I. O direito à revisão de sentença condenatória, com consagração, como direito fundamental, no artigo 29.º, n.º 6, da Constituição, efetiva-se por via de recurso extraordinário que a autorize, nos termos dos artigos 449.º e seguintes do CPP, com a realização de novo julgamento, por ocorrer qualquer dos motivos taxativamente previstos nas várias alíneas do n.º 1 neste preceito.
II. Os fundamentos previstos nas alíneas a) e c), pressupõem que tenham sido proferidas outras sentenças: no caso d al. a), uma outra sentença que tenha considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão condenatória constante da sentença cuja revisão se pede; no caso da al. c), que os factos constantes da sentença recorrida, que servirem de fundamento à condenação, sejam inconciliáveis com os factos dados como provados noutra sentença e da oposição entre ambas as sentenças resultem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
III. Não se identificando outra sentença exigida por estas alíneas, é manifesta a falta de qualquer destes fundamentos.
IV. Para efeitos da al. d), são novos meios de prova os que não foram apreciados no processo que levou à condenação nem considerados na sua fundamentação, e que, sendo desconhecidos do tribunal no ato de julgamento, permitem que, pela sua descoberta posterior, se suscitem graves dúvidas acerca da culpabilidade do condenado; “novos” são também os que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e, porque aí não apresentados, não puderam ser considerados pelo tribunal, admitindo-se, no entanto, face ao disposto na parte final do n.º 2 do artigo 453.º do CPP, que, embora não sendo ignorados pelo recorrente, poderão ser excecionalmente considerados desde que este justifique razão atendível por que os não apresentou no julgamento.
V. Como novo «meio de prova» indica o recorrente o seu irmão, juntando uma declaração deste em que, para além da solidariedade para com ele e da apreciação que faz da sua personalidade, na parte que agora interessa, se limita a reproduzir o que o recorrente lhe disse, «após os factos», não especificando se após a condenação, e que, no essencial, se exprime na ideia de que este foi obrigado a «alterar» os factos, comprometendo a «descoberta da verdade» para se proteger de ameaças de «represálias» de que foi alvo. O facto alegado («represálias»), a existir, já existiria quando o arguido foi julgado e já seria do seu conhecimento pessoal; não é a circunstância de dele ter feito uma confidência ao seu irmão que o transforma em facto «novo».
VI. O arguido, sempre assistido por advogado, teve à sua disposição a possibilidade de, ao longo do processo e em audiência de julgamento, requerer todas as diligências que entendesse como necessárias para demonstrar a ameaça das ditas represálias, e, para além disso, pedir proteção se disso fosse caso, sendo que não consta que tivesse assumido a responsabilidade pela prática de qualquer facto, e que, por essa razão, tivesse sido condenado.
VII. Assim, não tendo sido descobertos novos meios de prova que possam suscitar dúvida sobre a justiça da condenação, conclui-se que também não ocorre o alegado fundamento da revisão previsto na al. d), sendo o recurso, também nesta parte, manifestamente desprovido de fundamento.
1. AA, arguido, com a identificação dos autos, interpõe recurso extraordinário de revisão do acórdão de 2 de fevereiro de 2024 do Juízo Central Criminal de Sintra – Juiz 2 – do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, transitado em julgado, que o condenou pela prática de:
- Um crime de dano simples, previsto e punível pelo artigo 212.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão;
- Um crime de detenção de arma proibida, previsto e punível pelo art.º 86.º n.º 1, alínea a), art.º 2.º n.º 1 al. aaa), art.º 3.º n.º 2 al. b) e art.º 4.º todos da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, com as alterações introduzidas pelas Leis n.º 59/2007, de 04 de setembro, n.º 17/2009, de 06 de maio, n.º 26/2010, de 30 de agosto, n.º 12/2011, de 27 de abril, n.º 50/2013, de 24 de julho e n.º 50/2019, de 24 de julho (Regime Jurídico das Armas e Munições), na pena parcial de 3 (três) anos de prisão.
E que, procedendo ao cúmulo jurídico destas penas, lhe aplicou a pena única de 3 (três) anos e 2 (dois) meses de prisão.
2. Fundando o recurso nas als. a), c) e d) do n.º 1 e no n.º 4 do artigo 449.º do CPP, apresenta motivação, com as seguintes conclusões:
«A. O presente recurso extraordinário de revisão tem como fundamentos os meios de prova dúbios valorizados na sentença transitada em julgado, tanto como pelos factos que serviram de fundamento à condenação do ora recorrente se considerarem inconciliáveis com os factos apresentados em audiência de julgamento, porquanto, existem graves dúvidas sobre a justiça da condenação, além da existência de novos factos e articulações, que considerados, fomentam, determinantes dúvidas sobre a decisão proferida.
B. O ora recorrente detém toda a legitimidade para interpor o presente recurso extraordinário, tendo sido condenado pela prática, em coautoria material, de um crime de dano simples, previsto e punível pelo artigo 212.º, n.º 1 do Código Penal, na pena parcial de 6 (seis) meses de prisão; e pela prática, em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punível pelo art. 86.º n.º 1, alínea a), art. 2.º n.º 1 al. aaa), art. 3.º n.º 2 al. b) e art. 4.º todos da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, com as alterações introduzidas pelas Leis n.º 59/2007, de 04 de setembro, n.º 17/2009, de 06 de maio, n.º 26/2010, de 30 de agosto, n.º 12/2011, de 27 de abril, n.º 50/2013, de 24 de julho e n.º 50/2019, de 24 de julho (Regime Jurídico das Armas e Munições), na pena parcial de 3 (três) anos de prisão, ao cúmulo jurídico das duas penas parcelares ora aplicadas, pela prática dos crimes ora identificados, na pena unitária de 3 (três) anos e 2 (dois) meses de prisão (efetiva).
C. O presente recurso tem como fundamentos, as alíneas a), c) e d), número 1, do artigo 449.º do Código de Processo Penal.
