RECURSO PER SALTUM
HOMICÍDIO
AGRAVAÇÃO
TENTATIVA
AMEAÇA
DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA
PENA PARCELAR
PENA DE MULTA
PENA DE PRISÃO
PENA ÚNICA
MEDIDA DA PENA
Sumário


I - Sendo característica essencial do conceito de ameaça, que o mal ameaçado tem de ser futuro, significa tal asserção, que não pode ser iminente, sob pena de se estar perante “uma tentativa de execução” do crime anunciado.
II - A ponderação que importa fazer sobre a preferência a dar à aplicação de uma pena de multa, em desfavor da pena privativa da liberdade, é diferente quando o arguido comete apenas o crime de detenção de arma proibida, ou três crimes, em concurso efectivo, e, em consequência, fica forçosamente “sujeito a uma condenação em pena de prisão”.
III - Sobretudo, quando entre os crimes cometidos existe uma relação de “conexão e acessoriedade”, no caso, entre o crime de detenção e uso de arma proibida e os crimes de homicídio e ameaça, servindo aquela à prática destes.
IV - Tal actuação, “demanda um juízo de especial censura”, sendo a “necessidade de tutela penal” especialmente reclamada pela comunidade, cujas “expectativas de punição”, mal tolerariam uma pena de multa, que não realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
V - Na pena aplicável ao crime consumado, especialmente atenuada, o limite mínimo da pena de prisão é reduzido a um quinto se for igual ou superior a três anos; ou seja, corresponde a um quinto daquela pena e não àquela pena deduzida de um quinto.
VI - Mostra-se justa e proporcional, satisfazendo as necessidades de prevenção geral e especial, sem exceder os limites da culpa, a pena de 7 (sete) anos de prisão, em que foi condenado o arguido pela prática do crime de homicídio agravado na forma tentada, p. e p. pelos art.º 22º, 23º, 131º, do Código Penal e art.º 86º, n.º 3 e 4 da Lei 5/2006, de 23.02, que, aliás, vai ao encontro de outras condenações deste Supremo Tribunal em casos semelhantes.

Texto Integral

Acordam em conferência na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça,

1. Relatório

1.1. Pelo tribunal coletivo do Juízo Central Cível e Criminal de Angra do Heroismo-J2, do Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, onde é arguido AA, filho de BB e de CC, natural da freguesia da ..., em Angra do Heroísmo, nascido em D-M-1981, casado, servente da Construção civil, residente na Rua 1, atualmente preso preventivamente no estabelecimento prisional de Angra do Heroísmo, a 14.07.2025, foi proferido acórdão que decidiu:

“I-Condenar o arguido AA, como autor material, na forma consumada e em concurso real, da prática do:

- crime de homicídio agravado e na forma tentada, p. e p., nos artigos 131º, 22º, 23º e 73º, todos do CP, e artigo 86º/3 da Lei das Armas, na pessoa DD, em dez (10) anos de prisão;

- crime de ameaça agravada, p. e p., nos artigos 153º/1 e 155º/1-a), todos do CP, na pessoa de EE, em um ano (1) de prisão, e

- crime de detenção de arma proibida, p. e p., no artigo 86º/1-d), da Lei nº 5/2006 de 23.02 (Lei das Armas), em um ano (1) e seis (6) meses de prisão (quanto à catana),- em cúmulo jurídico vai o arguido condenado na pena única de onze (11) anos de prisão.

II - a) Absolver o arguido AA, da prática de um crime de homicídio qualificada na forma tentada, p. e p., nos artigos conjugados 131º/1, 132º/1 e 2-e), e 22º, 23º, todos do CP.

b) Absolver o arguido AA, da prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p., no artigo 86º/1-d), da Lei nº 5/2006 de 23.02 (Lei das Armas), (quanto às facas).

III - Condenar o arguido no pagamento de 4 UC’s de taxa de justiça e nas demais custas do processo, conforme artigo 8º do RCP.

IV - Condenar o ainda o demandado AA, a pagar ao demandante Hospital de Santo Espírito da Ilha Terceira, EPER, a título de indemnização cível pela ocorrência de danos patrimoniais, a quantia de 112,07 € (cento e doze euros e sete cêntimos), acrescidos os juros de mora à taxa legal para as relações civis, a contar desde a data da notificação do pedido de indemnização cível até integral e efectivo pagamento.

b) Custas cíveis pelo demandado, artigo 527º do CPC.”

1.2. Inconformado, interpôs o arguido recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, juntando motivação onde, a final, formula as seguintes conclusões: (transcrição).

1. Vem o presente recurso interposto do douto Acórdão que condenou o arguido por:

- 1 crime de homicídio simples na forma tentada agravado pelo uso de arma, p. e p., nos termos dos artigos 131º, 22º, 23º e 73º, todos do CP, e artigo 86º/3 da Lei das Armas, na pessoa DD, em dez (10) anos de prisão;

- Um crime de ameaça agravada, p. e p., nos termos dos artigos 153º/1 e 155º/1-a) do CP, na pessoa da EE, em um ano (1) de prisão;

- Um crime de detenção de arma proibida p. e p., no artigo 86º/1-d), da Lei nº 5/2006 de 23.02 (Lei das Armas), em um ano (1) e seis (6) meses de prisão (quanto à catana), e em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de onze (11) anos de prisão.

2. Entende o ora recorrente que, face à prova considerada provada, o Tribunal a quo, deveria ter absolvido o arguido dos crimes de ameaça agravada e detenção de arma proibida.

3. Quanto ao crime de a ameaça agravada, o conceito de ameaça requer a verificação de três características essenciais: anúncio de um mal, futuro, cuja ocorrência dependa da vontade do agente.

4. No caso dos autos, o arguido após perseguir o ofendido EE com uma catana na mão, passa na via pública ao pé da sua casa e diz à esposa que se encontra à janela “A próxima és tu, eu vou-te cortar ao meio!”

5. Daqui não podemos aferir se estamos perante um anúncio de um mal futuro ou iminente, porque os factos não o permitem.

6.Comotambém,noquerespeitaàagravação,nãosabemosquecrime,emconcreto, pretende o arguido praticar na pessoa da sua esposa – pretende tirar-lhe a vida ou ofender a sua integridade física.

7. Assim, entendemos que não estão preenchidos os elementos do tipo do crime e, por essa via, deve o arguido ser absolvido do mesmo.

8. Quanto ao crime de detenção de arma proibida, para que o arguido seja condenado nos termos do artigo 3.º , n.º 2, alínea ab) (artigo 86.º, n.º 1, alínea d) do RJAM, tem que estar preenchidos dois requisitos cumulativamente: 1- Objecto encontrado fora do local do seu normal emprego; 2-Falta de justificação da sua posse.

9. A Catana é um objecto com aplicação definida.

10. Quanto à justificação da sua posse, de facto, não há qualquer alusão, nos factos provados que refira que o porquê, quer pela positiva quer pela negativa, de o arguido possuir aquele objecto.

11. Assim, nestes termos, entende o recorrente, que não estão preenchidos os elementos do tipo que permitam a sua condenação pelo crime de detenção de arma proibida, pelo que deve ser absolvido do mesmo.

12. Caso assim não se entenda, o que se admite como possível, sem prescindir, relativamente aos crimes supra, deve o arguido ser condenado, por ambos, em penas não privativas da liberdade.

13. Ao condenar o arguido em penas de prisão, pelos crimes supra, entendemos que o Tribunal não ponderou a inserção do arguido, familiar e social.

14. O arguido sempre trabalhou, tem apoio familiar, além de que, os factos que deram origem ao presente processo, são uma situação isolada na vida do arguido, uma vez que devido à medicação que fez e ao consumo de cocaína naqueles dias, o tornaram agressivo e muito desconfiado.

15. Como a esposa referiu: não era a mesma pessoa!

16. As necessidades de prevenção geral mostram-se, de facto, elevadas, atendendo, desde logo, ao alarme social que este tipo de crime desencadeia.

17. As necessidades de prevenção especial elas mostram-se, entendemos, medianas para o arguido, que não tem antecedentes criminais, está social e familiarmente inserido, tendo trabalhado até à sua detenção e estando a cumprir o tratamento às dependências, bem como tem tido acompanhamento psicológico.

18. Assim, deverão ser aplicadas penas de multa pela prática do crime de detenção de arma proibida e pelo crime de ameaça agravada, que consideramos justa, em 160 dias de multa, à taxa diária de 5,50€, quanto ao crime de detenção de arma proibida e em 80 dias de multa à taxa diária de 5,50€, quanto ao crime de ameaça agravada.

19. No que toca ao crime de homicídio simples na forma tentada e agravado pelo uso de arma, considera o recorrente que o Tribunal errou na determinação da moldura penal do mesmo.

20. O crime de homicídio simples, é punido com pena de prisão de 8 a 16 anos (art.º 131.º, do CP).

21. Sendo tentado é punível com pena de 1 ano, 7 meses e 6 dias a 10 anos e 4 meses de prisão (art.º 22.º, 23.º n.º 1 e 2, 73.º n.º 1 al. a) e b), do CP).

22. Nos termos do art.º 86.º, n.º 3 e 4, do RJAM, as penas aplicáveis a crimes cometidos com arma são agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo, não podendo em caso algum exceder o limite máximo de 25 anos da pena de prisão.

23. Assim, o crime de homicídio simples tentado, agravado pelo uso de arma , passa a ser punível com pena de 2 anos, 1 mês e 18 dias a 14 anos, 2 meses e 20 dias de prisão.

24. E não de no mínimo de oito anos, seis meses e doze dias (8 anos, 6 meses e 12 dias) e no máximo temos catorze anos, dois meses e 20 dias (14anos,2 meses e 20 dias.

