INCAPACIDADE ACIDENTAL
LEGITIMIDADE PARA ARGUIR A ANULABILIDADE
POSIÇÃO DO HERDEIRO LEGITIMÁRIO
CADUCIDADE
INTERRUPÇÃO DA CADUCIDADE
Sumário

I - Diversamente do da nulidade, que pode ser invocado por qualquer interessado (art.º 286.º do Código Civil), o vício da anulabilidade só pode ser invocado pelos interessados em cujo interesse a lei o estabeleceu (art.º 287.º, n.º 1 do CC).
II - No caso da anulabilidade por incapacidade acidental (art.º 257.º do CC) é o incapaz, em vida, e na ausência de acompanhante que lhe tenha sido nomeado em processo de maior acompanhado, que detém legitimidade para arguir o vício das doações que fez em estado de incapacidade.
III - O herdeiro legitimário, em vida do doador, detém, não um direito sobre bens certos e determinados da sua herança, mas apenas uma expectativa, ainda que juridicamente tutelada, de vir a adquirir o direito, pelo que, salvo nos casos do art.º 242.º, n.º 2, não detém legitimidade para pedir a anulação das doações efetuadas pelo doador.
IV - Tal legitimidade só lhe assiste após o óbito do doador, ou seja, depois de chamado à respetiva sucessão (art.ºs 2031.º e 2032.º, n.º 1 do Código Civil) e, portanto, detentor, já não de mera expectativa, mas de um direito de suceder e de vir a ser inteirado com bens da herança (art.ºs 2024.º e 2101.º do Código Civil).
V - Contando-se o prazo de caducidade a partir do momento em que o direito pode ser legalmente exercido (art.º 329.º do CC), é a partir do óbito do autor da sucessão que se inicia o prazo ao dispor do herdeiro para pedir a anulação das doações em juízo.
VI - Por natureza, o procedimento cautelar serve para garantir que um direito não sofra uma lesão grave e dificilmente reparável, tendo natureza cautelar e antecipatória; por si só, não constitui, por isso, fator impeditivo da caducidade do direito.
VII - Só assim não será na hipótese de, tratando-se de direito sujeito a caducidade, nele tenha sido formulado pedido de inversão do contencioso, caso em que tal pedido servirá de fator interruptivo do prazo de caducidade em curso.

Texto Integral

Processo n.º 3911/24.4T8PRT-C.P1 – Recurso de apelação
Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo Central Cível do Porto, Juiz 1

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.- Sumário
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.- Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto,

