I - O fundamento ou causa de nulidade da sentença, omissão de pronúncia, só se verifica quando o juiz deixa, em absoluto, de se pronunciar sobre questões, e não razões, que lhe foram submetidas pelas partes ou de que deva conhecer oficiosamente.
II - A menção de que a detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação sofridas pelo arguido serão descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão, deverá constar do acórdão cumulatório.
III - O momento processual para concretizar o desconto da detenção, da prisão preventiva e da obrigação de permanência na habitação sofridas pelo arguido, é o da execução da pena, da liquidação, relevando para a determinação do seu termo e para a determinação dos momentos intermédios para efeitos de concessão de liberdade condicional que, conforme o caso sejam de ponderar.
IV - O que se mostra mais favorável ao arguido por permitir sempre uma apreciação da liberdade condicional mais próxima do cumprimento efectivo da pena.
V - As penas de prisão suspensas na sua execução, estando os crimes em relação de concurso, devem integrar o cúmulo jurídico, sempre que não se encontrem extintas e não estejam prescritas, ou seja, que não tenham sido declaradas prescritas ou extintas por motivo diferente do cumprimento.
VI - Dispõe o artigo 81º do Código Penal, que “se a pena imposta por decisão transitada em julgado for posteriormente substituída por outra, é descontada, nesta, a pena anterior, na medida em que já estiver cumprida” (n.º 1), e “se a pena anterior e a posterior forem de diferente natureza, é feito na nova pena o desconto que parecer equitativo” (n.º 2).
VII - O desconto que parecer equitativo não pode considerar o simples decurso do tempo de suspensão, em que o condenado espera passivamente que se esgote esse período e nada faz de positivo, activamente, como o cumprimento de parte dos deveres ou regras de conduta a que tiver ficado condicionada a suspensão de execução da pena, e que agora pudesse justificar e ajudar a determinar a medida equitativa desse desconto.
VIII - Deverá o tribunal pronunciar-se sobre estas questões e decidir se no âmbito da suspensão de execução da pena o condenado cumpriu com os deveres ou regras de conduta que lhe foram impostas ou parte deles, que possam justificar a concessão de algum desconto no cumprimento da pena de prisão nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 81ºdo Código Penal
IX - Considerando em conjunto os factos e o que deles resulta acerca da personalidade do recorrente, ponderando, em especial, o número elevado de crimes pelos quais o mesmo foi já condenado, assumindo alguns dos crimes ora cometidos elevada gravidade, tais como vários crimes de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203º e 204º, n.º 1 e 2, burla informática qualificada, previsto e punido pelo artigo 221º, n.ºs 1 e 5, todos do Cód. Penal, os elevados montantes de que se apropriou, dentro das molduras abstratas de 3 (três) anos e 6 (seis) meses a 8 (oito) anos e 10 (dez) meses de prisão, no primeiro bloco e de 1 (um) ano e 6 (seis meses) a 9 (nove) anos no segundo, afiguram-se justas, equilibradas e proporcionais as penas cumulativas que lhe foram aplicadas pelo tribunal a quo, de 5 (cinco) anos e 3 (três) meses no primeiro bloco e de 4 (quatro) anos no segundo.
X - A suspensão de execução da pena pressupõe um prognóstico favorável, concretizado na esperança de que o condenado não voltará a delinquir, face à simples censura do facto e à ameaça da pena de prisão, que não se verifica.
Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça.
1. Relatório
1. Nos presentes autos de processo comum, em que é arguido AA, com intervenção de Tribunal Coletivo, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca da Aveiro, Juízo Central Criminal de Santa Maria da Feira-J2, foi proferido acórdão cumulatório, com o seguinte,
“Dispositivo:
a) determinar que a pena de prisão aplicada no processo nº 12/20.8GEVVD não integre este cúmulo jurídico de penas, considerando que já decorreu o prazo de suspensão da execução da pena de prisão, não tendo esta suspensão sido ainda revogada, extinta ou prorrogado o prazo de suspensão;
b) determinar que pedidos de indemnização civil, perdas de vantagens e as devoluções de bens determinadas nos processos cujas penas irão ser cumuladas infra, se mantenham autónomas a este acórdão, mantendo a sua autonomia nos acórdãos nos quais foram decididas;
c) desfazer os cúmulos jurídicos de penas de prisão efetuados nos processos nºs 889/18.7GAVNG e 4/23.5GAMTS.
d) operando o cúmulo jurídico das seguintes cinco penas parcelares de prisão (1º Bloco) aplicadas nos processos:
-d1) Processo nº 1921/18.0PBMTS;
-d2) Processo nº 889/18.7GAVNG;
-d3) Processo nº 1445/19.8PRPRT; e
-d4) Processo nº 330/18.5GCVNF,
condenar o arguido AA na pena única de 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de prisão efetiva;
e) operando o cúmulo jurídico das seguintes onze penas parcelares de prisão (2º Bloco) aplicadas nos processos:
-e1) Processo nº 4/23.5GAMTS; e
-e2) Processo nº 531/22.1GAVFR.
condenar o arguido AA na pena única de 4 (quatro) anos de prisão efetiva;
F) determinar o cumprimento sucessivo das penas únicas mencionadas supra em –d)- e –e)- (acumulação material penas únicas).
f) determinar que, futuramente, na liquidação a efetuar, se proceda:
- ao desconto de 1 (um) mês no cumprimento da pena única de prisão agora deliberada, no âmbito do 1º bloco de penas mencionado em –d)-, por conta do período da suspensão da execução da pena de prisão cumprido pelo arguido AA no âmbito do processo nº 1921/18.0PBMTS; e
- ao desconto de 3 (três) meses no cumprimento da pena única de prisão agora deliberada no âmbito do 1º bloco de penas mencionado em –d)-, por conta do período da suspensão da execução da pena de prisão cumprido pelo arguido AA no âmbito do processo nº 889/18.7GAVNG.
g) determinar que, futuramente, na liquidação a efetuar, se proceda aos descontos dos períodos de detenção ou de cumprimento de penas que se tenham verificado nos processos cujas penas parcelares foram agora cumuladas.
2. Inconformado, com esta decisão, o arguido, dela interpõe recurso dirigido ao Supremo Tribunal de Justiça, formulando, a final, as seguintes “Conclusões
1. AA, arguido melhor identificado nos autos à margem referenciados, não se conformando com o douto Acórdão, que, em cúmulo jurídico, o condenou em duas penas únicas, uma de 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de prisão efetiva e outra de 4 (quatro) anos de prisão, determinando o seu cumprimento sucessivo, dele vem interpor recurso
2. Como aqui se demonstrará, uma tal sentenciação, atenta contra os princípios e normas proclamados na Constituição da República Portuguesa, no Código Penal e no Código Processo Penal, afigurando-se a decisão colocada em causa como injusta. Entende o Recorrente que a decisão padece de vícios que versam sobre a Matéria de Direito, a saber: Escolha e Medida da Pena e Nulidade do Acórdão.
3. Escolha e medida da pena – importa referir, com o devido respeito, que é muito, que a pena aplicada in casu se afigura excessiva, refletindo a mesma uma injustiça e uma injustificável severidade, não tendo sido levado em consideração todas as circunstâncias necessárias para a escolha e medida da pena, no caso concreto.
4. O Arguido, em cúmulo jurídico, foi condenado em duas penas únicas, uma de 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de prisão efetiva e outra de 4 (quatro) anos de prisão, tendo sido determinado o seu cumprimento sucessivo, o que perfaz um total de 9 (nove) anos e 3 (três) meses de prisão. No entanto, se não fosse o cúmulo em causa à data do depósito do Acórdão de que se recorre, apenas faltaria ao Recorrente cumprir cerca de 1 ano e 11 meses de prisão, no âmbito do processo nº 4/23.5GAMTS e 2 anos de prisão à ordem do processo n.º 1445/19.8PRPRT, o que se contabiliza em cerca de 3 anos e 11 meses de prisão, sendo, deste modo, tal cúmulo manifestamente desfavorável para o Recorrente, pelo que, deverá ser aplicada uma combinação de penas que se traduzida na aplicação de uma pena mais favorável ao Arguido, tal como tem sido seguido pelo Supremo Tribunal de Justiça.
5. Sem prescindir, o Tribunal tem o dever de decidir de acordo com a lei, não podendo a pena concreta aplicada depender de uma opção discricionária, sendo que, nos termos do artigo 71.º, n.º 2 do Código Penal, deve atender-se a “todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele”. No entendo, a este propósito, com o devido respeito, que é muito, entendemos que o Tribunal a quo, não teve em consideração, como deveria, todas as circunstâncias que depõem a favor do Arguido.
6. Acresce ainda o artigo 77.° n.º 1 do Código Penal que, na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que significa que, o cúmulo jurídico de penas não se limita a uma mera soma matemática, pois, o legislador indicou como elementos determinadores da pena não só os factos, mas também a personalidade do agente, elementos esses que devem ser apreciados em conjunto. Na avaliação da personalidade releva sobretudo se o conjunto global dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa, dando-se sinais de extrema dificuldade em manter conduta lícita, caso que exaspera a pena dentro da moldura de punição em nome de necessidades acrescidas de ressocialização do agente e do sentimento comunitário de reforço da eficácia da norma violada ou indagar se o facto se deve à simples tradução de comportamentos desviantes, meramente acidentes de percurso, que toleram intervenção punitiva de menor vigor, expressão de uma pluriocasionalidade, sem radicar na personalidade.
7. No caso em concreto, o Tribunal de que se recorre, apesar de reconhecer que foi a dependência de estupefacientes que esteve na base do cometimento dos crimes em causa por parte do Arguido, como forma de sustentar tal vício, valorando esse facto a favor do arguido, dada a diminuição da capacidade do agente resistir ao impulso do cometimento de crimes, refere que, o mesmo, em termos de personalidade, revela marcada tendência para a prática de crimes, o que não se pode, de todo, conceder. Contrariamente ao que resulta do Acórdão de que se recorre, entende-se que o conjunto dos factos é reconduzível a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade do agente, tendo a prática dos crimes em questão ocorrido apenas e tão, só numa determinada fase da sua vida e devido ao facto de o mesmo se encontrar adicto ao consumo de estupefacientes, não possuindo, nessa altura da sua vida, discernimento suficiente, sendo certo que, se não fosse tal dependência, o ora Recorrente nunca teria cometido qualquer crime.
8. O Acórdão cumulatório de que se recorre, tem um ponto dedicado às penas únicas a fixar, tendo, o Tribunal a quo valorado a favor do aqui Recorrente o facto dos crimes em causa terem sido cometidos pela dependência de estupefacientes, do Arguido possuir, atualmente, consciência crítica para os seus atos e de ter vontade de se reintegrar. Não obstante, nesse ponto da decisão sub judice em que se avalia a escolha e medida da pena, o Tribunal a quo, não fez referência, para ser valorado a favor do ora Recorrente, como assim deveria, ao seguinte: Para além de ter consciência crítica dos seus atos, o Recorrente demonstrou, em audiência de cúmulo, um arrependimento sincero; O ora Recorrente, em contexto prisional, tem revelado uma conduta positiva, mantendo um comportamento de acordo com as normas institucionais, encontrando-se a estudar para conseguir uma equivalência com o 12.º ano, de modo a que lhe venha a ser possível conseguir um emprego melhor, assim que sair do estado de reclusão; Possui um bom suporte familiar, mantendo contacto com a família, recebendo visitas, regularmente, de familiares, no Estabelecimento Prisional em que se encontra; Já não consome estupefacientes, tendo demonstrado a sua determinação em assim se manter; Tem como objetivo refazer a sua vida, sem qualquer contacto com produtos estupefacientes e, consequentemente, com o mundo do crime, pretendendo reintegrar-se social e profissionalmente.
9. Estes factos são essenciais para a escolha e medida da pena única a aplicar pelo Tribunal recorrido, pelo que, com o devido respeito, mal andou o Douto Tribunal a quo ao não considerar todas as circunstâncias favoráveis ao Arguido, como impõe o Código Penal. Assim sendo, pugna-se pela atenuação/diminuição das penas únicas aplicadas no Acórdão de que se recorre.
