COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA
TRIBUNAIS COMUNS
TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS
Sumário

I - É da competência dos tribunais comuns conhecer de um litígio em que um particular demanda uma sociedade comercial e a seguradora desta, sendo ambas as rés pessoas colectivas de direito privado, com fundamento em responsabilidade civil fundada em factos relacionados com a deficiente execução de trabalhos levados a cabo, pela sociedade ré, na via pública, sendo essa a causa dos danos alegadamente sofridos pelo autor, na configuração que pelo mesmo é dada, na petição inicial, à relação material controvertida.
II - Não gera a incompetência material do tribunal comum a admissão, no decurso da causa, do chamamento, a título de intervenção principal provocada, do lado passivo, do ente público que é o dono da obra e contra o qual não é dirigido qualquer pedido.

Texto Integral

Processo: 2627/22.0T8AVR-A.P1

Sumário (artigo 663º, nº 7 do Código de Processo Civil):
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Acordam os Juízes que, nestes autos, integram o colectivo da 3º Secção do Tribunal da Relação do Porto:

AA propôs a presente ACÇÃO DECLARATIVA COMUM contra:
- A..., Lda.,
- COMPANHIA DE SEGUROS B..., SA,
pedindo que, pela procedência da mesma, sejam condenadas as Rés a pagarem, solidariamente, ao A. a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais a quantia de € 55.635,08 (cinquenta e cinco mil seiscentos e trinta e cinco euros e oito cêntimos), em virtude do sinistro referido nos autos, sempre acrescido de juros vincendos à taxa legal, desde a sua citação até efectivo e integral pagamento, tudo com custas e procuradoria a favor do Autor.
Alega, para tanto e em síntese, que no dia 31.07.2021 tropeçou num sulco com gravilha e caiu, ao caminhar numa rua da ..., devido ao mau estado da transição do passeio para a passadeira, que estava em obras, cuja execução estava a cargo da primeira ré, segundo informação prestada pela Câmara Municipal ..., à qual o autor se dirigiu a fim de apurar responsabilidades e participar o sinistro.
Mais alega que a Câmara Municipal ... informou o autor de que deveria reportar o ocorrido à empreiteira, 1ª ré, o que fez, tendo esta última declinado qualquer responsabilidade com a alegação de que os trabalhos a seu cargo já estavam concluídos na data da alegada queda.
Depois de identificada, pela 1ª ré, a Companhia de Seguros para a qual transferiu a sua responsabilidade, foi-lhe remetida pelo autor a participação e toda a documentação do sinistro, tendo aquela acabado por declinar qualquer responsabilidade pela ocorrência.
Alega ainda que, em consequência da queda provocada pelo mau estado do pavimento, sofreu diversas lesões, intervenções e dores, danos patrimoniais e não patrimoniais, cujo ressarcimento reclama de ambas as rés.
Tal acção foi distribuída e corre termos no Juízo Central Cível de Aveiro – Juiz1.
Em contestação, veio a ré seguradora invocar as exclusões do contrato de seguro que considera aplicáveis, nelas enquadrando a situação dos autos, pôr em causa os pressupostos da responsabilidade civil, arguir a preterição de litisconsórcio necessário passivo e consequente ilegitimidade das rés, sendo aplicável o Código dos Contratos Públicos, por não ter sido demandado o ente público responsável.
Mais impugnou a factualidade vertida na petição inicial, alegando também estar em causa um acidente de trabalho, relativamente ao qual já corre termos uma acção na jurisdição laboral.
Pugnou pela total improcedência da acção, devendo ficar fixada, na sentença a proferir, a impossibilidade de a B... ser demandada pela Segurada, 1.ª Ré, numa eventual acção de regresso na qual venha a peticionar os valores pelos quais possa vir a ser condenada nesta acção.
Também a 2ª Ré apresentou contestação, na qual alega, em síntese, que, estando em causa um acidente de trabalho, já correu termos uma acção na jurisdição laboral para ressarcimento dos danos alegadamente sofridos pelo Autor, verificando-se a excepção do caso julgado relativamente aos danos peticionados nos presentes autos e já ressarcidos na acção laboral.
Invoca ainda a ilegitimidade substantiva do Autor para reclamar indemnização pela alegada “perda de remuneração” no valor de € 32.751,48, por tal pedido ter por fundamento a perda de lucros da sociedade “C..., L.da”.
No mais, impugna a factualidade vertida na petição inicial e invoca a litigância de má fé do Autor, requerendo a condenação do mesmo em multa e indemnização nos termos do art. 542º do CPC.
Em réplica, veio o Autor pugnar pela improcedência das excepções deduzidas e do incidente de litigância de má fé.
Foi proferido despacho a convidar o Autor a deduzir incidente de intervenção provocada do Município ..., tendo o Autor respondido ao convite, suscitando o aludido incidente.