I.- Relatório
.- AA instaurou ação declarativa constitutiva e de condenação contra BB, pedindo que, pela sua procedência:
i.- se anule as doações realizadas pelas escrituras públicas outorgadas em 07-12-2018 e em 26-12-2018;
(…)
iii.- se anule todos os negócios posteriores de oneração e transmissão dos bens imóveis doados e identificados nas referidas escrituras públicas;
iv.- se condene o Réu na devolução à herança aberta por óbito de CC, do rendimento e outros frutos dos imóveis doados e identificados nas mesmas escrituras públicas;
v.- se ordene o cancelamento das inscrições de doação, assim como de todos os posteriores averbamento ao registo predial de cada um dos imóveis.
Alegou, em síntese, no que importa para esta decisão, o seguinte.
Autor e Réu são os únicos filhos de CC, falecido em 31-01-2021, no estado de viúvo.
O pai de ambos, pelo menos desde o início de fevereiro de 2018, estava totalmente incapaz de gerir a sua pessoa e os seus bens, sendo que pelo menos desde 2013 foi patente a evolução da doença psiquiátrica e neurológica degenerativa que culminou na sua incapacidade.
Aproveitando-se do estado de incapacidade do pai, o Réu, com o intuito de se apropriar de todos os seus bens, diligenciou pelo agendamento e subsequente outorga de duas escrituras públicas de doação, uma em 07-12-2018 e outra em 26-12-2018.
Com isso, logrou a doação a seu favor (do Réu), por conta da quota disponível, de todo o património imobiliário do pai, no valor total de € 1.207.123,21.
Estando o pai, contudo, incapaz desde fevereiro de 2018, a sua vontade expressa nos referidos negócios jurídicos estava viciada.
Tais negócios são, pois, anuláveis (art.º 247.º do Código Civil), anulabilidade essa para cuja arguição tem legitimidade e para o que está em tempo, já que pode ser exercida dentro do ano subsequente à cessação do vício que a fundamenta (art.º 287.º, n.º 1 do Código Civil), o que, no caso, corresponde à data do óbito do pai.
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Citado, contestou o Réu, defendendo-se, além do mais, por exceção, invocando a exceção perentória de caducidade do direito do Autor de pedir a anulação das doações.
Em síntese, invocou o seguinte.
O Autor instaurou contra o pai de ambos, em 11-11-2019, uma ação especial de acompanhamento de maior.
Nessa ação, alegou factos relativos à primeira doação e, por requerimento de 08-04-2020, também factos relativos à segunda.
Tinha, por isso, pelo menos desde 08-04-2020, conhecimento das doações, das datas em que foram realizadas e dos factos que agora invoca para justificar a incapacidade acidental do doador.
Foi a partir desta data que se iniciou a contagem do prazo de caducidade para pedir a anulação dos negócios, pelo que, na ausência de fatores interruptivos da caducidade, esta operou em 07-04-2021, antes da entrada da ação, verificada em 26-02-2024.
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Respondeu o Autor, sob convite do tribunal, (além do mais) à referida exceção.
Reiterando o alegado a propósito na petição inicial, reafirmou que, em 20-01-2022, instaurou contra o Réu um procedimento cautelar não especificado, visando impedir a venda dos bens doados e arguindo a anulabilidade das doações por incapacidade acidental do doador.
A instauração desse procedimento constituiu fator interruptivo do prazo de caducidade em curso, prazo esse que se iniciara após o óbito do seu pai.
O não decretamento da providência não tem o efeito da extinção do direito e os efeitos civis decorrentes da interrupção da caducidade em virtude da instauração do procedimento mantêm-se desde que a ação definitiva seja instaurada nos trinta dias subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que pôs termo ao procedimento.
Tendo sido esse o caso, não há caducidade atendível do direito que aqui pretende exercer.
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Seguidamente, foi proferido saneador/sentença conhecendo, desde logo, da invocada exceção de caducidade do direito do Autor, julgando-a procedente e, consequentemente, absolvendo o Réu dos pedidos acima transcritos.
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Inconformado com esta decisão, dela interpôs o Autor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:

1. o pai do Recorrente e do Requerido, pelo menos desde Fevereiro de 2018, padecia de doença psiquiátrica degenerativa, que o colocou num estado de inconsciência sobre as consequências dos actos que praticou, para os quais não tinha, assim, capacidade, como concluiu a perita que realizou a peritagem ao estado de saúde mental do beneficiado nos autos de Acompanhamento de Maior instaurados pelo Recorrente;
2. tal como resulta demonstrado no sobredito processo, esse estado de incapacidade foi-se agravando e permaneceu até à morte do pai do Recorrente e do Recorrido, que ocorreu antes que fosse proferida sentença com a nomeação de Acompanhante e determinação dos poderes de representação a este conferidos para o desempenho dessa função;
3. nos termos do artigo 247º do CC, “a declaração negocial feita por quem, devido a qualquer causa, se encontrava acidentalmente incapacitado de entender o sentido dela ou não tinha o livre exercício da sua vontade, é anulável, desde que o facto seja notório ou conhecido do declaratário”
4. nos termos do artigo 287º, n.º 1 do CC, “têm legitimidade para arguir a anulabilidade as pessoas em cujo interesse a lei estabelece, e só dentro do ano subsequente à cessação do vício que lhe serve de fundamento”;
5. o Recorrente só adquiriu a qualidade de herdeiro legitimário após a morte do seu pai, pelo que, só após esse facto é que passou a ter um interesse direto na anulação das doações realizadas em vida;
6. quer isto dizer que, só a partir da morte do seu pai, passou o Recorrente a ter legitimidade para arguir a anulação das doações por, só a partir daí, se poder considerar interessado na aceção do art.º 287º, n.º 1 do CC; 7. sendo o prazo para esse efeito de 1 ano a contar da morte do doador, que mais não seja pela aplicação da regra contida no artigo 125º, n.º 1, al c) do CC.
8. não subsiste assim fundamento para decisão objeto do presente recurso, a qual se impõe seja alterada, decidindo-se pela improcedência da exceção de caducidade com os fundamentos vertidos no despacho saneador sentença que absolveu O Recorrido de parte do pedido formulado.
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Respondeu ao recurso o Réu, concluindo por que lhe fosse negado provimento e se confirmasse a sentença recorrida.
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O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo e assim recebido nesta Relação, que o considerou corretamente admitido e com o efeito legalmente previsto.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II.- Das questões a decidir
O âmbito dos recursos, tal como resulta das disposições conjugadas dos art.ºs 635.º, n.º 4, 639.º, n.ºs 1 e 2 e 641.º, n.º 2, al. b) do Código de Processo Civil (doravante, CPC), é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente.
Isto, com ressalva das questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado ou das que se prendem com a qualificação jurídica dos factos (cfr., a este propósito, o disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 663.º, n.º 2 e 5.º, n.º 3 do CPC).
Neste pressuposto, a questão que, neste recurso, importa apreciar e decidir é a seguinte:
.- da caducidade do direito do Autor de pedir a anulação das doações feitas pelo seu pai ao Réu em 07-12-2018 e em 26-12-2018, com fundamento em incapacidade acidental do doador.
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III.- Da Fundamentação
III.I.- Na presente decisão, cumpre ter presentes os seguintes factos, que já se mostram provados em virtude do acordo das partes, da prova documental com força probatória plena junta aos autos e dos demais elementos do conhecimento oficioso desta Relação (art.º 607.º, n.º 4, ex vi art.º 663.º, n.º 2, do CPC):
1.- O Autor e o Réu são os únicos filhos de CC, falecido no dia 31-01-2021, no estado de viúvo.
2.- Por escritura pública de doação outorgada em cartório notarial no dia 07-12-2018, o falecido CC, como primeiro outorgante, e o Réu BB, como segundo outorgante, declararam: o primeiro que doava ao segundo, por conta da quota disponível, os imóveis que, no ato, identificou sob sete verbas; o segundo, que aceitava a doação nos termos exarados.
3.- Por nova escritura pública de doação outorgada em cartório notarial no dia 26-12-2018, o falecido CC, como primeiro outorgante, e o Réu BB, como segundo outorgante, declararam: o primeiro que doava ao segundo, por conta da quota disponível, os imóveis que, no ato, identificou sob quatro; o segundo, que aceitava a doação nos termos exarados.
4.- Em 20-01-2022, o Autor instaurou contra o Réu procedimento cautelar inominado, visando fosse decretada providência de inibição da venda ou oneração dos imóveis doados ao Réu através dos negócios referidos em 2 e 3, invocando como causa de pedir os factos que servem de fundamento a esta ação.
5.- Por decisão final proferida em 23-10-2022, foi o procedimento, entretanto convolado para arrolamento, julgado improcedente e indeferida a concessão da providência requerida.
6.- Interposto recurso desta decisão, por acórdão de 14-03-2023 da 2.ª Secção desta Relação do Porto, foi o mesmo julgado improcedente e confirmada a decisão recorrida.
7.- Interposto recurso de revista do Acórdão, não o foi o mesmo, por decisão singular de 07-09-2023, posteriormente confirmada por Acórdão de 09-01-2024, admitido pelo Supremo Tribunal de justiça, ocorrendo o trânsito da decisão final em 25-01-2024.
8.- Esta ação deu entrada em juízo em 26-02-2024.
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III.II.- Do objeto do recurso
.- Da caducidade do direito do Autor
A questão que está em causa no recurso é a de saber se caducou o direito do Apelante de pedir a anulação das doações que o seu pai fez ao Apelado, irmão do Apelante, em 07-12-2018 e em 26-12-2018.
Não sofre contestação nos autos que o fundamento da anulação invocado pelo Apelante é o da incapacidade acidental do doador (art.º 257.º, n.º 1 do Código Civil) e que o prazo de caducidade atendível é de um ano, contado da cessação do vício que lhe serve de fundamento (art.º 287.º, n.º 1 do Código Civil).
A divergência das partes reside em saber a partir de quando deve ser contado tal prazo – se, como propugnado pelo Apelante, a partir do óbito do doador; se, como defendido pelo Apelado, a partir do momento em que o Apelante teve conhecimento das doações e dos factos que fundamentam a anulação – e se há ou não fatores impeditivos da caducidade.
Vejamos, pois, a questão.

