I - No caso do tráfico internacional de estupefacientes, por meio dos chamados “correios de droga” são elevadas as necessidades de prevenção geral, dada a rápida disseminação e danosidade social causadas.
II - Vem o Supremo Tribunal de Justiça valorizando, há muito, a importância dos “correios de droga”, como peça fundamental na execução do crime e na cadeia delitiva do tráfico de estupefacientes concorrendo, de modo directo, para a sua rápida dispersão, pelo que não merecem um tratamento penal de favor.
III - A pena de 5 cinco anos e 3 três meses de prisão em que foi condenado o arguido recorrente, pela prática, como coautor material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no art.º 21º, nº 1 do Decreto-lei n.15/93 de 22 de Janeiro, por referência à Tabela I-B anexa ao mesmo diploma (1.107,069 gramas), mostra-se justa, adequada e fixada de harmonia com os princípios da necessidade e da proporcionalidade das penas, sem que ultrapasse a medida da sua culpa.
Acordam, em conferência, na 3ª secção do Supremo Tribunal de Justiça
1. Relatório
1.1. Nos presentes autos de processo comum, com intervenção de Tribunal Colectivo, que correm termos no Juízo Central Criminal de Lisboa-J3, sob pronúncia que recebeu a acusação do Ministério Público, foi submetido a audiência de julgamento, o arguido AA, devidamente identificado nos autos, a quem era imputada a prática, em coautoria, de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 21.º n.º 1 da Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, por referência à Tabela anexa I-B, anexa ao mesmo diploma legal.
1.2.A final foi proferida a seguinte decisão, no que aqui releva: “[n]nestes termos o tribunal decide:
I - Condenar cada um dos arguidos, AA e (a coarguida), pela prática, em coautoria material, de um crime de tráfico de produtos estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 21.º, n.º 1, com referência à tabela I-B, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, na pena de 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de prisão.
II - Condenar cada um dos arguidos, AA e (a coarguida), na pena acessória de expulsão do território nacional pelo período de 5 (cinco) anos – artigo 34.º, n.º 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro, por referência aos artigos 134.º, n.º 1, alíneas e) e f), 140.º, n.º 2, e 151.º, n.ºs 1 e 3, da Lei nº 23/2007, de 4 de julho.”
1.3. Inconformado com o acórdão condenatório, dele recorre o arguido AA.
A final, formula as seguintes conclusões:
“1 – O arguido AA não se conformando com o Douto Acórdão proferido nos presentes autos, vem recorrer da pena aplicada que se considera exagerada;
2 – O arguido foi condenado pela prática em coautoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelos artigos 21º, n.º 1, com referência à tabela I-B, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, na pena de 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de prisão.
3 – E foi condenado na pena acessória de expulsão do território nacional pelo período de 5 (cinco) anos – artigo 34.º, n.º 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro, por referência aos artigos 134.º, n.º 1, alíneas e) e f), 140.º, n.º 2, e 151.º, n.ºs 1 e 3, da Lei nº 23/2007, de 4 de julho.
4 - O presente recurso versa sobre matéria de direito.
5 - O presente recurso delimita o respetivo objecto à determinação da medida da pena.
