 2025.”


*


“Inconformado, o arguido interpôs recurso, apresentando motivações e concluindo da seguinte forma (transcrição):

A. Com o presente recurso, a versar sobre reapreciação da matéria de facto e Direito, na vertente penal (maxime vícios decisórios, subsunção jurídica, dosimetria penal e execução da pena), não se pretende colocar em causa o exercício das mui nobres funções nas quais se mostram investidos os Ilustres julgadores, mas tão-somente exercer o direito de “manifestação de posição contrária”, traduzido no direito de recorrer [art. 61º n.º 1 i) CPP e n.º 1 do art. 32º da CRP];

B. (…)

C. O recorrente, no âmbito do processo de cassação da sua carta de condução, em momento algum foi expressamente advertido, notificado ou elucidado que a posterior condução implicaria a prática de um crime de condução sem habilitação legal, dado que em nome dos princípios da legalidade, protecção da confiança e segurança jurídica do n.º 7 do art.º 130º CE decorre a punição de tal condução apenas como contra-ordenação, tendo sido notificado que tal cassação implicaria a extinção da pena acessória e inexiste qualquer outra norma expressa, escrita e prévia que puna tal conduta como crime, havendo tal norma especial que afastaria qualquer outra;

D. Dúvidas inexistem em como o legislador considera os títulos cassados ao abrigo do art.º 148º CE como caducidade do título, atento o teor da alínea d) do n.º 1 do art.º 130º CE e após a introdução da carta por pontos nenhuma alteração houve ao art.º 3º n.os 1 e 2 DL 2/98, que não pode abarcar uma situação inexistente à data da sua publicação, mostrando-se a redacção de tal artigo intocada desde a sua publicação, não tendo tido nenhuma alteração legislativa, pelo que, mostrando-se abrangida a condução com título caducado, nos termos previstos no n.º 1 e abarcando a cassação plasmada na alínea d), a subsunção jurídica terá de ser a expressamente vertida em tal norma incriminatória e apenas em violação dos princípios da legalidade, protecção da confiança, culpa e segurança jurídica é que poderá haver condenação pela prática de um crime!

E. Nos termos da legislação em vigor nunca tal caducidade se mostra definitiva, tendo sido eliminada, pelo DL 102-B/2020, a anterior b) do n.º 3 do art.º 130º CE que estipulava o cancelamento do título em caso de cassação, podendo ser obtido no prazo de dois anos nos termos do art.º 148º n.º 11 CE e nos termos e para efeitos do art.º 9º CC deve presumir-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, sendo que neste caso expressamente comina como contraordenação tal circunstancialismo, nunca tendo o arguido actuado com a consciência da ilicitude de prática criminal, confiando que apenas praticava uma contra-ordenação, atento o teor da legislação supra invocada;

F. Não pode ser equiparada a situação de quem tenha visto o título de condução cassado, pelo que previamente cumpriu as etapas para a sua atribuição, com frequência de aulas teóricas e de condução e com aprovação em ambos os exames, com quem nunca sequer o tenha visto atribuído por nunca ter sido aprovado em ambos os exames dado que o arguido sabe conduzir e deu mostras de ter sido aprovado pelo que se trata de situação desigual face a quem nunca tenha sido habilitado para o efeito;

G. Em função de tal desigualdade não podem ambas ter tratamento semelhante em violação do princípio da (des)igualdade e medida da diferença substancial, julgando-se tal equiparação manifestamente inconstitucional, por violação dos princípios da legalidade, culpa, (des)igualdade, proporcionalidade, adequação e proibição do excesso pois alguém que tenha sido habilitado com título de condução não representa o mesmo/semelhante perigo, abstracto e concreto, para os demais utentes da via e para a sociedade que outrem que tão-pouco alguma vez tenha sido anteriormente aprovado e dotado de título de condução;

H. Convoca-se o teor de douto acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do processo 696/23.5SILSB.L1, de 06-II-2024, com o seguinte sumário:

“I– A versão anterior da alínea b), do n.º 3, do art.º 130.º, do CE, estipulava que o título de condução é cancelado quando for cassado nos termos do artigo 148.º do presente Código ou do artigo 101.º do Código Penal.

II–O Decreto-Lei n.º 102-B/2020 revogou esta alínea b) e introduziu uma al. d) ao n.º 1, do mesmo art.º 130.º, com a anterior redacção da al. b) do n.º 3, ou seja, a cassação passou do n.º 3 para o n.º1.

III–O Decreto-Lei n.º 102-B/2020 aditou no n.º 4 que os titulares de títulos de condução cassados - caducados ao abrigo da al. d) do n.º 1) – são sujeitos ao exame especial do n.º 2, ou seja, tais títulos de condução podem ser revalidados.

IV–Os titulares de títulos cassados não podem revalidar os títulos de condução antes de decorridos dois anos sobre a efetivação da cassação (art.º 148.º, n.º 11, do CE), mas deve concluir-se que, enquanto os titulares de títulos de condução cassados não caírem na al. c) do n.º 3, do art.º 130.º, cometem uma contraordenação e não um crime.

V–Temos que interpretar o n.º 1, no sentido de só ser contraordenação quando estivermos perante um título de condução ainda passível de revalidação (n.º 1). Se a caducidade for definitiva (n.º 3) é crime.”

I. A douta acusação pública deveria ter sido rejeitada, por o Tribunal se mostrar incompetente para tramitar o processo de contra-ordenação, ou no limite julgada improcedente, devendo ser absolvido da prática do crime pelo qual se mostra acusado, sendo que se constata que da douta decisão de cassação da carta não consta qualquer advertência ou proibição de condução cominada com a prática de crime, como decorre do teor da certidão junta aos autos;

J. Mostra-se inconstitucional por violação dos princípios da legalidade, na vertente de existência de lei anterior que declare punível a acção, tipicidade, (des)igualdade, culpa, proporcionalidade, adequação e proibição do excesso e presunção de inocência (in dubio pro reo) plasmados na Constituição da República Portuguesa nos arts. 1º, 2º, 12º, 13º, 29º n.º 1, 32º n.º 2 e 204º, o entendimento e dimensão normativa do art.º 3º n.os 1 e 2 DL 2/98 no sentido de “Quem conduzir veículo a motor na via pública ou equiparada sem para tal estar habilitado nos termos do Código da Estrada, pela prévia cassação da respectiva carta de condução por perda de todos os pontos, é punido pela prática de crime de condução sem habilitação legal, não obstante a redacção de tal norma do DL 2/98 nunca ter sido actualizada ou alterada para abarcar os efeitos da superveniente entrada do regime de carta por pontos, que era inexistente à data da sua publicação”