Admitida a intervenção principal provocada do Município ..., veio este apresentar contestação, aderindo à defesa das Rés primitivas, arguindo a excepção dilatória da incompetência absoluta em razão da matéria, bem como o abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, por banda do Autor, e, no mais, impugnando a factualidade por este alegada.
Requereu, também, a intervenção de D... Companhia de Seguros, SA, para, querendo, intervir nos termos dos arts. 321º, nº 1 e 322º, nº 2 do CPC.
Em resposta, veio o Autor pugnar pela improcedência das excepções arguidas, reiterando a posição já anteriormente manifestada.
Tendo sido admitido “o pedido de chamamento para intervenção acessória, nos termos dos arts. 321º e 323º do CPC, de D... – Companhia de Seguros SA”, veio esta interveniente apresentar contestação, arguindo a excepção da incompetência material dos Juízos Cíveis por entender que tal competência cabe ao Tribunal Administrativo e Fiscal (de Aveiro), impugnando a factualidade alegada pelo Autor, aderindo à contestação apresentada pelo Município ..., manifestando a sua concordância com o contestado pelas rés primitivas, invocando a má fé do Autor e pugnando pela improcedência da acção.
Apresentou o Autor nova réplica na qual pugnou pela improcedência da excepção da incompetência material e da litigância de má fé suscitada, reiterando a posição já anteriormente sustentada nos autos.
Foi, em audiência prévia, proferido despacho saneador, no qual vieram a ser julgadas improcedentes as excepções da incompetência material dos tribunais comuns, do caso julgado, da ilegitimidade substantiva do A., tendo sido, ainda, delimitado o objecto da causa e fixados os temas de prova, relativamente à remanescente matéria controvertida.
Do despacho saneador, na parte em que julgou improcedente a excepção da incompetência absoluta em razão da matéria do Juízo Cível Central de Aveiro, veio o Município ... recorrer.
Formulou para o efeito as seguintes conclusões de recurso:
I. O recorrente foi admitido a intervir no processo a título de interveniente principal, sendo-lhe atribuído pela legislação processual civil em vigor, os mesmos direitos e obrigações da ré A....
II. Por ser entidade de direito público veio excecionar a incompetência absoluta em razão de matéria do Juízo Central Cível de Aveiro.
III. Será requerido ao tribunal uma análise, de igual modo, do instituto jurídico da responsabilidade civil na vertente extracontratual das pessoas coletivas de direito público.
IV. Com a parcimónia devida, salvo melhor, será de aplicar o previsto no art. 4.º, n.º 1, alíneas f) e h) do ETAF.
V. A competência nesta matéria dos Tribunais Administrativos decorre do previsto, para além da alínea h) do art. 4.º do ETAF, do art. 40.º, n.º 2 da LOSJ.
VI. O autor pretende obter uma indemnização relativa a alegados danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes do acidente referenciado nos autos, sendo que o n.º 1 do art. 1.º do ETAF prevê que os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais” e ao ser demandado o recorrente MUNICÍPIO, coloca a relação jurídica como pública e, como tal, regulada pelo direito público cuja competência se encontra nos Tribunais Administrativos.
VII. A noção de relação jurídica de direito administrativo é definida como sendo «aquela em que um dos sujeitos, pelo menos, seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público ou de um dever público, conferido ou imposto com vista à realização de um interesse público legalmente definido.»
VIII. Compete aos Tribunais da ordem Administrativa e Fiscal a apreciação de litígios que tenham, nomeadamente, por objeto as questões em que, nos termos da legislação em vigor, haja lugar a aferir da (in)existência de responsabilidade civil extracontratual das pessoas coletivas de direito público, como é o caso do INTERVENIENTE.
IX. A admissão do chamamento do Município ... para ser sujeito processual na qualidade de interveniente principal, o processo transita, por força do novo regime do ETAF para a jurisdição administrativa, em particular, os litígios emergentes da responsabilidade extracontratual da Administração.
X. A competência para apreciar os fundamentos da ação intentada pelo autor não é dos Tribunais Judiciais – nos quais se integra este Juízo Central Cível de Aveiro –, mas antes dos Tribunais Administrativos e Fiscais, pertencendo, no caso em apreço, ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, nos termos do previsto pelas alíneas f) e h) do n.º 1 do art. 4.º do ETAF,
TERMOS EM QUE, REVOGANDO O DOUTO DESPACHO, JULGANDO-SE A EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA EM RAZÃO DA MATÉRIA DO JUÍZO CENTRAL CÍVEL DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE AVEIRO, ABSOLVENDO O INTERVENIENTE PRINCIPAL Município ... DA PRESENTE AÇÃO, NOS TERMOS DO PREVISTO PELO ARTIGO 99.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, COM O QUE FARÃO V. EX.ªS JUSTIÇA.
Não foram apresentadas alegações de resposta ao recurso.
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Nada obsta ao conhecimento do mérito.