Do que se trata aqui é do vício da anulabilidade (v. o citado art.º 257.º, n.º 1 do Código Civil).
Diversamente do da nulidade, que pode ser invocado por qualquer interessado (art.º 286.º do Código Civil), o vício aqui em causa só pode ser invocado por determinadas pessoas.
Ou seja, por aquelas em cujo interesse a lei estabelece a anulabilidade (art.º 287.º, n.º 1 do Código Civil).
Casos há em que o legislador especifica as pessoas com legitimidade para pedir a anulação do negócio (v.g., art.ºs 125.º, 254.º e 1687.º do Código Civil).
Mas em todos os restantes casos em que nada diga a esse respeito, vale o critério geral previsto no citado art.º 287.º, n.º 1 do Código Civil.
Por conseguinte, como referia Carlos Alberto da Mota Pinto (in Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra, 1991, p. 613) “na anulabilidade estatuída pelos artigos 247.º, 250.º, 252.º, terá legitimidade para a respectiva arguição o errante; na do art.º 256.º, o coagido; na do artigo 257.º o incapaz; na do artigo 282.º, o lesado; etc.” (sublinhado nosso).
Mais concretamente, no caso, que aqui importa, do incapaz acidental, tem legitimidade para pedir a anulação do negócio, como refere Mafalda Miranda Barbosa (in Maiores Acompanhados – Primeiras Notas Depois da Aprovação da Lei n.º 49/2018, de 14 de agosto, p. 75), “o sujeito que, no momento da celebração do negócio, estava incapacitado de entender e querer, no prazo de um ano a contar do momento em que as suas capacidades cognitivas e volitivas lhe permitem a correta perceção do alcance do ato que praticou e o perfeito domínio da sua vontade”.