K. Mostra-se inconstitucional por violação dos princípios da legalidade, na vertente de existência de lei anterior que declare punível a acção, tipicidade, (des)igualdade, culpa, proporcionalidade, adequação e proibição do excesso e presunção de inocência (in dubio pro reo) plasmados na Constituição da República Portuguesa nos arts. 1º, 2º, 12º, 13º, 29º n.º 1, 32º n.º 2 e 204º, o entendimento e dimensão normativa do art.º 130º n.º 7 CE no sentido de “Quem conduzir veículo com título caducado, pela prévia cassação da respectiva carta de condução por perda de todos os pontos, prevista na alínea d) do n.º 1 do art.º 130º e art.º 148º CE, é punido pela prática de crime de condução sem habilitação legal, não obstante a redacção de tal norma do DL 2/98 nunca ter sido actualizada ou alterada para abarcar os efeitos da superveniente entrada do regime de carta por pontos, que era inexistente à data da sua publicação”;

L. O arguido foi punido pela prática do crime de condução sem habilitação legal na pena de seis meses de prisão, sendo que o limite mínimo de tal moldura de um mês e não ostenta antecedentes criminais pela prática de tal crime, julgando-se que deveria ter sido dada aplicação à pena de multa, nos termos do art.º 70º CP;

M. Todavia e ad cautelam, na improcedência do supra alegado e a ser de aplicar pena de prisão julga-se que a mesma se deverá mostrar em dosimetria inferior e não ser superior a cinco meses de prisão e, por força da idade do arguido bem como ausência de antecedentes por crimes da mesma natureza, ser operada substituição de tal pena pela prestação de trabalho a favor da comunidade prevista no art.º 58º CP ou suspensão da execução nos termos do art.º 50º CP, o que se requer ainda que V/ Exas. entendam não ser de atenuar a pena aplicada;

N. Ressalta a fls. 17 supra que o Tribunal a quo, dentro da moldura da pena aplicável ao crime de condução em estado de embriaguez, fixou uma sub-moldura da prevenção de 4 a 10 meses mas aplicou a pena no máximo de tal sub-moldura, julgando-se que atento o teor do ponto de facto provado 2.1.10 sempre se poderá equacionar e fixar pena inferior, sendo adequada pena de prisão de oito meses, já de si superior ao equador da moldura aplicável, para além do ponto médio, e num eventual cúmulo jurídico (em caso de indeferimento da peticionada substituição face à outra pena!), pena única de onze meses;

O. O Tribunal a quo não respeitou nem salvaguardou as mais elementares garantias de defesa do arguido pois sem que haja efectiva recusa do pai do arguido em que o mesmo cumpra pena na habitação, sujeito a vigilância electrónica, o Tribunal a quo afastou tal possibilidade quando, a fazer fé no teor do relatório social a casa reuniria condições necessárias para o efeito, importando valorar que o pai do arguido, como consta do teor do ponto de facto provado 2.1.8, é motorista de transportes internacionais, sendo notório, o que se invoca nos termos e para efeitos do art. 412º CPC que trabalha no estrangeiro, daí que se não tenha sequer deslocado aos Serviços da DGRSP para efeitos de realização do relatório social, pois não estava em Portugal, tendo havido necessidade de contacto telefónico, como referido no ponto de facto julgado provado 26;

P. Do teor do relatório social, fls. 3 infra e 4 supra, ressalta que o pai do arguido não assinou a aceitar mas também não recusou, constando expressamente que respeitaria “qualquer que seja a decisão que venha a ser tomada”, pelo que, perante isto, pelo condicionalismo envolvente de trabalhar no estrangeiro, estar fora do país e não manifestar recursa expressa, declarando aceitar qualquer que seja a decisão, não pode ser inviabilizada a prisão na habitação sujeita a vigilância electrónica pois apenas em cristalina preterição do princípio in dubio pro reo é que tal silêncio poderá ser valorado contra o arguido!

Q. O certo é que o Tribunal a quo convoca o teor da Lei 33/2010 mas do teor dos n.os 4 e 5 do art. 4º da Lei 33/2010 não consta que tal autorização tenha de provir da totalidade das pessoas nem que tal consentimento tenha de ser prestado antes sequer da condenação,

julgando-se que o Tribunal encarou uma impossibilidade de execução da pena de prisão na habitação, com vigilância electrónica, em desrespeito pelos pressupostos e indo para além do teor da prova obtida em tal relatório da DGRSP que não consagra qualquer verdadeira oposição do pai do arguido;

R. Se o Tribunal tinha dúvidas sobre tal posição, deveria ter pedido esclarecimento(s) adicional(is) pois ao não o ter feito não pode tomar um silêncio, que refere aceitação a qualquer decisão que venha a ser tomada, como oposição inviabilizadora de tal pena de substituição, tendo errado ao interpretar tal relatório da DGRSP e ao valorá-lo indevidamente contra o arguido, nada impedindo que seja determinada a execução da pena em regime de permanência na habitação, sujeita a vigilância electrónica pois inexiste qualquer oposição do pai do arguido, tendo tal posição sido resultado da sua ausência de território nacional, por força de desempenho laboral e mal se compreende que possa tal pena de substituição ser recusada em nome de uma aparente, que não real, oposição do membro do agregado familiar que menos tempo reside na habitação, por força de prossecução laboral no estrangeiro (todavia, veja-se que o mesmo subscreveu tal declaração de autorização, a qual se juntou aos autos para prova de tal realidade!);

S. Mostra-se inconstitucional por violação dos princípios da legalidade, na vertente de existência de lei anterior que declare punível a acção, tipicidade, (des)igualdade, culpa, proporcionalidade, adequação e proibição do excesso e presunção de inocência (in dubio pro reo) plasmados na Constituição da República Portuguesa nos arts. 1º, 2º, 12º, 13º, 29º n.º 1, 32º n.º 2 e 204º, o entendimento e dimensão normativa do art.º 4º n.os 4 e 5 da Lei 33/2010 no sentido de “A utilização da vigilância electrónica depende do consentimento de todas as pessoas, maiores de 16 anos, que coabitem com o arguido ou condenado, bastando que uma delas o não preste expressa.

T. Mostra-se inconstitucional por violação dos princípios da legalidade, na vertente de existência de lei anterior que declare punível a acção, tipicidade, (des)igualdade, culpa, proporcionalidade, adequação e proibição do excesso e presunção de inocência (in dubio pro reo) plasmados na Constituição da República Portuguesa nos arts. 1º, 2º, 12º, 13º, 29º n.º 1, 32º n.º 2 e 204º, o entendimento e dimensão normativa do art.º 4º n.os 4 e 5 da Lei 33/2010 no sentido de “A utilização da vigilância electrónica depende do consentimento de todas as pessoas, maiores de 16 anos, que coabitem com o arguido ou condenado, devendo tal consentimento ser necessariamente obtido e prestado antes da prolação decisória da condenação e não sendo de aferir a avaliação à data de execução da pena”;

U. Mostra-se inconstitucional por violação dos princípios da legalidade, na vertente de existência de lei anterior que declare punível a acção, tipicidade, (des)igualdade, culpa, proporcionalidade, adequação e proibição do excesso e presunção de inocência (in dubio pro reo) plasmados na Constituição da República Portuguesa nos arts. 1º, 2º, 12º, 13º, 29º n.º 1, 32º n.º 2 e 204º, o entendimento e dimensão normativa do art. 4º n.os 4 e 5 da Lei 33/2010 no sentido de “A utilização da vigilância electrónica depende do consentimento de todas as pessoas, maiores de 16 anos, que coabitem com o arguido ou condenado, sendo que caso uma delas não preste consentimento mas também não declare oposição, não assinando nem preenchendo a declaração, pode o Tribunal suprir tal silêncio e ter por não verificados os pressupostos para tal execução”;

