I - O dever de comunicação que recai sobre quem negoceia apresentando à outra parte um contrato com cláusulas gerais, pré-definidas, é uma obrigação de meios, não se exigindo para o seu cumprimento que o contratante, abrangido por tais cláusulas, delas tome conhecimento efectivo, mas que lhe sejam facultadas as condições para, em termos de razoabilidade e actuando com diligência, obter conhecimento sobre o seu conteúdo.
- Esse dever de comunicação é satisfeito quando as cláusulas contratuais gerais constem do documento assinado pelo aceitante, quando este saiba ler e escrever e o documento lhe seja facultado para leitura e análise antes de nele apor a sua assinatura. II - O direito da mediadora à retribuição acordada no âmbito de um contrato de mediação imobiliária pressupõe, por regra e sem prejuízo das excepções previstas na lei, que a mediadora haja desenvolvido actividade com vista à angariação de interessado para a celebração do negócio, que este se tenha concretizado com o interessado angariado pela mediadora, de forma a poder afirmar-se que a conclusão do contrato resultou da actividade desenvolvida pela mediadora.
III - Num contrato de mediação imobiliária sob o regime de exclusividade recai sobre o comitente a obrigação de pagar a remuneração acordada, independentemente de o negócio visado não se ter concretizado, se a não realização de tal negócio a ele for imputável.
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Local Cível de Vila do Conde – Juiz 2
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I. RELATÓRIO.
A..., Lda., pessoa colectiva n.º ..., com sede na Av. ..., ... Vila do Conde, propôs acção declarativa com processo comum contra AA e esposa, BB, residentes na Av. ..., ... Vila do Conde, peticionando a condenação dos Réus no pagamento à Autora do valor de € 12.915,00, acrescido dos respectivos juros à taxa legal.
Para tal alegou, em síntese, que exerce actividade de mediação imobiliária; que os Réus são proprietários de um imóvel; que ambos celebraram com a Autora um contrato de mediação imobiliária, conferindo à Autora o encargo de promover e mediar a venda do imóvel pelo valor mínimo de € 210.000,00; que as partes concordaram em fixar uma remuneração devida à Autora sobre 5% do valor da venda, devida aquando da celebração do contrato-promessa; que mais resulta do contrato que, em caso de desistência ou não aceitação de propostas que correspondam ao preço fixado, os Réus igualmente se obrigariam ao pagamento da remuneração; que a Autora veio a promover a venda do imóvel, angariando compradores pelo preço indicado pelos Réus; que as partes acordaram a celebração do contrato-promessa de compra e venda; que o mesmo não foi celebrado porquanto os Réus não compareceram; que, não obstante os diversos contactos da Autora, os Réus não assinaram o contrato em causa; que, posteriormente, a Autora interpelou os Réus pela remuneração devida pela angariação do negócio, no montante de € 12.915,00; e que os Réus vieram a denunciar o contrato celebrado com a Autora.
Citados os Réus, os mesmos apresentaram contestação, referindo que a Autora não os informou das cláusulas do contrato; que o mesmo corresponde a um contrato previamente redigido e, aquando da assinatura pelos Réus, não se encontrava totalmente preenchido; que o contrato foi assinado fora do âmbito de qualquer actividade comercial dos Réus; mais impugnaram parcialmente os factos invocados pela Autora.
A final, pugnam pela declaração de nulidade do contrato celebrado com a Autora, bem como pela improcedência do pedido.
A Autora foi convidada a responder, o que fez, referindo que as cláusulas do contrato foram cabalmente explicadas aos Réus, já que o mesmo foi apresentado aos Réus pelo filho destes. Mais pugnou pela não verificação das invocadas nulidades.
Não houve lugar à realização de audiência prévia, tendo sido elaborado despacho saneador, no qual foram fixados os termos do litígio e enunciados os temas da prova.
Após realização da audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente, absolvendo os Réus do pedido contra eles deduzido.