Perante o que acaba de ser dito, impõe-se, no caso, a seguinte conclusão: a pessoa a quem a lei reconhecia legitimidade para arguir a nulidade dos negócios dos autos era o suposto incapaz, ou seja, o pai do Apelante e do Apelado, CC.
A anulabilidade sancionada no art.º 257.º, n.º 1 do Código Civil “foi instituída para proteção do incapacitado ou daquele que foi explorado pela sua situação de dependência ou estado mental” (v. Acórdão da Relação de Lisboa de 12-12-2013, proferido no processo n.º 282/13.8TVLSB.L1-6, disponível na internet, no sítio www.dgsi.pt), pelo que, no caso, era ele o titular do interesse que, com a previsão da anulabilidade, se quis proteger.
Não só era o titular do interesse em arguir o vício dos negócios, como era o único que o podia fazer.
Com efeito, apesar da pendência, a partir de determinada altura da sua vida (do doador), de uma ação de maior acompanhado em que esteve em discussão a sua capacidade para gerir a sua pessoa e os seus bens, o certo é que o mesmo faleceu em momento anterior à prolação de decisão na ação, pelo que nesta nunca foi nomeada qualquer pessoa que o representasse – retius, que o acompanhasse – e que nessa representação – nesse acompanhamento – pudesse invocar a anulabilidade das doações.
Outrossim, apesar de o Apelante, filho do doador, ser herdeiro legitimário do doador (art.ºs 2030.º, n.º 1 e 2157.º do Código Civil) e de, pelo menos em abstrato, poder ficar prejudicado no seu quinhão hereditário pelas doações, nem por isso lhe poderia ser reconhecida legitimidade para arguir a anulabilidade das doações.
O herdeiro legitimário, em vida do doador, detém, não um direito sobre bens certos e determinados da sua herança, mas apenas uma expectativa, ainda que juridicamente tutelada, de vir a adquirir o direito.
Salvo no caso – excecional – previsto no n.º 2 do art.º 242.º do Código Civil, que lhe permite arguir a nulidade do negócio simulado feito em vida pelo autor da sucessão com o intuito de o prejudicar, o herdeiro legitimário não pode impedi-lo de dispor dos seus bens como muito bem entender (v. neste sentido, além do acima referido, os Acórdão da Relação de Évora de 11-05-2017, proferido no processo n.º 18/13.3TBVNO.E1; da Relação de Lisboa de 17-06-2021, proferido no processo n.º 572/18.3T8OER.L1-2; e da Relação do Porto de 10-01-2022, proferido no processo n.º RP202201101144/21.0T8PVZ.P1; todos disponíveis no sítio acima referenciado).
Em suma, à luz do art.º 287.º, n.º 1 do Código Civil, só o doador, em vida, tinha legitimidade para arguir a anulabilidade das doações que fez.
A titularidade da legitimidade para este feito só se altera, naturalmente, com o óbito do doador.
A partir daqui, verifica-se a impossibilidade de a pessoa no interesse da qual se previu o vício prevalecer-se dele.
Caberá, então, aos herdeiros, chamados à respetiva sucessão (art.ºs 2031.º e 2032.º, n.º 1 do Código Civil) e, portanto, detentores, já não de uma expectativa, mas de um direito de suceder e de virem a ser inteirados com bens da herança (art.ºs 2024.º e 2101.º do Código Civil), legitimidade para a arguição do vício.

Ora, associando tudo quanto acaba de ser dito à questão que aqui nos ocupa, relativa ao momento a partir do qual deve ser contado o prazo de caducidade de um ano previsto no art.º 287.º do Código Civil, há que dizer o seguinte.
O prazo de caducidade, como decorre do art.º 329.º do Código Civil começa a correr, na falta de previsão de outra data, no momento em que o direito puder legalmente ser exercido.
No caso, está em causa o direito de arguir a anulabilidade pelo Apelante, enquanto herdeiro legitimário do doador, pelo que, tendo presente tudo quanto acima foi dito, só após o óbito deste é que o mesmo passou a reunir condições para o efeito.
O momento relevante para o início da contagem do prazo de caducidade do direito do Apelante aqui em causa era, pois - e posto que, como se viu, era um dado adquirido o de que o mesmo já antes tivera conhecimento dos supostos fundamentos da anulação dos negócios feitos pelo seu pai -, o do óbito do doador, em 31-01-2021.

Chegados aqui, há que ter presente agora o seguinte.
Foi a partir de 31-01-2021 que o Apelante passou a estar em condições de pedir a anulação das doações feitas pelo seu pai a favor do Apelado, seu irmão.
O que impede a caducidade é a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do ato a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo (art.º 331.º do Código Civil).
Ora, esta ação, que seria o ato vocacionado para obter a anulação das doações e, por conseguinte, provocar o efeito impeditivo da caducidade, deu entrada em juízo em 26-02-2024.
Muito além, portanto, do referido prazo de um ano, que cessaria em 30-01-2022.
A menos que, entretanto, tenha ocorrido algum fator impeditivo do decurso desse prazo, forçoso é concluir que caducou efetivamente o direito do Apelante aqui em apreço.
E o certo é que não há qualquer fator impeditivo do prazo de caducidade que aqui deva ser considerado.