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As questões colocadas em sede de recurso, o qual apenas versa sobre matéria de direito, consistem em verificar:
- em que concreta qualidade processual intervém o interveniente/chamado Município ... nos presentes autos,
- se constitui modificação de facto e/ou de direito irrelevante, para efeitos da fixação da competência material do tribunal, a admissão do chamamento do Município réu como interveniente principal, em momento posterior ao da propositura da acção,
- se, para apreciação do objecto do litígio e perante a configuração deste, são materialmente competentes os tribunais comuns ou os tribunais administrativos.
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Para conhecimento do objecto do recurso, são relevantes os seguintes factos:
1 - AA propôs, a 22.07.2022, a presente ACÇÃO DECLARATIVA COMUM contra A..., Lda., e COMPANHIA DE SEGUROS B..., SA, pedindo que, pela procedência da mesma, sejam condenadas as Rés a pagarem, solidariamente, ao A. a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais a quantia de € 55.635,08 (cinquenta e cinco mil seiscentos e trinta e cinco euros e oito cêntimos), em virtude do sinistro referido nos autos, sempre acrescido de juros vincendos à taxa legal, desde a sua citação até efectivo e integral pagamento, tudo com custas e procuradoria a favor do Autor, pelos fundamentos acima expostos que aqui se dão por reproduzidos.
2 – Foi, a 14.03.2023, proferido o seguinte despacho:
“A Ré Seguradora B..., S.A., é do parecer que as RR. são parte ilegítima, por preterição de litisconsórcio necessário passivo, por a ação não ter sido deduzida contra o Município ..., dono da obra.
O A. sustenta a posição inversa.
Parece-nos que é de aceitar a posição da Seguradora.
As razões são as seguintes.
É certo que não vemos, no Código dos Contratos Públicos ou no Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas (Lei nº 57/2007, de 31/12), norma que imponha a responsabilidade civil solidária do empreiteiro público e do dono da obra a cobrir danos sofridos por utentes da via concluída em consequência da má conceção ou execução das estradas, vias públicas das localidades, bermas ou passeios para peões.
Seguro é, contudo, que as estradas, as bermas, as ruas e os passeios das localidades são construídos pelos empreiteiros públicos segundo o traçado que lhes é proposto pelos entes públicos, designadamente as autarquias locais.
A Ré A... defende, mesmo, que na data em que ocorreu o sinistro a obra estava suspensa, por iniciativa do dono da obra, em função do decurso da época balnear e crescente afluência de cidadãos à ....
Por conseguinte, danos resultantes da má conceção ou execução de empreitadas públicas são da responsabilidade objetiva dos entes públicos. Desde logo, porque deviam conceber corretamente a obra e, se bem concebida, deviam fiscalizar corretamente a sua execução. E se a obra estava suspensa, por iniciativa do dono da obra, em função do decurso da época balnear, devia também fiscalizar se estava devidamente assinalada e demarcada a área em obras. Logo, respondem solidariamente pelos danos, nos termos dos arts. 497.º e 501.º do C. Civil.
Daí que nos pareça admissível a intervenção do Município ... para responder pelos danos – art. 316.º, nº 1, do CPC.
Convida-se, por conseguinte, o A. a deduzir o incidente de intervenção provocada do Município ....”
3 – A 24.03.2023 veio o Autor requerer que o “Município ... seja ao abrigo do artigo 325º e seguintes do Código Processo Civil, chamado e admitido a intervir na presente acção”, com os seguintes fundamentos:
1º Como se referiu na petição inicial, o Autor no dia 31 de Julho de 2021, pelas 15 horas e 15 minutos, quando o Autor AA, caminhava na Rua ... (passadeira lado sul), na ... –... – Ílhavo, imediatamente após o entroncamento com a Rua ...), devido ao mau estado da transição do passeio para a passadeira, o qual se encontrava em obras, a ser efetuadas pela 1º Ré A...,Lda., o mesmo quando caminhava tropeçou num sulco com gravilha ali existente entre o passeio e a estrada, tendo vindo a cair desamparado no chão, tendo de tal queda resultado múltiplas lesões para o A.
2º No sentido de ser ressarcido dos danos e prejuízos que sofreu com tal acidente, o Autor intentou a presente ação contra:
- A..., Lda.,
NIPC ..., com sede na Rua ..., ..., r/c dtº, ..., ... Oliveira de Azeméis e
- COMPANHIA DE SEGUROS B..., SA, NIPC ..., com sede na Rua ..., ... Lisboa, para a qual a A..., havia transferido a sua responsabilidade civil.
2º Veio agora a Companhia de Seguros, referir que a apólice de seguro que mantinha com a A..., não cobre os danos e prejuízos reclamados pelo Autor.
3º Veio igualmente a A..., refutar o pagamento de tais danos e prejuízos, alegando que a obra estava suspensa, por iniciativa do dono da obra, em função do decurso da época balnear e crescente afluência de cidadãos à ....