6 – Foram dados como provados todos os factos constantes da acusação;
7 - O Recorrente, em declarações confessórias admitiu a autoria do crime pelo que a prova testemunhal foi prescindida, face à confissão integral, e terá necessariamente de ser punido, contudo não pode conformar-se com a medida da pena de prisão que lhe foi aplicada, por ser manifestamente desadequada e desproporcionada;
8 - Mais, tem consciência e embaraço em relação à sua imagem social pois fica associado ao crime de tráfico de estupefacientes, que a sociedade reprova;
9 - O Recorrente está perfeitamente integrado socialmente e familiarmente no Brasil; não teve qualquer contacto com o consumo de estupefacientes, aliás não possui quaisquer antecedentes criminais;
10 - Aliás, atenta a matéria de facto provada, considera-se que a culpa é de grau médio e não acentuada, não impedindo o preenchimento das finalidades de prevenção geral, ainda que elevadas neste tipo de ilícito;
11 - Pelo que, o Recorrente apela que lhe seja dada uma merecida e justa oportunidade de iniciar um correcto caminho, sendo ainda jovem e encontrando-se a tempo de enveredar por uma vida viável, longe dos meandros da marginalidade;
12 - Ainda que o Tribunal a quo valorize a quantidade de produto estupefaciente que o mesmo transportava para fundamentar a escolha da pena em 5 anos e 3 meses, determinando o grau de ilicitude e medida da culpa, o certo é que tal circunstância não é suficiente para, tão-só, optar por uma pena de prisão efectiva tão pesada. Aliás, muitos acórdãos para diferentes quantidades do mesmo produto estupefaciente, aplicam a mesma medida de pena;
13 - A actuação do arguido traduz-se num vulgar “correio de droga”, sem que tivesse o domínio do facto, ou seja no sentido de ser ele, em concreto, o dono da droga que lhe foi apreendida, nem quem destinava tal produto para venda ao público, com manifesta intenção de obter daí um avultado lucro económico;
14 - Considerando todas as envolventes do comportamento do Arguido, tendo em conta as exigências de reprovação e prevenção da prática de futuros crimes e os demais factores estabelecidos no art.º 71.º do Código Penal, face ao quadro punitivo aplicável, entende-se adequada a aplicação ao Arguido de uma pena inferior à aplicada, a qual não afronta os princípios da necessidade, proibição do excesso ou proporcionalidade das penas (art. 18.º, n.º 2 C.R.P.), nem as regrasdaexperiência,anteséadequadaeproporcionalàdefesadoordenamento jurídico, e não ultrapassa a medida da culpa do Arguido, mostrando-se proporcional e adequada;
15 - Assim, a pena encontrada pela instância violou o disposto no art.º 71ºe 40º todos do C.P..
16 - Nestes termos e nos melhores de direito, deverá ser alterada a Douta Decisão recorrida, considerando-se o recurso interposto procedente, e condenar o Arguido pela prática em coautoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelos artigos 21º, n.º 1, e 34º, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22-01, em conjugação com o disposto no art.º 151º, n.º 1 e 3, da Lei n.º 23/2007, de 04-07, numa pena abaixo daquela em que foi condenado, próximo do limite mínimo legal previsto, e ainda na pena acessória de expulsão de território nacional pelo período de 5 (cinco) anos.” (…)
1.4. Ao recurso respondeu a Sra. Procuradora da República naquele Juízo Criminal concluindo que O Ministério Público entende que o recurso deve ser improcedente.
Os critérios legais para a determinação do quantum da pena encontram-se cristalizados nos artigos 71.º ns.º1 e 2 e 40.º n.º2, ambos do Código Penal, os quais determinam que a mesma é efectuada em função da culpa do agente (limite máximo), das exigências de prevenção geral (limite mínimo) e especial (critério determinante dentro da moldura encontrada pela culpa e pela prevenção geral).
O referido artigo 71.º refere algumas circunstâncias que, sendo meramente indicativas, encerram em si a possibilidade de revelarem a gravidade do facto e as necessidades concretas de prevenção (especial e geral).
In casu, conforme consta do acórdão na determinação concreta da pena foi tido em conta a culpa do arguido que se apresentou elevada, sendo que agiu com dolo direto; as necessidades de prevenção geral, que a este tipo de ilícito respeita, que se afiguram elevadas; as exigências de prevenção especial positiva que no caso concreto se apresentam medianas; a qualidade (cocaína – cloridrato) e a quantidade de estupefaciente que o arguido tentava introduzir em Portugal (1.107,069 gramas), sendo a ilicitude superior à média; foi tido ainda em conta a confissão integral e sem reserva e o arrependimento manifestado pelo arguido, bem como o facto de não apresentar antecedentes criminais e a suas condições de vida enunciadas no relatório social.
O Ministério Público considera que foi efectuada uma correcta aplicação dos critérios legais que regem a determinação da medida da pena, tendo sido sopesados todos os factos e circunstâncias que militaram a favor e contra o arguido, incluindo a factualidade constante no relatório social do arguido.
A determinação da medida da pena foi objecto de ponderada reflexão, considerando o circunstancialismo concreto da actuação do arguido; as políticas de reinserção social e as exigências de prevenção geral e especial, tendo sido efectuada a análise de todas as circunstâncias que depõem a favor do arguido e contra ele, como determina o artigo 71º do Código Penal.
A pena aplicada afigura-se justa, proporcional e adequada aos factos dados como provados, à medida da culpa do arguido, bem do às exigências de prevenção geral e especial sentidas, pelo que deverá ser mantida.