10. Sem prescindir, dispõe o artigo 78.º, n.º 1 do Código Penal: “Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.”. Da conjugação deste normativo com o artigo 80.º do mesmo diploma legal, resulta claro que o desconto aplica-se aos casos em que houve lugar a privação da liberdade.
11. Ora, apesar de o arguido, num dos processos que integram o cúmulo em causa, ter sido sujeito à privação da sua liberdade, a verdade é que, o Tribunal a quo não procedeu a esse desconto no Acórdão cumulatório de que se recorre. O Recorrente, no âmbito do processo n.º 4/23.5GAMTS, foi detido no dia 10/01/2023, tendo-lhe, nesse mesmo dia, quando apresentado a interrogatório judicial, sido aplicada, como medida de coação, obrigação de permanência na habitação, a qual se manteve até dia 16/03/2023, uma vez que, do dia 17/03/2023 até ao dia 19/04/2023, esteve ligado ao processo n.º 6632/18.3T9VNG, tendo, no dia 20/04/2024 sido novamente ligado ao processo n.º 4/23.5GAMTS, o que se manteve até 05/12/2023. Ainda no processo n.º 4/23.5GAMTS, foi o Arguido sujeito a prisão preventiva desde o dia 15/01/2024 até 02/04/2024, data do trânsito em julgado da decisão proferida nos referidos autos e altura em que começou a cumprir a pena de prisão efetiva de 3 (três) anos e 6 (seis) meses aplicada.
12. O que significa que, à data em que foi proferido o Acórdão cumulatório de que aqui se recorre, o ora Recorrente já tinha sido privado da sua liberdade durante cerca de 568 dias, não tendo, no entanto, o Douto Tribunal a quo procedido à aplicação desse desconto na pena única a aplicar no âmbito do segundo bloco de penas, onde se integra o processo n.º 4/23.5GAMTS.
13. Conforme resulta do Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 9/2011, o instituto do desconto deve ser tratado no quadro da determinação da pena e não no momento da execução da pena, até porque o desconto transforma o quantum da pena a cumprir, devendo assim haver pronúncia sobre o mesmo na sentença condenatória ou na sentença cumulatória, consoante o caso. Até porque o desconto é algo necessário e útil para a determinação da pena a aplicar pelo Tribunal a quo, pois só se for levado em consideração pelo mesmo e não pelo Tribunal de Execução das Penas, aquando da liquidação da pena, é que poderá vir a ser aplicada uma pena de substituição.
14. Resulta também do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 23/11/2022, referente ao processo n.º 102/15.9PFVNG.P3, em que foi Relator Paulo Costa, a imposição que “o desconto previsto nos artigos 80.º a 82.º não seja relegado para ulterior fase de liquidação da pena; caso contrário, tem efeitos perniciosos e lesivos dos interesses do arguido, prejudicando-o na realização do cúmulo jurídico, quando com este se pretende beneficiar o arguido.”.
15. Face ao exposto, a pena única aplicada de 4 (quatro) anos de prisão efetiva, no 2.º bloco de penas, composto pelas onze penas parcelares de prisão aplicadas nos processos 4/23.5GAMTS e 531/22.1GAVFR, sem prescindir de acima já se ter pugnado pela atenuação/diminuição das penas únicas aplicadas no Acórdão cumulatório de que se recorre, deveria também ter sido alvo do desconto dos dias, que, na verdade, se traduzem em quase dois anos, em que o Recorrente se viu privado da sua liberdade, no âmbito do processo n.º 4/23.5GAMTS.
16. Ainda sem prescindir, é de considerar que bem andou o Douto Tribunal a quo ao considerar que o instituto do desconto se aplica em relação às penas suspensas e que é algo a determinar no acórdão cumulatório.
17. Resulta do artigo 81.º do Código Penal que, ao contrário das situações em que houve lugar à privação da liberdade ou à aplicação de uma pena de multa, o desconto não se fazer por dia ou por inteiro, devendo, ao invés, ser feito um desconto equitativo. O desconto “equitativo” aplicado pelo Tribunal a quo foi de 1 (um) mês na pena única de prisão agora aplicada ao primeiro bloco de penas, uma vez que, no processo nº 1921/18.0PBMTS o arguido rapidamente ficou incontactável e depois, quando é encontrado, estava em prisão preventiva e de 3 (três) meses na pena única de prisão aplicada ao primeiro bloco de penas, considerando que, no processo n.º 889/18.7GAVNG, o arguido esteve sempre em prisão e nunca cumpriu em liberdade as determinações do plano de reinserção social, não sendo o mesmo responsável pela homologação tão tardia desse plano de reinserção social.
18. Retoricamente perguntamos - será este desconto determinado pelo Tribunal a quo, um desconto equitativo, no sentido justo da palavra? Com o devido respeito, que é sempre muito, não nos parece. Vejamos mais de perto o caso sub judice: No processo n.º 1921/18.0PBMTS, o Arguido foi condenado, por sentença transitada em julgado em 10/05/2023, na pena de 1 (um) ano de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos, com regime de prova. Em 24/09/2022, transitou em julgado o acórdão proferido no processo n.º 889/18.7GAVNG, que condenou o Arguido na pena única de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão a que correspondem as penas parcelares, respetivas, de 3 anos e 6 meses de prisão e 2 anos de prisão, tendo sido decidido suspender a execução desta pena única pelo período de cinco anos, com sujeição a regime de prova, no âmbito do qual se acompanharia, especialmente, a situação de tratamento e manutenção do abandono do consumo de estupefacientes, se necessário, com sujeição a tratamento médico e/ou internamento.
19. Ora, como bem menciona o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 16/10/2019, em que foi Relator Luís Teixeira: “O período de suspensão da execução da pena inicia-se com o trânsito em julgado da decisão condenatória.”. Assim sendo, significa que, até à data em que foi proferido o Acórdão cumulatório de que se recorre, já tinha passado cerca de 1 ano, 5 meses e 13 dias desde o início do período de suspensão da execução de pena de prisão aplicada no âmbito do processo n.º 1921/18.0PBMTS e 2 anos e 29 dias desde que se deu início à suspensão da execução da pena de prisão em que o Arguido foi condenado no processo n.º 889/18.7GAVNG.
20. Como já se referiu, no caso das penas suspensas transformadas em penas de prisão efetiva em cúmulo jurídico, o desconto não se faz por inteiro, mas através de um desconto equitativo. No entanto, é de crer que a aplicação do desconto de 1 mês no processo n.º 1921/18.0PBMTS, não é, de todo, equitativo, sendo até, com o devido respeito, bastante injusto, uma vez que, na verdade, decorreu mais de metade do período de suspensão e o Arguido apenas ficou incontactável por se encontrar em prisão preventiva e não por facto que lhe era imputável. Também não se poderá concordar, salvo devido respeito por opinião contrária, que o desconto de 3 meses, aplicado no processo n.º 889/18.7GAVNG, seja equitativo, isto porque, para além de já se terem passado mais de dois anos do período de suspensão, o objetivo do regime de prova seria manter o arguido longe do consumo de estupefacientes, o que, efetivamente, acabou por ser alcançado, dado o mesmo se encontrar em reclusão desde janeiro de 2024 e, portanto, obviamente, longe do contacto com estupefacientes, cabendo aqui relembrar que o plano só veio a ser homologado em 21/02/2024, momento em que o Arguido já não se encontrava em liberdade.
21. Atendendo ao descrito, entende-se, salvo melhor opinião diversa, que o desconto equitativo a fazer-se pela aplicação da nova pena (prisão efetiva), de natureza diversa da anterior (pena suspensa), apenas será alcançado com a aplicação de um desconto maior do que aquele que o Tribunal a quo entendeu determinar.
22. Como refere Figueiredo Dias in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 500: “O tribunal só deve negar a aplicação de uma pena alternativa ou de uma pena de substituição quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente do que aquelas penas.”
23. Remetemos para o Princípio da Proporcionalidade, consagrado no artigo 18º, da Constituição da República Portuguesa, o qual dispõe que: “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.”
24. Deste modo, podemos concluir que, a pena de prisão efetiva só deve ser aplicada como última ratio, devendo o Tribunal dar preferência a penas não privativas da liberdade.
25. Atendendo ao caso sub judice, facilmente se atingem as necessidades de prevenção geral e especial através da aplicação de uma pena de prisão suspensa na sua execução, ainda que acompanhada de regime de prova, nos termos do artigo 53.º do Código Penal, devendo assim, ser dada preferência a esta pena de substituição, dado que a pena de prisão efetiva só deve ser aplicada em último recurso. Para o efeito, a pena de prisão suspensa na execução, ainda que sujeita a certas obrigações, é a reação penal por excelência suscetível de exprimir um juízo de desvalor ético-social e que propicia ao condenado, a sua reintegração na sociedade, que é um dos vetores dos fins das penas, que se prende finalidades de prevenção especial positiva.
26. A aplicação da pena suspensa in casu, é uma possibilidade, no que diz respeito ao segundo bloco de penas, ainda que a respetiva pena única não fosse atenuada/diminuída e não se procedesse ao desconto do tempo em que o Recorrente esteve privado da sua liberdade, como se pugnou supra (o que não se concede), uma vez que, a pena aplicada é inferior a 5 (cinco) anos, sendo certo que, a suspensão da execução da pena de prisão, poderia também ser uma possibilidade, caso se proceda à redução da pena única aplicada ao primeiro bloco de penas e a um verdadeiro desconto equitativo, como se pretende e se peticionou acima, fixando-a numa pena inferior a cinco anos.
27. Por outro lado, a pena de prisão efetiva apenas traria consequências nefastas a todos os níveis para a sua família, com quem mantém um vínculo muito forte, pois, para além dos seus dois filhos adolescentes que ainda precisam tanto de si, nesta fase da adolescência, os seus pais, devido à avançada idade, necessitam do auxílio do ora Recorrente para algumas das tarefas mais básicas da vida, como deslocar-se ao hipermercado e comprar produtos alimentares de primeira necessidade.
28. Neste sentido, é certo que o pressuposto formal de aplicação do instituto da suspensão da execução da pena é que a pena seja de prisão em medida não superior 5 (cinco) anos, ao abrigo do artigo 50º do Código Penal, pressuposto que se poderá preencher nos casos elencados acima. Verificando-se o pressuposto formal, há que averiguar se o pressuposto material se encontra preenchido, ou seja, que o Tribunal, no momento da prolação da decisão, que não o da prática dos factos, tendo em conta a personalidade do agente e as circunstâncias do crime, conclua que a simples censura dos factos e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
29. O tempo que já passou em reclusão, constitui um castigo exemplar, seguramente demovedor para a eventual prática de qualquer outro crime, sendo relevante referir que o fator que levava o ora Recorrente ao cometimento de crimes, a saber, toxicodependência, já não existe. O Recorrente encontra-se recluído e, desde então, não voltou a consumir produto estupefaciente, estando “limpo” e com a forte determinação de não voltar a consumir, arrependendo-se, profundamente, tendo inclusivamente vergonha, da fase da sua vida em que a adição era mais forte do que qualquer outra coisa, possuindo, atualmente, perfeita consciência dos danos que a dependência do consumo de estupefacientes causaram e todas as consequências que advieram. É de crer, atendendo às circunstâncias referidas que o Recorrente se irá manter abstinente, pelo que, não terá necessidade de voltar a delinquir, tendo o mesmo várias perspetivas para o futuro tanto a nível laboral, social, como familiar, denotando a sua atual situação pessoal uma melhoria significativa.
30. Assim, consideramos que as exigências materiais também se encontram preenchidas, sendo, por isso, possível formular um juízo de prognose favorável ao Recorrente sobre o seu comportamento futuro e em comunidade, tudo levando a crer que o Arguido merece uma oportunidade e ser condenado em pena não privativa da liberdade, sendo merecedor de um último e derradeiro voto de confiança.