25. Como determinou o Tribunal a quo.

26. Assim, face à moldura penal correcta - punível com pena de 2 anos, 1 mês e 18 dias a 14 anos, 2 meses e 20 dias de prisão, é necessário determinar a pena em concreto.

27. A aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente e em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (art. 40.º, n.º 1 e 2 do CP).

28. E a concretização desse critério para determinar a pena concreta que se pretende justa e adequada a cada caso concreto tem desenvolvimento, na ponderação que o tribunal deve ter, de todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal, deponham a favor e/ou contra o agente do crime, conforme art. 71.º, n.º 2, do CP.

29. Na determinação concreta das penas há que atender às diversas circunstâncias influenciadoras da pena a aplicar, como se descreveu na fundamentação, para onde se remete e que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

30. Entendendo que, face ao exposto, ao arguido não deve ser aplicada uma pena superior a 4 anos de prisão pela prática do crime de homicídio simples na forma tentada agravado.

31. Atenta a alteração da moldura penal e da determinação concreta da pena para o crime de homicídio na forma tentada agravado, como supra se expos, por maioria de razão torna-se necessário proceder à reformulação do cúmulo jurídico, nos termos do artigo 77.º, n.º 1 do CP.

32. A moldura penal abstracta, correspondente ao concurso, tem como limite mínimo 4 anos de prisão (pena parcelar mais elevada) e como limite máximo 6 anos e 6 meses de prisão (soma das penas parcelares aplicadas aos três crimes em concurso), tendo em conta o decidido pelo Tribunal a quo.

33. Uma vez que, os factos dos presentes autos resultam de uma situação isolada na vida do arguido e tendo em conta que o crime foi motivado por ciúmes e pelo facto de o arguido se encontrar muito alterado pelo tratamento que estava a fazer e aos consumos de estupefacientes que fazia, situação recente, será justo e adequado aplicar ao arguido, em cúmulo jurídico, uma pena única de 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de prisão.

34. Todavia, caso seja entendido aplicar penas de multa aos crimes de detenção de arma proibido e de ameaça agravada, como pugnado supra, deve então proceder-se ao cúmulo jurídico destas penas sendo o limite mínimo a pena de 160 dias e o limite máximo a pena de 240 dias de multa, pelo que, face ao supra referido, entende-se ser adequada a pena única de 180 dias de multa à taxa diária de 5,50 euros, o que perfaz a quantia de 990,00 euros.

35. Nos termos do disposto no artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos.

36. A suspensão da execução da pena de prisão pressupõe a formulação, no momento da decisão de um fundado juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do arguido.

37. Tendo em consideração o anteriormente exposto, no que diz respeito às circunstâncias dos factos e às condições pessoais, parece-nos possível encontrar base que razoavelmente permita a formulação de um juízo de prognose favorável no sentido de se poder concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

38. Pelo que deve ser suspensa a pena aplicada ao arguido, pelo período de 5 anos, acompanhado de regime de prova, conforme exposto da fundamentação, para onde se remete e que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

39. Por todo o supra alegado, violou o Tribunal a quo os artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º1, alínea a); 70.º, 71º, nº1 e nº2 e 40º, nº1 e nº2; 131.º, 73.º, 22.º, 23.º, n.º 2, 77.º e 50.º, todos do Código Penal;

40. Bem como, o artigo 86.º, n.º 1, alínea d), 3 e 4 e artigo 3.º. n.º 2, alínea ab) da Lei n.º 5/2006, de 23.02.

Termos e face ao exposto, deverá o acórdão recorrido ser substituída por outro que absolva o arguido dos crimes de ameaça agravada e detenção de arma proibida, ou, caso assim não se entenda, condene o arguido em penas de multa relativamente a esses dois crimes; determine e corrija a moldura penal relativamente ao crime de homicídio simples na forma tentada agravado, e determine em concreto uma nova pena única face a essa correção, que seja não superior a 4 anos de prisão, bem como, seja reformulado o cúmulo jurídico, condenando-se o arguido em pena única de 4 anos e 8 meses, ou , caso se defira a aplicação de pena de multa aos crimes de ameaça agravada e detenção de arma proibida, se aplique uma pena única de 180 dias de multa à taxa diária de 5,50 euros, o que perfaz a quantia de 990 euros, devendo também suspender-se a pena de prisão aplicada peplo período de 5 anos com regime de prova, fazendo-se assim Justiça.

1.3. Ao recurso respondeu a Senhora Procuradora da República naquele Juízo Criminal, extraindo, a final, as seguintes conclusões:

“1-A matéria de facto provada suporta o raciocínio lógico subsuntivo dos factos aos crimes de ameaça agravada, p.p. pelo disposto no artº 153º e 155º, nº1, al.a) do Código Penal e, de detenção proibida de arma, p.p. pelo disposto no artº 86º, nº1, al.d) da Lei 5/2006, de 23.02.

2- Atendendo ao circunstancialismo antecedente e contemporâneo aos factos e à atitude violenta do recorrente, motivada por ciúmes do vizinho e da sua mulher (do recorrente), tudo conforme resultou provado, dúvidas não subsistem de que a expressão “A próxima és tu, eu vou-te cortar a meio!!”, dirigida à mulher pelo recorrente, era adequada a gerar profundo medo e inquietação à ofendida.

3- Uma catana de 47,5 cm de cabo e 32 cm de lâmina como aquela usada pelo arguido para tentar matar o seu vizinho, era, como é, um instrumento idóneo a alcançar o mal anunciado à ofendida (cortar-lhe o corpo ao meio).

4- A concatenação dos factos provados nos pontos 3,4,5,17, 21 e 23 do douto acórdão recorrido é suficiente para dar como provado o crime de ameaça agravada, nos seus elementos típicos objetivos e subjetivos.

5- Conforme se infere de forma cristalina dos pontos provados em 4 a 16, a justificação do recorrente usar a catana foi para matar o ofendido DD, devido a ciúmes, o que só não logrou por motivos alheios à sua vontade.

6- O que o recorrente classifica como insuficiência da decisão de facto para a decisão de direito mais não é do que a expressão de uma divergência, que se reconduz afinal à discordância em relação à qualificação jurídica que mereceram os factos provados, o que configura não uma discordância em relação à fixação da matéria de facto provada, mas sim perante a matéria de direito (enquadramento jurídico-criminal).

Termos em que, Venerandos Conselheiros, deve a condenação pela pratica dos crimes de ameaça agrava e detenção proibida de arma manter-se incólume, nos termos e fundamentos expostos, assim se fazendo justiça.

1.4. Neste Supremo Tribunal de Justiça, o Exmo. Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer onde conclui que, “o recurso do arguido AA deverá ser julgado:

- totalmente improcedente quanto aos pedidos de absolvição pela prática do crime de ameaças agravado e de detenção de arma proibida;

- parcialmente procedente quanto à pena a aplicar ao crime de homicídio agravado tentado (por erro na determinação do mínimo da pena a aplicar), sendo tal pena reduzida para a de 7 (sete) anos de prisão e, reflexamente, alterando-se para 8 (oito) anos de prisão a pena única a aplicar;

- e improcedente o pedido no que se refere à pretendida suspensão de execução da pena, por legalmente inadmissível (e também por nunca se justificar a suspensão, face à personalidade do arguido).”

1.5. Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, não se mostra que tenha sido junta resposta.

1.6. Colhidos os vistos e não tendo sido requerida audiência, o recurso foi à conferência – art.º 411.º, n.º 5, e 419.º, n.º 3, al. c), do CPP.

2. Fundamentação

2.1. Factos.

2.1.1. Foram dados como provados os seguintes factos:

1 - À data dos factos que se vão relatar, o arguido vivia com a mulher, EE, na Travessa 1, junto ao nº 8, na freguesia ..., em Angra do Heroísmo;

2 - No dia 24.07.2024, cerca das 20:30-21 horas, EE encontrou o seu vizinho na rua, o ofendido DD, e os dois começaram a conversar a curta distancia da porta de casa onde ela e o arguido moravam;

3 - Seguidamente, quando EE entrou em casa o arguido, descontente por a mulher ter estado a falar com o vizinho, de imediato e em tom alto, questionou-a sobre a conversa que aquela havia mantido e afirmou, num tom de voz desconfiado: “Vocês os dois, cheira a merda…”, “Tás a falar com ele… porque é que estás a falar com ele?” “Não podias… não devias…. quem mandou?”;

4 - Neste circunstancialismo, o arguido foi à janela e gritou ao ofendido as seguintes palavras, num tom provocador: “O que é que tás a falar?” “Vem aqui, vem aqui!!”.