Não se conformando a Autora com tal sentença, dela interpôs recurso de apelação para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões:
I. Impugnação da matéria de facto
1. Em sede de audiência de julgamento, foi produzida prova testemunhal arroladas por ambas as partes, foram ouvidas declarações e depoimentos de parte. Porém, com base nas singelas declarações de partes dos réus, o Tribunal a quo deu como provada a matéria que consta dos pontos 9 a 11 dos factos provados.
2. Os factos 9 a 11 da matéria dada como prova tiveram como único fundamento, na motivação, as declarações de parte dos réus e as regras da experiência comum. Porém, a matéria consignada nesses factos nunca poderia ter sido dada como provada.
3. Atendendo à prova documental junta com a petição inicial, designadamente o Doc.4 que corresponde ao contrato de mediação imobiliária, conjugado com o depoimento de parte do legal representante da autora, bem como com o depoimento testemunhal da testemunha CC, não se poderia ter concluído que os réus estivessem convictos de que a relação contratual estabelecida com a autora se desenrolaria em termos, não só diversos daqueles que haviam sido contratualizados, mas também completamente opostos aos que se encontravam contratualizados.
4. Atendendo às regras da experiência comum aliadas ao critério do homem médio, considerando o especial interesse que os réus têm na obtenção de uma decisão desfavorável à pretensão do autor, bem como à circunstância de ao longo dos 9 meses de duração do contrato nunca terem posto em causa o conteúdo do mesmo, designadamente as cláusulas em crise neste litígio, à circunstância de mesmo para o denunciarem para o seu termo se terem baseado na sua validade intrínseca, e inclusive se terem expressamente fundamentado nas suas cláusulas, que invocaram de foram expressa, ao longo das sucessivas reuniões havidas nunca o terem posto em causa, só o fazendo já após a sua cessação por vontade própria dos mesmos e após a entrada em juízo da ação, para se eximirem às consequências do seu incumprimento voluntário, a valoração destas declarações teria de merecer do Tribunal as maiores reservas, e não uma aceitação acrítica.
5. A isto acresce ainda o facto de que os Réus já teriam celebrado anteriormente um contrato de mediação imobiliária com a autora em 2018, referente a outro imóvel, e por isso tinham conhecimento prévio do modo de funcionamento e execução de um contrato de mediação imobiliária.
6. Assim, através dos excertos transcritos quer do depoimento de parte do legal representante da autora, prestado na audiência de julgamento do dia 13 de junho de 2024 entre as 10h13min e as 10h49min com duração de 00:36:18, quer do depoimento da testemunha CC prestado na sessão de audiência de julgamento do dia 11 de julho de 2024 das 10h31min às 11:02 min com duração de 00:30:50, que se mostram transcritos nestas alegações, e outrossim do documento nº4 junto com a petição inicial, valorado e apreciado atento o disposto nos artigos 374º e 376º nº 2 do Código Civil, deve o item nº9 que consta dos factos provados transitar para o não provados.
7. No que tange a matéria descrita nos itens nº 10 e 11 dos factos como provados, foram valoradas pelo douto Tribunal a quo, mais uma vez, tão só e unicamente as declarações de parte dos réus, para dar como provado que o contrato de mediação imobiliária teria sido preenchido na ausência dos réus.
8. Porém, e atendendo ao depoimento da testemunha CC prestado na sessão de audiência de julgamento do dia 11 de julho de 2024 das 10h31min às 11:02 min com duração de 00:30:50, ficou evidenciado precisamente o contrário. A testemunha, que não tem um interesse direto na demanda, afirmou que o contrato já estava devidamente preenchido e assinado pelos réus quando chegou à agência imobiliária, desmentindo a alegação de que teria sido preenchido posteriormente, sem o consentimento ou conhecimento dos réus.
9. Acresce que o documento foi, na sua parte manuscrita, confessadamente preenchido pelo punho do angariador comercial da autora, que era filho dos réus e que com eles vivia – o qual, nessa qualidade dupla de vendedor e familiar direto, o levou propositadamente para a casa dos réus, para que estes não precisassem de se deslocar á agência imobiliária propositadamente para o efeito.