V. Mostra-se inconstitucional por violação dos princípios da legalidade, na vertente de existência de lei anterior que declare punível a acção, tipicidade, (des)igualdade, culpa, proporcionalidade, adequação e proibição do excesso e presunção de inocência (in dubio pro reo) plasmados na Constituição da República Portuguesa nos arts. 1º, 2º, 12º, 13º, 29º n.º 1, 32º n.º 2 e 204º, o entendimento e dimensão normativa do art. 4º n.os 4 e 5 da Lei 33/2010 no sentido de “A utilização da vigilância electrónica depende do consentimento de todas as pessoas, maiores de 16 anos, que coabitem com o arguido ou condenado, devendo tal consentimento ser obtido e prestado antes da prolação decisória da condenação, sendo que caso uma delas não preste consentimento mas também não declare oposição, não assinando nem preenchendo a declaração, pode o Tribunal suprir tal silêncio e ter por não verificados os pressupostos para tal execução”;

W. Normas jurídicas violadas: maxime arts. 40º n.º 2 , 43º n.º 1 a), 50º, 58º, 70º e 71º n.os 1 e 2 CP; arts. 127º CPP; art. 3º n.os 1 e 2DL 2/98; art. 130º n.º 1 d) e 7 d) e 148º CE; art. 4º n.os 4 e 5 da Lei 33/2010; art.º 9º CC; art. 412º CPC; arts. 1º, 2º, 12º, 13º n.º 1, 18º n.os 1 e 2, 27º n.os 1, 32º n.os 1 e 5, 110º n.º 1, 202º n.os 1, 2 e 3, 204º e 205º CRP; Princípios jurídicos violados: maxime da legalidade, da tipicidade, da protecção da confiança e da segurança jurídicas, da culpa, in dubio pro reo, da proibição da dupla valoração, da materialidade decisória, da interpretação jurídica, da preferência por pena não privativa da liberdade em ambiente prisional, da legalidade, da (des)igualdade, da não discriminação, da proporcionalidade, da adequação e da proibição do excesso bem como inerentes aos fins das penas.


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Destarte, sempre com o V/ mui douto suprimento requer-se, mui respeitosamente a V/ Exas., a procedência do presente recurso e a consequente alteração/revogação da douta sentença condenatória, maxime em razão de:

I) (…)

II) indevida subsunção jurídica por se julgar que a ilicitude (a condução de veículo automóvel após cassação da carta por perda total de pontos) é punida expressamente como contraordenação, não estando abarcada pela previsão legal típica do DL 2/98;

(…).”

b.O Tribunal da Relação de Coimbra considerou procedente este segmento do recurso e absolveu o arguido do crime de condução sem habilitação legal pelo qual havia sido condenado, sem prejuízo de o mesmo poder vir a ser responsabilizado pela prática de contraordenação, o que o próprio recorrente admite, com base na seguinte fundamentação que aqui mais releva:

«(…) Aceitando o arguido que a conduta dada como provada é subsumível ao crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º 292 do CP, insurge-se no entanto contra a condenação pela prática de um crime de condução ilegal, p. e p. pelo artigo 3.º, nºs 1 e 2 do Decreto-Lei nº 3/98, de 3 de janeiro.

E, na realidade, o legislador não é claro quanto à questão de saber se a conduta em apreço é sancionada como crime ou como contraordenação, razão pela qual não se encontra na jurisprudência uma resposta uniforme.

Desta divergência, de resto, deu conta o Tribunal da condenação, na decisão recorrida.

Na tomada de posição que nos é reclamada, salientamos que o Decreto-Lei n.º102-B/2020, de 09.12, que veio alterar o art.º 130.º, do Código da Estrada, diz no seu preâmbulo:

“São introduzidas alterações ao regime de caducidade dos títulos de condução, não só quanto às

regras que permitem que condutores que deixaram caducar os seus títulos possam reavê-los, ainda que condicionados à realização de provas de exame ou à frequência de ação de formação, como também à previsão da caducidade definitiva dos títulos de condução nas situações tipificadas na lei”.

A versão anterior da alínea b), do n.º 3 do art.º 130.º do CE estipulava que o título de condução é cancelado quando for cassado nos termos do artigo 148.º do presente Código ou do artigo 101.º do Código Penal.

O Decreto-Lei n.º 102-B/2020 revogou esta alínea b).

E introduziu uma al. d) ao n.º 1, do mesmo art.º 130.º, com a anterior redação da al. b) do n.º 3, ou seja, a cassação passou do n.º 3 para o n.º1.

Acresce que aquele Decreto-Lei n.º 102-B/2020 aditou no n.º 4 que os titulares de títulos de condução cassados - caducados ao abrigo da al. d) do n.º 1) – são sujeitos ao exame especial do n.º 2, ou seja, tais títulos de condução podem ser revalidados.

Eliminou-se assim a figura do cancelamento do título de condução prevista no nº 3 do art.º 130º, assim se reconduzindo todas as situações de falta de requisitos desse título à figura da caducidade.

Desta forma, à data dos factos o art.º 130º do CE tinha a seguinte redação, que mantém atualmente:

1 - O título de condução caduca se:

a) Não for revalidado, nos termos fixados no RHLC, quanto às categorias abrangidas pela necessidade de revalidação, salvo se o respetivo titular demonstrar ter sido titular de documento idêntico e válido durante esse período;

b) O seu titular não se submeter ou reprovar na avaliação médica ou psicológica, no exame de condução ou em qualquer das suas provas, determinados ao abrigo dos n.ºs 1 e 5 do artigo anterior;

c) Se encontrar em regime probatório e o seu titular for condenado, por sentença judicial transitada em julgado ou decisão administrativa definitiva, pela prática de crime ligado ao exercício da condução, de uma contraordenação muito grave ou de segunda contraordenação grave;

d) For cassado nos termos do artigo 148.º do presente Código ou do artigo 101.º do Código Penal;

e) O condutor falecer.

2 - A revalidação de título de condução caducado fica sujeita à aprovação do seu titular em exame especial de condução, cujo conteúdo e características são fixados no RHLC, sempre que:

a) A causa de caducidade prevista na alínea a) do número anterior tenha ocorrido há mais de dois anos e há menos de cinco anos, com exceção da revalidação dos títulos das categorias AM, A1, A2, A, B1, B e BE cujos titulares não tenham completado 50 anos;

b) A causa de caducidade seja a falta ou reprovação no exame de condução ou em qualquer das suas provas determinadas ao abrigo dos n.ºs 1 e 5 do artigo anterior;

c) A causa de caducidade seja a falta ou reprovação na avaliação médica ou psicológica, determinada ao abrigo dos n.ºs 1 e 5 do artigo anterior e o título se encontre caducado há mais de um ano.