31. A decisão aplicada ao caso sub judice pelo Tribunal a quo, para além de se apresentar contrária aos princípios e fundamentos legais e constitucionais expostos, constituiu uma opressão desnecessária do direito à liberdade do arguido, pelo que, se apresenta manifestamente injustificada, severa, excessiva e injusta, entendendo-se que a aplicação da suspensão da execução da pena de prisão, garantirá, de forma cabal, o cumprimento das necessidades de prevenção geral e especial do caso concreto.
32. NULIDADE DO ACÓRDÃO: Conforme suprarreferido e que aqui se dá por integralmente reproduzido, o Tribunal a quo deveria ter aplicado o desconto, nos termos do artigo 80.º do Código Penal, à pena única que determinou, o que não veio a suceder. Do Acórdão cumulatório de que se recorre não resulta a contagem dos dias em que o ora Recorrente se viu privado da sua liberdade e que consubstancia o cumprimento da pena, nem, tampouco, o seu desconto.
33. Acresce ainda que, integram no presente cúmulo, penas suspensas que foram, no Acórdão em causa, transformadas agora em penas efetivas, sendo que, no Acórdão de que se recorre, não é referido se tais penas suspensas se encontram ou não findas ou se, no processo em que foram aplicadas, foi proferido algum despacho de extinção, revogação ou prorrogação da suspensão da execução da pena em causa.
34. Ambas as situações reportam-se a algo que o Tribunal a quo teria obrigação de se pronunciar para decidir a causa e não o fez. Estabelece o artigo 379º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal que é nula a sentença “Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
35. Assim sendo, estão em causa questões sobre as quais o tribunal se deveria ter pronunciado e cujo conhecimento lhe era imputado, padecendo assim o Acórdão em causa de uma nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal.
1. Ao recurso respondeu a Sra. Procuradora da República no Juízo Central Criminal de Santa Maria da Feira, concluindo do seguinte modo:
1. “Para a realização do cúmulo jurídico, o Tribunal teve também em consideração, para além dos processos cujas penas foram englobadas no cúmulo, as anteriores condenações do arguido (cfr. pág 39 e ss. do Acórdão):
i. no processo n.º 540/16.0PAVNF, do Tribunal judicial da Comarca de Braga, J1 Criminal de Famalicão, por sentença datada de 14/07/2017, transitada em julgado em 12/01/2018, foi o arguido condenado na pena de 2 anos e 5 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova, pela prática, em 2016, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art.º 152.º, nos 1 e 2 do Código Penal, a qual já se mostra extinta, por despacho de 10/07/2023;
ii. No processo n.º 189/18.2PAVNF, do Tribunal judicial da Comarca de Braga, J1 Criminal de Famalicão, por sentença datada de 08/05/2029, transitada em julgado em 11/06/2019, foi o arguido condenado na pena de 3 anos e 5 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova, pela prática, em 2017, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art.º 152.º, nos 1 e 2 do Código Penal, a qual já se mostra extinta por despacho de 10/07/2023;
iii. No processo n.º 440/19.1PBMTS, do Tribunal judicial da Comarca do Porto, J2 Criminal de Matosinhos, por sentença datada de 09/09/2019, transitada em julgado em 04/03/2020, foi o arguido condenado na pena de 160 dias de multa, à taxa diária de €5,00, o que perfaz o montante global de €800,00, pela prática, em 19/03/2019, de um crime de furto simples, p. e p. pelo art.º 203.º, n.º 1 do Código Penal, pena que foi declarada extinta por despacho de a qual já se mostra extinta por despacho de 04/02/2021;
iv. No processo n.º 6632/18.3T9VNG, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, J2 Criminal de Vila Nova de Gaia, por sentença datada de 19/05/2021, transitada em julgado em 04/04/2022, foi o arguido condenado pela prática, em 16/10/2018, de um crime de furto simples, p. e p. pelo art.º 203.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 220 dias de multa, à taxa diária de €5,00, o que perfaz o montante global de €1100,00, a qual já se mostra extinta por despacho de 23/04/2023.
2. Quando à invocada insuficiência da fundamentação da decisão na determinação da medida concreta da pena, salvo o devido respeito, entendemos que não assiste razão ao recorrente. Dispõe o artigo 97.°, n.º 4 do Cód. de Processo Penal que "Os atos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão". Estabelece o mesmo preceito legal, no seu n.º 1, al. a) que a sentença constitui um ato decisório.
A obrigatoriedade de fundamentação dos atos decisórios é um princípio geral que tem assento constitucional no artigo 205°, n.º 1 da CRP.
Dando execução a tal princípio constitucional, o artigo 374°, n.º 2 do Cód. de Processo Penal impõe a fundamentação da sentença em termos de facto e de direito. A obrigação de fundamentar as decisões constitui um verdadeiro fator de legitimação do poder jurisdicional e uma garantia de respeito pelo princípio da legalidade, da independência do juiz e da imparcialidade das suas decisões.
A fundamentação das decisões penais, pela repercussão que podem ter na esfera dos direitos, liberdades e garantias deve ser suscetível de revelar os motivos que levaram a dar como provados certos factos e outros não, tendo em conta que o princípio geral em matéria de avaliação das provas é o da sua livre apreciação pelo julgador, devendo também indicar as razões de direito que conduziram à decisão concretamente proferida.
Pretendeu o legislador com a consagração deste normativo permitir aos sujeitos processuais e ao Tribunal de Recurso o exame do processo lógico ou racional que subjaz à formação da convicção do julgador, bem como impedir a violação do princípio da inadmissibilidade das proibições de prova.
"A necessidade de fundamentação e motivação dos actos decisórios destina-se a conferir força pública e inequívoca aos mesmos e a permitir a sua impugnação quando esta for legalmente admissível" (Cfr. M. Simas Santos e M. Leal Henriques, Código de Processo Penal Anotado, pág. 508).
"Dá integralmente cumprimento ao dever de fundamentar contido no n.° 2 do artigo 374.° do Cód. de Processo Penal o coletivo que, na fundamentação da formação da sua convicção, valora os depoimentos das testemunhas, justifica e avalia a sua razão de ciência, indica os factos donde ela derivou e enumera os elementos de prova de que se socorreu”.
Regressados ao vertente caso, verifica-se que a decisão a quo mostra-se devidamente fundamentada, tendo o Tribunal a quo analisado as decisões condenatórias proferidas nos processos ali elencados (cuja súmula dos respetivos factos foram ali descritos), bem como o teor do relatório social do recorrente, o relatório social elaborado pela D.G.R.S.P. e ainda teve em consideração as declarações que o arguido prestou em audiência de cúmulo jurídico (audiência de 02.10.2024).
3. Quanto à determinação da medida da pena, dispõe o artigo 71. ° do Código Penal que:
“1 - A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
2 - Na determinação concreta da pena o Tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime:
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
3 - Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena”. Ora, nos presentes autos, considerando em conjunto os factos e o que deles resulta acerca da personalidade do recorrente, ponderando, em especial, o número elevado de crimes pelos quais o mesmo já foi condenado, assumindo alguns dos crimes ora cometidos de elevada gravidade, tais como o crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, n.º 1 e 2, vários crimes de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203º e 204º, n.º 1 e 2, burla informática qualificada, previsto e punido pelo artigo 221º, n.ºs 1 e 5, todos do Cód. Penal, os elevados montantes de se apropriou, conclui-se que o recorrente revela manifesta tendência criminosa, pelo que no nosso entender se afiguram justas as penas cumulativas que lhe foram aplicadas nos autos.
4. Quanto à não suspensão da execução da pena do segundo bloco do cúmulo ora aplicada ao aqui recorrente, temos que o artigo 50º, n.º1, do Cód. Penal realça que haverá ligar à suspensão da execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
No entendimento do Prof. Figueiredo Dias, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada, mesmo em caso de conclusão do Tribunal por um prognóstico favorável (à luz de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização), se a ela se opuserem as finalidades da punição (artigos 50.º, n.º 1 e 40.°, n.º 1 do Código Penal), nomeadamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigência mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico.
Ora, in casu, e como bem se fundamenta no Acórdão recorrido, atendeu-se que o recorrente, não obstante no segundo bloco de penas, foi condenado numa pena de prisão de 4 anos, ou seja, numa pena não superior a 5 anos de prisão - o pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da prisão encontra-se verificado -, cumpriria analisar o pressuposto material de aplicação da suspensão da execução da pena de prisão.
O Tribunal considerou que o recorrente tem uma marcada tendência para a prática de crimes, através da prática de um sem número de crimes, pelos quais foi condenado, quer abrangidas pelo primeiro bloco do cúmulo, quer abrangidas pelo segundo bloco do cúmulo, e ainda outras penas, maioritariamente por crimes contra o património, que se relacionam com a problemática da toxicodependência.
Ou seja, como bem se referiu o Acórdão que “as exigências de prevenção especial e geral impõem a aplicação de prisão efetiva, uma vez que não acreditamos que a simples ameaça de prisão seja suficiente para inibir o arguido de praticar factos criminalmente relevantes no futuro. Basta uma recaída no mundo da droga (que tantas vezes sucede a toxicodependentes em recuperação) e teremos certamente pelo menos a prática de diversos crimes contra o património.”
Pelo que, bem andou o Tribunal ao concluir que, na pena aplicada no segundo bloco do cúmulo não estavam verificados os pressupostos para a suspensão da execução da pena de prisão em que o recorrente foi condenado e, em consequência, determinou que o arguido fosse condenado, em cúmulo jurídico superveniente e para cumprimento sucessivo das penas, nas penas de prisão efetivas.
5. Quanto ao desconto equitativo da pena de prisão, suspensa na execução e da prisão substituída por multa, dispõe o artigo 81º, de que “se a pena imposta por decisão transitada em julgado for posteriormente substituída por outra, é descontada nesta a pena anterior, na medida em que já estiver cumprida” (n.º 1); e “se a pena anterior e a posterior forem de diferente natureza, é feito na nova pena o desconto que parecer equitativo” (n.º 2).
Ora, nesta parte também não merece censura a decisão do Tribunal a quo, na parte em que ponderou e fundamentou no Acórdão recorrido dos motivos porque determinou que no processo nº 1921/18.0PBMTS o arguido beneficiasse do desconto de 1 mês na pena única de prisão agora aplicada ao primeiro bloco de penas, e nos processos nºs 889/18.7GAVNG e 330/18.5GCVNF, fosse descontado o período de 3 meses na pena única de prisão agora aplicada ao primeiro bloco de penas, bem como, quanto ao processo nº 330/18.5GCVNF, porque o recorrente não pagou nenhum valor da pena de multa substitutiva, optou por não efetuar qualquer desconto equitativo.
6. O Acórdão recorrido não violou quaisquer normas, tampouco está ferido de qualquer nulidade.
7. Entendemos pois, e sem mais considerações, que não deverá ser provido o recurso interposto pelo recorrente AA, mantendo-se válida o douto Acórdão aqui posto em crime, datado de 23.10.2024 (ref.ª.......33).
1.4.O Sr. Procurador Geral Adjunto neste Supremo Tribunal emitiu douto parecer concluindo que examinados os fundamentos do recurso (…), emite-se parecer no sentido de que o recurso deve ser julgado improcedente mantendo-se a decisão recorrida.
1.5.Notificado deste parecer, nos termos e para efeitos do n.º 2 do artigo 417.º do Código de Processo Penal, o Recorrente não respondeu.
1.6.Colhidos os vistos e não tendo sido requerida audiência, o recurso foi à conferência – arts. 411.º, n.º 5, e 419.º, n.º 3, al. c), do CPP.