5 - Momentos mais tarde, do referido dia 24.07.24, por volta das 22h00, o arguido saiu de casa e foi no encalço do ofendido;

6 - Assim, quando DD se preparava para entrar no prédio sito na Rua 1, nesta comarca, o arguido abordou-o, dirigindo-lhe as seguintes palavras “Hei! Espera aí, que eu preciso de falar contigo!”;

7 - O arguido acto continuo levantou a camisola que envergava e retirou uma catana com o cabo de madeira, da marca “Sandy”, com 47,5 cm de comprimento total e 32 cm de lâmina, que tinha entre o seu corpo e as calças;

8 - Surpreendido com o arguido, o ofendido de imediato fugiu fechando a porta atrás de si, mas atrás dele seguiu o arguido em fúria, sendo que ao deparar-se com a porta de casa fechada, empurra-a entrando de seguida no corredor do prédio referido em 6, o qual dá acesso à habitação de DD e de FF;

9 - Uma vez ali, o arguido empunhando a catana na mão, foi encurralando o ofendido no corredor, enquanto levantava o braço num movimento de vai/vem e a direcionava, por um número de vezes não concretamente apurado, em direção ao ofendido, tentando-o atingir de forma indiscriminada pelo corpo;

10 - Não logrou, contudo, os seus intentos, em virtude de o ofendido ter agarrado num escadote de metal que serviu de escudo às investidas do arguido;

11 - A dada altura o ofendido, fugindo como podia do arguido, largou o escadote e entrou na porta mais próxima de si daquele corredor, que se encontrava aberta e que pertencia à casa de FF e fecha-a atrás de si, mas acto continuo o arguido desfere um pontapé naquela abrindo-a, continuando a seguir no encalço do ofendido;

12 - O ofendido fugindo do arguido, percorreu várias divisões da casa até chegar a uma sala que tem uma janela que dá acesso a quintais vizinhos;

13 - Durante este percurso, o ofendido foi sempre sendo perseguido pelo arguido que continuava a empunhar a catana na mão, levantando o braço num movimento de vai/vem e a direcionava, por um número de vezes não concretamente apurado, em direção ao ofendido, tentando atingir o ofendido;

14 - Na sala referida em 12, o ofendido agarrou-se a uma cadeira que lhe serviu igualmente de escudo;

15 - Durante toda a perseguição acabada de descrever, o arguido enquanto empunhava a catana ia proferindo as seguintes seguinte expressões, com foros de seriedade: “Vou-te matar EE, vou-te matar!!”;

16 - A dado passo, o ofendido, num ato de desespero, saltou por uma janela com cerca de 2 metros e meio de altura, que dá para um quintal vizinho, tendo o arguido continuado a repetir e a gritar as seguintes expressões: “vou-te apanhar EE; eu sei onde estás”;

17 - Após sair de casa de FF, já na via pública e ao passar em frente à sua residência, o arguido vendo que a sua mulher EE estava à janela, dirigiu-lhe a seguinte expressão, com ar sério e grave: “A próxima és tu, eu vou-te cortar a meio!”;

18 - Em consequência direta e necessária da conduta do arguido, o ofendido sofreu as lesões melhor descritas no exame de fls 81, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, destacando-se: “Ferida incisa com 2 cm na interfalângica proximal do 3º dedo da mão direita”, “Ferida incisa na metacarpofalângica do 2º dedo da mão direita” e, “Escoriações na mão direita”, que lhe determinaram 10 dias para a cura, sem afetação da capacidade geral de trabalho e, com afetação (15 dias) do trabalho profissional;

19 - O arguido ao tentar desferir um número indeterminado de golpes em DD com um instrumento com 32 cm de lâmina e agindo de forma indiferente relativamente à zona corporal onde esses golpes poderiam atingir a vítima, o arguido quis e previu a possibilidade de lhe tirar a vida, pois estava bem ciente da violência que imprimia aos golpes infligidos, bem sabendo que o movimento de vai/vem daquela catana, direcionada ao corpo do ofendido de forma indiscriminada podia atingir zonas com órgãos vitais e vasos sanguíneos importantes, causando lesões suscetíveis de determinar a morte da vítima, conformando-se o arguido com esse resultado, apenas não o logrado por razões que lhe foram totalmente alheias;

20 - O arguido conhecia as características da catana que empunhava e da sua capacidade para provocar ferimentos no corpo de outra pessoa capazes de lhe provocar a morte;

21 - Agiu movido pelos ciúmes que tinha do ofendido e da mulher;

22 - A sua atuação foi, assim, ponderada, predeterminada, livre, deliberada e consciente;

23 - O arguido bem sabia que as palavras que dirigiu a EE, querendo fazer crer a esta que lhe havia de provocar lesões à integridade física ou mesmo tirar-lhe a vida, eram aptas, como foram, a criarem-lhe intenso medo e inquietação, motivando a que aquela ficasse com muito receio da concretização do anunciado pelo arguido;

24 - O arguido quis e sabia que não podia deter consigo a catana no circunstancialismo de espaço, modo, tempo e lugar supra descritos, nem tinha quaisquer motivos para a deter e bem sabia que a mesma era passível de ser utilizada como instrumento de agressão contra qualquer pessoa com quem viesse a entrar em litígio;

25 - Também sabia não ter motivo que legitimasse o uso e o porte da referida catana supra identificadas, nas circunstancias narradas e que, por isso, não lhe era legítimo que a detivesse fora do local do seu normal emprego e que lhe desse outro uso que não aquele a que se destinava, não obstante, fê-lo, também, porque assim livremente o deliberou e o queria fazer;

26 - Bem conhecia o arguido as características cortantes e perfurantes do mencionado objeto e que o mesmo poderia atingir terceiros, colocando assim em risco a integridade física e a vida destes;

27 - O arguido atuou sempre de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que as suas descritas condutas eram censuradas, proibidas e punidas por lei penal;

Factos provados quanto ao pedido de indeminização civil:

28 - Na sequência das agressões sofridas pelo ofendido DD, este deu entrada no Serviço de Urgência do Hospital de Santo Espírito da Ilha Terceira, no dia 24 de Julho de 2024, onde lhe foram prestados os cuidados de saúde, os quais se encontram devidamente descriminados na factura nº FH241/8564 datada de 21.11.2024 no montante de 112,07 € (cento e doze euros e sete cêntimos);

29 - Condições pessoais quanto ao arguido AA - é o segundo de 3 irmãos, natural da Ilha Terceira, nasceu num contexto familiar descrito como instável e conflituoso, face a uma postura autoritária, agressiva e conflituosa do progenitor;

30 - Os progenitores, naturais de ... e que se fixaram na Ilha em 1980, vieram, entretanto, a separar-se, quando o arguido tinha cerca de 17 anos, tendo o mesmo ficado aos cuidados da progenitora, e tendo integrado pouco tempo depois o agregado familiar do pai, que, entretanto, se fixara no Continente Português;

31 - Do percurso escolar do arguido, frequentou a escola em idade regular até aos 17 anos de idade, obtendo o 8.º ano de escolaridade. Mais tarde veio a integrar formação na área de ourivesaria, que concluiu;

32 - Mais recentemente, e através da Rede Valorizar, frequentou e concluiu o 9.º ano de escolaridade;

33 - Com cerca de 14 anos e ainda durante a frequência escolar, exerceu funções como tarefeiro numa ourivesaria, e, durante a idade adulta, trabalhou sobretudo como servente de ... e ... e como distribuidor de gás. Em alguns períodos de desemprego integrou programas ocupacionais de emprego, por períodos de cerca de 2/3 anos;

34 - Em termos de relações afectivas, referencia uma primeira relação duradoura em 2005, que duraria cerca de 4 anos e o casamento com EE em 2012;

35 - À data dos factos, o arguido residia com a esposa, EE, e os dois filhos do casal, de 12 e 3 anos de idades, em habitação arrendada;

36 - Ainda que o arguido referencie uma situação conjugal e familiar estável, EE refere que à data dos factos se encontravam separados, ainda que residindo na mesma habitação. Presentemente mantém-se a separação do casal, ainda que com expectativas do arguido quanto a uma possível reconciliação;

37 - De acordo com outras fontes contactadas, a dinâmica familiar era marcada pelos comportamentos aditivos de ambos os cônjuges, com consequente desorganização, instabilidade e precariedade económica e ocorrência de episódios de violência doméstica;

38 - Já durante o corrente ano, a guarda dos filhos do arguido veio a ser entregue à avó e tia materna dos mesmos, por decisão judicial;

39 - À data dos factos, o arguido encontrava-se integrado em programa de tratamento da toxicodependência, em que ingressara em 2013, contudo com frequentes recaídas, mantendo o consumo paralelo de estupefacientes, nomeadamente heroína, cocaína e haxixe, com impacto em termos de sociabilidades e de imagem social;

40 - O arguido refere o início do consumo de estupefacientes com cerca de 16 anos, inicialmente de haxixe e, já na idade adulta, de heroína e cocaína;

41 - À data dos factos, trabalhava ao dia como ... por conta própria e de acordo com as oportunidades de trabalho, referenciando vários conhecidos que o contratavam com regularidade, enfatizando bom desempenho profissional e facilidade em se integrar em termos laborais. A esposa trabalhava de forma pontual na área da restauração;

42 - Em contexto prisional tem apresentado acentuadas dificuldades de cumprimento das regras internas, com múltiplas infrações disciplinares, cuja responsabilidade atribui à rigidez do funcionamento do sistema prisional;

43 - Deu continuidade ao tratamento da toxicodependência, com toma de metadona, com evolução positiva e progressiva redução da quantidade prescrita, beneficiando também de acompanhamento psicológico;

44 - Tem visitas de vários familiares, nomeadamente da progenitora, da ex-mulher e dos filhos;

45 - A progenitora, ainda que lhe prestando algum apoio, manifesta-se muito crítica do estilo de vida do arguido;

46 - Relativamente aos antecedentes criminais do arguido AA, este não apresenta no seu certificado de registo criminal de fls. 259 e verso, qualquer condenação.”