3 - O título de condução caducado não pode ser renovado quando:

a) [Revogada.]

b) [Revogada.]

c) O titular reprove, pela segunda vez, em qualquer das provas do exame especial de condução a que for submetido;

d) Tenham decorrido mais de dez anos sobre a data em que deveria ter sido renovado.

4 - São ainda sujeitos ao exame especial previsto no n.º 2:

a) Os titulares de títulos de condução caducados ao abrigo das alíneas c) e d) do n.º 1;

b) Os titulares do título caducado há mais de cinco anos.

5 - Os titulares de título de condução caducado consideram-se, para todos os efeitos legais, não habilitados a conduzir os veículos para os quais o título fora emitido, sendo-lhes aplicável o regime probatório previsto no artigo 122.º caso venham a obter novo título de condução.

6 - [Revogado.]

7 - Quem conduzir veículo com título caducado, nos termos previstos no n.º 1, é sancionado com coima de (euro) 120 a (euro) 600. (sublinhados nossos)

Em face do atual texto do artigo 130º nº 3 do Código da Estrada, deixou pois de fazer sentido a discussão que se vinha travando na jurisprudência quanto à necessidade da existência de um ato administrativo por parte do IMT – enquanto entidade competente para a emissão, revogação e cancelamento de títulos de condução – que determinasse o cancelamento definitivo do título de condução caducado. Ela ocorre ope legis.

E prevê-se agora que o titular de título de condução caducado por este ter sido cassado nos termos do artigo 148.º do presente Código, possa, no fim do prazo da cassação, obter a revalidação de título de condução caducado, caso fique aprovado em exame especial de condução, que está previsto no art.º 37º do RHLC (DL n.º 138/2012, de 05 de Julho).

Note-se contudo que, logo que ocorram as circunstâncias previstas no n.º 3 do art.º 130 do CE, já não é mais possível a renovação da carta de condução, considerando-se ipso legem os respetivos titulares para todos os efeitos legais não habilitados a conduzir os veículos para os quais o título fora emitido – cf. nº 5 do citado artigo 130º.

Esta modelação legal tem reflexos na responsabilidade penal/contraordenacional do titular de título de condução caducado, posto que o nº 7 do artigo 130º se reporta expressamente aos títulos caducados nos termos previstos no nº 1 – ou seja, aqueles cujo limite de validade se mostra ultrapassado, mas que ainda são passíveis de revalidação.

Para os titulares de carta de condução caducada definitivamente (relativamente à qual já não é possível a revalidação), rege o nº 5 do mesmo artigo 130º, isto é, consideram-se para todos os efeitos legais não habilitados a conduzir os veículos para os quais o título fora emitido, incorrendo em ilícito criminal se exercerem a condução de veículos motorizados nessas circunstâncias, nos termos previstos no artigo 3º, nos 1 e 2 do Decreto-Lei nº 2/98, de 03 de janeiro.

No caso de titulares de carta de condução cassada nos termos do art.º 148 do CE, como é o caso dos autos, esta não pode ser revalidada antes de decorridos dois anos sobre a efetivação da cassação (art.º 148.º, n.º 11, do CE).

Decorrido tal prazo, podem revalidar o título de condução sujeitando-se ao exame especial previsto no n.º 2 do art.º 130º, conforme prevê no n.º 4 al. a) deste normativo.

Caso conduzam estando o título caducado, e enquanto não caírem no n.º 3, do art.º 130.º, cometem uma contraordenação prevista no n.º 7 do art.º 130º.

Esta condução não habilitada só será crime depois de ocorrerem as circunstâncias do n.º 3 do art.º 130º do CE.

Entendeu de facto o legislador que, nas situações em que os títulos de condução já não podem ser revalidados (caducidade definitiva), a gravidade da condução sem habilitação legal é merecedora de uma censura acrescida, como é o caso da censura criminal, podendo pois dar lugar à privação da liberdade (no sentido de que é esta privação da liberdade que constitui “a summa divisio entre as sanções penais e contra-ordenacionais, permitindo estabelecer um distinção de teor qualitativo entre as penas de prisão e de multa e a coima que, por sua vez, viabiliza a afirmação da autonomia material do direito das contra-ordenações em relação ao direito penal”, cfr. Nuno Brandão, crimes e contra-ordenações: Da cisão à convergência material, Ensaio para uma recompreensão da relação entre O direito penal e o direito contra-ordenacional).

Como supra foi já referido, o texto da lei não é perfeito e por isso dá azo a divergências de interpretação.

É certo o reparo de que não faz sentido deixar no n.º 1 do art.º 130.º, mais concretamente na al. d) alguém que já faleceu, situação que, à vista de todos, é impeditiva de revalidar o título de condução.

E sabemos também que o n.º 11 do art.º 148.º fala em não ser concedido novo título de condução a quem tenha sido cassado.

Contudo, o argumento literal, enquanto regra interpretativa consagrada no art. 9º do Código Civil, não permite, julgamos, interpretação diversa daquela que acima foi exposta.

O intérprete move-se na norma, “nos estritos limites traçados pela letra” (Tatiana Guerra de almeida, em anotação ao referido art.º 9º, in Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Portuguesa)

E a criminalização da conduta em causa nos autos contende com a letra da lei, pondo em causa a segurança e a previsibilidade jurídicas e não pode por isso ser advogada.

Lembramos a este respeito os ensinamentos de BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1996, págs. 188 e ss.:

"I - O art.º 9.º deste Código, que à matéria se refere, não tomou posição na controvérsia entre a doutrina subjectivista e a doutrina objectivista. Comprova-o o facto de se não referir, nem à "vontade do legislador", nem à "vontade da lei", mas apontar antes como escopo da actividade interpretativa a descoberta do "pensamento legislativo" (art.º 9.º, 1.º). Esta expressão, propositadamente incolor, significa exactamente que o legislador não se quis comprometer. [...]

II - Começa o referido texto por dizer que a interpretação não deve cingir-se à letra mas reconstituir a partir dela o "pensamento legislativo". Contrapõe-se letra (texto) e espírito (pensamento) da lei, declarando-se que a actividade interpretativa deve - como não podia deixar de ser - procurar este a partir daquela.

A letra (o enunciado linguístico) é, assim, o ponto de partida. Mas não só, pois exerce também a função de um limite, nos termos do art. 9.º, 2: não pode ser considerado como compreendido entre os sentidos possíveis da lei aquele pensamento legislativo (espírito, sentido) "que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso".

Pode ter de proceder-se a uma interpretação extensiva ou restritiva, ou até porventura a uma interpretação correctiva, se a fórmula verbal foi sumamente infeliz, a ponto de ter falhado completamente o alvo. Mas, ainda neste último caso, será necessário que do texto "falhado" se colha pelo menos indirectamente uma alusão àquele sentido que o intérprete venha a acolher como resultado da interpretação. Afasta-se assim o exagero de um subjectivismo extremo que propende a abstrair por completo do texto legal quando, através de quaisquer elementos exteriores ao texto, descobre ou julga descobrir a vontade do legislador. Não significa isto que se não possa verificar a eventualidade de aparecerem textos de tal modo ambíguos que só o recurso a esses elementos externos nos habilite a retirar deles algum sentido. Mas, em tais hipóteses, este sentido só poderá valer se for ainda assim possível estabelecer alguma relação entre ele e o texto infeliz que se pretende interpretar.