Decidindo,
2.Fundamentação
2.1.De Facto
2.1.1.Dados processuais e factos provados
“De Facto
1. O arguido foi condenado (com interesse para a decisão a proferir):
a. Por sentença de 01/10/2021, transitada em julgado em 10/05/2023, no âmbito do processo nº 1921/18.0PBMTS, proferida pelo Juízo Local Criminal de Matosinhos – J2, do Tribunal da Comarca do Porto, pela prática, em 13/12/2018, de um crime de falsificação de documento, p.p. pelo artigo 256º, nº 1, als. a), c) e e) e nº 3, do Cód. Penal, na pena de 1 ano de prisão, suspensa na execução pelo período de 2 anos, com regime de prova.
b. Por acórdão de 17/03/2022, transitado em julgado em 24/09/2022, no âmbito do processo nº 889/18.7GAVNG, proferido pelo Juízo Central Criminal de Vila Nova de Gaia – J1, do Tribunal da Comarca do Porto, pela prática, no período compreendido entre as 18H45 de 28 de dezembro de 2018 e as 05H40 de 29 de dezembro de 2018,
- de um crime de burla informática e de comunicações, p.p. pelo artº 221º, nºs 1 e 5, al. a), do Cód. Penal, na pena parcelar de 3 anos e 6 meses de prisão; e
- de um crime de furto qualificado, p.p. pelo artº 203º, nº 1 e 204º, nº 2, al. e), do Cód. Penal, na pena parcelar de 2 anos de prisão, na pena única de 4 anos e 3 meses de prisão, suspensa na execução pelo período de cinco anos, com obrigações, tudo nos seguintes termos:
“2º- Condenar o arguido AA como co-autor material com dolo directo e em concurso real de um crime de furto qualificado previsto e punível pelos artigos 203.º, n. º1, 204.º, n.º 2 alínea e) e de um crime de burla informática qualificado previsto e punível pelo artigo 221.º, n.ºs 1 e 5 alínea a), ambos do Código Penal na pena única de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão a que correspondem as penas parcelares, respectivas, de 3 anos e 6 meses de prisão e 2 anos de prisão.
3º- Suspender a execução das referidas penas única de prisão pelo período de 5 anos com sujeição dos arguidos a regime de prova no âmbito do qual se acompanhará, especialmente, a situação de tratamento e manutenção do abandono do consumo de estupefacientes pelos arguidos se, necessário, com sujeição a tratamento médico e/ou internamento”.
c. Por acórdão de 13/09/2023, transitado em julgado em 29/05/2024, no âmbito do processo nº 1445/19.8PRPRT, proferido pelo Juízo Central Criminal do Porto – J8, do Tribunal da Comarca do Porto, pela prática, entre 10-01-2019 e 13-01-2019, de um crime de furto simples, p.p. pelo artº 203º, nº 1 do Cód. Penal, na pena de 2 anos de prisão efetiva.
d. No processo n.º 12/20.8GEVVD, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Genérica de Vila Verde, por sentença transitada em julgado em 30/09/2022, foi o arguido condenado na pena de 1 ano e 10 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, pela prática, em 24/05/2020, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art.º 203.º e 204.º, ambos do Código Penal. No processo em causa não foi proferida até ao momento decisão de revogação, prorrogação ou de extinção da pena de prisão, suspensa na sua execução, quanto ao arguido, estando em curso diligências com vista a averiguar se o arguido cometeu crimes durante o período da suspensão.
e. Por sentença de 20/10/2022, transitada em julgado em 01/03/2023, no âmbito do processo nº 330/18.5GCVNF, proferido pelo Juízo Local Criminal de V.N. Famalicão – J2, do Tribunal da Comarca de Braga, pela prática, em 12/11/2018, de um crime de furto Simples, p.p. pelo artigo 203º, nº 1, do Cód. Penal, na pena de 4 meses de prisão, substituída por 120 dias de multa, à taxa diária de €5,00, o que perfaz o montante global de €600,00. Foi ainda condenado nos seguintes termos:
“4. Condeno o arguido/demandado civil, AA, a pagar à demandante civil, Alves Bandeira e CA, SA, a quantia de 85,99 euros (oitenta e cinco euros e noventa e nove cêntimos), acrescida de juros legais contados desde a data de notificação ao arguido de tal pedido e até integral e efectivo pagamento, absolvendo-o do demais peticionado”;
f. Por acórdão de 20/11/2023, transitado em julgado em 02/04/2024, no âmbito do processo nº 4/23.5GAMTS, proferido pelo Juízo Central Criminal do Porto – J10, do Tribunal da Comarca do Porto, pela prática,
i) em 21/11/2022, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, nº1 204º, nº1, alínea b), do Cód. Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão;
ii) em 10/12/2022, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, nº1 204º, nº1, alínea b), do Cód. Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão;
iii) em 15/12/2022, de um crime de furto qualificado p. e p. pelos artigos 203º, nº1 204º, nº1, alínea b), do Cód. Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão;
iv) em 23/12/2022, de um crime de furto qualificado p. e p. pelos artigos 203º, nº1 204º, nº1, alínea b), do Cód. Penal, na pena de 9 meses de prisão;
v) em 10/01/2023, de um crime de furto qualificado sob a forma tentada, p. e p. pelos artigos 22º, 23º, 73º, 203º, nº1 e 204º, nº1, alínea b), todos do C.Penal, na pena de 6 meses de prisão;
vi) em 10/01/2023, de um crime de furto qualificado sob a forma tentada, p. e p. pelos artigos 22º, 23º, 73º, 203º, nº1 e 204º, nº1, alínea b), todos do C.Penal, na pena de 9 meses de prisão;
vii) em 10/12/2022, de um crime de abuso de cartão, p. e p. pelo artigo 225º, nº1, alínea b), do C.Penal, numa pena de 6 (seis) meses de prisão;
viii) em 15/12/2022, de um crime de abuso de cartão, p. e p. pelo artigo 225º, nº1, alínea b), do C.Penal, numa pena de 9 (nove) meses de prisão;
ix) entre as 22:00 horas, do dia 25 de Dezembro de 2022 e as 08:00 horas, do dia 26/12/2022, de um crime de abuso de cartão, p. e p. pelo artigo 225º, nº1, alínea b), do C.Penal, numa pena de 1 (um) mês de prisão;
x) em 10/01/2023, de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348º, nº1, alínea b), do C.Penal, numa pena de 6 (seis) meses de prisão.
tendo sido condenado na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão efetiva
g. Por acórdão de 03/04/2024, transitado em julgado em 03/05/2024, no âmbito deste processo nº 531/22.1GAVFR, proferido pelo Juízo Central Criminal de Santa Maria da Feira – J2, do Tribunal da Comarca de Aveiro, pela prática, em 08 e 09/12/2022, de um crime de abuso de cartão de garantia, ou de cartão, dispositivo ou dados de pagamento, p. e p. pelo artigo 225º, n.º 1, alíneas b) e c), do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão, efetiva.
h. No processo n.º 540/16.0PAVNF, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, J1 Criminal de Famalicão, por sentença datada de 14/07/2017, transitada em julgado em 12/01/2018, na pena de 2 anos e 5 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova, pela prática, em 2016, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art.º 152.º, nos 1 e 2 do Código Penal, a qual já se mostra extinta, por despacho de 10/07/2023;
i. No processo n.º 189/18.2PAVNF, do Tribunal judicial da Comarca de Braga, J1 Criminal de Famalicão, por sentença datada de 08/05/2029, transitada em julgado em 11/06/2019, na pena de 3 anos e 5 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova, pela prática, em 2017, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art.º 152.º, nos 1 e 2 do Código Penal, a qual já se mostra extinta por despacho de 10/07/2023;
j. No processo n.º 440/19.1PBMTS, do Tribunal judicial da Comarca do Porto, J2 Criminal de Matosinhos, por sentença datada de 09/09/2019, transitada em julgado em 04/03/2020, na pena de 160 dias de multa, à taxa diária de €5,00, o que perfaz o montante global de €800,00, pela prática, em 19/03/2019, de um crime de furto simples, p. e p. pelo art.º 203.º, n.º 1 do Código Penal, pena que foi declarada extinta por despacho de a qual já se mostra extinta por despacho de 04/02/2021;
k. No processo n.º 6632/18.3T9VNG, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, J2 Criminal de Vila Nova de Gaia, por sentença datada de 19/05/2021, transitada em julgado em 04/04/2022, pela prática, em 16/10/2018, de um crime de furto simples, p. e p. pelo art.º 203.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 220 dias de multa, à taxa diária de €5,00, o que perfaz o montante global de €1100,00, a qual já se mostra extinta por despacho de 23/04/2023.
2.1.2 Das condições pessoais de vida do arguido:
O arguido AA não sofreu qualquer dia de detenção à ordem do processo nº 1921/18.0PBMTS.
No processo nº 1921/18.0PBMTS foi apresentado um Plano de Reinserção Social em 25/08/2023, homologado em 09/10/2023; sucede que em 11/12/2023 foi comunicado que “Cumpre informar Vossa Exa. da impossibilidade de manter o acompanhamento relativo a AA, atendendo a que o mesmo, que se encontrava a cumprir Obrigação de Permanência na Habitação fiscalizada com Vigilância Eletrónica à ordem do processo 4/23.5GAMTS do Juiz 10 Central Criminal do Porto, abandonou ilegitimamente, em 5 de dezembro 2023, a Comunidade Terapêutica ... em ..., onde cumpria a medida suprarreferida, sendo o seu paradeiro desconhecido.
Nesse mesmo processo nº 1921/18.0PBMTS foi o arguido ouvido em 22/03/2024 e elaborado novo plano de reinserção social datado de 18/04/2024, isto na sequência de informação da DGRSP a dar conta que “vimos comunicar a Vossa Ex.ª que, AA se encontra, desde 15-01-2024, em prisão preventiva no Estabelecimento Prisional do Porto, à ordem do processo 4/23.5GAMTS do Juiz 10 do Juízo Central Criminal do Porto”.
Foi então proferida solene advertência ao arguido e homologado o novo plano de reinserção social, por despacho de 21/06/2024.
O arguido AA não sofreu qualquer dia de detenção à ordem do processo nº 889/18.7GAVNG.
No processo nº 889/18.7GAVNG, em 16/02/2024 foi apresentado o plano de reinserção social, que foi homologado por despacho de 21/02/2024.
No relatório de acompanhamento do plano de reinserção social, datado de 28/08/2024, foi expresso pela DGRSP que “consideramos que AA apresenta níveis médios de adesão aos objetivos propostos em sede de suspensão da execução da pena de prisão. Não obstante a atual inatividade e continue a manifestar dificuldade na adesão a programas de alto limiar de exigência com vista ao seu afastamento definitivo do consumo de drogas, aparenta estabilidade e atualmente não há indícios de consumos”.
“– do cômputo da pena do condenado AA:
Nos presentes autos, por acórdão proferido em 20.11.2023, transitado em julgado em 02.04.2024 o condenado AA, foi condenado na pena de 3 anos e 6 meses de prisão efetiva.
O condenado foi detido nestes autos no dia 10.01.23 e apresentado a interrogatório judicial, nesse mesmo dia foi-lhe aplicada medida privativa de liberdade (OPH e posteriormente Prisão Preventiva), o que se mantém até à presente data.
Sucede que no dia 17.03.23 o condenado foi desligado destes autos e ligado ao processo 6632/18.3T9VNG para cumprimento de prisão subsidiária ali aplicada e no dia 20.04.23 foi novamente ligado a estes autos, pelo que importa acrescer um total de 33 dias. - cfr. refª ......88 de 20.04.23 e refª .......10 de 17.03.23.
Acresce que no dia 05.12.2023 - cfr referência ......75 de 07.12.2023 o condenado fugiu do local onde cumpria OPH vindo a ser detido novamente no dia 15.01.2024 - cfr. ref.ª ......39 de 15/01, importando assim acrescer e considerar tal período de 40 dias no cômputo da pena.
Não são, por ora, conhecidos outros períodos de privação da liberdade a considerar na liquidação de pena.
Assim:
Aplicando o critério previsto no art.º 479.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o condenado atingirá:
- o meio da pena, em 22.12.2024;
- os dois terços da pena, em 22.07.2025;
- o fim da pena em 21.09.2026”.
Matriculou-se para tirar a equivalência ao 12º ano.
Está sem consumir, já não está na ULD e teve de fazer o desmame da metadona.