2.1.2. Factos não provados:

Com interesse para decisão da causa, resultaram não provados os seguintes factos:

“1 - Nesse momento, o arguido tinha também consigo uma faca de cozinha sem cabo, com 32 cm de comprimento total e 17 cm de lâmina e uma faca de cozinha com cabo de plástico, sem marca, com 33,5cm de comprimento total e 21,5 cm de lâmina;

2 - Depois, empunhando a catana no ar, o arguido dirigiu-se ao ofendido e baixou a lâmina vigorosamente em direção ao corpo deste, sem se importar com a zona que pudesse ser atingida pela lâmina;

3 - Surpreendido com o arguido, o ofendido de imediato fugiu a abrigar-se em casa, fechando a porta logo que entrou;

4 - Na sequência do provado em 17, não se prova nada mais do que aquilo ali consignado, ou seja, que o arguido disse também, enquanto gritava de forma repetida as seguintes frases, algumas das quais em crioulo: “Eu sei onde é que ele está e vou matá-lo!!” “EE vou-te matar!!” “És um homem morto!”;

5 - O arguido atuou sem aviso prévio, de forma traiçoeira e repentina, usando um instrumento que dissimulara e cujas capacidades letais e de impossibilidade de defesa para a vítima bem conhecia;

6 - O arguido atuou sempre de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que as suas descritas condutas eram censuradas, proibidas e punidas por lei penal, conforme os factos aqui dados como não provados;

7 - O arguido quis e sabia que não podia deter consigo as facas no circunstancialismo de espaço, modo, tempo e lugar supra descritos, nem tinha quaisquer motivos para as deter e bem sabia que as mesmas eram passíveis de serem utilizadas como instrumento de agressão contra qualquer pessoa com quem viesse a entrar em litígio;

8 - Também sabia não ter motivo que legitimasse o uso e o porte das referidas facas, supra identificadas, nas circunstancias narradas e que, por isso, não lhe era legítimo que as detivesse fora dos locais do seu normal emprego e que lhe desse outro uso que não àquele a que se destinavam, não obstante, fê-lo, também, porque assim livremente o deliberou e o queria fazer;

9 - Bem conhecia o arguido as características cortantes e perfurantes dos mencionados objetos e que os mesmos poderiam atingir terceiros, colocando assim em risco a integridade física e a vida destes;

10 - O arguido atuou sempre de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que as suas descritas condutas eram censuradas, proibidas e punidas por lei penal.”

2.1.3. Motivação da matéria de facto:

Lê-se na motivação da matéria de facto que “[f]azendo a análise crítica das provas produzidas, a convicção do tribunal assentou na apreciação de toda a prova documental junta aos autos nomeadamente, na participação crime por tentativa de homicídio denunciada à PSP que foi logo chamada ao local dos acontecimentos de fls. 4 e ss., e depois a queixa apresentada pelo ofendido a fls. 10; o auto de apreensão de fls. 8 e verso; a reportagem fotográfica do local onde tudo aconteceu conforme fls. 12 e ss., onde se pode ver o sangue derramado pelo chão e espalhado nos vários objectos em que o ofendido se agarrava, e as feridas nos dedos da vítima de fls. 17; mais o exame à catana e facas apreendidas com fotos de fls. 25 e ss., o relatório pericial de avaliação de dano corporal de fls. 81 a 82 e versos, onde se conclui que o ofendido sofreu lesões com objecto cortocontundente, para cuja cura demora 10 dias sem afectação da capacidade de trabalho geral e com afectação da capacidade de trabalho profissional em 15 dias; resultado de exame pericial elaborado pelo Laboratório da Polícia Judiciária de fls. 181 e ss., concluindo-se que o ADN encontrado nos objectos apreendidos pertencem a DD; assento de nascimento de AA, de fls. 196 e 197; a factura do Hospital de fls. 221 nº FH241/8564 datada de 21.11.2024 no montante de 112,07 € (cento e doze euros e sete cêntimos); o certificado de registo criminal de fls. 259 e verso relativo ao arguido AA e, relatório social para determinação de sanção elaborado pela DGRSP e datado de 4 de Julho de 2025, quanto ao arguido.

O tribunal assentou ainda a sua convicção na audição do arguido e das demais testemunhas arroladas nos autos.

Para prova dos factos nºs 1, 2, 3, 4, 5 e 6 - O tribunal assentou a sua convicção desde logo nas declarações confessórias do arguido AA nesta parte, e na documentação antes mencionada designadamente, no assento de nascimento do arguido onde se pode ver averbado o seu casamento com EE.

Para prova dos factos nºs 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15 e 16 - O tribunal assentou a sua convicção desde logo na prova documental antes mencionada designadamente, nas reportagens fotográficas do local onde tudo aconteceu conforme fls. 12 e ss., onde se vê o sangue derramado pela vítima DD, as feridas nos dedos daquela, o auto de apreensão de peças de vestuário que o ofendido trajava, tudo acima descrito e que se considera aqui agora devidamente reproduzido para os devidos efeitos legais.

Assentou também na audição do ofendido DD, o qual apenas disse o que sabia por ele próprio e em suma disse que, no dia 24 de Julho do no passado, devia ser umas 9 horas da noite e ele está a falar com a mulher dele por causa de um comprovativo de morada que precisava e ele viu-os a falar e primeiro começa a gritar com ele, e falou e ele foi para o café e não ligou; ficou lá até à hora de fechar cerca das 10 horas da noite e volta para casa e abre a porta da rua para entrar e vê o AA que lhe diz “espera que eu quero falar contigo”, ele levanta a t-shirt e vê a catana dentro do cinto das calças e pega nela e ele ficou assustado e fecha a porta da rua; o AA empurra a porta e vem atrás de si e diz “vou-te cortar, vou-te matar” sempre com a catana na mão e vai para dentro do corredor que tinha várias portas e material das obras e pega o escadote que ali está e bloqueia o caminho/ o corredor para evitar que ele fosse atrás de si; entretanto ali vê a porta mais perto de si (a sua casa ficava ao fim do corredor e era longe) que era a casa do FF aberta e entra para se abrigar e fecha a porta atrás de si; mas ele dá um pontapé nessa porta e abre-a e ele foge pela casa do FF dentro e vai para uma sala onde havia cadeiras e pega numa para servir de escudo, atira-a para não se aproximar de si; sempre com a catana na mão a fazer movimentos de vai e vem com o braço e ele sempre a tentar desviar-se, até que vai para uma sala da casa do FF onde há uma janela com altura de mais de 2 metros, e salta para baixo, que vai dar a uns quintais vizinhos, tudo para fugir do AA porque estava com muito medo da catana que tinha uma lâmina afiada e quando chega cá em baixo entra na casa da vizinha GG e é ela que o ajuda e só aí é percebe que está ferido numa mão e numa perna e chamam a polícia, a vizinha é que o ajuda a estancar o sangue e depois chega a polícia e a ambulância/ os bombeiros e ele foi para o hospital.

Durante toda esta perseguição o AA dizia “vou-te corta, vou-te matar”, ele estava nervoso.

Não eram amigos, só bom dia e boa tarde, nada mais.

Nesta perseguição ele gritava com todos, ninguém o aguentava; era ameaçador.

Sentiu muito medo e temeu pela sua vida.

Perdeu sangue e ficou tonto.

Sentiu que o AA o queria matar.

Nunca mais falou com ele.

O que se considerou estas declarações credíveis porque conjugadas com as demais testemunhas também ouvidas sobre a dinâmica desta perseguição.

Também assentou a convicção do tribunal na audição da testemunha FF, o qual era casado com a mãe da EE e ele estava em sua casa com a mulher e a HH que é a irmã da EE porque a mãe telefona-lhe antes a dizer que estava muito preocupada com a filha EE porque esta lhe tinha contado que o AA já tinha discutido com ela e que viesse para baixo e ela veio e estava todos no alpendre da casa deles com o filho II deles os dois (do AA e da EE) e de repente ouvem barulho e eles os dois entram na sua casa , pela porta dentro e ouve portas a bater, vidros a partir e vê o AA atrás do EE e este sempre a fugir dele com a catana empunhada e ele dizia “vou-te matar EE” e nisto a sua preocupação foi pegar no II e na mulher e pô-los dentro do quarto e fechou a porta e disse para eles não saírem dali; assiste ao EE pegar numa cadeira de alumínio para se proteger e o AA com catanadas a mexer o braço e não viu facas na mão do AA, com movimentos para frente e para trás.

Vê o EE cair lá fora e foi o que o salvou.

No meio desta confusão tentou falar com o AA “respeita a minha casa”, para.

Quando o EE vai para o quintal o AA diz “eu sei onde ele está” e “eu

vou matar”.

A catana foi encontrada na sua carrinha na caixa aberta, o que não era habitual estar ali e não era sua do trabalho.

Não viu facas, mas depois viu facas no chão perto da janela onde o rapaz caiu e não sabe onde o EE foi atingido mas quando olhou para ele viu que ele tinha sangue.

O AA estava completamente mal, há vários meses antes, desconfiado com todos.

Antes deste período, eles chegaram a trabalhar juntos nas obras, o AA nunca se negou ao trabalho; e teve medo por causa dos movimentos que ele fazia com a catana.

Ele fazia metadona, os dois ele e a EE, tinham uma vida louca, porque ambos consumiam e quem tomava conta dos dois meninos eram os avós maternos, não aparecia leite, nem comida.

Também na audição da testemunha e irmã da ofendida EE, HH, disse que já lá estava em casa dos pais porque a mãe já lhe tinham telefonado para ela e mora na ... e ela estava com a mãe e o padrasto no alpendre e de repente ouviu barulho e vê o AA e o EE a bater portas, coisas a partir e vê o AA com uma catana na mão e estava a falar crioulo e vê o EE a fugiu dele sempre de recuo.

E ela ainda diz ao AA “toma cuidado, não vai fazer nada, olha o teu filho, e ele dizia “eu vou matar, vou”, ela esconde o sobrinho no quarto dos pais.

O EE foge de recuo e a saltar, para se desviar da catana, ela também temeu pela sua vida e vê o padrasto a falar com o AA e ele dizia “não me toques”.

Ele estava completamente desorientado com a catana para trás e para a frente e ouviu dizer para a irmã “a próxima és tu e vou-te cortar ao meio”.