III - Ainda pelo que se refere à letra (texto), esta exerce uma terceira função: a de dar um mais forte apoio àquela das interpretações possíveis que melhor condiga com o significado natural e correcto das expressões utilizadas. Com efeito, nos termos do art.º 9.º, 3, o intérprete presumirá que o legislador "soube exprimir o seu pensamento em termos adequados". Só quando razões ponderosas, baseadas noutros subsídios interpretativos, conduzem à conclusão de que não é o sentido mais natural e directo da letra que deve ser acolhido, deve o intérprete preteri-lo.

IV - Desde logo, o mesmo n.º 3 destaca outra presunção: "o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas".

No sentido por nós advogado, encontramos, na jurisprudência, os Acórdãos da RL de 2021-12-07. Processo nº 340/19.5PTLRS.L1-5, relator: Manuel Sequeira, de 2022-03-22, Processo: 533/21.5PCLRS.L1-5, Relatora: Sandra Pinto, de 06-02-2024, Processo: 696/23.5SILSB.L1-5, Relator: Paulo Barreto e de 06-02-2025, Processo: 663/24.1PBSNT.L1-5, Relator: Ana Lúcia Gordinho; da RP de 25-11-2020, Processo: 20/19.1GALSD.P1, Relator: VÍTOR MORGADO; em sentido contrário, encontramos o o Ac. do TRG de 05.12.2022 relatado por Paulo Almeida Cunha e o Ac da RE de 13-09-2022, Proc.º 20/22.4GDPTM.E1, todos acessíveis em www.dgsi.pt.

Assim, à luz de tudo o que foi dito, impõe-se considerar procedente este segmento do recurso e absolver o arguido do crime de condução sem habilitação legal pelo qual foi condenado, sem prejuízo de o mesmo poder vir a ser responsabilizado pela prática de contra-ordenação, o que próprio recorrente logo admite.”

E, julgou procedente, este segmento do recurso interposto pelo arguido, absolvendo-o do crime de condução sem habilitação legal pelo qual havia sido condenado em 1ª instância.

Acórdão fundamento

a. No processo sumário 20/22.4GDPTM, do Juízo Local Criminal de Portimão, o arguido foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal (art.º 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro), na pena de 3 (três) meses de prisão, substituída por 90 (noventa) horas de prestação de trabalho a favor da comunidade.

A condenação assentou na seguinte factualidade:

«1. No dia 07-01-2022, pelas 11 horas, Estrada 2, em ..., no município de Lagoa, o arguido EE conduzia o veículo ligeiro de mercadorias com a matrícula V2.

2. O arguido sabia não ser titular da necessária carta de condução, não estando habilitado para a condução do referido veículo, uma vez que a sua carta foi cassada por decisão da ANSR que se tornou definitiva a 23.11.2020.

3. Sabia que conduzia o referido veículo na via pública e que não era titular de carta de condução que o habilitasse a essa condução, mas não se absteve de agir do modo descrito, o que quis e fez.

4. Agiu o arguido de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.»

Recorreu da sentença o Ministério Publico, defendendo que a condução do veículo com o título de condução cassado (mas não caducado definitivamente), configurava a prática de um ilícito contraordenacional (art.º 130.º, n.ºs 1, al. d), e 7, do Código da Estrada).

O Tribunal da Relação de Évora julgou o recurso do Ministério Publico improcedente com os seguintes fundamentos:

«A modalidade administrativa de cassação de licença ou carta de condução de veículos com motor resulta da substração de pontos, cujo regime se baseou no existente em vários Estados europeus, e foi introduzido no Código da Estrada pela Lei n.º 116/2015 de 28 de agosto.

(…)

A cassação do título de condução é decretada pela entidade administrativa, designadamente, quando são subtraídos pontos e o saldo da contabilização fica reduzido a zero ou se não for justificada a falta à ação de formação de segurança rodoviária.

Na decisão administrativa decretada pelo Presidente da ANSR este não tece quaisquer considerações sobre a culpa do agente, sendo a cassação aplicada de forma automática face ao saldo de pontos existente, pois este é revelador da impreparação do sujeito para o exercício da atividade de condução.

O sujeito concomitantemente fica, ainda, inibido de obter novo título de condução de veículos com motor de qualquer categoria nos dois anos seguintes à efetivação da cassação (artigo 148.º. n.º 11 do CE).

Em consequência da cassação o título passa a ser considerado caduco, atenta a redação dada ao atual artigo 130.º, n.º 1, alínea d) do CE (cf. artigo 148.º do CE e também artigo 101.º do CP).

As questões colocadas são a de saber se os titulares de título de condução caducado são considerados "não habilitados" para conduzir os veículos para os quais o título fora emitido e a de averiguar se todos os condutores com título caducado incorrem na prática de um crime de condução sem habilitação legal previsto no artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro, pois este estabelece que quem conduzir veículo automóvel na via pública ou equiparada, sem para tanto estar legalmente habilitado, será punido com prisão até 2 anos ou multa até 240 dias. É que nem só a cassação por perca de pontos conduz à caducidade do título de condução, mas também outras circunstâncias incluindo a falta de revalidação do título (ex: quando o condutor atinge uma determinada idade ou deixa ultrapassar o prazo de validade constante do título – cf. n.º 1 do artigo 130.º do CE).

Da leitura da atual redação do artigo 130.º, n.º 5 do CE parece ser essa a solução legal ao estabelecer-se que "Os titulares de título de condução caducado consideram-se, para todos os efeitos legais, não habilitados a conduzir os veículos para os quais o título fora emitido, sendo-lhes aplicável o regime probatório previsto no artigo 122.º caso venham a obter novo título de condução."

O recorrente, todavia, defende não ser essa a solução legal invocando, inclusive para o efeito, a anterior redação do preceito em análise. Analisemos se lhe assiste razão.

O Código da Estrada (DL 114/94 de 3.5) no seu período de vigência de vinte oito anos sofreu vinte cinco alterações, tendo concretamente o artigo relativo à caducidade dos títulos de condução (nas redações iniciais artigo 131.º e atualmente artigo 130.º) sido sujeito a oito modificações.

Até à redação do DL 44/2005 de 23.2 a caducidade da carta, por regra, implicava a falta de habilitação para conduzir e consequentemente a condução na via pública nessas condições implicaria a condenação do condutor pela prática de um crime de condução sem habilitação legal. O legislador, todavia, nos casos de "não revalidação do título de condução" (ex. quando os condutores não renovavam a carta no fim da validade dela constante), embora classificando o título como caduco apenas punia a condução nessas condições por via contraordenacional. Nestas redações iniciais não se encontrava expressamente prevista a caducidade da carta por cassação, sendo aliás de referenciar não ser sequer admitida a cassação determinada por via administrativa, mas tão só pelo Tribunal.