Os pais vão visitá-lo. Pretende refazer a sua vida e integrar-se socialmente.”
2.1.3.Matéria de facto não provada
Inexistem factos não provados.
2.1.4.Motivação da Matéria de Facto.
Lê-se no acórdão recorrido sobre a motivação da matéria de facto, que os factos referentes ao processo nº 1921/18.0PBMTS “decorrem dos documentos juntos ao citius em 09/10/2024 e 21/10/2024, conjuntamente com o CRC junto ao citius em 01/07/2024”.
Os factos referentes ao processo nº 889/18.7GAVNG “decorrem dos documentos juntos ao citius em 08/10/2024, conjuntamente com o CRC junto ao citius em 01/07/2024”.
Os factos referentes ao processo nº 1445/19.8PRPRT “decorrem dos documentos juntos ao citius em 03/10/2024, conjuntamente com o CRC junto ao citius em 01/07/2024”.
Os factos referentes ao processo nº 12/20.8GEVVD “decorrem dos documentos juntos ao citius em 10/10/2024, conjuntamente com o CRC junto ao citius em 01/07/2024”.
Os factos referentes ao processo nº 330/18.5GCVNF “decorrem dos documentos juntos ao citius em 08/10/2024 e 21/10/2024, conjuntamente com o CRC junto ao citius em 01/07/2024”.
Os factos referentes ao processo nº 4/23.5GAMTS “decorrem dos documentos juntos ao citius em 17/07/2024, conjuntamente com o CRC junto ao citius em 01/07/2024”.
Os factos referentes ao processo nº 531/22.1GAVFR – presente processo “decorrem do acórdão proferido neste processo, conjuntamente com o CRC junto ao citius em 01/07/2024”.
Os factos referentes ao processo n.º 540/16.0PAVNF, ao processo n.º 189/18.2PAVNF, ao processo n.º 440/19.1PBMTS e ao processo n.º 6632/18.3T9VNG “decorrem do CRC junto ao citius em 01/07/2024”.
Os factos referentes ao processo nº 4/23.5GAMTS “decorrem dos documentos juntos ao citius em 02/10/2024”.
Os factos referentes à situação atual do arguido “decorrem das declarações do arguido prestadas em audiência de cúmulo”.
2.2.De Direito
2.2.1. O presente recurso tem por objeto o acórdão proferido pelo tribunal coletivo, no Juízo Central Criminal de Santa Maria da Feira–J2 que efetuou o cúmulo jurídico de diversas penas e condenou o arguido AA:
a. na pena única de 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de prisão efetiva, operando o cúmulo jurídico das seguintes cinco penas parcelares de prisão (1º Bloco) aplicadas nos processos
i. Processo nº 1921/18.0PBMTS;
ii. Processo nº 889/18.7GAVNG;
iii. Processo nº 1445/19.8PRPRT; e,
iv. Processo nº 330/18.5GCVNF.
b. na pena única de 4 (quatro) anos de prisão efetiva, operando o cúmulo jurídico das seguintes onze penas parcelares de prisão (2º Bloco) aplicadas nos processos
i. Processo nº 4/23.5GAMTS; e
ii. Processo nº 531/22.1GAVFR.
Para além do mais, o acórdão proferido pelo tribunal coletivo, no Juízo Central Criminal de Santa Maria da Feira– J2, determinou:
c. o cumprimento sucessivo das penas únicas mencionadas supra em –a)- e –b)- (acumulação material penas únicas).
d. que, futuramente, na liquidação a efetuar, se proceda:
- ao desconto de 1 (um) mês no cumprimento da pena única de prisão agora deliberada, no âmbito do 1º bloco de penas mencionado em –a) -, por conta do período da suspensão da execução da pena de prisão cumprido pelo arguido AA no âmbito do processo nº 1921/18.0PBMTS; e
- ao desconto de 3 (três) meses no cumprimento da pena única de prisão agora deliberada no âmbito do 1º bloco de penas mencionado em –a) -, por conta do período da suspensão da execução da pena de prisão cumprido pelo arguido AA no âmbito do processo nº 889/18.7GAVNG.
e)que, futuramente, na liquidação a efetuar, se proceda aos descontos dos períodos de detenção ou de cumprimento de penas que se tenham verificado nos processos cujas penas parcelares foram agora cumuladas.
Assim, o seu âmbito é limitado ao reexame de matéria de direito, da competência, efetivamente, do Supremo Tribunal de Justiça - cfr. artigos 432.º, n.ºs 1, al. c) e 2 e 434.º, do Código de Processo Penal) -, sem prejuízo de se poder recorrer com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º do Código de Processo Penal - artigo 432.º, n.º 1, al. c), parte final, (na redação dada pela Lei n.º 94/2021, de 21-12).
É pelas conclusões que se afere o objeto do recurso (cfr. arts. 402.º, 403.º, 410.º e 412.º do Código de Processo Penal), sem prejuízo, dos poderes de conhecimento oficioso (arts. 410.º, n.ºs 2 e 3 e 379.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, e AFJ n.º 7/95, DR-I, de 28-12-1995, publicado na 1ª Série, de 28-12-1995).
O arguido recorrente, face às conclusões da motivação, como ele próprio identifica, suscita duas questões a decidir:
I-A medida das penas únicas em que foi condenado; e,
II-Nulidade do acórdão por omissão de pronúncia.
Alega que:
- A pena ora irrogada se afigura excessiva, refletindo a mesma uma injustiça e uma injustificável severidade, não tendo sido levado em consideração todas as circunstâncias necessárias para a escolha e medida da pena, no caso concreto;
- O cúmulo jurídico mostra-se manifestamente desfavorável para o Recorrente, devendo ser aplicada uma combinação de penas que se traduza na aplicação de uma pena mais favorável, tal como tem sido seguido pelo Supremo Tribunal de Justiça;
- Foi violado o disposto no artigo 77º, n.º1, do Cód. Penal, porquanto o Tribunal a quo não valorou, positivamente, a circunstância do Arguido ter demonstrado em audiência de discussão e julgamento “um arrependimento sincero”, para além de ter revelado uma conduta positiva, mantendo um comportamento de acordo com as normas institucionais, encontrando-se a estudar para conseguir uma equivalência com o 12.º ano, de modo a que lhe venha a ser possível conseguir um emprego melhor, assim que sair do estado de reclusão, possui um bom suporte familiar, mantendo contacto com a família, recebendo visitas, regularmente, de familiares, no Estabelecimento Prisional em que se encontra, já não consome estupefacientes, tendo demonstrado a sua determinação em assim se manter, tem como objetivo refazer a sua vida, sem qualquer contacto com produtos estupefacientes e, consequentemente, com o mundo do crime, pretendendo reintegrar-se social e profissionalmente;
- E tais circunstâncias são essenciais para a escolha e medida da pena única a aplicar pelo Tribunal a quo, que não as considerou, pelo que impõe-se atender a tais fatores e atenuar/diminuir as penas únicas aplicadas no acórdão em crise;
- Num dos processos que integram o cúmulo em causa, o Recorrente foi sujeito à privação da sua liberdade, no processo n.º 4/23.5GAMTS, onde esteve privado da sua liberdade durante 568 dias, mas o Tribunal a quo não procedeu a esse desconto no acórdão cumulatório de que se recorre;
- Pelo que a pena única aplicada de 4 anos de prisão efetiva, no 2.º bloco de penas, composto pelas onze penas parcelares de prisão aplicadas nos processos n.ºs 4/23.5GAMTS e 531/22.1GAVFR, sem prescindir de acima já se ter pugnado pela atenuação/diminuição das penas únicas aplicadas no Acórdão cumulatório de que se recorre, deveria também ter sido alvo do desconto dos dias, que, na verdade, se traduzem em quase dois anos, em que o recorrente se viu privado da sua liberdade, no âmbito do processo n.º 4/23.5GAMTS;
- Resulta do artigo 81º do Código Penal que, ao contrário das situações em que houve lugar à privação da liberdade ou à aplicação de uma pena de multa, o desconto não se fazer por dia ou por inteiro, devendo, ao invés, ser feito um desconto equitativo. O desconto “equitativo” aplicado pelo Tribunal a quo foi de 1 mês na pena única de prisão agora aplicada ao primeiro bloco de penas, porém a aplicação do desconto de 1 mês no processo n.º 1921/18.0PBMTS, não é, de todo, equitativo, sendo até bastante injusto, uma vez que, na verdade, decorreu mais de metade do período de suspensão e o Arguido apenas ficou incontactável por se encontrar em prisão preventiva e não por facto que lhe era imputável;
- Também não concorda que o desconto de 3 meses, aplicado no processo n.º 889/18.7GAVNG, seja equitativo, isto porque, para além de já se terem passado mais de dois anos do período de suspensão, o objetivo do regime de prova seria manter o arguido longe do consumo de estupefacientes, o que, efetivamente, acabou por ser alcançado, dado o mesmo se encontrar em reclusão desde janeiro de 2024 e, portanto, obviamente, longe do contacto com estupefacientes, cabendo aqui relembrar que o plano só veio a ser homologado em 21/02/2024, momento em que o Arguido já não se encontrava em liberdade;
- Pelo que o desconto equitativo a fazer-se pela aplicação da nova pena (prisão efetiva), de natureza diversa da anterior (pena suspensa), apenas será alcançado com a aplicação de um desconto maior do que aquele que o Tribunal a quo entendeu determinar;
- O Tribunal a quo deveria ter aplicado o desconto, nos termos do artigo 80.º do Código Penal, à pena única que determinou, o que não veio a suceder, violando assim o disposto no artigo 379º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal, sendo nula a sentença “quando o Tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Deverá, assim, o Supremo Tribunal de Justiça conhecer e decidir:
i-da medida das penas únicas aplicadas, uma vez que considera o recorrente que o cúmulo se mostra manifestamente desfavorável, pelo que, deverá ser aplicada uma combinação de penas que se traduza na aplicação de uma pena mais favorável ao mesmo;
ii-da nulidade do acórdão por omissão de pronúncia, uma vez que o Tribunal a quo não se pronunciou quanto a questões que devia apreciar e cujo conhecimento lhe era imputado, nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal.
2.2.2. Nulidade do acórdão por omissão de pronúncia.
a.Iniciando por esta questão (art.ºs 311º, 338º e 368º do CPP.), alega o Recorrente que “o Tribunal a quo deveria ter aplicado o desconto, nos termos do artigo 80.º do Código Penal, à pena única que determinou, o que não veio a suceder”.
Mais acrescenta “ainda que, integram no presente cúmulo, penas suspensas que foram, no Acórdão em causa, transformadas agora em penas efetivas, sendo que, no Acórdão de que se recorre, não é referido se tais penas suspensas se encontram ou não findas ou se, no processo em que foram aplicadas, foi proferido algum despacho de extinção, revogação ou prorrogação da suspensão da execução da pena em causa”.
Assim, o recorrente argui a nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia, por alegadamente o tribunal a quo não se ter pronunciado sobre estas questões ou argumentos.
b.Como uniformemente tem sido entendido neste Supremo Tribunal, “a omissão de pronúncia só se verifica quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes e que como tal tem de abordar e resolver, ou de que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os dissídios ou problemas concretos a decidir e não as razões, no sentido de simples argumentos, opiniões, motivos, ou doutrinas expendidos pelos interessados na apresentação das respectivas posições, na defesa das teses em presença”1.
Contudo, como referido supra, o Acórdão recorrido não violou quaisquer normas e tão pouco está ferido de qualquer nulidade.
c.Desconto, nos termos do art.º 80º do Código Penal: dispõe este preceito, no que aqui interessa, que “[a] detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação sofridas pelo arguido são descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão, ainda que tenham sido aplicadas em processo diferente daquele em que vier a ser condenado, quando o facto por que foi condenado anteriormente à decisão final do processo no âmbito do qual as medidas foram aplicadas” – n.º 1.
A menção de que a detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação sofridas pelo arguido serão descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão, deverá constar do acórdão cumulatório2, sob pena de, aí sim, poder falar-se, eventualmente, em omissão de pronúncia.