D. Não restam dúvidas que a interposição do presente recurso, tem como objetivo reparar uma grave injustiça cometida através da decisão judicial já transitada em julgado, envolvendo a violação de direitos, liberdades e garantias,-terreno muito sensível e relevante dentro do nosso Direito Constitucional e Processual, ao qual V.Exas., não poderão ficar indiferentes, deverá o presente recurso extraordinário de revisão, ser acolhido e autorizado em conferência pela secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça, por preencher e ser apresentado por quem tem legitimidade e cumprir com todos os requisitos legalmente exigidos.
E. O arguido, AA, encontra-se indevidamente privado da sua liberdade -, constitucionalmente consagrada como um dos pilares do nosso ordenamento jurídico, o princípio do Estado de Direito concretiza-se através de elementos retirados de outros princípios, designadamente, o da segurança jurídica e da proteção da confiança dos cidadãos, tal princípio encontra-se expressamente consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa e deve ser -do como um princípio politicamente conformado.
F. Os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança assumem-se como princípios classificadores do Estado de Direito Democrático, e que implicam um mínimo de certeza e segurança nos direitos das pessoas e nas expectativas juridicamente criadas a que está imanente uma ideia de proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na atuação do Estado.
G. Contudo, no presente caso, condenou-se o ora recorrente, com base em meios de prova viciados e inconciliáveis com os factos apresentados e expostos, comprometendo a descoberta da verdade material.
H. O ora recorrente, em fevereiro de 2023, assumiu, perante a autoridade judicial que se encontrava a ser forçado a aceitar determinados factos que não correspondiam à verdade, assim como obrigado a ocultar factos novos que determinariam outra decisão - tendo apresentado a sua constituição como assistente, indevidamente desvalorizados pelo tribunal, e por tal motivo, nas sessões de audiência de julgamento e na motivação da decisão de facto, o ora recorrente, se apresentava, constantemente, nervoso e atrapalhado.
I. Em examinação ao processo, poderá verificar-se, sem qualquer motivo que o justifique, que o ora recorrente, não apresentou contestação e rol de testemunhas, abandonando os seus direitos constitucionalmente consagrados.
J. Em sequência, em produção de prova testemunhal, estranhamente, as testemunhas arroladas pela defesa, têm depoimentos partidários, comprometendo exclusivamente o ora recorrente, AA.
K. E em sentido devidamente contrário, a prova testemunhal arrolada pela Acusação, desconhecem, por completo, a existência do arguido AA, concretamente, os agentes de Polícia de Segurança Pública.
L. O recorrente AA, não aderiu, nem se conformou, em momento algum, com o desenrolar dos factos expostos e dados como provados, nomeadamente, os factos números 1., 3., 4., 5., 6., 7., 8., 18., 19., 20., 21., 22. última parte, 24., 27.
M. A ausência de provas contra o ora recorrente e a desvalorização do apresentado pelo mesmo em fevereiro de 2023, comprometem a descoberta da verdade material, tornando, o julgamento, suportado em meios de prova viciados.
N. Desconsiderando, completamente, o douto tribunal, o facto do ora recorrente ter sido ameaçado quanto ao processo aqui em causa, tanto no desenrolar dos factos, como durante as sessões de julgamento, e tais factos que comprometem, integralmente, a decisão condenatória, quanto ao arguido, AA, impondo a sua absolvição.
O. O arguido momento algum, teve participação voluntária e direta dos factos em causa, conforme se provará por prova testemunhal e documental.
P. Efetivamente, os meios de prova aqui juntos e os principais factos neles comprovados, são indispensáveis para a descoberta da verdade, devendo ser devidamente considerados.
Q. Porquanto à data da decisão, o ora arguido, encontrava-se forçosamente, a ignorar a sua existência, impossibilitando as suas declarações reais e depoimentos de testemunhas – neste seguimento, o ora recorrente, não apresentou contestação/rol de testemunhas.
R. Assim, o presente recurso extraordinário, impõe-se como mecanismo necessário para reparar os danos causados à ordem constitucional, ao ora recorrente e a toda a sua família.
S. Os novos factos e meios de prova apresentados em sede do presente recurso, suscitam graves dúvidas sobre a justiça da condenação do ora recorrente.
T. É cristalino que a lei não exige certezas acerca da injustiça da condenação, apenas dúvidas, - logo, por todo o exposto, as dúvidas apresentadas são muito graves, colocando em causa, de forma séria, a condenação do arguido, que não a simples medida da pena imposta, n.º 3 do artigo 449.º do Código de Processo Penal.
U. Além do exposto, toda a existência da injustiça da condenação do arguido, leva-nos a criar uma grande dúvida sobre a escolha da pena, devendo ser revogada a aplicação da pena de prisão efetiva.
V. Impondo-se, a concessão da revisão pela subsistência de dúvidas graves sobre a justiça da condenação do arguido no que se refere à possibilidade de aplicação de uma pena de substituição, nomeadamente a suspensão da execução da pena de prisão aplicada.
W. A certeza e a segurança do direito cedem, excecionalmente, ao triunfo da justiça material, dando realce diferente e mais exigente de certos princípios que constituem a raiz dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, conforme a Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 29.º, número 6, garante.
X. Com o acima mencionado, subsistem graves dúvidas, colocando, de forma séria, a condenação do ora recorrente, incidindo sobre a condenação – devendo, fundadamente o arguido ser absolvido.
Y. Não se trata exclusivamente reavaliar factos e provas, mas de analisar a existência de uma violação explícita a direitos fundamentais que afetam diretamente a legitimidade da decisão proferida e o aqui recorrente.
Nestes termos e nos melhores de Direito, deverão V.Exas. (…) proceder às diligências que considerar indispensáveis para a descoberta da verdade, nos termos das alíneas a), c) e d), número 1, do artigo 449.º do Código de Processo Penal, determinando as consequências legais aplicáveis mediante a autorização de revisão, impondo a anulação da sentença, ou da sua suspensão»
3. Respondeu o Senhor Procurador da República no tribunal recorrido, concluindo no sentido da improcedência do recurso (transcrição):
«(…)
Junta, com o seu recurso, um documento assinado por BB, no qual este declara o conhecimento que tem sobre factos que foram submetidos a julgamento.