10. Assim, a matéria que consta dos itens nº 10 e 11 deverá transitar dos factos provados para os não provados, com base no depoimento da testemunha CC prestado na sessão de audiência de julgamento do dia 11 de julho de 2024 das 10h31min às 11:02 min com duração de 00:30:50, e ainda por as declarações dos réus, por si só, não serem prova suficiente para os dar como provados, atento o interesse direto que tinham em obter resposta positiva a esta parte da sua versão factual, por só assim poderem tentar eximir-se ao cumprimento do contrato que assinaram.
11. Contrariar a prova documental apenas com base em meras declarações de parte, contrárias ao que faz presumir a assinatura dessa parte no próprio documento, sem outro meio de prova que o infirme é desrespeitar a força probatória das provas consignada no código civil, seguindo um percurso insustentável na apreciação e valoração do conjunto de toda a prova. É o mesmo que afirmar que, a partir de agora, os contratos não valem nada.
12. Bastará que a parte venha a tribunal e diga que assinou o papel em branco, sem fazer a mínima prova disso, e contra tudo o que afirmam os demais, contra toda a sua postura anterior à chegada do caso a juízo, para que o Tribunal desconsidere o documento?...
13. No que se refere à factualidade não provada, consta do item nº3 que os réus não tinham em sua posse um duplicado do contrato. Contudo, resultou da prova testemunhal precisamente o contrário, nomeadamente do depoimento de parte do legal representante da autora que lhes tinha sido entregue um duplicado. Para além disso, consta do próprio contrato que este teria sido feito em duplicado e que cada parte interveniente ficaria na posse de um exemplar, estando esta menção aposta imediatamente antes da assinatura dos réus.
14. Assim, deverá o item nº3 dos factos dados como não provados transitar para os factos provados, atento ao depoimento de parte do legal representante da autora prestado no dia 13 de junho de 2024 e à prova documental junta com a petição inicial, mais nomeadamente o doc. nº4 que corresponde ao contrato de mediação imobiliária, atento ainda o acima indicado critério legal e valoração da prova documental validamente assinada pelas partes.
II. Questões de direito
15. Verifica-se a existência de uma nulidade da sentença, prevista no artº 615º, nº 1, al. d), por violação do preceituado no artº 608º nº 2, ambos do CPC.
16. Na verdade, o Mmº Juiz a quo, ao citar o nº 1 do artº 19º da Lei 15/2013, na asserção que precede o segmento decisório final da sentença recorrida, quanto ao momento em que seria devida a comissão da mediadora, ignorou pura e simplesmente o subsequente nº 2 do mesmo artigo, que versa sobre o alegado incumprimento contratual do cliente proprietário, não existindo a menor dúvida de que esse incumprimento se verificou neste caso.
17. Tal incumprimento está expressamente invocado no item 25º da petição inicial, e constitui aliás o fundamento jurídico do pedido formulado na petição inicial.
18. De igual modo, o Tribunal absteve-se de apreciar, como devia – aliás por ter sido alegado expressamente, e ter sido ademais o fundamento factual da pretensão da autora – o motivo por que não foi celebrado o contrato definitivo, daí emergindo o consequente incumprimento do contrato de mediação, que fora suscitado na petição inicial – v. por todos o item 28º da p.i..
19. Assim, é patente que o Tribunal não apreciou a questão que lhe foi submetida, segundo uma das soluções plausíveis que lhe foram colocadas, neste caso a propugnada pela autora.
Sem conceder...
20. No que diz respeito à aplicação do direito aos factos, o raciocínio lógico e o percurso seguido pelo julgador, ao analisar a legislação aplicável e da mesma extrair as necessárias conclusões jurídicas, padece de alguma confusão e nem sequer é facilmente compreensível, padecendo de erro de interpretação e qualificação jurídica da declaração negocial em apreço nos autos.
21. Os réus reconheceram sempre a existência do contrato e a sua vigência, tendo acabado por o denunciar para o seu termo, assim impedindo a sua renovação automática, constante do contrato, e apenas na contestação da ação judicial é que vieram arguir a nulidade do contrato.