O que se verifica neste caso pois na alínea g) do “[d]ispositivo” decidiu o
acórdão recorrido “determinar que, futuramente, na liquidação a efetuar, se proceda aos descontos dos períodos de detenção ou de cumprimento de penas que se tenham verificado nos processos cujas penas parcelares foram agora cumuladas” (tal como ordenou o desconto de 1 (um) mês no cumprimento da pena única de prisão agora deliberada, no âmbito do 1º bloco de penas mencionado em –d)-, por conta do período da suspensão da execução da pena de prisão cumprido pelo arguido AA no âmbito do processo nº 1921/18.0PBMTS; e
- o desconto de 3 (três) meses no cumprimento da pena única de prisão agora deliberada no âmbito do 1º bloco de penas mencionado em –d)-, por conta do período da suspensão da execução da pena de prisão cumprido pelo arguido AA no âmbito do processo nº 889/18.7GAVNG – alínea f)).
E o momento processual para concretizar o desconto da detenção, da prisão preventiva e da obrigação de permanência na habitação sofridas pelo arguido, cumprindo-se, então, o determinado na decisão cumulatória, é o da execução da pena, da liquidação da pena, relevando para a determinação do termo da pena e para a determinação dos momentos intermédios para efeitos de concessão de liberdade condicional que, conforme o caso sejam de ponderar.
Solução ou entendimento que se mostra mais favorável ao arguido por permitir sempre uma apreciação da liberdade condicional mais próxima do cumprimento efectivo da pena.
Levando em conta o disposto no art.º 477º, n.º 2 do CPP, sobre a execução da pena de prisão, a liquidação da pena de prisão é indicada pelo Ministério Publico e homologada por despacho judicial, no processo onde o arguido é condenado, no tribunal da condenação e não no Tribunal de Execução das Penas – n.ºs 2, 4 e 5.
O que não está em oposição com o decidido no Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 9/2011 citado pelo recorrente, pois neste, o que se decidiu é que “[v]erificada a condição do segmento final do artigo 80.º, n.º 1, do Código Penal - de o facto por que o arguido for condenado em pena de prisão num processo ser anterior à decisão final de outro processo, no âmbito do qual o arguido foi sujeito a detenção, a prisão preventiva ou a obrigação de permanência na habitação -, o desconto dessas medidas no cumprimento da pena deve ser ordenado sem aguardar que, no processo no âmbito do qual as medidas foram aplicadas, seja proferida decisão final ou esta se torne definitiva.”
No caso, de cúmulo jurídico superveniente, estando todas as decisões transitadas em julgado, esta questão não se põe.
d.Penas suspensas: doutrina e jurisprudência convergem, maioritariamente, no entendimento de que as penas de prisão suspensas na sua execução, estando os crimes numa relação de concurso, devem integrar o cúmulo jurídico, sempre que não se encontrem extintas e não estejam prescritas, ou seja, que não tenham sido declaradas prescritas ou extintas por motivo diferente do cumprimento.
No caso, também o acórdão recorrido, diferentemente do que alega o recorrente, refere se tais penas suspensas se encontram ou não findas ou se, no processo em que foram aplicadas, foi proferido algum despacho de extinção, revogação ou prorrogação da suspensão da execução da pena em causa.
Nos factos provados identificam-se os processos onde o recorrente foi condenado e as decisões sofridas bem como o estado em que se encontram.
Aí se refere que nos processos 540/16.0PAVNF, 189/18.2PAVNF, 440/19.1PBMTS e 6632/18.3T9VNG, por despachos de 10.07.2023, 10.07.2023, 04.02.2021 e 23.04.2023, foram declaradas extintas as penas em que o recorrente foi condenado nestes processos, pelo que não foram englobadas no cúmulo jurídico efectuado.
Diz-se que no processo 12/20.GEVVD, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Genérica de Vila Verde, por sentença transitada em julgado em 30/09/2022, foi o arguido condenado na pena de 1 ano e 10 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, pela prática, em 24/05/2020, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art.º 203.º e 204.º, ambos do Código Penal. No processo em causa não foi proferida até ao momento decisão de revogação, prorrogação ou de extinção da pena de prisão, suspensa na sua execução, quanto ao arguido, estando em curso diligências com vista a averiguar se o arguido cometeu crimes durante o período da suspensão, e por isso não foi considerado no cúmulo jurídico.
E, assim, englobam o cúmulo efectuado, apenas, as restantes penas em que o recorrente foi condenado, nos restantes processos identificados, ou seja, no primeiro bloco, o Processo n.º 1921/18.0PBMTS, Processo nº 889/18.7GAVNG, Processo nº 1445/19.8PRPRT, e Processo nº 330/18.5GCVNF, e no segundo bloco, o Processo nº 4/23.5GAMTS e Processo nº 531/22.1GAVFR.
Não merece reparo o acórdão recorrido, não assistindo razão ao recorrente.
3. Da medida das penas únicas aplicadas.
a.Quanto à determinação da medida da pena, dispõe o artigo 71. ° do Código Penal que:
“1 - A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
2 - Na determinação concreta da pena o Tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime:
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
3 - Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena”.
Por seu turno, determina o art.º 77º, n.º 1 do Código Penal, que quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
E, dispondo sobre o conhecimento superveniente do concurso, diz o art.º 78º, n.º 1 do CP que se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes. Acrescentando o n.º 2 que o disposto no número anterior só é aplicável relativamente aos crimes cuja condenação transitou em julgado.
A moldura penal do concurso, é obtida a partir das penas parcelares, que, por sua vez, são obtidas seguindo o procedimento normal de determinação e escolha das penas.
Em caso de conhecimento superveniente, como o dos autos, o processo está encerrado, quanto às penas parcelares, com o trânsito em julgado da decisão relativamente a cada uma delas, nos processos em que foram aplicadas3.
A pena única referida no artigo 77.º, n.º 1, do CPP, corresponde, assim, a uma
pena conjunta que tem por base as correspondentes aos crimes em concurso,
procedendo-se a cúmulo jurídico.
A pena aplicável aos crimes em concurso tem, como limite mínimo, a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e, como limite máximo, a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, sem ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão, e 900 dias, tratando-se de pena de multa - artigo 77.º, n.º 2, do Código Penal.
Sendo que as condenações pelos crimes em concurso transitaram já em julgado e que “o momento temporal a ter em conta para a verificação dos pressupostos do concurso de crimes, com conhecimento superveniente, é o do trânsito em julgado da primeira condenação por qualquer dos crimes em concurso”4.
No âmbito das molduras legais predeterminadas pelo legislador, cabe ao juiz encontrar a medida da pena de acordo com os critérios legais, ou seja, de forma “juridicamente vinculada”. “Hoje não se aceita que o procedimento de determinação da pena seja atribuído à discricionariedade não vinculada do juiz ou à sua “arte de julgar”5, sem que, porém, se chegue com precisão matemática à determinação de um quantum exato de pena6.
Assim, em termos gerais, obtida a moldura penal, há a considerar no processo de determinação da medida concreta da pena as finalidades da punição, constantes do art.º 40.º do Código Penal, e os comandos para determinação da medida concreta da pena dentro dos limites da lei, a que se refere o artigo 71º do CPP.
“Como critério especial, rege o artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, sobre as regras da punição do concurso de crimes (artigo 30.º, n.º 1), dispondo que, quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena, formada a partir da moldura do concurso, para cuja determinação, seguindo-se os critérios da culpa e da prevenção atrás mencionados (artigo 71.º), são considerados, em conjunto, e como critério especial, os factos e a personalidade do agente (n.º 1 do artigo 77.º, in fine), com respeito pelo princípio da proibição da dupla valoração.
Aqui se incluem, designadamente, as condições económicas, familiares e sociais, como a sua inserção na sociedade na comunidade em que reside e a situação laboral, reveladoras das necessidades de socialização, a receptividade das penas, a capacidade de mudança em consequência, a suscetibilidade de por elas ser influenciado e as qualidades da personalidade manifestadas no facto, nomeadamente a falta de preparação para manter uma conduta lícita”7.
Vem sendo jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça que, com a fixação da pena conjunta, pretende-se sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, em termos gerais, mas também, especialmente, pelo seu conjunto, enquanto revelador da dimensão e gravidade global do seu comportamento.
“Na determinação da pena única a aplicar, há que fazer uma nova reflexão sobre os factos em conjunto com a personalidade do arguido, pois só dessa forma se abandonará um caminho puramente aritmético da medida da pena para se procurar antes, adequá-la à personalidade unitária que nos factos se revelou”8.
“A pena conjunta tenderá a ser uma pena voltada para ajustar a sanção – dentro da moldura legal – à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes”9.
Em tudo devem ainda considerar-se “os princípios da proporcionalidade, da adequação e proibição do excesso”10, que deve presidir à fixação da pena conjunta11.
“Tudo se deve passar como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão só, uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”, como ensina o Prof. Figueiredo Dias12.
As conexões ou ligações fundamentais, na avaliação da gravidade do ilícito global, são as que emergem do tipo e número de crimes; da maior ou menor autonomia e frequência da comissão dos delitos; da igualdade ou diversidade de bens jurídicos protegidos violados; da motivação subjacente; do modo de execução, homogéneo ou diferenciado; das suas consequências e da distância temporal entre os factos – tudo analisado na perspetiva da interconexão entre todos os factos praticados e a personalidade global de quem os cometeu, de modo a destrinçar se o mesmo tem propensão para o crime, ou se, na realidade, estamos perante um conjunto de eventos criminosos episódicos, devendo a pena conjunta refletir essas singularidades da personalidade do agente13.
A pena deve, ainda, servir finalidades exclusivamente de prevenção geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena, não podendo ultrapassá-la”14.
E, para além dos factos praticados, importa, ainda, ponderar as condições pessoais e económicas do agente, a sua recetividade à pena e a suscetibilidade de ser por ela influenciado, elementos particularmente relevantes para apuramento das exigências de prevenção15.
b.Concorrem ao cúmulo jurídico as penas aplicadas ao recorrente, no primeiro bloco,
i-a pena de 1 ano de prisão, suspensa na execução pelo período de 2 anos, com regime de prova, aplicada por sentença de 01/10/2021, transitada em julgado em 10/05/2023, no âmbito do processo nº 1921/18.0PBMTS, proferida pelo Juízo Local Criminal de Matosinhos – J2, do Tribunal da Comarca do Porto, pela prática, em 13/12/2018, de um crime de falsificação de documento, p.p. pelo artigo 256º, nº 1, als. a), c) e e) e nº 3, do Cód. Penal.
ii-as penas aplicadas por acórdão de 17/03/2022, transitado em julgado em 24/09/2022, no âmbito do processo nº 889/18.7GAVNG, proferido pelo Juízo Central Criminal de Vila Nova de Gaia – J1, do Tribunal da Comarca do Porto, pela prática, no período compreendido entre as 18H45 de 28 de dezembro de 2018 e as 05H40 de 29 de dezembro de 2018,
- de um crime de burla informática e de comunicações, p.p. pelo artº 221º, nºs 1 e 5, al. a), do Cód. Penal, na pena parcelar de 3 anos e 6 meses de prisão; e
- de um crime de furto qualificado, p.p. pelo artº 203º, nº 1 e 204º, nº 2, al. e), do Cód. Penal, na pena parcelar de 2 anos de prisão, na pena única de 4 anos e 3 meses de prisão, suspensa na execução pelo período de cinco anos, com obrigações, tudo nos seguintes termos:
“2º- Condenar o arguido AA como co-autor material com dolo directo e em concurso real de um crime de furto qualificado previsto e punível pelos artigos 203.º, n. º1, 204.º, n.º 2 alínea e) e de um crime de burla informática qualificado previsto e punível pelo artigo 221.º, n.ºs 1 e 5 alínea a), ambos do Código Penal na pena única de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão a que correspondem as penas parcelares, respectivas, de 3 anos e 6 meses de prisão e 2 anos de prisão.