Assim, porque nada encontramos que nos mereça censura no acórdão ora recorrido, sendo que não violou qualquer norma ou princípio legal, deve negar-se provimento ao recurso, confirmando-se in totum o mesmo.”
1.5. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto, neste Supremo Tribunal de Justiça emitiu parecer, no sentido da total improcedência do recurso, concluindo, “[a]ssim sendo, entende-se que a pena aplicada ao arguido recorrente AA (bem como a aplicada à coarguida) não merece censura, inexistindo qualquer necessidade de intervenção corretiva deste Supremo Tribunal de Justiça.”
Foi cumprido o disposto no art.º 417º n.º 2 do CPP.
Foram os autos aos vistos e à conferência,
Decidindo,
2. Fundamentação
2.1. De Facto.
A matéria de facto apurada constante do acórdão recorrido é a seguinte:
2.1.1. Factos provados:
“1.Em momentonão concretamente apurado, mas anterior a 8de agosto de 2024, os arguidos AA (e coarguida), juntamente com outros indivíduos cuja identidade não logrou apurar-se, decidiram transportar produto estupefaciente do Brasil para Portugal, mediante o pagamento de retribuição não concretamente apurada;
2.Assim, na execução do referido plano, no dia 8 de agosto de 2024, em momento anterior às 17 horas e 5 minutos (locais) e em local não concretamente apurado da cidade de São Paulo, no Brasil:
− O arguido ingeriu 111 embalagens (“bolotas”) contendo no seu interior cocaína (cloridrato), com o peso líquido global de 1.107,069g (um quilo, cento e sete gramas e sessenta e nove miligramas); e
− A arguida ingeriu 100 embalagens (“bolotas”) contendo no seu interior cocaína (cloridrato), com o peso líquido global de 993,843g (novecentos e noventa e três gramas, oitocentos e quarenta e três miligramas);
3.Tal ingestão pretendia dificultar a deteção do produto aquando da passagem de AA (e coarguida) pelos sistemas de controlo instalados nos aeroportos por onde iriam circular;
4.Seguidamente, pelas 17 horas e 5minutos (locais), os arguidos embarcaram no voo LA..46, com destino a Lisboa, onde chegaram pelas 6 horas e 35 minutos do dia seguinte, tendo sido selecionados para entrevista pela Polícia de Segurança Pública a fim de apurar os motivos das respetivas viagens;
5.Os arguidos informaram, então, que transportavam no interior do corpo embalagens contendo cocaína;
6.Ainda no decurso da entrevista, a coarguida expeliu 18 embalagens contendo cocaína;
7.Por seu turno e já depois de os arguidos serem transportados para as instalações da Polícia Judiciária, AA expeliu 28 embalagens contendo cocaína;
8.Seguidamente, os arguidos foram transportados para o Hospital das Forças Armadas, onde expeliram o remanescente das embalagens que haviam ingerido, respetivamente 83 no caso de AA e 82 no caso de BB;
9.O arguido AA trazia ainda consigo:
− Um telemóvel Apple Iphone11, que se destinava a ser utilizado nos contactos entre os arguidos e os demais indivíduos acima referidos, para receberem instruções para a viagem e entrega do produto estupefaciente no destino;
− As quantias de 500 € e de 76 BRL, para fazer face às despesas inerentes à viagem para transporte do produto que lhe foi apreendido;
10. Por seu turno, BB tinha consigo:
− Um telemóvel Samsung, destinado a ser utilizado nos contactos entre os arguidos e os demais indivíduos acima referidos, para receberem instruções para a viagem e entrega do produto estupefaciente no destino;
− As quantias de 480 € e de 20 BRL, para fazer face às despesas inerentes à viagem para transporte do produto que lhe foi apreendido;
11. Os arguidos conheciam perfeitamente a natureza e as características estupefacientes do produto que traziam consigo, tendo acedido ao respetivo transporte por lhes ter sido prometida retribuição não concretamente apurada;
12. Os arguidos atuaram em conjugação de esforços e de intentos e na sequência de prévia combinação entre cada um e terceiros cuja identidade não logrou apurar-se e de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que a detenção, transporte e comercialização de cocaína eram proibidos e punidos por lei;
13. Os arguidos nasceram ambos no Brasil, possuem nacionalidade brasileira, têm família, atividade profissional e residência nesse país;
14. Não possuem familiares, residência ou atividade profissional em território português;
15. As respetivas viagens para Portugal tiveram como única finalidade o transporte de cocaína, destinada à venda a terceiros;
Mais, provou-se que:
16. Os arguidos confessaram os factos integralmente e sem reservas e manifestaram arrependimento pela prática dos mesmos;
17. As quantias referidas em 9. e 10. destinavam-se ser utilizados na atividade de tráfico de estupefaciente;
18. O arguido AA trabalhou no Brasil como gerente de um restaurante, não se encontrando a trabalhar à data dos factos;
19. O arguido vive em casa do pai de uma sua irmã;
20. O arguido estudou 13 anos no Brasil;
21. O arguido não atesta qualquer condenação no seu registo criminal;
22. A arguida BB é cabeleireira de profissão, encontrando-se sem trabalho à data dos factos;
23. A arguida tem 2 filhos, respetivamente, com 5 e 10 anos de idade, os quais se encontram presentemente a residir com a avó paterna;
24. À data dos factos a arguida residia com os seus filhos em casa arrendada;