Já na redação do DL 44/2005 o legislador previu expressamente no n.º 1, da alínea b), do artigo 130.º a caducidade por cassação da carta (por força do artigo 148.º do CE) considerando que a condução naquelas circunstâncias por pessoas titulares de carta de condução era considerada para todos os efeitos legais não habilitada (e assim criminalmente punida). Continuando a serem sancionados apenas com coima os condutores que não tivessem revalidado o título no período de dois anos para além do prazo da sua validade (cf. artigo 130.º, n.º 1, alínea b), n.º 2, alínea a) e n.ºs 5, 6 e 7 do CE).

Já na 8.ª redação (Lei 72/2013 de 3 de setembro) do artigo 130.º do CE (DL 114/94 de 3.5), sob a epigrafe "Caducidade e Cancelamento dos títulos de condução", introduziu-se um novo conceito o de "cancelamento". Considerou-se, então, que os titulares de títulos de condução caducos e cancelados eram considerados para todos os efeitos legais não habilitados a conduzir os veículos para os quais o título fora emitido, sendo por isso punidos criminalmente se detetados a circular nessas condições. Exigia-se, agora, a prática de um ato administrativo que decretasse o cancelamento do título para além da ocorrência da caducidade.

Na 9.ª redação dada pelo DL 40/2016 de 29.7, ao artigo 130.º do CE, posterior, por isso à introdução no nosso ordenamento jurídico do sistema de cassação da carta por perca de pontos (Lei n.º 116/2015 de 28 de agosto), passou a estabelecer-se o seguinte:

"1- O título de condução caduca se:

a) Não for revalidado, nos termos fixados no RHLC, quanto às categorias abrangidas pela necessidade de revalidação, salvo se o respetivo titular demonstrar ter sido titular de documento idêntico e válido durante esse período;

b) O seu titular não se submeter ou reprovar na avaliação médica ou psicológica, no exame de condução ou em qualquer das suas provas, determinados ao abrigo dos n.ºs 1 e 5 do artigo anterior.

2 - A revalidação de título de condução caducado fica sujeita à aprovação do seu titular em exame especial de condução, cujo conteúdo e características são fixados no RHLC, sempre que:

a) A causa de caducidade prevista na alínea a) do número anterior tenha ocorrido há mais de dois anos, com exceção da revalidação dos títulos das categorias AM, A1, A2, A, B1, B e BE cujos titulares não tenham completado 50 anos;

b) A causa de caducidade seja a falta ou reprovação no exame de condução ou em qualquer das suas provas determinadas ao abrigo dos n.ºs 1 e 5 do artigo anterior.

c) A causa de caducidade seja a falta ou reprovação na avaliação médica ou psicológica, determinada ao abrigo dos n.os 1 e 5 do artigo anterior e o título se encontre caducado há mais de um ano.

3 - O título de condução é cancelado quando:

a) Se encontrar em regime probatório e o seu titular for condenado, por sentença judicial ou decisão administrativa transitadas em julgado, pela prática de crime ligado ao exercício da condução, de uma contraordenação muito grave ou de segunda contraordenação grave;

b) For cassado nos termos do artigo 148.º do presente Código ou do artigo 101.º do Código Penal;

c) O titular reprove, pela segunda vez, no exame especial de condução a que for submetido nos termos do n.º 2;

d) Tenha caducado há mais de cinco anos sem que tenha sido revalidado e o titular não seja portador de idêntico documento de condução válido.

4 - São ainda sujeitos ao exame especial previsto no n.º 2 os titulares de títulos de condução cancelados ao abrigo das alíneas a) e b) do número anterior que queiram obter novo título de condução.

5 - Os titulares de título de condução cancelados consideram-se, para todos os efeitos legais, não habilitados a conduzir os veículos para os quais o título fora emitido.

6 - Ao novo título de condução obtido após cancelamento de um anterior é aplicável o regime probatório previsto no artigo 122.º

7 - Quem conduzir veículo com título caducado é sancionado com coima de (euro) 120 a (euro) 600." (sublinhado e negrito nosso)

Na vigência desta redação do artigo 130.º do CE inúmeros foram os arestos que se debruçaram sobre se a cassação da carta equivaleria ou não à falta de habilitação legal para conduzir.

A maioria da jurisprudência defendeu, então, que a caducidade do título de condução era automático, mas o condutor apenas incorria na contraordenação prevista no artigo 130.º, n.º 7 do CE. Situação diferente ocorria quando já depois de caducado fosse decretado o cancelamento do título pela entidade administrativa, pois nessa situação o condutor seria considerado inabilitado e incorreria na prática do crime de condução sem habilitação legal. Essa solução decorria da interpretação do citado n.º 5 do artigo 130.º do CE ao estabelecer: "Os titulares de título de condução cancelados consideram-se, para todos os efeitos legais, não habilitados a conduzir os veículos para os quais o título fora emitido." em conjugação com o seu n.º 7.

O Decreto-Lei n.º 102-B/2020, de 9.12 (em vigor desde 8.1.2021), alterou a redação do artigo 130.º do CE

que passou novamente a ter a epígrafe "Caducidade dos títulos de condução", e que tem atualmente, desde aquela data, a seguinte redação:

1 - O título de condução caduca se:

a) Não for revalidado, nos termos fixados no RHLC, quanto às categorias abrangidas pela necessidade de revalidação, salvo se o respetivo titular demonstrar ter sido titular de documento idêntico e válido durante esse período;

b) O seu titular não se submeter ou reprovar na avaliação médica ou psicológica, no exame de condução ou em qualquer das suas provas, determinados ao abrigo dos n.ºs 1 e 5 do artigo anterior;

c) Se encontrar em regime probatório e o seu titular for condenado, por sentença judicial transitada em julgado ou decisão administrativa definitiva, pela prática de crime ligado ao exercício da condução, de uma contraordenação muito grave ou de segunda contraordenação grave;

d) For cassado nos termos do artigo 148.º do presente Código ou do artigo 101.º do Código Penal;

e) O condutor falecer.

2 - A revalidação de título de condução caducado fica sujeita à aprovação do seu titular em exame especial de condução, cujo conteúdo e características são fixados no RHLC, sempre que:

a) A causa de caducidade prevista na alínea a) do número anterior tenha ocorrido há mais de dois anos e há menos de cinco anos, com exceção da revalidação dos títulos das categorias AM, A1, A2, A, B1, B e BE cujos titulares não tenham completado 50 anos;

b) A causa de caducidade seja a falta ou reprovação no exame de condução ou em qualquer das suas provas determinadas ao abrigo dos n.ºs 1 e 5 do artigo anterior;

c) A causa de caducidade seja a falta ou reprovação na avaliação médica ou psicológica, determinada ao abrigo dos n.ºs 1 e 5 do artigo anterior e o título se encontre caducado há mais de um ano.