3º- Suspender a execução das referidas penas única de prisão pelo período de 5 anos com sujeição dos arguidos a regime de prova no âmbito do qual se acompanhará, especialmente, a situação de tratamento e manutenção do abandono do consumo de estupefacientes pelos arguidos se, necessário, com sujeição a tratamento médico e/ou internamento”.
iii-a pena de 2 anos de prisão efetiva, aplicada por acórdão de 13/09/2023, transitado em julgado em 29/05/2024, no âmbito do processo nº 1445/19.8PRPRT, proferido pelo Juízo Central Criminal do Porto – J8, do Tribunal da Comarca do Porto, pela prática, entre 10-01-2019 e 13-01-2019, de um crime de furto simples, p.p. pelo artº 203º, nº 1 do Cód. Penal.
iv-a pena aplicada por sentença de 20/10/2022, transitada em julgado em 01/03/2023, no âmbito do processo nº 330/18.5GCVNF, proferido pelo Juízo Local Criminal de V.N. Famalicão – J2, do Tribunal da Comarca de Braga, pela prática, em 12/11/2018, de um crime de furto Simples, p.p. pelo artigo 203º, nº 1, do Cód. Penal, ou seja, na pena de 4 meses de prisão, substituída por 120 dias de multa, à taxa diária de €5,00, o que perfaz o montante global de €600,00.
(…), e,
no segundo bloco,
v-as penas aplicadas por acórdão de 20/11/2023, transitado em julgado em 02/04/2024, no âmbito do processo nº 4/23.5GAMTS, proferido pelo Juízo Central Criminal do Porto – J10, do Tribunal da Comarca do Porto, pela prática,
i) em 21/11/2022, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, nº1 204º, nº1, alínea b), do Cód. Penal, ou seja, a pena de 1 ano e 6 meses de prisão;
ii) em 10/12/2022, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, nº1 204º, nº1, alínea b), do Cód. Penal, ou seja, a pena de 1 ano e 6 meses de prisão;
iii) em 15/12/2022, de um crime de furto qualificado p. e p. pelos artigos 203º, nº1 204º, nº1, alínea b), do Cód. Penal, ou seja, a pena de 1 ano e 6 meses de prisão;
iv) em 23/12/2022, de um crime de furto qualificado p. e p. pelos artigos 203º, nº1 204º, nº1, alínea b), do Cód. Penal, ou seja, a pena de 9 meses de prisão;
v) em 10/01/2023, de um crime de furto qualificado sob a forma tentada, p. e p. pelos artigos 22º, 23º, 73º, 203º, nº1 e 204º, nº1, alínea b), todos do C.Penal, ou seja, a pena de 6 meses de prisão;
vi) em 10/01/2023, de um crime de furto qualificado sob a forma tentada, p. e p. pelos artigos 22º, 23º, 73º, 203º, nº1 e 204º, nº1, alínea b), todos do C.Penal, ou seja, a pena de 9 meses de prisão;
vii) em 10/12/2022, de um crime de abuso de cartão, p. e p. pelo artigo 225º, nº1, alínea b), do C.Penal, ou seja, uma pena de 6 (seis) meses de prisão;
viii) em 15/12/2022, de um crime de abuso de cartão, p. e p. pelo artigo 225º, nº1, alínea b), do C.Penal, ou seja, uma pena de 9 (nove) meses de prisão;
ix) entre as 22:00 horas, do dia 25 de Dezembro de 2022 e as 08:00 horas, do dia 26/12/2022, de um crime de abuso de cartão, p. e p. pelo artigo 225º, nº1, alínea b), do C.Penal, ou seja, uma pena de 1 (um) mês de prisão;
x) em 10/01/2023, de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348º, nº1, alínea b), do C.Penal, ou seja, uma pena de 6 (seis) meses de prisão.
tendo sido condenado na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão efetiva
vi-a pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão, efetiva, por acórdão de 03/04/2024, transitado em julgado em 03/05/2024, no âmbito deste processo nº 531/22.1GAVFR, proferido pelo Juízo Central Criminal de Santa Maria da Feira – J2, do Tribunal da Comarca de Aveiro, pela prática, em 08 e 09/12/2022, de um crime de abuso de cartão de garantia, ou de cartão, dispositivo ou dados de pagamento, p. e p. pelo artigo 225º, n.º 1, alíneas b) e c), do Código Penal.
Assim, a moldura dos concursos, que tem como limite mínimo a pena parcelar mais elevada aplicada ao recorrente, em cada um deles e como limite máximo a soma das penas parcelares aplicadas, será de 3 (três) anos e 6 (seis) meses a 8 (oito) anos e 10 (dez) meses, no primeiro bloco e de 1 (um) ano e 6 (seis meses) a 9 (nove) anos no segundo.
Analisando os factos que estiveram na origem das penas de prisão que agora irão ser juridicamente cumuladas em cada um dos blocos, verifica-se que se tratou de condutas relacionadas com a prática de crimes contra o património, relacionadas com furtos, furtos qualificados e também falsificação de documento, burla informática, abuso de cartão de crédito e desobediência.
Em cada um dos blocos de penas, verifica-se que foram praticados vários tipos criminais.
Valorou, por isso, o acórdão recorrido, a prática de vários tipos criminais, desfavoravelmente ao arguido.
Atingiu também o arguido uma multiplicidade de ofendidos, o que foi valorado em seu desfavor.
Valorou a favor do arguido o facto de, na base de quase todos os crimes que estão na origem das penas cumuladas estar a dependência de estupefacientes, o que diminui a capacidade de o agente resistir ao impulso de cometimento de crimes, como forma de sustentar o vício.
Em termos de personalidade, o arguido revela tendência marcada para a prática de um conjunto variado de crimes, até pelo que está na origem: a toxicodependência.
Valorou a favor do arguido o facto de este ter consciência crítica para os seus atos e a vontade de se reintegrar.
Para além dos crimes que estão na origem das penas que agora irão ser cumuladas, o arguido praticou ainda outros crimes, relacionados com violação do património e com violência doméstica.
Pode, assim, afirmar-se com segurança que, em termos de personalidade, o arguido revela marcada tendência para a prática de crimes.
Iniciou-se muito jovem no consumo de estupefacientes.
Este facto determinou que nunca tivesse verdadeiramente um projeto de vida incluído na ressocialização.
Donde pode ver-se que o acórdão recorrido considerou e aplicou todas as regras determinantes da punição do concurso e da determinação da medida das penas únicas resultantes dos dois concursos, não merecendo reparo.
O recorrente regista antecedentes criminais, que dada a quantidade se não podem considerar esporádicos ou ocasionais.
Em tudo o arguido/recorrente agiu sempre com dolo direto, revelando um “total desrespeito pelo património alheio que tais crimes demonstram, fazem com que as exigências de prevenção geral atinjam um patamar de gravidade significativo”, como referido, também, no douto parecer do Exmo. Procurador Geral Adjunto neste Supremo Tribunal.
Necessidades que se fazem sentir também ao nível da prevenção especial, levando em conta a sua dependência do consumo de produtos estupefacientes.
Resulta do prescrito no artigo 40.º do Código Penal que as finalidades das penas se reconduzem à proteção de bens jurídicos (prevenção geral) e à reintegração do agente na sociedade (prevenção especial).
Ora, considerando em conjunto os factos e o que deles resulta acerca da personalidade do recorrente, ponderando, em especial, o número elevado de crimes pelos quais o mesmo já foi condenado, assumindo alguns dos crimes ora cometidos elevada gravidade, tais como vários crimes de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203º e 204º, n.º 1 e 2, burla informática qualificada, previsto e punido pelo artigo 221º, n.ºs 1 e 5, todos do Cód. Penal, os elevados montantes de se apropriou, conclui-se que o recorrente revela manifesta tendência criminosa, pelo que, dentro das molduras abstratas de 3 (três) anos e 6 (seis) meses a 8 (oito) anos e 10 (dez) meses de prisão, no primeiro bloco e de 1 (um) ano e 6 (seis meses) a 9 (nove) anos no segundo, se afiguram justas, equilibradas e proporcionais as penas cumulativas que lhe foram aplicadas pelo tribunal a quo, de 5 (cinco) anos e 3 (três) meses no primeiro bloco e de 4 (quatro) anos no segundo.
4. Do desconto.
a.Alega o arguido que apesar de num dos processos que integram o cúmulo em causa, “ter sido sujeito à privação da sua liberdade, a verdade é que, o Tribunal a quo não procedeu a esse desconto no Acórdão cumulatório de que se recorre.
O Recorrente, no âmbito do processo n.º 4/23.5GAMTS, foi detido no dia 10/01/2023, tendo-lhe, nesse mesmo dia, quando apresentado a interrogatório judicial, sido aplicada, como medida de coação, obrigação de permanência na habitação, a qual se manteve até dia 16/03/2023, uma vez que, do dia 17/03/2023 até ao dia 19/04/2023, esteve ligado ao processo n.º 6632/18.3T9VNG, tendo, no dia 20/04/2024 sido novamente ligado ao processo n.º 4/23.5GAMTS, o que se manteve até 05/12/2023. Ainda no processo n.º 4/23.5GAMTS, foi o Arguido sujeito a prisão preventiva desde o dia 15/01/2024 até 02/04/2024, data do trânsito em julgado da decisão proferida nos referidos autos e altura em que começou a cumprir a pena de prisão efetiva de 3 (três) anos e 6 (seis) meses aplicada”.
Assim, concluiu o Recorrente que, à data em que foi proferido o Acórdão cumulatório, já tinha sido privado da sua liberdade durante cerca de 568 dias, não tendo, no entanto, o Douto Tribunal a quo procedido à aplicação desse desconto na pena única a aplicar no âmbito do segundo bloco de penas, onde se integra o processo n.º 4/23.5GAMTS.
b.Dispõe o artigo 78.º, n.º 1 do Código Penal: “Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes”.
Da conjugação deste normativo com o artigo 80.º do mesmo diploma legal, resulta claro que o desconto se aplica aos casos em que houve lugar a privação da liberdade.
Assim o decidiu o acórdão recorrido e determinou que, futuramente, na liquidação a efetuar, se proceda aos descontos dos períodos de detenção ou de cumprimento de penas que se tenham verificado nos processos cujas penas parcelares foram agora cumuladas.
Determinação que será cumprida aquando da liquidação da pena, momento processual próprio para o seu cumprimento, como já referido supra, pelo Tribunal da condenação e não pelo Tribunal de Execução das Penas.
c.Quanto ao desconto equitativo da pena de prisão suspensa na execução e da prisão substituída por multa, dispõe o artigo 81º, de que “se a pena imposta por decisão transitada em julgado for posteriormente substituída por outra, é descontada nesta a pena anterior, na medida em que já estiver cumprida” (n.º 1), e “se a pena anterior e a posterior forem de diferente natureza, é feito na nova pena o desconto que parecer equitativo” (n.º 2).
Ora, nesta parte também não merece censura o acórdão recorrido.
Com efeito se à data da realização do cúmulo jurídico não se mostrar decorrido o tempo de suspensão de execução da pena, a contar do trânsito em julgado da decisão, nos termos do art.º 50º n.º 5 do Código Penal, deverá ser incluída no cúmulo jurídico da pena principal que tinha sido objecto de substituição, como foi. Tal como quando estejam em causa outras penas de substituição16.
Sendo esta a orientação maioritária, ou quase pacífica, da doutrina e jurisprudência deste Supremo Tribunal, ou seja, que “as penas de execução suspensas entram no cúmulo jurídico como penas de prisão (as penas de prisão substituídas), decidindo-se, a final, se a pena conjunta resultante do cúmulo deve ou não ficar, também, suspensa na sua execução.
Se tiverem sido incluídas em cúmulo jurídico anterior, renovam a sua autonomia enquanto penas parcelares para determinação da nova moldura penal do concurso em que vão ser incluídas”17.
Só assim não acontecerá nas situações em que as penas suspensas ou outras penas de substituição, à data da realização do cúmulo jurídico tenham já sido declaradas extintas, nos termos do art.º 57º, n.º 1, do Código Penal, “por respeito à paz jurídica do condenado resultante do trânsito em julgado da decisão que as declarou extintas”18.