Relativamente aos fundamentos previstos nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 449.º, o recorrente em momento algum, indica qual a outra sentença transitada em julgado, nem dela faz prova, que poderá justificar a sua pretensão.
Pelo exposto, quanto a estes fundamentos, deverá obviamente ser rejeitado o recurso.
Quanto ao fundamento previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º, o recorrente alega que o novo meio de prova apresentado suscita graves dúvidas sobre a justiça da condenação do recorrente.
De acordo com a declaração de honra junta com o recurso, tal novo meio de prova corresponderá a uma testemunha – BB – que apenas terá conhecimento indireto dos factos.
Acresce que não também não há demonstração de que tal testemunha não pudesse oportunamente ter sido trazida ao julgamento realizado nos presentes autos.
Perante tal exposição, temos dúvidas de que tal meio de prova se possa considerar, para efeitos do disposto no artigo 449.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Penal. (…)
No seu recurso, o recorrente não só não fez demonstração que ignorava a existência da testemunha, como demonstrou o seu contrário. De facto, a existência desta testemunha era do conhecimento do arguido AA, tanto que este, segundo a declaração de honra, diz ter conhecimento dos factos pelo próprio arguido, após os factos do presente processo (ocorridos em 2022).
Acresce que a “nova” testemunha é, segundo alegado, irmão do arguido, pelo que a sua eventual credibilidade também seria sempre avaliada com base nestes pressupostos, pelo que, no entendimento do Ministério Público, também cairá por terra o requisito previsto na parte final da alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal, designadamente que a versão trazida por este novo meio de prova suscite graves dúvidas sobre a justiça da sua condenação.
Face ao exposto, no nosso entendimento, os fundamentos invocados não se enquadram na previsão do instituto de revisão, designadamente nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do art.º 449.º do CPP, devendo, por este motivo, ser rejeitado o recurso.»
4. Pronunciando-se sobre o mérito do pedido, de acordo com o disposto no artigo 454.º do CPP consigna a Mma. juiz do processo (transcrição):
«(…)
Em suma, sustenta [o arguido] que:
- o acórdão assentou na valorização de meios de prova dúbios;
- os factos provados são inconciliáveis com os apresentados em julgamento;
- existem novos factos e meios de prova que suscitam graves dúvidas sobre a justiça da condenação;
- o recorrente foi forçado a aceitar determinados factos que não correspondiam à verdade, assim como obrigado a ocultar factos novos que determinariam outra decisão;
- e apresentação testemunha (BB) e documentos como nova prova.
Tendo em conta os fundamentos invocados e os elementos documentais juntos aos autos, não se nos afigura necessária a realização de quaisquer outras diligências.
Nos termos do artigo 454.º do Código de Processo Penal, cumpre proferir informação sobre o mérito do pedido, o que, por razões de economia processual, se faz por adesão aos fundamentos da resposta apresentada pelo Ministério Público.
Com efeito, como bem se refere na resposta do Digno Magistrado do Ministério Público:
- o recorrente, apesar de convocar as normas das alienas a) e c) do artigo 449º do CPP, não indicou qualquer sentença transitada em julgado que declare falsos os meios de prova utilizados na sua condenação (alínea a), nem demonstrou a existência de factos inconciliáveis com os dados provados noutro processo (alínea c));
- quanto à alegada nova prova (que justifica a chamada à colação da norma do artigo 449.º, n.º 1, alínea d)), a testemunha apresentada — além de ser irmão do recorrente — não tem conhecimento direto dos factos e, mais relevante, era já conhecida do recorrente à data do julgamento, não se demonstrando que a sua audição fosse então impossível.
- o arguido, ao afirmar que o acórdão assentou na valorização de meios de prova dúbios e que os factos provados são inconciliáveis com os apresentados em julgamento expressa um juízo, para mais genérico, de discordância em relação à valoração da prova feita no acórdão, confirmado por Acórdão do Venerando Tribunal da Relação, e pacificamente transitado em julgado. Tendo ali tido oportunidade de esgotar os seus argumentos quanto às razões dessa sua discordância que não podem servir de fundamento a um recurso extraordinário de revisão.
Assim, entende-se que não se verificam os pressupostos legais para a admissibilidade do recurso de revisão, nos termos do artigo 449.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
Nestes termos, e tal como propugna o Ministério Público, entende-se que deverá ser negada a revisão.»
5. O recorrente tem legitimidade para requerer a revisão (artigo 450.º, n.º 1, al. c), do CPP).
Colhidos os vistos o processo foi remetido à conferência para decisão (artigo 455.º, n.ºs 2 e 3, do CPP).
II. Fundamentação
6. A sentença recorrida, cuja revisão agora se pretende, julgou provados, na parte que agora interessa, os seguintes factos, com base na seguinte motivação:
«1. No dia 22 de junho de 2022, os arguidos AA e CC encontraram-se no estabelecimento de bebidas denominado “1”, sito na Rua 1 e antes das 20h00 ausentaram-se desse local.
2. CC fez-se munir de uma pistola metralhadora, automática, calibre 9 mm Parabellum, modelo UZI, devidamente municiada.
3. Os dois arguidos entraram no veículo da marca Citroen, modelo Saxo, com a matrícula V1, propriedade do arguido AA, tendo-se este sentado no lugar do condutor e o arguido CC no lugar do pendura, levando consigo, empunhada, a descrita pistola metralhadora.
4. O arguido AA conduziu o dito veículo em direção ao denominado “bairro ...”, sito na ..., local onde o arguido CC efetuou, pelo menos, um disparo para o ar com a descrita pistola metralhadora.
5. Após, os arguidos seguiram em direção à Praceta 1 e, depois, para a Praceta 2, ambos na ..., locais onde o arguido CC efetuou, pelo menos, dezasseis disparos com a referida pistola metralhadora, com a dita viatura sempre em movimento.
6. Dois dos disparos atingiram a parede de um estabelecimento de diversão noturna existente na Praceta 1 e outros quatro disparos atingiram a parede do estabelecimento de bebidas denominado R..., sito na Praceta 2, pertencente a DD e onde se encontravam, para além deste, três ou quatro clientes.