25. A arguida estudou 13 anos no Brasil;
26. A arguida não atesta qualquer condenação no seu registo criminal.
O Tribunal formou a sua convicção quanto aos factos com base na análise que fez das declarações confessórias prestadas por cada um dos arguidos em audiência de julgamento.
Considerou, ainda, o teor de fls. 7 a 13 (auto de notícia e detenção), 17 (auto de teste rápido), 20 (cópia do passaporte da arguida BB), 21-22 (auto de apreensão e reportagem fotográfica), 23-24 (documentação de viagem), 26 (auto de teste rápido), 29-30 (cópia do passaporte do arguido AA), 31 (auto de apreensão), 32-33 (documentação de viagem), 64 (auto de teste rápido), 65 (auto de apreensão), 110 (auto de teste rápido), 111 (auto de apreensão), 222 e 225 (relatórios de exames toxicológicos).
No que se refere às respetivas condições pessoais, considerou o Tribunal as declarações prestadas por cada arguido a esse respeito, tendo a ausência de condenações dos respetivos registos criminais resultado da análise dos certificados de registo criminal juntos aos autos com as refer.ªs .......77 e .......91, de 22.01.2025.”
2.2. De Direito
2.2.1. O recurso tem por objeto um acórdão proferido pelo tribunal colectivo, no Juízo Central Criminal de Lisboa-J3, que condenou o arguido recorrente na pena de 5 anos e 3 meses de prisão – art.º 432º, n.º 1, c), do CPP.
É pelas conclusões que se afere o objecto do recurso (402º, 403º, 410º e 412º do CPP), sem prejuízo, dos poderes de conhecimento oficioso (artigo 410.º, n.º 2, do CPP, AFJ n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995, 410º, n.º 3 e artigo 379.º, n.º 2, do CPP).
Levando em conta as conclusões do arguido recorrente, questiona o arguido recorrente a determinação da medida da pena, de 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de prisão em que foi condenado.
2.2.2. Determinação da medida da pena.
a.Alega o recorrente que delimita o respetivo objecto do recurso à determinação da medida da pena, por ser manifestamente desadequada e desproporcionada.
Sente-se embaraçado em relação à sua imagem social pois fica associado ao crime de tráfico de estupefacientes, que a sociedade reprova. Diz estar perfeitamente integrado socialmente e familiarmente no Brasil. Acha que a culpa é de grau médio e não acentuada, não impedindo o preenchimento das finalidades de prevenção geral, ainda que elevadas neste tipo de ilícito.
Apela que lhe seja dada uma merecida e justa oportunidade de iniciar um correcto caminho, sendo ainda jovem
Apesar da quantidade de produto estupefaciente que o mesmo transportava não é suficiente para, tão-só, optar por uma pena de prisão efectiva tão pesada.
A sua actuação traduz-se num vulgar “correio de droga”, sem que tivesse o domínio do facto, ou seja no sentido de ser ele, em concreto, o dono da droga que lhe foi apreendida.
Defende que deverá ser condenado numa pena abaixo daquela em que foi condenado, próximo do limite mínimo legal previsto, e ainda na pena acessória de expulsão de território nacional pelo período de 5 (cinco) anos.”
b.Diga-se, antes de mais, que o recurso se apresenta como um “remédio jurídico”, só devendo o tribunal de recurso intervir correctivamente se para tal houver razões.
Como é sublinhado no Acórdão do STJ de 19.05.20211, “os recursos não são novos julgamentos da causa, mas tão só remédios jurídicos. Assim, também em matéria de natureza e medida da pena.