4º Pelo que se a obra estava suspensa, por iniciativa do dono da obra –Município ..., em função do decurso da época balnear, devia o dono da obra também fiscalizar se estava devidamente assinalada e demarcada a área em obras.
5º Assim, e nos termos dos arts. 497.º e 501.º do C. Civil, responde solidariamente pelos danos, sofridos pelo Autor.
6º E contra a qual o Autor pode pedir responsabilidades e consequentemente àquele Município ..., que deve responder pelos prejuízos sofridos pelo Autor.
7º Importa pois, que o Município ..., possa tomar posição e defender-se na presente acção, cuja decisão pode atingi-lo, daí o presente chamamento.
8º Assim, justifica-se o seu chamamento para tomar a posição que entender. Sendo que, em nosso entender deve ser uma posição de associada às Rés, uma vez que a procedência levará, à condenação das Rés ou do chamado ou de ambos, conforme o que se vier a provar em audiência de julgamento.
9º Assim e de acordo com o requerido, deve o chamado a par das Rés, vir defender-se na presente ação”.
4 – Foi, a 24.05.2023, proferida a seguinte decisão:
O A. AA veio requerer a intervenção principal provocada do Município ... alegando que a obra inacabada que o fez tropeçar e cair estava suspensa, por iniciativa do dono da obra (o ora Chamado), em função do decurso da época balnear e crescente afluência de cidadão à .... O dono da obra devia também fiscalizar se estava devidamente assinalada e demarcada a área em obras, pelo que, nos termos dos arts. 497.º e 501.º do C. Civil, responde solidariamente pelos danos sofridos pelo A..
Face aos fundamentos invocados pelo A. e ao entendimento que já manifestámos no despacho proferido a 14/03/2023, que aqui damos por reproduzido, admitimos a intervenção principal provocada do Município ....
Custas do incidente pelo A..
Notifique.
5 – Foi, a 29.01.2024, proferida a seguinte decisão:
“O Chamado Município ... veio requerer, na contestação, a intervenção acessória provocada de D... – Companhia de Seguros, S.A..
Alega, para o efeito, que contratou e transferiu a sua responsabilidade civil contratual e extracontratual por eventuais danos a terceiros, como o que se encontra em discussão nos autos para a referida Seguradora através de contrato de seguro titulado pela apólice ....
E por requerimento de 30/11/2023 veio esclarecer que o lote pelo qual se encontra transferida para a Seguradora a sua responsabilidade na situação dos autos é o Lote ... –Responsabilidade Civil Câmaras Municipais”.
Juntou cópia do contrato de seguro e o documento junto a 30/11/2023.
Não foi deduzida oposição ao chamamento
Cumpre apreciar e decidir.
O incidente processual adequado para que o segurado, demandado para pagar uma indemnização derivada de ato gerador da responsabilidade civil, existindo contrato de seguro, faça intervir a seguradora, é o incidente de intervenção acessória provocada (Acórdão da Relação de Coimbra, de 01/06/1999 – www.dgsi.pt, e Acórdão da Relação de Lisboa, de 07-06-2001 – www.dgsi.pt.)
Os chamados podem suscitar sucessivamente o chamamento de terceiros que considerem seus devedores em via de regresso, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos anteriores – nº 3 do art. 323.º do CPC.
Por conseguinte, e face ao contrato de seguro junto aos autos, admito o pedido de chamamento para intervenção acessória, nos termos dos arts. 321.º e 323.º do CPC, de D... – Companhia de Seguros, S.A..
Custas do incidente pelo Chamado Município ....
Notifique.
Cite a chamada – art. 323.º, nº 1, do CPC.”
5 - No âmbito da audiência prévia realizada no dia 26.09.2024, foi proferido despacho saneador, no qual foi apreciada a suscitada excepção dilatória da incompetência material, nos seguintes termos:
“Os Chamados Município ... e D... – Companhia de Seguros, S.A., vieram excecionar a incompetência absoluta em razão da matéria do Juízo Central Cível de Aveiro nos seguintes termos: o A. pretende obter uma indemnização relativa a danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes do acidente referenciado nos autos. A presente é uma ação de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e das Pessoas Coletivas de Direito Público, conforme dispõe a Lei nº 67/2007, de 31/12. A competência em razão da matéria para conhecer destas ações encontra-se adstrita aos Tribunais Administrativos nos termos previstos pelo art. 4.º, alíneas f) e h), do ETAF.
O A., por sua vez, sustenta a competência deste Juízo Central Cível de Aveiro (do tribunal comum).
Cumpre decidir.
O A. AA instaurou a presente ação contra A..., L.da, e contra Companhia de Seguros B..., S.A., alegando que no dia 31/07/2021, pelas 15,15 horas, quando caminhava na Rua ... (passadeira do lado sul), na ..., tropeçou num sulco com gravilha ali existente, entre o passeio e a estrada, tendo vindo a cair desamparado no chão, o que lhe provocou múltiplas lesões. O Município ... informou-o que a empreitada em causa de reabilitação da Rua ... era da responsabilidade da 1ª Ré A....