3 - O título de condução caducado não pode ser renovado quando:

a) [Revogada.]

b) [Revogada.]

c) O titular reprove, pela segunda vez, em qualquer das provas do exame especial de condução a que for submetido;

d) Tenham decorrido mais de dez anos sobre a data em que deveria ter sido renovado.

4 - São ainda sujeitos ao exame especial previsto no n.º 2:

a) Os titulares de títulos de condução caducados ao abrigo das alíneas c) e d) do n.º 1;

b) Os titulares do título caducado há mais de cinco anos.

5 - Os titulares de título de condução caducado consideram-se, para todos os efeitos legais, não habilitados a conduzir os veículos para os quais o título fora emitido, sendo-lhes aplicável o regime probatório previsto no artigo 122.º caso venham a obter novo título de condução.

6 - [Revogado.]

7 - Quem conduzir veículo com título caducado, nos termos previstos no n.º 1, é sancionado com coima de (euro) 120 a (euro) 600 (euros). (sublinhado e negrito nosso)

(…)

É verdade que a alteração legislativa operada pelo DL n.º 102-B/2020, de 9.12 ao artigo 130.º do Código

da Estrada (CE) - (em vigor desde 9.1.2021 e, portanto aplicável ao caso dos autos) deixou de fazer referência ao cancelamento da carta de condução, fazendo-o agora tão só à caducidade.

Essa circunstância, contudo, significa que: “5 - Os titulares de título de condução caducado consideram-se, para todos os efeitos legais, não habilitados a conduzir os veículos para os quais o título fora emitido, sendo-lhes aplicável o regime probatório previsto no artigo 122.º caso venham a obter novo título de condução.”

O facto de o n.º 7 do artigo 130.º do CE cominar a condução de veículo com título caducado com coima não significa deixar a conduta de ser crime, pois um facto pode simultaneamente constituir crime e contraordenação, tal como assinalado no Parecer emitido pelo MP em 2.ª instância.

Ao contrário do defendido no recurso, a eliminação da expressão "cancelamento" apenas significa que a caducidade operada por via da cassação prevista no n.º 1 do artigo 130.º do CE se realiza ope legis, ou seja, sem necessidade de qualquer declaração para o efeito para o condutor ser considerado como não habilitado a conduzir.

As condições previstas no artigo 130.º do CE para a obtenção de novo título de condução não prejudicam a conclusão antecedente, antes a reafirmam, pois por via da cassação o arguido fica proibido de conduzir, para além de para obter novo título passa a estar sujeito a regime probatório e a outros requisitos de variada índole, é porque deixou de ser efetiva e definitivamente titular legal de título de condução e, portanto, ao conduzir com título caducado por força de cassação o infrator comete o crime previsto e punível pelo artigo 3.º, n.º 1 e 2 do DL n.º 2/98, de 3 de janeiro.

No caso em apreciação o arguido foi notificado da decisão da ANSR que cassava a sua carta de condução, decisão essa tornada definitiva em 23-11-202[0]. Dessa notificação resulta, para além de o arguido estar proibido de conduzir, que durante dois anos não pode sujeitar-se a exame especial para obtenção de novo título. Sendo assim, como pode o recorrente defender não ter o arguido cometido um crime de condução sem habilitação legal, mas tão só uma contraordenação?

Esta tese do recorrente esvaziaria por completo o conteúdo da decisão administrativa de cassação. A adequada interpretação histórica do preceito conduz exatamente à solução contrária, como atrás se explanou.

Este arguido não tem a carta simplesmente caducada, mas, ainda, cassada significando ser a mesma inválida para conduzir. Sendo certo que enquanto não decorrerem os dois anos fixados na decisão administrativa, nem sequer poderá obter novo título, pois para o efeito terá de se sujeitar à realização de exame especial sem o qual a carta permanece caducada e inválida.

O resultado interpretativo dado pelo recorrente conduziria na prática a equiparar a cassação a uma inexistência jurídica, quando na realidade o título para além da caducidade não é válido para a condução, pois o arguido está expressamente proibido de conduzir.

É verdade que a solução encontrada pelo legislador ao prever no seu n.º 7 uma remissão em bloco para o n.º 1 do artigo 130.º do CE (onde estão incluídas situações tão diversas como a revalidação do título em sentido estrito, a da cassação e a do próprio falecimento do condutor), aplicando a situações tão dispares o mesmo regime da falta de habilitação legal e consequentemente da punição simultaneamente como crime e contraordenação, parece surgir como incongruente (caso de falecimento) e até excessivo (situação de revalidação). Julgamos, todavia, que a situação de caducidade por cassação não é equiparável à simples caducidade por falta de revalidação do título onde não está em causa a penalização por desconto de quaisquer pontos por cometimento de contraordenações graves, muito graves e de crimes rodoviários, conforme se defende no Acórdão da Relação de Lisboa de 22.3.2022, proferido no Processo 533/21.5PCLRS.L1-5 relatado por Sandra Pinto.

Para as situações de revalidação do título o legislador distinguiu entre a caducidade definitiva e não definitiva como resulta do preâmbulo do DL n.º 102-B/2020 de 9.12 onde se afirma "São introduzidas alterações ao regime de caducidade dos títulos de condução, não só quanto às regras que permitem que condutores que deixaram caducar os seus títulos possam reavê-los, ainda que condicionados à realização de provas de exame ou à frequência de ação de formação, como também à previsão da caducidade definitiva dos títulos de condução nas situações tipificadas na lei" (sublinhado e negrito nosso).

Na lei, efetivamente, estão previstas regras que permitem aos condutores que deixaram caducar (não definitivamente) os seus títulos os possam reaver, embora que condicionados à realização de provas de exame ou à frequência de ação de formação, como também à previsão da "caducidade definitiva" dos títulos de condução nas situações tipificadas na lei.

O regime de revalidação das cartas de condução no atual contexto legal configura-se pela seguinte forma:

- A carta de condução deve ser revalidada até 6 meses antes do fim da validade;

- Após o fim da validade, o condutor não pode conduzir, no entanto, a carta de condução pode ser revalidada até 2 anos sem estar condicionada a exame especial;

- Após dois anos e há menos de cinco anos do fim da validade da carta de condução, ainda é possível revalidá-la conquanto o condutor seja aprovado numa prova prática por cada categoria pretendida revalidar;

- Após cinco anos e há menos de dez anos do fim da validade da carta de condução, ainda é possível revalidá-la desde que o condutor frequente com aproveitamento curso específico de formação e aprove numa prova prática por cada categoria que pretende revalidar;

Na situação de a carta de condução se encontrar sem validade há mais de dez anos, o título caduca e não pode ser revalidado, sendo o condutor considerado não habilitado a conduzir (caducidade definitiva).

Não é por isso suscetível de ser interpretada a remissão realizada pelo n.º 7 do artigo 130.º para o seu n.º 1, como pretendido pelo recorrente MP, pois só nas situações de revalidação quando ainda não ocorreu caducidade definitiva é que nos encontramos perante a prática de uma contraordenação.