Na verdade, o prazo de caducidade não se suspende nem se interrompe senão nos casos em que a lei o determine (art.º 328.º do Código Civil).
Entre o momento em que o Apelante passou a poder exercer o direito e a instauração da presente ação, o único fator a considerar seria a instauração do procedimento cautelar referido em 4 a 7 do elenco de factos provados, com o qual visou o Apelante fosse decretada providência de inibição da venda ou oneração dos imóveis doados ao Réu.
O procedimento cautelar, contudo, por si só, não constitui fator impeditivo da caducidade do direito (v., entre outros, o Acórdão desta Relação de 18-10-2005, proferido no processo n.º RP200510180524881, disponível no mesmo local acima referenciado).
Por natureza, serve para garantir que um direito não sofra uma lesão grave e dificilmente reparável e tem, por isso, natureza cautelar e antecipatória, estando dependente do resultado da ação que, ela sim, terá por escopo o reconhecimento do direito.
Só assim não será na hipótese de, tratando-se de direito sujeito a caducidade, ter sido formulado no procedimento pedido de inversão do contencioso.
Nesse caso, o pedido interromperá o prazo de caducidade em curso e, das duas uma: (i) se for concedido, equivalendo a concessão ao reconhecimento definitivo do direito, este, porque exercido, não se extingue por caducidade; (ii) se não for concedido, reinicia-se a sua contagem a partir do trânsito em julgado da decisão que o denegue (n.º 3 do art.º 369.º do Código de Processo Civil).
Como observam António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luis Filipe Pires de Sousa (in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I – Parte Geral e Processo de Declaração, 2023, p. 472) “[n]os direitos cujo exercício esteja sujeito a caducidade (v.g. ação de anulabilidade ou para exercício do direito de preferência), esta apenas é impedida, em regra, com a instauração da ação destinada ao seu reconhecimento ou efetivação (art.º 331.º do CC), não bastando, por isso, a apresentação de requerimento para concessão de tutela cautelar. No entanto, caso seja decretada a inversão do contencioso, o titular do direito já não terá o encargo de propor tal ação”.
O que se percebe.
Com o mecanismo da inversão do contencioso, faculta-se ao titular do direito ameaçado, não apenas obter “uma antecipação provisória da tutela definitiva”, mas essa mesma tutela definitiva, ficando “o requerente dispensado de instaurar a ação principal destinada a reconhecer ou a realizar o direito em causa” (v. os mesmos Autores, ibidem, p. 470).
Assegurando a tutela definitiva, a formulação do requerimento de inversão do contencioso representará, para todos os efeitos, o exercício do próprio direito por parte do titular e, por conseguinte, a prática, pelo mesmo, do ato a que a lei atribui efeito impeditivo da caducidade (art.º 331.º do Código Civil).
A possibilidade de denegação do pedido de inversão do contencioso, porém, não pode deixar de manter em aberta a possibilidade de exercício do direito ulteriormente, através da instauração da ação adequada ao seu reconhecimento.
Justifica-se, por isso, a solução encontrada pelo legislador processual civil assim como que, num primeiro momento, constitua mero fator interruptivo do prazo de caducidade, prazo esse que se reiniciará a partir do momento em que venha a ser negada a sua concessão.

Ora, no caso, o Apelante instaurou o referido procedimento cautelar, mas não formulou nele pedido de inversão do contencioso.
Não há, por isso, fator interruptivo do prazo de caducidade do direito que através desta ação pretende exercer.
E não havendo fator interruptivo, aquando da instauração da propositura da ação já há muito decorrera na íntegra tal prazo, pelo que caducou o direito correspondente do Apelante.
Improcede, pois, a apelação, com a consequente confirmação, ainda que por diversos fundamentos, da sentença recorrida.
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Porque vencido no recurso, suportará o Apelante as custas da apelação (art.ºs 527.º e 529.º do CPC).
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IV.- Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes Desembargadores da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso e, consequentemente, confirmar a sentença recorrida.
Custas da apelação pelo Apelante.
Notifique.
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Porto, 23-10-2025
José Manuel Correia
Paulo Dias da Silva
Aristides Rodrigues de Almeida
(assinado eletronicamente)