Esta, por sua vez, declinou toda e qualquer responsabilidade em tal sinistro e informou que detinha contrato de seguro de responsabilidade civil geral com a ora Ré B..., S.A..
O A. veio, a 24/03/2023, requerer a intervenção principal provocada do Município ..., no seguimento do despacho proferido a 14/03/2023 (fls. 157) que o convidou a deduzir tal incidente, por a Ré A... ter defendido que na data em que ocorreu o sinistro a obra estava suspensa, por iniciativa do dono da obra.
O Chamamento foi admitido por despacho proferido a 24/05/2023.
Vejamos.
Quanto à competência do Tribunal, parece-nos que o entendimento a seguir é o do douto Acórdão do Tribunal de Conflitos de 23/03/2022 – processo nº 040/21 (nota 1 –No mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal de Conflitos, de 18/04/2024 – processo nº 01772/23.0BEBRG, ambos em www.dgsi.pt.): “é da competência dos tribunais judiciais conhecer de ação para efetivação de responsabilidade civil se, no momento da respetiva propositura, face aos termos em que a A. configurou na petição inicial a causa de pedir, o pedido e o Réu que demandou, se está perante um litígio de natureza tipicamente civilística, e não perante uma relação jurídica administrativa”.
A competência do tribunal fixa-se “no momento da propositura da causa, sendo irrelevantes as modificações de facto e de direito que ocorram posteriormente” – art. 5.º, nº 1, do ETAF. No mesmo sentido, dispõe o art. 38.º da Lei nº 62/2013, de 26/08 (LOTJ).
No caso dos autos, a ação foi proposta unicamente contra as RR. A..., L.da, e Companhia de Seguros B..., S.A., pelo que o tribunal competente, à data da propositura da ação, era o tribunal comum. E só posteriormente foi requerida e admitida a intervenção principal do Município .... Trata-se, assim, de uma modificação de facto legalmente irrelevante para a fixação da competência, atento o disposto no art. 5.º, nº 1, do ETAF, e no art. 38.º da LOTJ.
Em conclusão, a competência para apreciação do presente litígio cumpre a este Juízo Central Cível de Aveiro.
Julgo, pelo exposto, improcedente a exceção de incompetência material do Tribunal.
O Tribunal é competente em razão da matéria e da hierarquia.
Não existem nulidades que afetem, total ou parcialmente, o processo.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são processualmente legítimas e estão devidamente assistidas por Advogado.”
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Não sendo relevantes para a apreciação do recurso quaisquer outros factos, verifica-se que a antecedente factualidade resulta do mero exame dos autos, no confronto com a posição sustentada pelas partes, na medida em que emerge dos autos todo o processado acima reproduzido.
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Tendo sido a questão da incompetência material dos Juízos Cíveis suscitada pelo chamado Município ..., no que foi secundado pela interveniente acessória D... – Companhia de Seguros, S.A, verifica-se que o mesmo alicerça tal arguição no facto de estar a ser demandado na lide a par com as restantes rés, por ser entidade de direito público e por estar em causa, na sua perspectiva, o instituto jurídico da responsabilidade civil na vertente extracontratual das pessoas coletivas de direito público.
Pugna assim o chamado pela aplicação do preceituado no art. 4.º, n.º 1, alíneas f) e h) do ETAF, decorrendo a competência nesta matéria dos Tribunais Administrativos do previsto, para além da alínea h) do art. 4.º do ETAF, do art. 40.º, n.º 2 da LOSJ.
Face aos fundamentos aduzidos pelo interveniente Município, cumpre desde logo verificar qual é a sua concreta posição face ao objecto da lide, uma vez que veio a ser admitida a sua intervenção numa fase posterior à propositura da acção.
Na verdade, decorre do preceituado nos arts. 260º e 262º, al. b) do CPC que, de acordo com o princípio da estabilidade da instância, citado o réu, a instância, em regra, deve manter-se quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, podendo, contudo, ocorrer excepções a tal princípio, nomeadamente, na sua vertente subjectiva, pela intervenção de terceiros.
Contrapondo-se o conceito de terceiro ao de parte, o mesmo refere-se a pessoa por quem ou contra quem é solicitada, em nome próprio, uma providência judicial tendente à tutela de um direito.
Encontram-se previstos nos arts. 311º e ss do CPC os diversos tipos de intervenção de terceiros, podendo ser agrupados em número de três, sendo eles a intervenção principal, a intervenção acessória e a oposição.
Na intervenção principal – que tanto pode ocorrer do lado activo como do passivo -, ocorre igualdade ou paralelismo do interesse do interveniente com o da parte principal a que se associa.