Daqui resulta que o tribunal de recurso intervém, alterando a pena, se e quando detecta incorrecções ou lapsos no processo de aplicação desenvolvido em primeira instância, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que a regem.
Não decide “ex novo”, como se não tivesse já sido proferida uma decisão em primeira instância.
O recurso não pode, pois, eliminar alguma margem de actuação, de apreciação livre, de discricionariedade reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do acto de julgar.”
E acrescenta que “[a] sindicabilidade da medida concreta da pena em via de recurso, abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada”2.
E que a fundamentação é, também, nestes casos bem menos exigente, incidindo sobre outra decisão que motivou a convicção, não directamente sobre o objecto do processo.
Ora, da leitura do acórdão recorrido, não se evidencia a inobservância de qualquer regra legal ou princípio respeitante à determinação da pena.
Nomeadamente os princípios da necessidade, da proporcionalidade e da culpa
enquanto limite inultrapassável, sendo, por isso de manter a pena encontrada.
Com efeito o acórdão recorrido confirmou a prática pelos recorrentes, como coautores materiais, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no art.º 21º, nº 1 do Decreto-lei n.15/93 de 22 de Janeiro, por referência à Tabela I-B anexa ao mesmo diploma, quanto ao arguido recorrente. A moldura abstrata, legalmente prevista, vai de 4 a 12 anos de prisão.
Seguiu-se-lhe a análise das finalidades das penas, conjugadas com a culpa do arguido, fundamento e limite de qualquer pena, tal como estabelecidas no artigo 40º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal.
E depois, uma valoração crítica das circunstâncias que depõem a favor e contra o arguido, nomeadamente as previstas nas diversas alíneas do n.º 2 do artigo 71º do Código Penal.
Aí se diz, “assim, no caso dos autos, devem atender-se aos seguintes critérios, ao abrigo daquele artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal:
i-considerando a qualidade (cocaína – cloridrato) e a quantidade de estupefaciente que cada um dos arguidos tentava introduzir em Portugal (o arguido 1.107,069 gramas e a arguida 993,843 gramas), a ilicitude é superior à média,
ii-o dolo de ambos os arguidos é direto,
iii-os arguidos confessaram os factos integralmente e sem reservas e manifestaram arrependimento pela prática dos mesmos,
iv-o arguido AA trabalhou no Brasil como gerente de um restaurante, não se encontrando a trabalhar à data dos factos,
v-o arguido vive em casa do pai de uma sua irmã,
vi-o arguido estudou 13 anos no Brasil,
vii-o arguido não atesta qualquer condenação no seu registo criminal.”
“Ponderando os vários elementos supra expostos, entende o Tribunal que relevam, de forma média, as exigências de prevenção especial positiva no caso concreto, decidindo o Tribunal condenar cada um dos arguidos na pena de 5 anos e 3 meses de prisão”, não merecendo censura ou reparo.
c.Na verdade, é incontroverso que o arguido incorreu na prática do crime de tráfico de estupefacientes, previsto no art.º 21º, nº 1 do Decreto-lei n.º 15/93 de 22 de Janeiro, punível com pena de prisão de 4 a 12 anos de prisão.
Defende o recorrente que deverá ser condenado numa pena abaixo daquela em que foi condenado, próximo do limite mínimo legal previsto, e ainda na pena acessória de expulsão de território nacional pelo período de 5 (cinco) anos.
E invoca o disposto nos art.ºs 18º, n.º 2 da CRP, 40º e 71º do CP, 21º, n.º 1, e 34º, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22-01, em conjugação com o disposto no art.º 151º, n.º 1 e 3, da Lei n.º 23/2007, de 04-07.
No caso, levando em conta os factos dados como provados e o crime cometido, são claramente elevadas as exigências de prevenção, mormente as de prevenção geral, e com elas concorrem exigências de prevenção especial, cuja avaliação não acaba na constatação da inexistência de passado criminal, como invoca o recorrente.
Como se diz no acórdão do STJ de 18-02-20213, “[a] falta de antecedentes criminais de relevo, nomeadamente pela prática de crimes de idêntica natureza à do crime pelo qual foi condenado, não é circunstância atenuante a ser valorada a favor do arguido, dado que o comportamento anterior conforme as regras legais é exigido a todo e qualquer cidadão, como modo de viver em sociedade.