7. Depois, o arguido AA dirigiu o veículo por si conduzido até à Avenida 1, junto ao estabelecimento de bebidas denominado “T...”, localizado no número de polícia 76, na ..., ....
8. Nesse local, ambos os arguidos saíram da viatura V1, tendo o arguido CC se dirigido a uma viatura que ali estava parada, em segunda fila, no interior da qual estavam EE e FF.
9. Seguidamente, o arguido CC direcionou a dita metralhadora à face de EE e, ao verificar que não se tratava da pessoa que procurava, disse, além do mais, “não é este”.
10. Por haver notícia da existência de disparos na via pública com arma de fogo, brigada da Esquadra de Investigação Criminal da Polícia de Segurança Pública composta pelos agentes GG, HH e II, dirigiu-se à Avenida 1, ....
11. O agente GG seguiu apeado na direção do estabelecimento de bebidas “T...”, empunhando a sua arma de serviço e o agente HH seguiu a cerca de dois metros à retaguarda empunhando, igualmente, a sua arma de serviço.
12. O agente II seguiu na mesma direção a cerca de 3/4 metros de distância do agente GG.
13. Todos os agentes da PSP traziam ao pescoço colares com os distintivos policiais.
14. Assim que visualizou o arguido CC com a pistola metralhadora, o agente GG dirigiu-se-lhe e, em tom alto, disse-lhe, pelo menos uma vez, “polícia, larga a arma, mãos no ar”.
15. Não obstante ter compreendido de que se tratavam de polícias e que lhe ordenavam que largasse a arma, quando se encontrava a uma distância de cerca de 7 metros, o arguido CC começou a direcionar a pistola metralhadora para os referidos agentes, GG e HH.
16. Temendo pela sua integridade física e até pela vida, o agente GG fez uso da sua arma de serviço e efetuou um disparo na direção dos membros inferiores do arguido CC, o que fez com que este largasse a pistola metralhadora e caísse ao solo e, após se erguer, se colocasse em fuga apeada.
17. O arguido CC não é portador de licença de uso e porte de arma, nem de licença de detenção de arma no domicílio quanto à arma descrita e, mesmo assim, não se absteve de a municiar, de a deter e de a usar nos termos descritos.
18. O arguido AA não é portador de licença de uso e porte de arma, nem de licença de detenção de arma no domicílio quanto à arma descrita, e mesmo assim, não se absteve de a transportar, devidamente municiada, na viatura por si conduzida.
19. Os arguidos sabiam que para deter, guardar, portar, usar e transportar armas e munições necessitavam de uma licença específica para o efeito. Não obstante não se inibiram de agir como descrito.
20. Ambos os arguidos conheciam as características da pistola metralhadora com que o arguido CC previamente se munira e sabiam que, ante as características que possuía, é um meio idóneo para tirar a vida, se usada contra uma pessoa, bem como, meio idóneo para a ferir com gravidade.
21. Os arguidos agiram em conjugação de esforços e intentos, com divisão de tarefas, e em execução de um plano gizado pelo arguido CC a que o arguido AA aderiu de imediato.
22. Ao efetuar múltiplos disparos, em diversas direções, nos descritos Bairros ..., designadamente na Praceta 3, na Praceta 1 e na Praceta 2, o arguido CC agiu com o propósito, concretizado, de causar estragos nos edifícios ali existentes e colocou em perigo a vida e a integridade física das pessoas que ali circulavam àquela hora e também das que se encontravam à janela ou à varanda das residências ali existentes, bem como no interior do estabelecimento R..., conduta com a qual o arguido AA se conformou e nada fez para impedir, sabendo ambos que se tratavam de bairros com elevada densidade habitacional e populacional e que os edifícios atingidos não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade dos seus legítimos proprietários.
23. Os dois edifícios atingidos pelos disparos efetuados pelo arguido CC têm valores não concretamente apurados, mas superior a 20.400,00€ (vinte mil e quatrocentos euros) cada.
24. Com as suas condutas, os arguidos causaram um prejuízo a DD, dono de um destes prédios, de valor não concretamente apurado.
25. Ao utilizar e direcionar a referida pistola metralhadora para os corpos dos agentes da PSP GG e HH, com a qual poderia atingir órgãos vitais como o coração e os pulmões, o arguido CC, disso ciente, atuou com o propósito de lhes tirar a vida, o que apenas não conseguiu por razões alheias à sua vontade, designadamente porque o agente GG reagiu de imediato fazendo uso da sua arma de serviço e neutralizou a intenção do arguido CC usar a pistola metralhadora.
26. O arguido CC bem sabia que GG e HH eram agentes da Polícia de Segurança Pública e que se encontravam ali no exercício destas suas funções.
27. Os arguidos agiram, em todas as circunstâncias descritas, de forma livre, deliberada e consciente, sabendo as suas descritas condutas eram proibidas e punidas por lei.
(…)
Motivação da Decisão de Facto
A convicção do tribunal, relativamente à matéria de facto que ora se deu por assente, em especial no que diz respeito à dinâmica e consequências da ação dos arguidos, assenta no confronto crítico das declarações prestadas por ambos, com os depoimentos das testemunhas que depuseram em julgamento, com os documentos juntos aos autos e com os relatórios periciais.
Os dois arguidos têm declarações pouco credíveis, já que se encontram em dissonância com os demais meios de prova que se analisarão e visto que são produzidas com uma postura corporal, entoação e espontaneidade que não convencem.
Assim, o arguido AA, particularmente nervoso e atrapalhado, nega qualquer intervenção nos factos. (…)
CC presta parcas declarações.
Negando, igualmente os factos, afirma não se recordar onde estava nesse dia. Aliás, pedindo-se que fizesse um esforço de memória, até porque foi um dia em que foram disparados tiros perto da sua casa, responde que esse facto não suscita memórias especiais, já que são disparados quase diariamente tiros naquela zona.
O arguido confirma que foi feita uma busca à sua casa, onde nada foi encontrado.
Quanto às marcas que se visualizam no seu corpo, nas fotografias de fls. 213, explica que se devem a um problema cutâneo, “a uma alergia”.