Não faria sentido estar a incluir no cúmulo jurídico uma pena substituída quando a pena de substituição foi, entretanto, declarada extinta.
Como referido dispõe o artigo 81º, de que “se a pena imposta por decisão transitada em julgado for posteriormente substituída por outra, é descontada nesta a pena anterior, na medida em que já estiver cumprida” (n.º 1), e “se a pena anterior e a posterior forem de diferente natureza, é feito na nova pena o desconto que parecer equitativo” (n.º 2).
Ou seja, a pena anterior que tenha sido já parcialmente cumprida é descontada na pena a proferir na medida em que já tiver sido cumprida. Mas sendo as penas, anterior e posterior, de diferente natureza é feito na nova pena o desconto que parecer equitativo.
O desconto que parecer equitativo não pode considerar o simples decurso do tempo de suspensão, em que o condenado esperou passivamente que se esgotasse esse período, e nada fez de positivo, activamente, como o cumprimento de parte dos deveres ou regras de conduta a que tiver ficado condicionada a suspensão de execução da pena, e que agora pudesse justificar e ajudar a determinar a medida equitativa desse desconto.
Deverá o tribunal pronunciar-se sobre estas questões e decidir se no âmbito da suspensão de execução da pena o condenado cumpriu com os deveres ou regras de conduta que lhe foram impostas ou parte deles, que possam justificar a concessão de algum desconto no cumprimento da pena de prisão nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 81ºdo Código Penal19.
Ora ao invés, do que defende o recorrente, o acórdão recorrido ponderou e fundamentou os motivos, supra transcritos, porque determinou que, (i)no processo nº 1921/18.0PBMTS o arguido beneficiasse do desconto de 1 mês na pena única de prisão agora aplicada ao primeiro bloco de penas, (uma vez que, no processo nº 1921/18.0PBMTS o arguido rapidamente ficou incontactável e depois, quando é encontrado, estava em prisão preventiva), (ii)nos processos nºs 889/18.7GAVNG e 330/18.5GCVNF, fosse descontado o período de 3 meses na pena única de prisão agora aplicada ao primeiro bloco de penas, (considerando que o arguido esteve sempre em prisão e nunca cumpriu em liberdade as determinações do plano de reinserção social) bem como, (iii)quanto ao processo nº 330/18.5GCVNF, porque o recorrente não pagou nenhum valor da pena de multa substitutiva, optou por não efetuar qualquer desconto equitativo.
5. Da possível suspensão da execução da pena de prisão
Considera o Recorrente que “a aplicação da pena suspensa in casu, é uma possibilidade, no que diz respeito ao segundo bloco de penas, ainda que a respetiva pena única não fosse atenuada/diminuída e não se procedesse ao desconto do tempo em que o Recorrente esteve privado da sua liberdade, como se pugnou supra (o que não se concede), uma vez que, a pena aplicada é inferior a 5 (cinco) anos, sendo certo que, a suspensão da execução da pena de prisão, poderia também ser uma possibilidade, caso se proceda à redução da pena única aplicada ao primeiro bloco de penas e a um verdadeiro desconto equitativo, como se pretende e se peticionou acima, fixando-a numa pena inferior a cinco anos”.
Por outro lado, alega ainda que “a pena de prisão efetiva apenas traria consequências nefastas a todos os níveis para a sua família, com quem mantém um vínculo muito forte, pois, para além dos seus dois filhos adolescentes que ainda precisam tanto de si, nesta fase da adolescência, os seus pais, devido à avançada idade, necessitam do auxílio do ora Recorrente para algumas das tarefas mais básicas da vida, como deslocar-se ao hipermercado e comprar produtos alimentares de primeira necessidade”.
Quanto à não suspensão da execução da pena do segundo bloco do cúmulo ora aplicada ao aqui recorrente, temos que o artigo 50º, n.º1, do Código Penal realça que haverá que ligar à suspensão da execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
No entendimento do Prof. Figueiredo Dias, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada, mesmo em caso de conclusão do Tribunal por um prognóstico favorável (à luz de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização), se a ela se opuserem as finalidades da punição (artigos 50.º, n.º 1 e 40. °, n.º 1 do Código Penal), nomeadamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigência mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico.
Assim, “deve atender-se essencialmente aos mesmos elementos que são tomados em consideração para a formulação de um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do delinquente – personalidade do agente, condições de vida, conduta anterior e posterior ao crime e circunstâncias deste”20.
Como se salienta no Ac. do STJ de 06/02/2008, Proc. nº 08P101, consultável em www.dgsi.pt, “pressuposto material básico do instituto da suspensão da execução da pena é a expectativa, objectivamente fundada, de que a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão bastarão para afastar o condenado da criminalidade. Refere Jescheck que a suspensão da pena pressupõe um prognóstico favorável, consubstanciado na esperança de que o condenado não voltará a delinquir, prognóstico que requer uma valoração global de todas as circunstâncias que possibilitem a formulação de uma conclusão sobre o comportamento futuro do condenado, aí se incluindo a personalidade (inteligência e carácter), a vida anterior (condenações anteriores), as circunstâncias do crime (motivos e fins), a conduta posterior ao crime (arrependimento, reparação do dano) e as circunstâncias pessoais (profissão, família, condição social), e que terá de ser feito tendo em vista exclusivamente considerações de prevenção especial, pondo de parte considerações de prevenção geral”.
Não obstante, conforme preceituado no artigo 50º, nº 1, do Código Penal (que manda atender às finalidades da punição, a saber, segundo o artigo 40º, nº 1, do CP, a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade), “com aquele pressuposto material básico coexistem considerações de prevenção geral” pelo que “para aplicação desta pena de substituição é necessário, em primeiro lugar, que o julgador se convença, face à personalidade do condenado, suas condições de vida, comportamento global, natureza do crime e sua adequação a essa personalidade, de que o facto cometido não está de acordo com esta e foi simples acidente de percurso esporádico e de que a ameaça da pena, como medida de reflexos sobre o seu comportamento futuro, evitará a repetição de comportamentos delituosos, sendo necessário, em segundo lugar, que a pena de suspensão de execução da prisão não coloque irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, ou seja, o sentimento de reprovação social do crime ou sentimento jurídico da comunidade”21.
Ora, in casu, e como bem se fundamenta no Acórdão recorrido, atendeu-se que o recorrente, não obstante no segundo bloco de penas, foi condenado numa pena de prisão de 4 anos, ou seja, numa pena não superior a 5 anos de prisão - o pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da prisão encontra-se verificado -, cumpriria analisar o pressuposto material de aplicação da suspensão da execução da pena de prisão.
O Tribunal a quo considerou que o recorrente tem uma marcada tendência para
a prática de crimes, através da prática de um sem número de crimes, pelos quais foi condenado, quer abrangidas pelo primeiro bloco do cúmulo, quer abrangidas pelo segundo bloco do cúmulo, e ainda outras penas, maioritariamente por crimes contra o património, que se relacionam com a problemática da toxicodependência.
Ou seja, como bem se referiu o Acórdão a quo “as exigências de prevenção especial e geral impõem a aplicação de prisão efetiva, uma vez que não acreditamos que a simples ameaça de prisão seja suficiente para inibir o arguido de praticar factos criminalmente relevantes no futuro. Basta uma recaída no mundo da droga (que tantas vezes sucede a toxicodependentes em recuperação) e teremos certamente pelo menos a prática de diversos crimes contra o património.”.
Pelo que, bem andou o Tribunal ao concluir que, na pena aplicada no segundo bloco do cúmulo não estavam verificados os pressupostos para a suspensão da execução da pena de prisão em que o recorrente foi condenado e, em consequência, determinou que o arguido fosse condenado, em cúmulo jurídico superveniente e para cumprimento sucessivo das penas, nas penas de prisão efetivas.
Não assiste razão ao recorrente, improcedendo o recurso.
3. Decisão
Pelo exposto, o Supremo Tribunal de Justiça, 3ª secção criminal, acorda em:
- negar provimento ao recurso do arguido, AA, confirmando, antes, a decisão cumulatória recorrida.
- Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 UCs, (art.º 513º, n.º 1 e 3 do CPP e art.º 8º, n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais e tabela III anexa).
Antonio Augusto Manso (relator)
Jorge Raposo (Adjunto)
Horácio Correia Pinto (Adjunto)
_________
2. Neste sentido v. Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, p. 299, e Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal cit., anotação 11 ao artigo 80.º, p. 293, citados na nota 32 do Acórdão de Fixação de Jurisprudência 9/2011.
3. Ac. do STJ de 14.12.2023, proferido no processo n.º 130/18.2JAPTM.2.S1, in www.dgsi.pt
4. Ac.FJ n.º 9/2016, DR n.º 111, série I, de 09.06.2016.
5. FD, Direito Penal Português - As Consequências jurídicas do crime, Editorial Noticias, 1993, p. 194 e segs., citado no Ac. do STJ de 14.12.2023, proc. 130/18.2JAPTM.2.S1, in, www.dgsi.pt.
6. Ac. do STJ de 14.12.2023, proferido no processo n.º 130/18.2JAPTM.2.S1, in www.dgsi.pt↩︎
7. Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, 3.ª reimp., 2011, p. 248 e segs, e o acórdão de 8.6.2022, Proc. 430/21.4PBPDL.L1.S, e de 16.2.2022, Proc.160/20.4GAMGL.S1, www.dgsi.pt, citados no ac. do STJ de 21.02.2024, proc. 1553/22.8PBPDL.L1.S1.
8. Ac. do STJ de 19.05.2021, proc. n.º 36/20.5GCTND.C1.S1, www.dgsi.pt
9. Ac. do STJ de 31.03.2011, proc. n.º 169/09.9SYLSB.S1, www.dgsi.pt
10. Ac. do STJ de 31.03.2011, proc. n.º 169/09.9SYLSB.S1, www.dgsi.pt
11. Neste sentido, podem ver-se aplicações concretas nos acórdãos de 21-11-2006, processo n.º 3126/06-3.ª, CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 228, de 14-05-2009, no processo n.º 170/04.9PBVCT.S1-3.ª; de 10-09-2009, no processo n.º 26/05. 8SOLSB-A.S1, como se lê no ac. do STJ de 14.12.2023, proferido no processo n.º 130/18.2JAPTM.2.S1, in www.dgsi.pt, citando o ac. do STJ de 31.03.2011, proc. n.º 169/09.9SYLSB.S1.
12. Citado no Ac. do STJ de 25.09.2024, proferido no proc. 3109/24.1T8PRT, 3ª secção, e v. ainda, o acórdão de 25.10.2023, Proc. 3761/20.7T9LSB.S1, em www.dgsi.pt, e jurisprudência nele mencionada.
13. Ac. do STJ de 14.12.2023, proferido no processo n.º 130/18.2JAPTM.2.S1, in www.dgsi.pt
14. Ac. do STJ de 06.01.2021, proferido no proc. n.º 634/15.9PAOLH.S2, in www.dgsi.pt
15. Ac. do STJ de 14.12.2023, proferido no processo n.º 130/18.2JAPTM.2.S1, in www.dgsi.pt
16. Ac. do STJ de 14.12.2023, proferido no processo n.º 130/18.2JAPTM.2.S1, in www.dgsi.pt
17. Ac. do STJ de 14.12.2023, proferido no processo n.º 130/18.2JAPTM.2.S1, in www.dgsi.pt
18. v. acórdão do STJ de 12.06.2014, proc. n.º 300/08.1GBSLV.V.S2, citado no referido acórdão de 14.12.2023.
19. Ac. do STJ de 14.12.2023, proferido no processo n.º 130/18.2JAPTM.2.S1, in www.dgsi.pt
20. Ac. do STJ de 29/11/2006, Proc. nº 06P3121, disponível em www.dgsi.pt
21. Ac. do STJ de 24/10/2007, Proc. nº 07P3317, consultável em www.dgsi.pt