O que é valorado, positivamente, é o bom comportamento anterior, quando superior ao comportamento normal dos demais indivíduos do seu meio socioeconómico.”
O recorrente, não têm antecedentes criminais, mas, os factos provados, denunciam essas exigências de prevenção especial.
Com efeito, o recorrente em execução de plano previamente acordado, no dia 8 de agosto de 2024, ingeriu 111 embalagens (“bolotas”) contendo no seu interior cocaína (cloridrato), com o peso líquido global de 1.107,069g (um quilo, cento e sete gramas e sessenta e nove miligramas). Tal ingestão pretendia dificultar a deteção do produto aquando da passagem do recorrente pelos sistemas de controlo instalados nos aeroportos por onde iriam circular. Seguidamente, pelas 17 horas e 5minutos (locais), os arguidos embarcaram no voo LA..46, com destino a Lisboa, onde chegaram pelas 6 horas e 35 minutos do dia seguinte, tendo sido selecionados para entrevista pela Polícia de Segurança Pública a fim de apurar os motivos das respetivas viagens. Os arguidos informaram, então, que transportavam no interior do corpo embalagens contendo cocaína.
Pode ler-se, ainda, no Ac. do STJ de 05.02.20204, sobre o crime de tráfico de estupefacientes, que “em cada momento produz o maior número de reclusos nos estabelecimentos prisionais que o tráfico de estupefacientes é dos domínios em que a previsão abstrata da punição tem menor efeito dissuasor. Em idêntico sentido parecem apontar as estatísticas sobre reincidência. Referiu-se já que é um desígnio europeu universal impedir e nacional reprimir a atividade dos traficantes de droga, punindo-os com penas que, ao mesmo tempo, “deverão ser efetivas, proporcionadas e dissuasivas”.
O que tudo exige uma “postura de severidade”, na “punição dos traficantes”, exigindo-se rigorosa repressão e um “forte contributo de dissuasão”, como, também, assinala A. Lourenço Martins5, não permitindo, as exigências de prevenção geral que seja aplicada ao crime de tráfico a pena de prisão efetiva no seu limite mínimo6.
Sendo, também, finalidade das penas a tutela dos bens jurídicos, como referido, e previsto no art.º 40º, n.º 1, do Código Penal, e definindo a necessidade desta protecção os limites daquelas há que levar em conta o bem jurídico tutelado no tipo legal, neste caso, de tráfico de estupefacientes.
Como é consabido, para além de estarmos perante um crime de perigo abstrato, não sendo necessária a verificação do dano, estamos, também, em presença de um crime pluriofensivo, tratando-se de um crime de perigo comum, pois a incriminação visa proteger uma multiplicidade de bens jurídicos, de carácter pessoal, - como a vida, a integridade física e a liberdade dos potenciais consumidores, geralmente as camadas mais jovens do tecido social -, de bem-estar da sociedade, a saúde publica, a economia do Estado - na medida em que cria uma economia paralela incontrolável -, a segurança - na medida em que acarreta a prática de outros crimes que lhe andam associados7.
“O escopo do legislador”, como se diz no Acórdão do Tribunal Constitucional 426/91, de 06 de Novembro de 1991, publicado no Diário da Republica, II série, n.º 78, de 02 de abril, de 1992, (seguido pelo Ac. do Tribunal Constitucional n.º 441/94, de 07.06.1994, publicado no Diário da Republica, IIª série, n.º 249, de 27.10.19948, é evitar a degradação e a destruição de seres humanos, provocadas pelo consumo de estupefacientes, que o respectivo tráfico indiscutivelmente potencia.”
Na verdade, são grandes as necessidades e exigências da prevenção geral e de defesa dos bens jurídicos protegidos, numa sociedade que vive fustigada pelo fenómeno do consumo e tráfico de droga, que, como já referido, gera, a montante e a jusante, outro tipo de criminalidade9.
Sendo, ainda, considerado, na definição da al. m) do art.º 1º, do Código de Processo Penal, o tipo legal de tráfico de estupefacientes como integrante do conceito de “criminalidade altamente organizada”.
d.Participação residual nos factos, a de um simples “correio de droga”.
Considera, ainda, o recorrente que a sua actuação traduz-se num vulgar “correio de droga”, sem que tivesse o domínio do facto, ou seja no sentido de ser ele, em concreto, o dono da droga que lhe foi apreendida, nem quem destinava tal produto para venda ao público, com manifesta intenção de obter daí um avultado lucro económico.