As declarações prestadas por este arguido não são reveladoras de espontaneidade, não convencendo o tribunal sobre a sua veracidade.
Note-se que, ao contrário do que foi referido na douta acusação, este arguido não prestou declarações em sede de primeiro interrogatório.
O confronto dos depoimentos de GG, HH, II e DD mostrou-se determinante para a descoberta da verdade e em especial para o apuramento da dinâmica dos factos ocorridos em frente ao estabelecimento “o T...”.
Acresce que o depoimento dos dois primeiros agentes é reforçado pelos reconhecimentos positivos do arguido CC, corporizados nos autos de fls. 218 e 221.
Sendo que ambos, em audiência, afirmam não ter tido qualquer dúvida, no reconhecimento então efetuado, de que se tratava da pessoa que empunhava a pistola metralhadora.
GG, agente da PSP, presta depoimento de forma objetiva e particularmente serena e convincente. (…)
O depoente reconhece não se lembrar de qual a intervenção que o arguido AA teve naquele local.
Quanto a II, este estava mais afastado da testemunha e de HH. (…)
As testemunhas arroladas pela defesa têm depoimentos manifestamente parciais, ainda que comprometam, a maioria delas, o arguido AA, colocando-o como o condutor da viatura em que o atirador e portador da Uzi se encontrava.
JJ declara-se filho de uma vizinha do arguido CC,
Esta testemunha confirma que, no café 1, lhe foi dito por pessoas que o frequentavam que estavam ali pessoas armadas. E, efetivamente, confirma que ali se cruzou com um carro – um Citroen Saxo de cor cinza prata – que era conduzido pelo arguido AA. Percebeu, no que é essencial para reconstruir o percurso realizado por este e pela pessoa que o acompanhava, iniciado nos termos assentes em 1., que “eles estavam a ir embora”. (…)
A testemunha KK, amigo do arguido CC, explica que estava, do outro lado do estabelecimento T... a 10 metros, com um amigo. (…)
Conta a testemunha que visionou um carro a entrar na rua, com velocidade, tendo estacionado em segunda fila. Viu, então, que mal o carro parou, dele saíram o LL (o arguido AA) e outro indivíduo.
(…)
Depois, ouviu um indivíduo a dizer e a repetir o grito de “polícia” para esse indivíduo que acompanhava o arguido AA e que tinha um capuz negro colocado na cabeça. (…)
MM declara conhecer o arguido CC, conhecendo o arguido AA de “vista” e pela forma de tratamento de “LL”.
MM refere ver 3 indivíduos a correr o que também é amplamente contrariado pelo depoimento de todos os agentes. (…)
E afirma que, também ele, observou um carro a chegar à Praceta, que era conduzido pelo arguido AA e com um indivíduo a pendura que não sabe quem era. (…)
Ora, o relatório de inspeção judiciária de fls. 5 e ss. elaborado, além do mais, pelo Inspetor NN cujo depoimento já foi dissecado, permite corroborar a convicção do tribunal quanto à movimentação do atirador e do indivíduo que o conduzia na viatura que veio a ser apreendida.
Este auto confirma os vestígios que foram encontrados pela Polícia Judiciária na Rua 2, na Rua 3, na Praceta 3 e na Praceta 1.
O registo de vista aérea permite perceber o percurso dos dois arguidos e, muito concretamente, os locais onde o arguido CC disparou a metralhadora apreendida (por ali terem sido encontradas as cápsulas deflagradas e os vestígios de impacto nos prédios). Sendo que terminaram este percurso exatamente no arruamento onde o arguido CC morava, pormenor que não se nos afigura corresponder, também ele, a mera coincidência, mas a mais uma evidência de que foi este quem atuou da forma que se deu por assente. Também as fotos de fls. 19 a 24 pormenorizam esses vestígios.
Sendo que as fotografias de fls. 24 permitem confirmar o depoimento de DD e do Inspetor NN, permitindo concluir que as marcas ali existentes foram disparadas pela arma metralhadora que foi apreendida.
As fotografias de fls. 12 e ss. permitem confirmar que a viatura comprovadamente pertencente ao arguido AA (vide resultado da pesquisa nas bases de dados de fls. 45 e ss) foi deixada numa posição que exclui a plausibilidade da versão deste (para mais se se considerar que deixou a chave na ignição e o motor a trabalhar).
O cotejo das fotografias de fls.12 e 13, onde surge assinalado o local onde foram encontradas cápsulas deflagradas pela arma de GG e o local onde foi abandonada a pistola metralhadora, permite confirmar os depoimentos deste agente da PSP e dos seus colegas quando à distância a que se encontravam do portador desta arma. Tal distância permite reforçar a convicção do tribunal quanto às boas condições que tiveram para o reconhecer.
A arma de serviço de GG é retratada a fls. 26 e foi entregue para ser examinada nos termos de fls. 65.
Sujeita a exame pericial, conclui-se, no relatório de fls. 336, que esta arma disparou as munições correspondentes às 3 cápsulas encontradas nas proximidades do estabelecimento o “T...”, reforçando a credibilidade dos depoimentos prestados pelos agentes da PSP.
O relatório pericial de balística de fls. 339 e ss. permite confirmar a certeza de que as 16 cápsulas encontradas na Praceta 3, na Praceta 1 e na Praceta 2 foram disparadas pela metralhadora Uzi A que foi apreendida no passeio em frente ao estabelecimento “o T...”.
O auto de apreensão de fls. 34, corporiza a apreensão do Citroen Saxo (já devolvido a fls. 555), bem como da pistola metralhadora, projétil danificado e das cápsulas deflagradas.
O relatório de utilização de arma de fogo elaborado por GG, a fls. 116, e o auto de notícia de fls. 118, são coerentes com o depoimento apresentado por esta testemunha.
Desses documentos, permite-se antever que a testemunha não estava, na data em que elaborou os documentos, certa da identificação do suspeito, mas também foi reconhecido que o conhecia de vista.