Entretanto, quando o AA saltou deixou-o de ver e chegou a polícia; viu as facas junto à janela mas não as conhecia e não eram da mãe.

O EE já tinha sangue mas não sabe como.

O AA é trabalhador para o vício, não para sustentar os filhos, não comprava um litro de leite.

Ouviu vidros a partir.

Tendo ainda contribuído para formar a convicção do tribunal o Senhor Agente da PSP JJ, o qual recebeu a notícia de que havia desacatos com arma branca e quando chega ao local, ouviu o AA a dizer “vou-te matar”, “andas atrás da minha mulher”.

Quanto ao EE estava debilitado e consciente e tinha perdido sangue.

O AA não tinha sangue nele.

Ele gritava e não tinha um discurso coerente.

Enfim, como se verifica tudo quanto estas testemunhas viram e ouviram. Cada qual no seu momento e por si mesmas, bate certo se conjugado com tudo o que o ofendido diz.

Daí a sua credibilidade e contributo para formar a convicção do tribunal.

Pelo contrário, não nos mereceu credibilidade tudo o resto que o arguido disse em sua defesa.

Assim, o arguido AA, no uso do seu direito legal de prestar declarações fê-lo, dizendo em suma que a catana é sua e as facas estavam lá em casa mas não são suas e as facas são do Sr. EE.

E os artigos 1 a 6 da acusação são verdade o resto não é.

E depois disse que a catana já vinha com ele e ele a empunhava pelo cabo e que foi bater à porta da casa do EE e ele abre a porta e já vinha com as duas facas na mão e diz-lhe vamos conversar porque o tinha visto falar com a mulher EE e estava com ciúmes e por isso foi tirar satisfações com ele e começa a correr dentro da casa da sogra e ele ao contar é que acrescenta um bocadinho porque não se passou assim na perseguição mas ele ao vira à porta com duas facas, foge porque vê que ele tem uma catana que é muito maior e ficou com medo.

Então tenta falar com ele dizendo “tu achas certo o que sucedeu? E deixa a porta aberta e põe-se a fugir, não deu pontapé nenhum na porta do seu sogro o FF porque não ia partir nada dentro daquela casa; ele entrou no corredor de casa que é estreito e o escadote tem 4 metros de comprimento ele não conseguia fazer nada porque era estreito e no corredor não há cadeiras e é no alpendre que ele pega nesta cadeira e depois ali na sala ele fica encurralado entre a parede e ele e este diz “é melhor a gente conversar; tu merecias que eu te matasse agora”, disse isto porque ele estava exaltado; em momento algum a sua lâmina toca no corpo do EE porque senão cortava-o e o arguido ainda diz “se tu fizeste mesmo o que eu penso na minha cabeça, eu matava-me” e, ele atirou-se mesmo da janela abaixo que tinham altura de mais de 2 metros.

Também não disse nada do que consta da acusação à mulher e tal não é verdade.

O EE magoou-se quando andou a fugir porque várias coisas se partiram e ele pode-se ter cortado nos dedos.

Ele teve naquele dia uma grande recaída de cocaína, sendo consumidor de cocaína há muitos anos; mas já não consumia nos últimos 12 anos; mas nos últimos seis meses á data dos factos voltou a consumir, estava na metadona e tomava medicação e pode ter ficado mais agressivo.

Ficou desconfiado porque já os tinha visto a conversar e perguntou e eles deram uma resposta vaga e ficou com ciúmes; então ele chegou a casa do trabalho, deixou a roçadora, mas manteve a catana e estava nervoso e sai com a catana na mão, não sabe porque fez isso e não a deixou em casa junto com a roçadora.

Então em conjugação com a restante prova produzida em audiência de julgamento, o tribunal conclui que o arguido mentiu quanto aos factos relacionados com a perseguição e ao facto de que ele deliberadamente, tentou mesmo atingir o ofendido EE, tudo por ciúmes e aqui o tribunal acreditou nele.

Quando diz que o EE ao contar como as coisas se passaram que acrescentou “um bocadinho”, querendo passar a imagem de que aquilo foi apenas uma simples discussão de alguém ciumento com a mulher e um amigo e que nunca quis matar o EE.

Não é verdade e o tribunal não acreditou nesta versão, desde logo, o ofendido disse que não eram amigos nada; depois o arguido disse que quando bateu à porta da casa ele abriu e trazia consigo facas.

Totalmente mentira, porque o ofendido disse que não tinha nada com ele, apenas tentou bloquear o seu caminho com o escadote que estava no corredor e depois pegou numa cadeira para se tentar defender do arguido.

E as testemunhas FF e HH nunca viram o EE com facas e sempre viram o AA com a catana, a fazer movimentos de braço para a frente e para trás e que eles próprios temeram pela sua vida e o EE para fugir dele teve que saltar a janela que tinha mais de dois metros de altura e o AA foi sempre muito agressivo e ameaçador.

O que o arguido negou.

Para prova do facto nº 17 - O tribunal assentou a sua convicção desde logo na audição da ofendida EE, a qual é a esposa do arguido

AA e disse apenas o que sabia por si mesma e em suma referiu que, que na data estavam separados, vivam na mesma casa mas não tinham vida de casados e a vida era marcada por discussões e ambos, ela e o arguido eram ambos consumidores de heroína e cocaína, mais o AA do que ela; ambos trataram-se com metadona mas ambos tiveram uma recaída e o AA igual estava na metadona e fazia medicação também e por causa disso com a cocaína e a heroína o AA ficava mais irritado, mais agressivo, mais chato.

Há uns 10 anos que faz a metadona.

Então no dia 24 de Julho de 2024, ela estava em casa com a filha ao colo e o AA chegou do trabalho e ele trazia a sua mochila com as ferramentas, ele estava a trabalhar na ... na construção civil numa casa que estava a consertar e ela mesma já lá tinha estado a limpar nessa casa na parte pronta, e ele ficou a brincar com a filha e ela disse “vou a casa dum amigo meu”, porque era para falar com o EE por causa dum papel comprovativo de despesa para lhe dar a ele e eles falaram e ela disse que já tinha o papel.

Nisto o AA viu-os a falar e começou a questionar e ele já estava alterado e ela em vez de ira para a casa da mãe, voltou para trás, para a sua casa.

O EE foi-se embora e ele estava chateado a dizer que estava a falar com o EE; quando o AA ficou em casa começou a beber o que nele não era normal e ela ao ver aquilo pensou “oh, sim” e pegou na KK e foi para o seu quarto.

Passado um bocado ouve barulho de metal e sabia que era a catana que ele estava a usar (estava dentro do quarto com a filha), porque ele tinha-a guardado dentro do armário na cozinha e não a levou para o trabalho e já lhe tinha dito noutra ocasião, isto está guardado para ti, caso te metas com outro homem, isto é para ti e ouve ele falar em crioulo com o EE “vou-te matar” e só ouve portas a abrir, o EE fechou-se em casa e só ouvia barulhos de metal a raspar nas coisas, nas paredes e depois silêncio; e abre a janela do seu quarto e a irmã que estava na rua diz-lhe sai daí e dá-me a KK; entretanto o AA que estava na rua, ao passar por si lá em baixo e ela na janela diz-lhe “a próxima és tu e vou-te cortar ao meio”, com a catana empunhada.

E disse em português.

Depois ele percebeu que chamaram a polícia e ele foi arrumar a catana na carrinha do sogro de caixa aberta que estava estacionada na rua.

Mais tarde o EE conta-lhe que o AA “flipou”.

Viu a casa quando saiu do quarto com pingos de sangue, as portas arrombadas, não se sabe se vidros partidos.

Quando foi para o quarto o AA que deixou não era o marido: tinha as veias salientes da testa, a cara muito alterada, muito mau.

Ele já tinha cismado que em dias atrás que ela tinha homem escondido dentro do guarda-fatos do quarto.

No que toca a trabalho, ele é trabalhador e tanto é pedreiro, como roça ervas, o que for preciso.

Quanto às facas que viu no chão era de uma das pessoas que vivia lá em casa (três pessoas, um era o EE, outro era o LL e o outro não se lembra o nome).

Para prova do facto nº 18 - O tribunal assentou a sua convicção desde logo na análise da prova documental acima referida designadamente, no relatório pericial de dano corporal realizado na pessoa da vítima DD que consta dos autos a fls. 81 e ss..

Para prova dos factos nºs 19, 20, 21 e 22 - O tribunal assentou a sua convicção na conjugação de todas as provas supra mencionadas, e nos comportamentos adoptados pelo arguido AA, sendo que este é o elemento subjectivo do crime de tentativa de homicídio praticado pelo arguido e na pessoa do ofendido DD.

Para prova do facto nº 23 - O tribunal assentou a sua convicção na conjugação de todas as provas supra mencionadas, e nos comportamentos adoptados pelo arguido AA, sendo que este é o elemento subjectivo do crime de ameaça agravada na pessoa da ofendida EE, esposa do arguido.

Para prova dos factos nºs 24, 25, 26 e 27 - O tribunal assentou a sua convicção na conjugação de todas as provas supra mencionadas, e nos comportamentos adoptados pelo arguido AA, sendo que este é o elemento subjectivo do crime de detenção de arma proibida da catana.

Para prova do facto nº 28 - O tribunal assentou a sua convicção na análise da factura emitida pelo Hospital de Santo Espírito da Ilha Terceira, de fls. 221, e nos tratamentos de que beneficiou o ofendido DD e factura nº FH241/8564 datada de 21.11.2024 e ainda nas declarações deste acima já referenciadas.

O que se considerou provado.

Para prova dos factos nºs 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44 e 45 - O tribunal assentou a sua convicção na análise do relatório social para determinação de sanção elaborado pela DGRSP, quanto ao arguido AA, elaborado que foi em 4 de Julho de 2025.