Possivelmente, por isso, os “correios de droga”, por não serem os dominus negotii, poderão ter sido, numa fase inicial, alvo de tratamento diferenciado, não sendo a sua acção punida tão severamente.
Por isso, ou também por isso, o número dos “correios de droga” não para de crescer nos últimos anos, sendo prementes e elevadas, ainda por este motivo também, as exigências de prevenção.
O “correio de droga” integra-se no mundo do narcotráfico no transporte
intercontinental de produtos estupefacientes, sendo o seu posicionamento de segunda linha ou de segundo plano em relação ao dono do negócio, sendo apenas executor pago ao transporte realizado.
Aparentemente, como vulgar correio de droga, como se intitula o recorrente, a sua participação nos factos seria apenas residual, podendo até ser visto visto com comiseração, pois coloca em risco a sua liberdade e, por vezes, a saúde ou até a própria vida, como o caso dos autos demonstra. Na sua origem, a figura do correio, está associada às “cinturas humanas mais degradadas das grandes metrópoles sul americanas, mais tarde da Nigéria e de outros países do continente africano”10.
Porém, vem este Supremo Tribunal de Justiça11 “desde há muito, valorizando a
importância dos “correios de droga”, como peça fundamental na execução do ilícito e na cadeia delitiva do tráfico de estupefacientes concorrendo, de modo directo, para a sua disseminação, pelo que não merecem um tratamento penal de favor”.
No mesmo sentido, o acórdão de 11.10.202312, refere que “o Supremo Tribunal de Justiça vem desde há muito enfatizando a importância dos “correios de droga”, como peça fundamental na execução do ilícito e na cadeia delitiva do tráfico de estupefacientes concorrendo, de modo directo, para a sua disseminação, pelo que não merecem um tratamento penal de favor. No caso do tráfico internacional de estupefacientes, por meio dos chamados “correios de droga” assume-se como um critério de grande intensidade a prevenção geral, visando forte dissuasão de actividade compensatória financeiramente para aqueles, sob pena de uma verdadeira invasão, já por si muito acentuada, de introdução de estupefacientes na Europa através de países da periferia Europeia Atlântica, como Portugal.”
Sendo certo que no caso de transporte aéreo entre continentes, por meio dos chamados “correios de droga” facilita sobremaneira o tráfico e a sua actividade, a rápida disseminação do produto estupefaciente, causando grande danosidade social.
Assim, tendo a pena por finalidade a protecção dos bens jurídicos e, na medida do possível, a ressocialização do agente, e que não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa, a sua medida concreta resultará da medida da necessidade de tutela do bem jurídico (prevenção geral), sem ultrapassar a medida da culpa, intervindo a prevenção especial de socialização entre o ponto mais elevado da necessidade de tutela do bem e o ponto mais baixo, onde ainda é comunitariamente suportável essa tutela, como se lê no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.0213.
Por razões de equidade e proporcionalidade haverão de considerar-se, ainda, outras referências jurisprudenciais deste Tribunal mantendo-se o equilíbrio e constância nas decisões e igualdade ou proximidade das penas cominadas para casos semelhantes14.
Na verdade, a pena encontrada está em sintonia com a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça para casos semelhantes, que tem vindo a manter uma certa constância, com a aplicação ou confirmação de penas concretas entre 5 (cinco) e 7 (sete) anos de prisão15.
Considerando as finalidades das penas, em particular das elevadas exigências de prevenção geral e especial prementes neste caso, a necessidade de proteção dos bens jurídicos que com a incriminação se pretendem acautelar, a pena de
5 cinco anos e 3 três meses de prisão em que foi condenado o arguido recorrente, pela prática, como coautor material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no art.º 21º, nº 1 do Decreto-lei n.15/93 de 22 de Janeiro, por referência às Tabelas I-B anexa ao mesmo diploma (1.107,069 gramas), mostra-se justa, adequada e fixada de harmonia com os princípios da necessidade e da proporcionalidade das penas, sem que ultrapasse a medida da sua culpa.
Sendo a penas superior a 5 (cinco) anos de prisão, prejudicada fica a apreciação
de eventual suspensão de execução da pena.
Do exposto, conclui-se que não assiste razão ao recorrente, improcedendo o recurso.
3. Decisão:
Pelo exposto, o Supremo Tribunal de Justiça - 3ª secção criminal -, acorda em:
-julgar improcedente o recurso do arguido recorrente AA, confirmando-se, antes, o acórdão recorrido.
-Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 UCs, (art.º 513º, n.º 1 e 3 do CPP e art.º 8º, n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais e tabela III anexa).
- Comunique-se, pela via mais expedita ao tribunal da condenação.
Antonio Augusto Manso (relator)
José A. Vaz Carreto (Adjunto)
Horácio Correia Pinto (Adjunto)
__________
1. Proferido no proc. n.º 10/18.1PELRA.S1, in www.dgsi.pt
2. Figueiredo Dias, As Consequências Jurídica do Crime 1993, §254, p. 197, citado no ac. de 19.05.2021, 10/18.1PELRA.S1, in www.dgsi.pt.”
3. Proferido no proc. n.º 77/20.2PEVIS.C1.S1, in www.dgsi.pt
4. Processo n.º 41/176.9GBTVD.S1, www.dgsi.pt
5. Medida da Pena, Finalidades e Escolha, Coimbra Editora, 2011, p. 286.
6. Proferido no proc. n.º 77/20.2PEVIS.C1.S1, in www.dgsi.pt
7. v. ac. do STJ de 11.03.2020, proferido no processo n.º 71/19.6JDLSB.S1, www.dgsi.pt, 3ª secção.
8. Citado no Ac. do STJ de 11.03.2020, proferido no processo n.º 71/19.6JDLSB.S1, www.dgsi.pt, 3ª secção.
9. Do que, aliás, é expressivo, como referido no Ac. do STJ de 11.10.2023, proc. 504/22.4JELSB.L1.S1, www.dgsi.pt, “o salientado em documento assinado em Roma, a 11 de junho de 2021 por membros do Judiciário do Brasil, Argentina, Portugal e Itália apontando a necessidade de respostas penais diferenciadas para cada tipo de delito envolvendo as drogas.”
Daí que, alguma jurisprudência não aconselha a condenação pelo mínimo legal, nem a suspensão da execução da pena como se pode ler no sumário do Ac. deste STJ, de 15.01.2014, proc. 10/13.8JELSB.L1.S1, 3ªsecção, www.dgsi.pt. relatado pelo Conselheiro Maia Costa: “as extremas exigências de prevenção geral que levam a rejeitar, face ao disposto no n.º 1 do art.º 50º do CP, a possibilidade de suspensão da execução desta pena de prisão. A suspensão da pena envolveria necessariamente enfraquecimento inadmissível da protecção do bem jurídico tutelado, sabido que é que este fenómeno constitui um meio intensivamente utilizado pelas organizações que controlam a produção de estupefacientes para a sua colocação expedita nos países de maior consumo e que Portugal surge como um país normalmente utilizado como plataforma de entrada na Europa de droga provinda normalmente da América do Sul, quando se trata de cocaína.”
10. Como referido no Ac. do STJ de 15.09.2010, proferido no processo n.º 1977/09.6JAPRT.S1, 3ª secção, citado no Ac. de 11.03.2020, proc. 71/19.6JDLSB.S1, www.dgsi.pt.
11. Como se refere no Ac. do STJ de 11.10.2023, proferido no processo n.º 40/23.1JELSB.L1.S1, www.dgsi.pt.
12. Proferido no processo n.º 504/22.4JELSB.L1.S1, www.dgsi.pt.
13. Proferido no processo n.º 92/23.4JELSB.L1.S1., consultável in www.dgsi.pt.
14. v. acórdãos do STJ de 14.11.2024, proferido no processo n.º 526/22.5PFSXL.s1 e de 28.11.2024, proferido no processo n.º 135/23,1GBLLE.S1., in www.dgsi.pt.
15. v. ac. do STJ de 26.10.2023, proferido no processo n.º 202/22.9JELSB.L1.S1, www.dgsi.pt.
São exemplos os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 11.10.2023, proferido no processo n.º 540/22.4JELSB.L1.S1, de 02.12.2021, proferido no processo n.º 13/20.6GALLE, de 24.03.2022, proferido no processo n.º 134/21.8JE LSB.L1.S1, de 11.03.2020, proferido no processo n.º 71/18.6JDLSB.S1, e os inúmeros acórdãos aí citados, e ainda o acórdão de 21 de fevereiro de 2024, proferido no processo 101/23.7JELSB.L1.S1, e acórdão de 07.11.2024, proferido no processo n.º 448/23.2JELSB.S1, todos consultáveis in www.dgsi.pt.