O auto de busca domiciliária de fls. 196 não permite retirar qualquer conclusão, já que entre a execução da diligência e os factos decorreram quase dois meses, não podendo o visado, o arguido CC, deixar de ter a perceção de que teria sido identificado naquela circunstância. Pelo que seria pouco provável que mantivesse, naquele espaço, vestígios da utilização da arma que abandono no passeio.
A declaração de fls. 318 permite ancorar a certeza de que também o arguido CC não era detentor de qualquer licença de uso e porte de arma, ainda que não se conceba que pudesse ser titular de licença para uso de uma pistola metralhadora. Aliás, nenhum dos arguidos declarou ser possuidor de tal licença.
O relatório pericial de fls. 202 e 329 permite apenas concluir que o material genético encontrado no Citroen Saxo pertencia ao arguido AA e a um terceiro não concretamente identificado, não infirmando a certeza de que CC se fez transportar, naquele dia indicado em 1., naquela viatura.
A fls. 404, encontramos o exame da metralhadora apreendida nos autos e a fls. 406, dos respetivos invólucros.
As conclusões que se permitem retirar destes elementos documentais e periciais entroncam nas já formuladas a propósito da prova testemunhal.
Assim, inexistem dúvidas de que o arguido AA conduziu o veículo da sua propriedade, transportando o seu coarguido e a arma que este empunhava, apoiando decisivamente os atos que este foi praticando, de alvejar prédios nos percurso que realizaram.
Efetivamente, nada o demoveu nesse percurso em que também AA manteve, ao seu alcance e disponibilidade a pistola metralhadora empunhada por CC. (…)
Os depoimentos dos três agentes da PSP, GG, HH e II, em confronto com os demais elementos probatórios, permitem alicerçar certezas de que o arguido CC, detendo a metralhadora, baixa-a na direção dos dois primeiros, indiferente às ordens que lhe foram dadas. O que permite ancorar certezas de que a ia disparar na direção daqueles, produzindo, necessariamente a sua morte, vista a elevada eficácia e letalidade da arma, cuja posse bem sabia estar-lhe vedada. (…)».
11. O direito à revisão de sentença condenatória tem consagração, como direito fundamental, no artigo 29.º, n.º 6, da Constituição. Dispõe este preceito que «[o]s cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos».
A revisão, que se efetiva por via de recurso extraordinário que a autorize, nos termos dos artigos 449.º e seguintes do Código de Processo Penal («CPP»), com a realização de novo julgamento, possibilita a quebra do caso julgado de sentenças condenatórias que devam considerar-se injustas, por ocorrer qualquer dos motivos previstos no artigo 449.º.
Como se tem consignado em anteriores acórdãos (nomeadamente, de entre os mais recentes, no acórdão de 13.03.2025, Proc. 104/14.2JBLSB-F.S1, em www.dgsi.pt, que se reproduz e acompanha no que se segue), a linha de fronteira da segurança jurídica resultante da definitividade da sentença transitada em julgado, por esgotamento ou não utilização das vias processuais de recurso ordinário, enquanto componente das garantias de defesa no processo (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição), estabelece-se, como garantia relativa à aplicação da lei penal (artigo 29.º da Constituição), no limite resultante da inaceitabilidade da subsistência de condenações que se revelem «injustas».
O juízo de dúvida sobre a justiça da condenação, revelado por demonstração de fundamento contido no numerus clausus definido na lei (artigo 449.º, n.º 1, do CPP), que justifica a realização de novo julgamento, sobrepõe-se, assim, à eficácia do caso julgado, em homenagem às finalidades do processo – a realização da justiça do caso concreto, no respeito pelos direitos fundamentais –, desta forma se operando o desejável equilíbrio entre a segurança jurídica da definitividade da sentença e a justiça material do caso. O fundamento do caso julgado «radica-se numa concessão prática às necessidades de garantir a certeza e a segurança do direito», sublinha Eduardo Correia, que acrescenta: «a força de uma sentença transitada em julgado há-de estender-se até onde o juiz tenha o poder e o dever de apreciar os factos submetidos a julgamento», sendo que «posta uma questão ante um magistrado, deve este necessariamente resolvê-la esgotantemente até onde deva e possa» (Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juiz, Teoria do Concurso em Direito Criminal, Almedina, 1963, pp. 302 e 304).
12. Num processo penal de tipo acusatório completado por um princípio de investigação, a que corresponde o modelo do Código de Processo Penal, as garantias e procedimentos de formação de uma decisão judicial definitiva de aplicação de uma pena ou de uma medida de segurança (artigo 340.º e segs. do CPP), incluindo as possibilidades de impugnação, de facto e de direito, por via de recurso ordinário (artigo 412.º do CPP) admissível, por regra, relativamente a todas as decisões in procedendo e in judicando (artigo 399.º do CPP), previnem e reduzem substancialmente as possibilidades de erro judiciário que deva ser corrigido por via de recurso extraordinário de revisão contra as «injustiças da condenação», o que eleva especialmente o nível de exigência na apreciação dos fundamentos para autorização da revisão.
A garantia do direito a um processo equitativo («processo justo»), nas suas múltiplas dimensões, tal como se consagra no artigo 32.º da Constituição, no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos («CEDH») e no artigo 14.º do Pacto Internacional Sobre os Direitos Civis e Políticos («PIDCP»), impõe que ao arguido, que tem o direito e o dever de estar presente em audiência, assistido por defensor (artigos 61.º e 332.º do CPP), seja dado o tempo e os meios necessários para preparar da sua defesa e apresentar os meios de prova a produzir e seja assegurada a faculdade de contrariar a prova contra si produzida em audiência pública e contraditória onde devem ser apresentadas e produzidas todas as provas que devem fundamentar a decisão sobre a sua culpabilidade (como se estabelece nos artigos 315.º, 327.º, 339.º, n.º 4, 340.º e 355.º do CPP).
13. A lei enumera os fundamentos e dispõe sobre admissibilidade da revisão no artigo 499.º do CPP. Estabelece o n.º 1, alíneas a), c) e d), deste preceito, que o recorrente invoca para fundamentar o pedido:
«1 - A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:
a. Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;
b) (…)
c) Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;
d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
(…)»
A alínea d) requer a convocação do artigo 453.º do mesmo diploma («Produção de prova»), que dispõe:
«1 - Se o fundamento da revisão for o previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º, o juiz procede às diligências que considerar indispensáveis para a descoberta da verdade, mandando documentar, por redução a escrito ou por qualquer meio de reprodução integral, as declarações prestadas.