Nesse tipo de intervenção, o terceiro que poderia accionar ou ser accionado inicialmente na posição de litisconsorte, associa-se ou é chamado a associar-se a uma das partes primitivas, assumindo o estatuto de parte principal, cumulando-se no processo a apreciação de uma relação jurídica da sua titularidade substancialmente conexa com a relação material controvertida delineada perante as partes primitivas.
Se a intervenção resultar da iniciativa do interveniente, será espontânea e, nesse caso, configura-se como acção por ele intentada contra o réu ou como defesa no confronto com o autor da causa principal.
Será provocada se o chamamento for da iniciativa de alguma das primitivas partes na lide.
A intervenção principal destina-se, assim, e essencialmente, a chamar à acção terceiros interessados, para se associarem à parte requerente, ou à parte contrária, num quadro de relações de litisconsórcio.
De acordo com o disposto no art. 590º, nº 2, al a) do CPC, compete ao juiz proferir, findos os articulados, despacho pré-saneador destinado a providenciar pelo suprimento de excepções dilatórias nos termos do art. 6º, nº 2 do CPC.
Assim foi entendido pelo juiz na primeira instância, ao proferir o despacho de 14.03.2023, no qual convidou o Autor a fazer intervir o Município, ora recorrente, sendo que tal despacho, tal como o despacho que posteriormente admitiu a intervenção, não sendo objecto de sindicância em sede de recurso, são, porém, relevantes para compreensão e caracterização da posição jurídica do interveniente Município na presente lide.
De acordo com o disposto no art.º 590.º, n.º 2, al. a) do CPC, tendo em vista a excepção dilatória da ilegitimidade, ao juiz apenas é permitido suscitar, oficiosamente, o chamamento para intervenção principal provocada para sanar a ilegitimidade plural, delineada nos art.ºs 33.º e 34.º do CPC (que se reportam a situações de litisconsórcio necessário, mormente as que devam ser propostas contra ambos os cônjuges), com vista ao suprimento pelas partes do referido vício (art.º 316.º, nº 1 do CPC).
No litisconsórcio necessário, todos os interessados devem demandar ou ser demandados, originando a falta de qualquer deles uma situação de ilegitimidade, por preterição, precisamente, do litisconsórcio necessário, o que já não acontece no litisconsórcio voluntário.
Na verdade, nas situações de litisconsórcio voluntário, todos os interessados podem demandar ou ser demandados, mas não se verifica qualquer ilegitimidade se não estiverem todos presentes em juízo.
Neste ponto essencial reside a diferença essencial entre litisconsórcio necessário e voluntário: enquanto que o litisconsórcio voluntário decorre exclusivamente da vontade dos interessados, o litisconsórcio necessário é imposto às partes, pela lei, pelo negócio e/ou pela própria natureza da relação jurídica, para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal, como decorre do preceituado no art. 33º, nº 1 e 2 do CPC.
A decisão produz o seu efeito útil normal sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado (art.º 33.º, nº 3 do CPC).
Ocorrem, ainda, situações de litisconsórcio passivo eventual e subsidiário passivo, que justificam a formulação pelo autor de um pedido subsidiário contra o chamado, para permitir que a situação, no seu confronto, possa ser apreciada, no caso de improcedência do pedido principal por ele formulado contra o primitivo réu (arts. 316.º, nº 2, 2ª parte e 39.º do CPC).
Esses casos reportam-se a situações de pluralidade subjectiva subsidiária passiva superveniente, resultantes de dúvida surgida no decurso da demanda, como poderá suceder, por exemplo, “sobre se o primitivo réu contraiu a obrigação em causa como titular do órgão de uma pessoa coletiva, como representante desta ou como gestor de negócio alheio” (exemplo extraído do ac. TC de 19.03.2021, proc. 1882/19.8T8FIG-B.C1, in dgsi.pt/jtrc.nsf/, cuja argumentação acolhemos).
Como decorre do preceituado nos arts. 39º e 316º, nº 2 do CPC, o chamamento com base nessa dúvida fundamentada sobre a titularidade da relação material controvertida apenas pode ser suscitado pelo autor, e já não pelo réu, pelo que este último não pode, com base nessa dúvida, suscitar a intervenção.
Ao réu é permitido, nos termos previstos no nº 3 do art.º 316.º do CPC, requerer o chamamento de terceiros quando mostre interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários, sujeitos passivos da relação material controvertida (alínea a) ou pretenda provocar a intervenção de possíveis contitulares do direito invocado pelo autor (alínea b).
Assim poderá suceder nos casos em que a obrigação comporte uma pluralidade de devedores ou em que existam garantes da obrigação a que a causa principal se reporte, quando o réu tenha algum interesse atendível em os chamar a intervir, com vista à defesa conjunta ou a acautelar o eventual direito de regresso ou de sub-rogação que ao réu assista contra eles.
Ora, como acima já ficou mencionado, a intervenção oficiosa do juiz para suprimento da excepção da ilegitimidade apenas poderá ter lugar quando esteja em causa um litisconsórcio necessário, não se encontrando legalmente prevista a possibilidade de intervenção oficiosa do juiz para sanar a ilegitimidade decorrente de litisconsórcio voluntário ou de litisconsórcio passivo eventual e subsidiário passivo.