Para prova do facto nº 46 - O tribunal assentou a sua convicção para assim o declarar, pela análise do certificado de registo criminal do arguido que consta de fls. 259 e verso.

Quanto aos factos não provados nºs 1, 2, 3 e 4 - O tribunal assentou a sua convicção para os declarar não provados porque desde logo não se fez qualquer prova em tal sentido.

E porque a descrição da dinâmica da perseguição do arguido ao ofendido não se verificou como consta da acusação mas sim como aconteceu e foi declarado em audiência de julgamento.

Quanto aos factos não provados nºs 5 e 6 - O tribunal assentou a sua convicção para os declarar não provados porque desde logo tal prende-se com o elemento subjectivo do crime de homicídio na forma tentada qualificada do artigo 132º/2-e) do CP, o que não se provou, não havendo qualquer prova da existência de um motivo fútil.

Quanto aos factos não provados nºs 7, 8, 9 e 10 - O tribunal assentou a sua convicção para os declarar não provados porque não se demonstra no julgamento, que as facas, as duas facas referidas na acusação, pertencessem ao arguido AA.

Não se provando tal, também não existe nesta parte, a prática de qualquer crime.

Daí a resposta dada.”

2.2. De Direito.

2.2.1. É pelas conclusões que se afere o objecto e âmbito do recurso (402º, 403º, 410º e 412º do CPP), sem prejuízo, dos poderes de conhecimento oficioso (artigo 410.º, n.º 2, do CPP, AFJ n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995, 410º, n.º 3 e artigo 379.º, n.º 2, do CPP).

O recurso, circunscrito à matéria de direito (artigo 434.º do CPP), tem por objeto um acórdão do Juízo Central Cível e Criminal de Angra do Heroísmo-J2, do Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, que condenou o recorrente nos termos, supra, referidos.

E, levando em conta as conclusões do arguido recorrente, constantes da motivação, as questões suscitadas, como sintetiza, são:

1-A absolvição do crime de ameaça – conclusões 1 a 7.

2-A absolvição do crime de detenção de arma proibida – conclusões 8 a 11.

3-Condenação, pela prática destes crimes, em pena de multa – conclusões 12 a 18.

4-Medida concreta da pena parcelar, no que concerne ao crime de homicídio agravado na forma atentada – conclusões 19 a 30.

5-Reformulação do cúmulo jurídico – conclusões 31 a 34.

6-Suspensão da execução da pena – conclusões 35 a 40.

2.2.2. Absolvição do crime de ameaça.

Defende o ora recorrente que, “face à prova considerada provada, o Tribunal a quo, deveria ter absolvido o arguido do crime de ameaça agravada. O conceito de ameaça requer a verificação de três características essenciais: anúncio de um mal, futuro, cuja ocorrência dependa da vontade do agente. No caso dos autos, o arguido após perseguir o ofendido EE com uma catana na mão, passa na via pública ao pé da sua casa e diz à esposa que se encontra à janela “A próxima és tu, eu vou-te cortar ao meio!”. Daqui não podemos aferir se estamos perante um anúncio de um mal futuro ou iminente, porque os factos não o permitem.Como,também,noquerespeitaàagravação,nãosabemosquecrime,emconcreto, pretende o arguido praticar na pessoa da sua esposa, se pretende tirar-lhe a vida ou ofender a sua integridade física. Não estando preenchidos os elementos do tipo do crime deve o arguido ser absolvido do mesmo.”

Alega o recorrente duas razões para a sua absolvição do crime de ameaça: (i)não se sabe se estamos perante a ameaça de um mal futuro ou iminente, como (ii)não sabemos que crime pretende o arguido praticar, se um crime de homicídio, se de ofensa à integridade física.

É característica essencial do conceito de ameaça, que o mal ameaçado tem de ser futuro. O que significa, tão só e apenas, que o mal ameaçado não pode ser iminente, sob pena de, nesse caso, se estar perante “uma tentativa de execução do respectivo acto violento”, o mal ameaçado, o crime anunciado. Assim, “necessário é só que não haja eminência de execução, no sentido em que esta expressão é tomada para efeitos de tentativa.”1

No caso, com interesse, deu-se como provado o constante dos factos provados sob os n.ºs 17, 21, 22, 23 e 27, e sobretudo que “[a]pós sair de casa de FF, já na via pública e ao passar em frente à sua residência, o arguido vendo que a sua mulher EE estava à janela, dirigiu-lhe a seguinte expressão, com ar sério e grave: “A próxima és tu, eu vou-te cortar a meio!”.

Mas não entrou em casa para a agredir, como podia, não fez qualquer menção de a agredir, nem lhe dirigiu palavras que indiciassem intenção imediata de agredir.

Após agredir o ofendido DD, anunciou apenas que a próxima vítima seria a ofendida EE, sem qualquer indício de concretização imediata do mal ameaçado.

E, dizer à ofendida “[a] próxima és tu, eu vou-te cortar a meio!”, depois de ter “agredido” e “tentado matar” o ofendido DD, tudo porque este a ofendida EE estavam a conversar contra a vontade do arguido/recorrente, ressalta à evidência que é para levar a sério a “ameaça”, as palavras do arguido, que são aptas a provocar medo, inquietação e limitar a ofendida na sua liberdade.

Além disso, empunhando a “catana” com que “agrediu e tentou matar” o ofendido DD, dizer-lhe “eu vou-te cortar a meio”, só pode entender-se como uma ameaça de morte.

Na verdade, não pode ignorar-se todo o circunstancialismo que rodeou estes factos, ou seja o arguido ter encontrado ambos os ofendidos a conversar, contra sua vontade e o estado emocional em que ficou. Foi movido por ciúmes que “agrediu e tentou matar” o ofendido DD e disse à ofendida EE que a próxima seria ela.

Pelo que estão reunidos todos os requisitos do “crime de ameaça agravada, p. e p., nos artigos 153º/1 e 155º/1-a), todos do CP, na pessoa de EE”, por que foi condenado o recorrente, não lhe assistindo razão.

2.2.3. Absolvição do crime de detenção de arma proibida.

Defende, ainda, o recorrente que “[q]uanto ao crime de detenção de arma proibida, para que o arguido seja condenado nos termos do artigo 3.º , n.º 2, alínea ab) (artigo 86.º, n.º 1, alínea d) do RJAM, tem que estar preenchidos dois requisitos cumulativamente:1-Objecto encontrado fora do local do seu normal emprego; 2-Falta de justificação da sua posse. A Catana é um objecto com aplicação definida. Quanto à justificação da sua posse, de facto, não há qualquer alusão, nos factos provados que refira que o porquê, quer pela positiva quer pela negativa, de o arguido possuir aquele objecto. Assim, nestes termos, entende o recorrente, que não estão preenchidos os elementos do tipo que permitam a sua condenação pelo crime de detenção de arma proibida, pelo que deve ser absolvido do mesmo.” – cls. 8 a 11.

Sem razão, porém. Como referido no acórdão recorrido, que se cita e acompanha, “[d]ispõe a alínea ab) do nº 2 do artigo 3º da Lei das Armas que são armas brancas com afectação a exercício de quaisquer práticas venatórias, comerciais, agrícolas, industriais, florestais, domésticas ou desportivas, ou objecto de colecção, quando encontradas fora dos locais do seu normal emprego e os seus portadores não justifiquem a sua posse. Tal alínea integra pois as catanas, que num uso normal para fins agrícolas é admitida.” “Mas qualquer uma destas armas brancas se encontradas fora do seu local habitual e cuja posse não seja devidamente justificada pelo seu possuidor e se for utilizada como arma de agressão, tal é uma arma de uso proibido. Consistindo num crime de detenção de arma proibida.”

Não havendo o arguido justificado a posse da “catana”, instrumento destinado à execução de trabalhos agrícolas, e sendo utilizada como arma de agressão para ”agredir e tentar matar” o ofendido, sendo tal uso proibido constitui “crime de detenção de arma proibida, p. e p., no artigo 86º, n.º 1, al. d), da Lei nº 5/2006 de 23.02”, regime jurídico das armas e munições, em que foi condenado.

Improcede o recurso também, neste particular.

2.2.4. Condenação em pena de multa.

Mais defende, em alternativa que “[c]aso assim não se entenda, o que se admite como possível, sem prescindir, relativamente aos crimes supra, deve o arguido ser condenado, por ambos, em penas não privativas da liberdade. Ao condenar o arguido em penas de prisão, pelos crimes supra, entendemos que o Tribunal não ponderou a inserção do arguido, familiar e social. O arguido sempre trabalhou, tem apoio familiar, além de que, os factos que deram origem ao presente processo, são uma situação isolada na vida do arguido, uma vez que devido à medicação que fez e ao consumo de cocaína naqueles dias, o tornaram agressivo e muito desconfiado. Como a esposa referiu: não era a mesma pessoa! As necessidades de prevenção geral mostram-se, de facto, elevadas, atendendo, desde logo, ao alarme social que este tipo de crime desencadeia. As necessidades de prevenção especial elas mostram-se, entendemos, medianas para o arguido, que não tem antecedentes criminais, está social e familiarmente inserido, tendo trabalhado até à sua detenção e estando a cumprir o tratamento às dependências, bem como tem tido acompanhamento psicológico. Assim, deverão ser aplicadas penas de multa pela prática do crime de detenção de arma proibida e pelo crime de ameaça agravada, que consideramos justa, em 160 dias de multa, à taxa diária de 5,50€, quanto ao crime de detenção de arma proibida e em 80 dias de multa à taxa diária de 5,50€, quanto ao crime de ameaça agravada.”