2 - O requerente não pode indicar testemunhas que não tiverem sido ouvidas no processo, a não ser justificando que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estiveram impossibilitadas de depor.»
14. Como expressamente se estabelece nas alíneas a) e c), os fundamentos da revisão da sentença aqui previstos pressupõem, quer num caso quer no outro, que tenham sido proferidas outras sentenças: no primeiro caso, o da al. a), uma outra sentença que tenha considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão condenatória constante da sentença cuja revisão se pede; no segundo caso, o da al. c), que os factos constantes da sentença recorrida, que servirem de fundamento à condenação, sejam inconciliáveis com os factos dados como provados noutra sentença e da oposição entre ambas as sentenças resultem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
Ora, o arguido não invoca qualquer outra sentença proferida pelo mesmo ou por outro tribunal que tenha considerado falso qualquer dos meios de prova indicados na fundamentação da decisão condenatória anteriormente indicados (supra, 6), nem qualquer outra sentença, de outro processo, em que se tenham provado factos que, em confronto com os factos provados na sentença condenatória dos presentes autos, evidencie a impossibilidade de esses factos se conciliarem entre si. Não se invoca qualquer sentença nem dela há conhecimento nos autos.
O que o arguido invoca é que este recurso de revisão «tem como fundamentos os meios de prova dúbios valorizados na sentença transitada em julgado, tanto como pelos factos que serviram de fundamento à condenação do ora recorrente se considerarem inconciliáveis com os factos apresentados em audiência de julgamento, porquanto, existem graves dúvidas sobre a justiça da condenação, além da existência de novos factos e articulações, que considerados, fomentam, determinantes dúvidas sobre a decisão proferida.» (conclusão A.). Ou seja, o recorrente, em substância, reconduz a sua alegação, no que se refere aos fundamentos das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP, a uma discordância quanto à apreciação dos meios de prova que conduziu à condenação, que considera «dúbios», e a uma dita «inconciliabilidade» entre os factos da «condenação» e os «factos apresentados em audiência de julgamento», de ininteligível sentido e alcance por não corresponder a qualquer conceito normativo, os quais evidentemente não se reconduzem ao âmbito da previsão destas disposições legais.
Assim sendo, se deve concluir que é manifesta a falta de qualquer destes fundamentos.
15. Quanto ao alegado fundamento da al. d) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP, tem este tribunal sublinhado, em jurisprudência sólida e reiterada, que, para efeitos de revisão da decisão de condenação, se consideram «novos meios de prova» os meios que não foram apreciados no processo que levou à condenação nem considerados na sua fundamentação e que, sendo desconhecidos do tribunal no ato de julgamento, permitem que, pela sua descoberta posterior, se suscitem graves dúvidas acerca da culpabilidade do condenado. Novos meios de prova são aqueles que são processualmente novos, que não foram apresentados no processo da condenação; neste sentido, a novidade refere-se ao meio de prova – seja pessoal, documental ou outro –, e não ao resultado da produção da prova1.
«Novos» meios de prova são, em regra, os que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e, porque aí não foram apresentados, não puderam ser considerados pelo tribunal2, admitindo-se, no entanto, face ao disposto na parte final do n.º 2 do artigo 453.º do CPP – segundo o qual o requerente não pode indicar testemunhas que não foram ouvidas no processo, «a não ser que» justifique que «ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estiveram impossibilitadas de depor» – que, embora não sendo ignorados pelo recorrente, poderão estes ser excecionalmente considerados desde que o recorrente justifique a razão, atendível, por que os não apresentou no julgamento3.
Para além disso, estes «novos» meios de prova – que, nesta aceção, devem ser «descobertos» posteriormente à decisão condenatória – devem também, por si ou em conjugação com outros já apreciados no processo, suscitar «graves dúvidas sobre a justiça da condenação».
A dúvida sobre a justiça da condenação, relevante para a revisão, tem de ser «grave». Não basta a mera existência da dúvida; é necessário que ela se eleve a um patamar de solidez que permita afirmar a sua «gravidade» (como se sublinha nos acórdãos citados), isto é, que, na ponderação conjunta de todos os factos e meios de prova, seja possível justificadamente concluir que, tendo em conta o critério de livre apreciação da prova (artigo 127.º do CPP) e sem prejuízo da sujeição ao teste do contraditório, imediação e oralidade do novo julgamento, deles resulta uma forte possibilidade de não condenação.
16. Recordando a motivação do recurso, o recorrente alega, em síntese:
Que «não apresentou contestação e rol de testemunhas, abandonando os seus direitos constitucionalmente consagrados» (conclusão J), que «os meios de prova aqui juntos e os principais factos neles comprovados são indispensáveis para a descoberta da verdade, devendo ser devidamente considerados» (conclusão P), que «à data da decisão encontrava-se forçosamente, a ignorar a sua existência, impossibilitando as suas declarações reais e depoimentos de testemunhas», razão por que não apresentou contestação nem o rol de testemunhas (conclusão Q), e que «os novos factos e meios de prova apresentados [no] presente recurso suscitam graves dúvidas sobre a justiça da condenação» (conclusão S).
Alega ainda, na parte que agora releva, que a «injustiça da condenação leva a criar uma grande dúvida sobre a escolha da pena, devendo ser revogada a aplicação da pena de prisão efetiva» (conclusão U), impondo-se a «aplicação de uma pena de substituição, nomeadamente a suspensão da execução da pena de prisão aplicada» (conclusão V), visando assim «a anulação da sentença, ou a sua suspensão». O que agora não pode ser considerado, tendo em conta as finalidades do recurso de revisão e o disposto no artigo 449.º, n.º 3, do CPP, segundo o qual com fundamento na alínea d) não é admissível revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada ou, numa aceção mais ampla, que deve ter-se por implícita, a decisão de escolha da pena.