No caso em apreço, verifica-se que, atendendo à relação material controvertida tal como foi delineada pelo autor na petição inicial, são titulares dessa relação as primitivas rés e o autor, o qual identifica a ré empreiteira como responsável pelos danos que sofreu e também demanda a ré seguradora por para ela ter sido transferida a responsabilidade da ré empreiteira, tendo sido oficiosamente convidado o autor a suscitar a intervenção do Município ... “nos termos do art. 316º, nº 1 do CPC”.
Resultando desse convite, bem como do despacho que admitiu a intervenção posteriormente requerida pelo autor em resposta a esse convite - que não cumpre aqui sindicar -, que o Município ... foi admitido a intervir como parte principal, ao lado das rés, não menos certo é que contra o mesmo não se encontra formulado qualquer pedido nos autos, a não ser o pedido formulado com vista ao seu chamamento.
Na verdade, tendo sido o Município ... chamado a intervir na lide ao lado das rés identificadas na petição inicial, verifica-se que, na presente lide, apenas estas poderão vir a ser condenadas, pois que apenas contra estas vem formulado o pedido de condenação constante da petição inicial.
Destarte, no requerimento em que foi formulado o pedido de chamamento do réu Município, apenas vem requerido pelo autor que o “Município ... seja ao abrigo do artigo 325º e seguintes do Código Processo Civil, chamado e admitido a intervir na presente acção”.
Embora se refira, nesse requerimento, que:
“ (…) justifica-se o seu chamamento para tomar a posição que entender. Sendo que, em nosso entender deve ser uma posição de associada às Rés, uma vez que a procedência levará, à condenação das Rés ou do chamado ou de ambos, conforme o que se vier a provar em audiência de julgamento”,
verifica-se que não se encontra formulado, contra o chamado Município, qualquer pedido, desconhecendo-se, à luz de tal alegação, se era perspectivada a condenação solidária, subsidiária ou alternativa do chamado, por falta de pedido contra este concretamente dirigido.
Não tendo sido formulado qualquer pedido nos autos contra o chamado, daí resulta que a eventual utilidade, para o autor, do chamamento do Município ..., nomeadamente em função do caso julgado que venha a formar-se em torno da decisão final do pleito, terão de ser extraídas noutra causa, diversa desta.
Assim clarificada a intervenção, nos presentes autos, do chamado Município, contra o qual não foi formulado qualquer pedido pelo autor e, por isso, não poderá vir a ser condenado nos presentes autos nos termos do pedido formulado na petição inicial, cumpre analisar se constitui modificação de facto e/ou de direito (ir)relevante, para efeitos da fixação da competência material do tribunal, a admissão do chamamento do Município réu como interveniente principal, em momento posterior ao da propositura da acção.
De acordo com o disposto nos arts. 5º, nº 1 do ETAF, 38º da LOSJ e 60º, nº 1 do CPC, a competência dos tribunais fixa-se no momento da propositura da acção, sendo em regra irrelevantes as modificações de facto e de direito posteriores, salvo nos casos expressamente previstos.
Ora, no caso vertente, independentemente da qualificação merecida pela relação material controvertida descrita na petição inicial, verifica-se que, com ou sem a intervenção do réu Município na lide, o pedido formulado nos autos apenas está dirigido às rés primitivas, não se encontrando dirigido qualquer pedido contra o ente público chamado à lide para intervir a par com as rés, entes de direito privado.
Verificando-se a insusceptibilidade de vir a ser condenado o réu Município nos presentes autos, não tendo a sua intervenção nos autos alterado os termos da demanda (em que é pelo autor formulada pretensão apenas contra as primitivas rés), daí decorre ser totalmente irrelevante, para o desfecho desta causa (à luz do concreto pedido formulado), o chamamento do réu Município, o que evidencia a irrelevância, na economia desta causa, do desvio ao princípio da estabilidade da instância operado através do chamamento do Município ... (contra o qual não se encontra formulado qualquer pedido nos presentes autos, apesar de chamado e admitido a intervir como parte principal passiva).
Sendo desta forma patente que o chamamento do Município ... não é, in casu, susceptível de constituir modificação relevante à regra da competência que decorre dos termos da demanda constantes da petição inicial, vejamos qual dos tribunais (comum ou administrativo) é o materialmente competente para julgar a causa, nos termos em que vem configurada pelo autor.
Sendo ponto assente, desde logo à luz dos art. 64º e 65º do CPC e 40º da LOSJ, que a jurisdição administrativa se perfila como especial e delimitada, na medida em que os tribunais que a integram têm a sua competência jurisdicional limitada ao âmbito das relações administrativas e fiscais, é desde logo essencial a qualificação da pretensão deduzida pelo autor como questão de direito público ou privado.