Dispõe o artigo 70º do CP que se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

A pena de prisão representa “a extrema ratio, em obediência ao princípio da mínima restrição de direitos (art.º 18º, n.º 2 da CRP), o que está claramente estabelecido no art.º 70º do Código Penal”2.

Pelo que sempre que ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal deverá dar preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, cedendo “à pena pecuniária o seu sentido político-criminal mais profundo e aumentando a sua eficácia penal.”3

A finalidade politico-criminal da pena de multa é poupar o autor à aplicação de uma pena de prisão.4

Porém, a ponderação que importa fazer sobre a preferência a dar à aplicação de uma pena de multa, em desfavor da pena privativa da liberdade, é totalmente diferente quando o arguido cometeu apenas o crime de detenção de arma proibida, ou, vários, em concurso, como é o caso, e, em consequência, esteja “o arguido inevitavelmente sujeito a uma condenação em pena de prisão em consequência da prática de outro ou outros crimes.”5

E, sobretudo, quando entre os crimes cometidos exista uma relação de “conexão e acessoriedade”, que, no caso, se verifica, entre o crime de detenção e uso de arma proibida e os crimes de homicídio e ameaça, servindo aquela à prática destes. “O carácter instrumental de tal conduta relativamente” à de tentativa de homicídio e ameaça, “demanda um juízo de especial censura de tal atuação.” Sendo a “necessidade de tutela penal” especialmente reclamada pela comunidade, as necessidades de prevenção geral, ou seja, “as expectativas de punição por parte daquela, mal se compadeceriam com uma pena de multa.”6

Para além dos inconvenientes que possa causar, e causa, a aplicação de penas de prisão e multa, tudo aconselhando que devam evitar-se, neste caso, conclui-se, ainda, que a pena de multa não realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, pelo que se mostra justa e adequada a aplicação de penas de prisão em ambos os crimes, não merecendo censura o decidido.

2.2.5. Medida concreta da pena pela prática do crime de homicídio.

Defende depois o recorrente que não deverá ser condenado pela prática do crime de homicídio agravado na forma tentada na pena de 10 (dez) anos de prisão, pois a moldura penal foi erradamente obtida e pede, agora, a condenação na pena de 4 (quatro) anos de prisão.

O Exmo. Procurador Geral Adjunto é de opinião que assiste razão ao recorrente neste particular e sugere a condenação do recorrente na pena de 7 (sete) anos de prisão.

No acórdão recorrido pode ler-se a este propósito que “[o] crime de homicídio, p. e p., no artigo 131º, do CP, é punido com a pena de prisão de oito a dezasseis anos.

A agravação pelo uso de arma do artigo 86º/3 da Lei das Armas, determina que a pena aplicada ao crime de homicídio é agravada de um terço nos seus limites mínimos e máximos.

Também nos encontramos perante uma tentativa, a qual é punível com a pena aplicada ao crime consumado especialmente atenuada (artigo 23º/2 do CP).

E nos termos do citado artigo 73º/1 do CP, sempre houver lugar à atenuação especial da pena, observa-se o seguinte:

a) o limite máximo da pena de prisão é reduzido de um terço e,

b) o limite mínimo da pena de prisão é reduzido a 1/5 se for igual ou superior a três anos e ao mínimo legal se for inferior.

Logo, a moldura penal abstracta prevista na lei para o presente homicídio na forma tentada e agravado pelo uso de arma, vai de: primeiro agravamos de um terço o que dá para o limite mínimo mais dois anos e oito meses (2,8).

No limite máximo temos que a pena vai ser agravada de cinco anos e quatro meses (5,4).

Aqui temos que a nossa moldura agravada mínima passa para dez anos e oito meses (10,8) e, a moldura agravada máxima passa para vinte e um anos e quatro meses (21,4).

Como temos que aplicar a redução da tentativa, temos que menos 1/3 para o limite máximo, ou seja, são menos sete anos e 40 dias, o que dá catorze anos e dois meses e 20 dias (14 anos, 2 meses e 20 dias).

E para o limite mínimo é reduzido a 1/5, então temos menos dois anos e um mês e 18 dias (2 anos, 1 mês e 18 dias).

Ou seja, a moldura abstracta neste homicídio agravado e na forma tentada é de no mínimo de oito anos, seis meses e doze dias (8 anos, 6 meses e 12 dias) e no máximo temos catorze anos, dois meses e 20 dias (14 anos, 2 meses e 20 dias).”

Na verdade, como referido no acórdão recorrido, o crime de homicídio, p. e p., no artigo 131º, do Código Penal, é punido com a pena de prisão de 8 (oito) a 16 (dezasseis) anos.

As penas aplicáveis a crimes cometidos com arma são agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo – n.º 3 do art.º 86º da Lei 5/2006, de 23 de fevereiro, ascendendo, neste caso, a moldura penal de um mínimo de 10 anos e 8 meses a 21 anos e 4 meses.

Também, como referido no acórdão recorrido, nos encontramos perante uma tentativa, a qual é punível com a pena aplicada ao crime consumado especialmente atenuada (artigo 23º, n.º 2 do CP).

Na pena aplicável ao crime consumado, especialmente atenuada, o limite mínimo da pena de prisão é reduzido a um quinto, se for igual ou superior a três anos, e ao mínimo legal se for inferior.

O limite mínimo corresponde a um quinto da pena aplicável ao crime consumado não especialmente atenuada, e não a esta pena deduzida de um quinto.

Na verdade, dispõe o artigo 73º, n.º 1, do CP, que, sempre que houver lugar à atenuação especial da pena, observa-se o seguinte:

a) o limite máximo da pena de prisão é reduzido de um terço e,

b) o limite mínimo da pena de prisão é reduzido a um quinto se for igual ou superior a três anos e ao mínimo legal se for inferior.

Assim, neste caso, reduzindo o limite mínimo a um quinto, é este, mais concretamente, de 2 (dois) anos 1 (um) mês e 18 (dezoito) dias, e, reduzindo de um terço o limite máximo será este de 14 (catorze) anos 2 (dois) meses e 20 vinte dias.

Obtida a moldura penal, há que considerar no processo de determinação da medida concreta da pena as finalidades da punição, constantes do art.º 40.ºdo Código Penal, e os comandos para determinação da medida concreta da pena dentro dos limites da lei, a que se refere o art.º 71º do CP.

Como ensina o Prof. Figueiredo Dias7 as finalidades e limite das penas criminais, podem resumir-se, a que (i)toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção geral e especial, que (ii)a pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa que (iii)dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, que (iv)dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa, de intimidação ou de segurança individuais.” Assim, “Toda a pena que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa é uma pena justa.”

A aplicação de penas visa, portanto, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – n.º 1 do art.º 40º do CP. E, estatui, em termos “absolutos” o n.º 2 deste preceito que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.

Culpa e prevenção são, pois, os factores a considerar para encontrar a medida concreta da pena. Sendo a culpa, o juízo de censura ético-jurídica dirigida ao agente por ter atuado de determinada forma, quando podia e devia ter agido de modo diverso8.

Nos termos do art.º 71º n.º 1 e 2 do Código Penal, a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo o Tribunal a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuserem a favor ou contra ele.

As circunstâncias gerais enunciadas exemplificativamente no n.º 2 do art.º 71.º do Código Penal, são, no ensinamento de Figueiredo Dias, elementos relevantes para a culpa e para a prevenção e, “por isso, devem ser consideradas uno actu, … são numa palavra, fatores relevantes para a medida da pena por força do critério geral aplicável”9.

Considerando tudo o que é dito no acórdão recorrido, “quanto ao arguido AA, atenta a gravidade dos factos praticados, o número de crimes cometidos simultaneamente designadamente, a tentativa de homicídio agravada na pessoa de DD, (…), ao que acresce a posição do arguido durante o julgamento que nega a prática de qualquer crime que seja e ainda por cima diz que o ofendido ao contar o que sucedeu, “acrescentou um bocadinho”, tal significa que não interiorizou verdadeiramente, a gravidade dos crimes cometidos por si.

O que é revelador de no caso concreto, as necessidades de prevenção especial serem muito elevadas.

Atenta a gravidade do crime de homicídio agravado na forma tentada cometido por si, para além de detenção de arma proibida, tudo nos conjuga para o elevado alarme social criado por todas estas condutas típicas e ilícitas praticadas pelo arguido.

Logo também aqui as necessidades de prevenção geral são muito elevadas.

Portanto, as penas são aplicadas com a finalidade primordial de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada, abalada pela prática do crime e assegurar a eficácia do sistema penal.

O abalo, a intranquilidade a ponderar, arrancam da importância do bem ou valor violados e seu grau de reiteração, por isso se pede à pena a finalidade de tranquilizar o tecido social, de atenuar o alvoroço gerado pelo afrontamento à lei, bem como dissuadir

potenciais criminosos, contendo os seus instintos primários.

Em caso algum, qualquer que seja a sua valência, a ponderação desses interesses pode suplantar a medida da culpa, que limita pelo topo a medida da pena.

Pelo que, a pena a aplicar ao arguido deve fazer-lhe sentir a gravidade da sua conduta e de um modo justo, equilibrado e razoável e adverti-lo a que de ora em diante, não deve voltar a prevaricar, respeitando os valores que as normas legais protegem, pelo que apenas a pena de prisão se deve aplicar a todos os crimes cometidos, afastando em qualquer caso a aplicação de uma pena de multa.”

E entendeu dever punir o arguido AA, pelo crime de homicídio agravado e na forma tentada, p. e p., nos artigos 131º, 22º, 23º e 73º, todos do CP, e artigo 86º n.º 3 da Lei nº 5/2006 de 23.02, em dez (10) anos de prisão.