17. Indica como «novo meio de prova» o seu irmão BB, juntando uma «declaração de honra» assinada por este, em que diz acompanhar a situação do arguido, que o considera um «homem bondoso, afetuoso, dinâmico e com valores e princípios bem assentes», mas que é «uma pessoa frágil e influenciável, não conseguindo enfrentar os problemas que lhe vão aparecendo, por receio das consequências», que «após os factos alegados no presente processo» lhe «confidenciou ter sido coagido em vários momentos, alterando todo o contexto dos factos ocorridos e da forma que ocorreram, comprometendo a descoberta da verdade, justificando que preferia proteger-se das represálias que lhe foram apresentadas», que jura «por sua honra» que o recorrente «foi sempre uma pessoa extremamente amável» e que sabe «que ele não era capaz de fazer todo o descrito, de sua livre e espontânea vontade, por não ter capacidade e personalidade para tal, mesmo que todos os seus antecedentes sejam contrários», pelo que «suplica» que seja feita justiça, pois seu irmão «encontra-se muito afetado e desesperado no estabelecimento prisional, sendo roubado todos os dias e comprometendo a sua sanidade mental, pedindo que tenham em consideração a coação moral que [o] afetou».
18. Para além da solidariedade para com o arguido e da apreciação que faz da sua personalidade, esta (nova) testemunha, segundo afirma, na parte que agora interessa (a situação em que se encontra e vive na prisão é matéria que releva da competência da administração penitenciária), limita-se a reproduzir o que o recorrente lhe disse, «após os factos», não especificando se após a condenação, e que, no essencial, se exprime na ideia de que este foi obrigado a «alterar» os factos, comprometendo a «descoberta da verdade» para se proteger de ameaças de «represálias» de que foi alvo.
Como se vê da fundamentação da decisão em matéria de facto, o arguido, «particularmente nervoso e atrapalhado, nega qualquer intervenção nos factos» e o que a (nova) testemunha vem dizer expressa essa mesma negação, agora com a sua intermediação.
Quanto às alegadas «represálias» que, segundo afirma, o teriam levado a «alterar» os factos, sem se saber em que consistiu essa «alteração», nenhuma prova vem indicada. O facto alegado («represálias»), a existir, já existiria quando o arguido foi julgado e já seria do seu conhecimento pessoal. Não é a circunstância de dele ter feito uma confidência ao seu irmão que o transforma em facto «novo».
Para além disso, não alega nem justifica o recorrente que a testemunha agora indicada, sendo seu irmão, não podia ser ouvida em julgamento, sendo que, dada essa qualidade pessoal, se poderia recusar a depor (artigo 134.º do CPP). Mesmo que depusesse, resultando o seu depoimento do que ouviu dizer ao arguido (depoimento indireto, que, para servir de meio de prova obrigaria à sua audição – artigo 129.º do CPP), sempre este poderia, no ato de audição em audiência, indicar por sua iniciativa a existência das alegadas «represálias», que seriam necessariamente do seu conhecimento pessoal na altura em que prestou declarações. A não ser que tais ameaças de represálias fossem posteriores ao julgamento e nesse caso, como é óbvio, em nada poderiam influenciar a prova anteriormente produzida em audiência.
19. O arguido, que sempre esteve assistido por advogado, teve à sua disposição a possibilidade de, ao longo do processo e em audiência de julgamento, requerer todas as diligências que entendesse como necessárias para demonstrar a ameaça das ditas represálias, e, para além disso, pedir proteção se disso fosse caso, sendo que não consta que tivesse assumido a responsabilidade pela prática de qualquer facto, e que, por essa razão, tivesse sido condenado.
Como se viu, foi condenado, apesar de negar a participação nos factos, e não consta que tivesse sido pressionado ou ameaçado para negar tal participação e que, paradoxalmente, tenha sido condenado com fundamento nessa negação.
20. Nesta conformidade, não tendo sido descobertos novos meios de prova que possam suscitar dúvida sobre a justiça da condenação, impõe-se concluir que também não ocorre o alegado fundamento da revisão com base em factos ou provas «novos» [al. d) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP], sendo o recurso, também nesta parte, manifestamente desprovido de fundamento.
Pelo que deve ser negada a revisão.
III. Decisão
21. Pelo exposto, nos termos do disposto no artigo 455.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, acorda-se em conferência em denegar a revisão da sentença condenatória requerida pelo condenado AA.
Vai o recorrente condenado em custas, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC (artigos 456.º, 1.ª parte, do CPP e 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, em anexo).
Nos termos do disposto no artigo 456.º, 2.ª parte, do CPP, vai ainda o recorrente condenado na quantia de 8 UC.
Supremo Tribunal de Justiça, 29 de outubro de 2025.
José Luís Lopes da Mota (relator)
António Augusto Manso
Horácio Correia Pinto
Nuno António Gonçalves
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1. Assim, o acórdão de 13.3.2015, Proc. 104/14.2JBLSB-F.S1, que agora se segue de perto, no sentido, nomeadamente, dos acórdãos de 06.07.2022, Proc. 68/18.3SULSB-B, e de 09.02.2022, Proc. 163/14.8PAALM-A.S1, citando o acórdão de 10.04.2013, Proc. 127/01JAFAR-C.S1, 3.ª Secção, em www.dgsi.pt.
2. Acórdãos mencionados, citando os acórdãos de 26.10.2011 proc. 578/05.2PASCR.A.S1 (Sousa Fonte), de 30.1.2013, proc. 2/00.7TBSJM-A.S1 (Raul Borges), com indicação exaustiva de jurisprudência e doutrina, e de 19.03.2015, proc. 175/10.0GBVVD-A.S1 (Isabel São Marcos), em www.dgsi.pt.
3. Assim, entre outros, os acórdãos de 06.07.2022 e de 909.02.2022, citando os de 8.1.2014, no proc. 1864/13.33T2SNT-A.S1, e de 16.1.2014, no proc. 81/05.0PJAMD-A.S1, em Código de Processo Penal Comentado, Henriques Gaspar et alii, Almedina, 2016, 2.ª ed. e anotação ao artigo 449.º, de Pereira Madeira.