A competência material do tribunal tem que ser aferida em função da concreta questão cuja decisão é colocada perante o tribunal, evidenciada pela causa de pedir que funda a pretensão jurídica deduzida.
Assim, a competência do tribunal analisa-se em função da relação jurídica objecto do litígio, tal como está configurada pelo autor, atendendo-se, quer ao pedido formulado, quer à respectiva causa de pedir (art. 38º da LOSJ).
Na verdade, fazendo eco da lição de Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, ed. 1979, p. 90 e seg., para se concluir acerca da competência dos tribunais, há que olhar aos termos em que a acção foi proposta, seja quanto aos seus elementos objectivos (pedido e causa de pedir), quer quanto aos seus elementos subjectivos (partes). Parte-se pois da concreta pretensão do autor e respectivos fundamentos, não importando averiguar quais deveriam ser as partes e os termos dessa pretensão: "...é o que tradicionalmente se costuma exprimir dizendo que a competência se determina pelo pedido do autor".
Há, por conseguinte, que analisar a relação jurídica tal como vem desenhada pelo autor na petição inicial.
Tendo ficado acima clarificado que contra o chamado Município não foi formulado qualquer pedido, nem na petição inicial, nem posteriormente, apenas existindo a possibilidade de, a final, serem condenadas as rés primitivas, facilmente se conclui que a relação material controvertida, tal como se encontra configurada na petição inicial, apresenta contornos apenas do foro civilístico.
Na verdade, vem imputada à ré empreiteira uma conduta negligente no desenvolvimento da sua actividade, geradora dos danos alegadamente causados ao autor e cujo ressarcimento é pelo mesmo peticionado, quer dessa ré, quer da ré seguradora para a qual a ré empreiteira terá alegadamente transferido a sua responsabilidade.
Face à delimitação objectiva da presente acção, em função da causa de pedir e do pedido formulado pelo autor, dirigido apenas às primitivas rés, e não ao chamado Município, afastada está a aplicabilidade do art. 4º nº 1, alínea f) do ETAF, no qual se prevê a competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal para a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a responsabilidade civil extracontratual das pessoas coletivas de direito público, incluindo por danos resultantes do exercício das funções política, legislativa e jurisdicional.
Dos termos do litígio, nos moldes em que se encontra configurado pelo autor, não emerge qualquer relação jurídico-administrativa, não estando em causa uma actividade da Administração regulada pelo direito público, na qual as rés primitivas – que são entes privados e não pessoas colectivas de direito público - usem de poderes de autoridade (ius imperium), que respeite directamente a actos enquadráveis no conceito de gestão pública.
Na verdade, a relação material controvertida, tal como configurada na petição inicial, comporta apenas uma questão do foro privado.
Face à causa de pedir e ao pedido formulado pelo autor e, mais concretamente, face à alegada violação dos seus direitos subjectivos, cujo ressarcimento peticiona apenas das primitivas rés, nada sendo pedido em relação ao chamado Município, está em causa, nos presentes autos, a violação de normas de direito privado e não do foro administrativo, consubstanciando uma actuação que qualquer pessoa, pública ou privada, poderia desenvolver, ao danificar a via pública, dessa forma provocando a ocorrência de acidentes.
Pouco importa, para a análise do caso vertente, que a actividade desenvolvida pela ré empreiteira na via pública, na sua génese, uma obra adjudicada pelo Município ..., uma vez que o autor fundamenta a sua pretensão na actuação negligente da ré empreiteira, que transferiu a sua responsabilidade para a ré seguradora (B...).
Há, pois, que adoptar um critério como o apontado no ac. RC de 9-02-1993 (CJ, I, p. 36), o qual consiste na elaboração de um juízo de prognose quanto à possibilidade de, em julgamento de acção proposta no tribunal comum, o respectivo juiz ter de se defrontar com qualquer questão para a qual não seja competente, sendo que, na hipótese de a lei civil se mostrar suficiente, a competência será sempre do tribunal comum.
Ora, para a apreciação da responsabilidade extracontratual por violação do dever de cuidado imposto pela prossecução de obras na via pública por uma entidade privada (sendo essa, em termos genéricos, a causa de pedir da presente acção), é aplicável, pelo tribunal comum, o regime de direito civil.
Não se vislumbrando que a decisão da causa imponha a aplicação de regras de direito público, nada obsta ao conhecimento da causa pelo tribunal comum.
Fracassa, em consequência, o recurso em apreço.
*
Pelo exposto, acordam os Juízes Desembargadores da 3ª Secção deste Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso interposto do despacho-saneador na parte em que julgou improcedente a excepção dilatória da incompetência material e declarou a competência material do Juízo Central Cível de Aveiro – Juiz1, e, em consequência, em manter a decisão recorrida.

Custas pelo apelante– art. 527º do CPC.

Porto, 23.10.2025
Fátima Silva
António Carneiro da Silva
Manuela Machado