Pena encontrada considerando a moldura penal de “no mínimo de oito anos, seis meses e doze dias (8 anos, 6 meses e 12 dias) e no máximo temos catorze anos, dois meses e 20 dias (14 anos, 2 meses e 20 dias)”, como referido no acórdão recorrido.

Porém, considerando a moldura penal agora encontrada de 2 (dois) anos 1 (um) mês e 18 (dezoito) dias a 14 (catorze) anos 2 (dois) meses e 20 (vinte) dias, e, ainda, por razões de equidade e proporcionalidade haverão de considerar-se, ainda, outras referências jurisprudenciais deste Tribunal mantendo-se o equilíbrio e constância nas decisões e igualdade ou proximidade das penas cominadas para casos semelhantes10.

Do exposto, atento o disposto no artigo 40º e 71º do Código Penal, tudo o que foi considerado no acórdão recorrido, considerando, porém, a persistência com que o arguido tentou concretizar os seus intentos, justifica-se reduzir a pena de 10 (dez) anos de prisão e fixá-la em 7 (sete) anos de prisão, pela prática do crime de homicídio agravado na forma tentada, p. e p. pelos art.º 22º, 23º, 131º, do Código Penal e art.º 86º, n.º 3 e 4 da Lei 5/2006, de 23.02.

2.2.6. Pena única.

A alteração da pena parcelar pela prática do crime de homicídio agravado na forma tentada, implica a alteração da pena única conjunta de 11 (onze) anos de prisão em que o recorrente acabou condenado.

No caso, concorrem para o cúmulo jurídico:

1-a pena de 7 (sete) anos de prisão, pelo crime de homicídio agravado, na forma tentada;

2-a pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, no que respeita ao crime de detenção de arma proibida;

3- a pena de 1 (um) ano de prisão pelo crime de ameaça agravada.

A moldura penal tem, assim, como limite mínimo, 7 (sete) anos de prisão (pena parcelar mais alta das penas concretamente aplicadas aos três crimes), e como limite máximo, 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão (soma das três penas aplicadas).

Determina o art.º 77º, n.º 1 do CP, que quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

A pena única referida no artigo 77.º, n.º 1, do CPP, corresponde, assim, a uma pena conjunta que tem por base as correspondentes aos crimes em concurso, efectuando-se o cúmulo jurídico.

A medida concreta da pena não é obtida através de operações aritméticas, resultando, antes, de uma ponderação judicial dos factos e da personalidade do agente e demais critérios a que se referem os artigos 40º, 71º e 77º do CP.

“Na determinação da pena única a aplicar, há que fazer uma nova reflexão sobre os factos em conjunto com a personalidade do arguido, pois só dessa forma se abandonará um caminho puramente aritmético da medida da pena para se procurar antes, adequá-la à personalidade unitária que nos factos se revelou”11.

Em tudo devem ainda considerar-se “os princípios da proporcionalidade, da adequação e proibição do excesso”12, que devem presidir à fixação da pena conjunta.13

“Tudo se deve passar como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão só, uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”, como ensina o Prof. Figueiredo Dias.14

As conexões ou ligações fundamentais, na avaliação da gravidade do ilícito global, são as que emergem do tipo e número de crimes; da maior ou menor autonomia e frequência da comissão dos delitos; da igualdade ou diversidade de bens jurídicos protegidos violados; da motivação subjacente; do modo de execução, homogéneo ou diferenciado; das suas consequências e da distância temporal entre os factos – tudo analisado na perspetiva da interconexão entre todos os factos praticados e a personalidade global de quem os cometeu, de modo a destrinçar se o mesmo tem propensão para o crime, ou se, na realidade, estamos perante um conjunto de eventos criminosos episódicos, devendo a pena conjunta refletir essas singularidades da personalidade do agente.15

A pena deve, ainda, servir finalidades exclusivamente de prevenção geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena, não podendo ultrapassá-la.16

Para além dos factos praticados, importa, ainda, ponderar as condições pessoais e económicas do agente, a sua recetividade à pena e a suscetibilidade de ser por ela influenciado, elementos particularmente relevantes para apuramento das exigências de prevenção.17

No acórdão recorrido pode ler-se que para a determinação da pena única o Tribunal teve em consideração, que, “face a tudo quanto antes se disse, designadamente a gravidade dos factos cometidos, as necessidades de prevenção especial e geral serem muito elevadas, a sua postura em julgamento, que não assumiu os factos, o não se ter mostrado verdadeiramente arrependido, enfim entendemos como justa, equilibrada e satisfazendo as necessidades de reprovação e prevenção a pena única de onze (11) anos de prisão, que será efectiva.”

Neste contexto, valorando o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto todos os factos em presença, a sua relacionação com a personalidade da recorrente e os fins das penas, numa moldura penal entre 7 (sete) anos e 9 (nove) anos e 6 meses de prisão, entendemos adequada a pena única conjunta de 7 (sete) anos e 10 (dez) meses de prisão, que está dentro daqueles parâmetros referidos e em consonância com a jurisprudência deste Tribunal e se ajusta aos critérios emergentes dos artigos 40º, 71.º e 77.º, n.º 1, parte final, todos do Código Penal, e que, agora, é aplicada.

2.2.7. Suspensão da execução da pena.

Nestes termos, uma vez confirmada a pena de prisão de 7 (sete) anos e 10 (dez) meses, de prisão, fica, também, excluída a possibilidade de suspensão da execução da pena, que pressupõe a aplicação de uma pena de prisão inferior a 5 anos, como determina o artigo 50.º do Código Penal.

3. Decisão.

Pelo exposto, o Supremo Tribunal de Justiça, 3ª secção criminal, acorda em

conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido AA

, e, consequentemente, em:

-Reduzir e fixar em 7 (sete) anos de prisão a pena pela prática do crime de homicídio agravado, na forma tentada, p. e p. pelos art.º 22º, 23º e 131º do Código Penal e art.º 86º n.ºs 3 e 4 da Lei 5/2006, de 23.02;

-Condenar o arguido na pena única de 7 (sete) anos e 10 (dez) meses de prisão;

-No mais, negar provimento ao recurso confirmando, antes, o acórdão recorrido.

Sem custas (art.º 513º nº 1 do Código de Processo Penal).


*


Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 29 de Outubro de 2025

António Augusto Manso (Relator)

Maria Margarida Almeida (Adjunta)

José Carreto (Adjunto)

___________


1. Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense ao Código Penal, Parte Especial, Coimbra Editora, tomo I, p. 343.

2. Maria da Conceição Ferreira da Cunha, As Reacções Criminais no Direito Português, 2ª edição, UCP Editora, pág. 49.

3. Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra: Coimbra Ed., 2005, p. 154), citado no Ac. do STJ de 11-02-2016, proferido no âmbito do Processo n.º 26/13.4GGIDN.S1, in Jurisprudência do STJ.↩︎

4. Como diz Jescheck, In "Tratado de Derecho Penal - Parte General", 5ª ed. Pág. 827, citado no Ac. do STJ de 11-02-2016, proferido no âmbito do Processo n.º 26/13.4GGIDN.S1, in Jurisprudência do STJ.

5. Acórdão do STJ de 04-02-2016, proferido no âmbito do Processo n.º 26/13.4GGIDN.S1, in Jurisprudência do STJ

6. Idem.

7. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 3ª edição, Gestelegal, Coimbra, p. 96.

8. 13-Eduardo Correia, in “Direito Criminal”, Coimbra, Reimpressão, 1993, Vol. I, pág. 316, citado no Ac. proferido no proc. n.º 580/16.9T9OER.L1.S1, in www.dgsi.pt.

9. 14-Jorge Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, vol. I, Coimbra Editora, p. 96.

10. Como decidido nos processos n.º 2489/23.0PFLSB.L1.S1, n.º 99/23.1PJAMD.S1, n.º 757/20.2PGALM.L1.S1, n.º 151/16.0JAPTM.E1.S1, in www.dgsi.pt.

11. 6 Ac. do STJ de 19.05.2021, proc. n.º 36/20.5GCTND.C1.S1, www.dgsi.pt

12. 7 Ac. do STJ de 31.03.2011, proc. n.º 169/09.9SYLSB.S1, www.dgsi.pt

13. 9 Neste sentido, podem ver-se aplicações concretas nos acórdãos de 21-11-2006, processo n.º 3126/06-3.ª, CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 228, de 14-05-2009, no processo n.º 170/04.9PBVCT.S1-3.ª; de 10-09-2009, no processo n.º 26/05. 8SOLSB-A.S1, como se lê no ac. do STJ de 14.12.2023, proferido no processo n.º 130/18.2JAPTM.2.S1, in www.dgsi.pt, citando o ac. do STJ de 31.03.2011, proc. n.º 169/09.9SYLSB.S1.

14. 10 Citado no Ac. do STJ de 25.09.2024, proferido no proc. 3109/24.1T8PRT, 3ª secção, e v. ainda, o acórdão de 25.10.2023, Proc. 3761/20.7T9LSB.S1, em www.dgsi.pt, e jurisprudência nele mencionada.

15. 11 Ac. do STJ de 03.04.2025, proferido no processo n.º 30/22.1GBLRA.S1, in www.dgsi.pt

16. 12 Ac. do STJ de 06.01.2021, proferido no proc. n.º 634/15.9PAOLH.S2, in www.dgsi.pt

17. 13 Ac. do STJ de 14.12.2023, proferido no processo n.º 130/18.2JAPTM.2.S1, in www.dgsi.pt Ac. do STJ de 14.12.2023, proferido no processo n.º 130/18.2JAPTM.2.S1, in www.dgsi.pt