(…)

3.2.2. Apreciação do caso concreto

No caso concreto constata-se ter a condução de veículo na via pública ocorrido em 7.1.2022 sendo-lhe aplicável o artigo 130.º do CE, na versão introduzida pelo DL 102-B/2020 de 9.12, que entrou em vigor em 8.1.2021.

O arguido viu a sua carta cassada por decisão administrativa por ter cometido uma contraordenação grave (praticada em 15.12.2016) e um crime de condução de veículo em estado de embriaguez (praticado em 25.6.2017). Tais condutas determinaram a subtração automática respetivamente em dois e seis pontos, num total de oito pontos. Tendo o arguido sido notificado para frequentar obrigatoriamente ação de formação de segurança rodoviária (apenas detinha 4 pontos) prevista no artigo 148.º, alínea a) do CE não a frequentou nem justificou a falta sido determinada a cassação da sua carta (por força do n.º 8 do artigo 148.º do CE) e ficado impossibilitado de obter novo título de condução de veículos com motor de qualquer categoria pelo período de dois anos, bem como de exercer a condução de qualquer veículo a motor.

O arguido era titular, desde 21.6.2006 de carta de condução de categoria B (ligeiros) e B1 (triciclos e quadriciclo) com validade até 11.11.2036.

Por isso a cassação da carta, por decisão administrativa da ANSR, tornada definitiva em 23.11.2020, conduziu à caducidade do título de condução desde essa data. Sendo o arguido titular de carta de condução (embora cassada e por isso inválida) terá se sujeitar-se e obter aprovação a exame especial de condução a partir de 23.11.2022 (decorridos dois anos da cassação), pois a sua carta permanece caducada e continua proibido de exercer a condução, sujeitando-se a ser sucessivamente fiscalizado e sancionado, por não deter título de condução regular e válido.

Tendo o arguido sido detetado em 7.1.2022 a conduzir veículo automóvel na via pública precisamente no período temporal em que o seu título de condução se encontrava cassado (23.11.2020 a 23.11.2022), por força do n.º 5 do artigo 130.º do CE na redação introduzida pelo DL 102-B/2020 de 9.12 praticou ato que constitui crime de condução sem habilitação legal.

Em síntese pode afirmar-se que a caducidade resultante da cassação da carta é equiparada à caducidade definitiva por falta de revalidação o título, sendo sancionada como crime e simultaneamente como contraordenação.»

E negou provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, e, em consequência, manteve a sentença recorrida que havia condenado o arguido pela prática de um crime de condução sem habilitação legal.

d. Levando em conta todo o exposto, pode concluir-se, que a semelhança das situações de facto subjacentes aos acórdãos em confronto não suscita dúvidas.

Em ambas está em causa o mesmo ilícito, a condução de veículo com a carta de condução caducada por cassação, por decisão da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária em razão da perda total dos pontos (art.º 148.º, n.º 4, al. c), do Código da Estrada), a natureza da infração cometida à luz do disposto no art.º 130.º do Código da Estrada, nomeadamente dos n.ºs 1, al. d), 5 e 7, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 102-B/2020, de 9 de dezembro.

A cassação do título de condução, sempre decretada pela entidade administrativa, a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR), ocorre quando o condutor perde a totalidade dos seus pontos, resultando na proibição de conduzir e na impossibilidade de obter uma nova carta por um período de dois anos.

Em ambas as situações os arguidos conduziram veículo, cuja autorização de conduzir era titulada pelo título de condução caducado por cassação, no período de dois anos posterior à efetivação da cassação (art.º 148.º, n.º 11, do Código da Estrada).

Em ambas as situações os dois acórdãos se pronunciaram “expressamente acerca da natureza da infração cometida à luz do disposto no art.º 130.º do Código da Estrada, nomeadamente dos n.ºs 1, al. d), 5 e 7, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 102-B/2020, de 9 de dezembro”, como refere o Exmo. Procurador Geral Adjunto neste Supremo Tribunal.

Entendeu o acórdão recorrido que a conduta em questão configurava, apenas, a prática da contraordenação prevista no art.º 130.º, n.º 7, do Código da Estrada.

Pelo contrário, o acórdão fundamento entendeu que esta mesma conduta preenchia a previsão do tipo legal de crime de condução sem habilitação legal (art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro) e, simultaneamente, da contraordenação estradal prevista no art.º 130.º, n.º 7, do Código da Estrada.

Ou seja, para semelhantes realidades factuais, os dois acórdãos em confronto, decidiram a mesma questão de forma diametralmente “oposta” interpretando de forma diferente o disposto no art.º 130.º do Código da Estrada sobre a natureza da infração cometida por quem conduz veículo a motor com a carta de condução cassada por perda da totalidade de pontos, no período de dois anos após a efectividade da decisão da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária.

Sendo certo que tal normativo manteve a mesma redação durante o período temporal em que foram tomadas as decisões agora em análise.

Do exposto, por ser idêntica a situação de facto de que se ocupam os Acórdãos em confronto e diversas as decisões, e ambas as decisões terem sido proferidas na vigência da mesma legislação, verificados, portanto, todos os pressupostos de admissibilidade, impõe-se concluir pelo prosseguimento do presente recurso, nos termos do disposto no artigo 441º, n.º 1 do CPP.

III - Decisão.

Pelo exposto, o Supremo Tribunal de Justiça, 3.ª Secção, acorda em julgar verificada a oposição de julgados e, em conformidade, ordenar o prosseguimento do recurso.

Sem Custas.


*


Notifique e cumpra-se o disposto no artigo 442º do CPP.

*


Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 29 de Outubro de 2025

António Augusto Manso (Relator)

Jorge Raposo (Adjunto)

José Carreto (Adjunto)

________


1. Ac. do STJ de 07.06.2023, proferido no proc. n.º 3847/20.8T9FAR-A.E1-A.S1.www.dgsi.pt.

2. Proferido no proc. n.º 39/08.8PBBRG-K-A-A.S1, www.dgsi.pt.

3. Ac. do STJ de 20.01.2021, proferido no processo n.º 454/17.6T9LMG-E.C1-A.S1, 3ª secção, in www.dgsi.pt.

4. Entre outros, Ac. do STJ de 13.01.2021, proferido no proc. n.º 39/08.8PBBRG-K-A-A.S1, www.dgsi.pt.

5. Exigia-se, ainda, antes, que o recorrente propusesse o sentido da jurisprudência a fixar – cfr. Assento n.º 9/2000, de 30 de Março de 2000, publicado no Diário da República, I Série - A, de 27.05.2000.

  Exigência que foi eliminada pela jurisprudência fixada no Acórdão (AUJ) n.º 5/2006, de20 de Abril de 2006, publicado no Diário da República, I Série-A, de6.06.2006, no qual, reexaminando e reputando ultrapassada a jurisprudência daquele Assento, se estabeleceu que, “No requerimento de interposição do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência (artigo 437.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), o recorrente, ao pedir a resolução do conflito (artigo 445.º, n.º 1), não tem de indicar «o sentido em que deve fixar-se jurisprudência» (artigo442.º, n.º 2).