22. Porém, o Mmº Juiz a quo interpretou a carta em que os réus denunciaram o contrato para o seu termo, como sendo uma declaração de resolução do contrato, afirmando que “Nada obsta, perante o normativo em causa, a que o Tribunal enquadre a “denúncia do contrato” pelo decurso do prazo num exercício à livre resolução do mesmo, já que são idênticos os efeitos pretendidos pelos Réus, ou seja, que o mesmo deixe de produzir efeitos.”
23. Porém, “denúncia” e “resolução” não só encerram conceitos distintos, mas constituem inclusive conceitos jurídicos diametralmente opostos e, como tal, inconciliáveis.
24. Essa oposição de conceitos jurídicos impede que o julgador possa interpretar como operando uma resolução uma carta que comunica a denúncia do contrato para o seu futuro termo.
25. Com efeito, a denúncia pressupõe a validade e vigência do contrato celebrado, que é reconhecido e querido pela parte denunciante, até à data em que termina, vigorando nos precisos termos contratados, enquanto a declaração de resolução – seja baseada na lei, ou no contrato, ou numa ocorrência que o permita – opera a destruição da eficácia do contrato, tendo efeitos idênticos aos da nulidade, ou seja, tudo se passando como se o contrato não houvesse sido celebrado, destruindo assim os vínculos contratuais antes firmados, e devendo por consequência ser restituído tudo o que houver sido prestado.
26. Na carta enviada pelos réus à autora que determinou o fim da relação contratual, os mesmos réus invocam a sua vontade de denunciar o contrato para o seu terminus, denúncia esta fundada não na existência de qualquer vício originário ou de qualquer invalidade superveniente, mas sim na sua vontade livre e esclarecida de o não manter a partir de que ocorresse o seu termo, enquadrando – e aliás corretamente – a sua comunicação na figura da denúncia do contrato.
27. Assim sendo, o Tribunal não poderia interpretar a carta de denúncia com um sentido que não encontra na sua letra ou no seu espírito o mínimo enquadramento, e, mutatis mutandis, não poderia interpretar o conteúdo da declaração negocial com um sentido diametralmente oposto àquele que o mesmo tem.
28. A resolução não pode ser declarada ex officio pelo Tribunal, porque pressupõe uma declaração de vontade de quem contrata, no sentido de pôr fim ao contrato com base em vício superveniente à sua celebração, que afete ou impossibilite a sua manutenção.
29. Aliás, o artº 11º Dl 24/2014 de 14/02 – que o Mmº Juiz convoca para a sua decisão – estatui muito precisamente que a declaração de resolução deve ser inequivocamente formulada pelo contratante, considerando-se inequívoca a declaração que comunique por qualquer forma a decisão de resolver o contrato – declaração que in casu inexiste.
30. Ademais, importa atentar em que “A resolução eleva-se (...) como uma figura de carácter excecional e que deve ser reservada para casos, em geral, de crise contratual grave e significativa ou de inexigibilidade de manutenção do vínculo negocial, fundada numa superveniência grave e significativa” – Prof. Ana Filipa Morais Antunes in “A Resolução do Contrato – Efeitos entre as Partes”, Ed. Almedina, Nov.2024, a pag. 19.
31. A questão sub judice não é, portanto, a existência de vício contratual determinante da resolução do contrato, mas sim a de avaliar se a autora cumpriu ou não as suas obrigações contratuais e se, nessa medida, lhe assiste ou não o direito ao recebimento da contrapartida pelo serviço prestado.
32. A abordagem feita na sentença sobre o momento em que seria devida a comissão (e se poderia ser exigida aquando da outorga do contarto-promessa) é despicienda, na medida em que se mostra assente nos autos que o negócio de compra e venda do objeto do contrato de mediação – que era o apartamento dos réus – nunca se operou, nunca se chegou a efetivar, sendo certo que o próprio contrato-promessa nunca chegou a ser outorgado, nem é isso que a autora invoca na petição inicial.
33. A exigência do pagamento da contrapartida devida pela prestação dos serviços contratados emerge, para a autora, não da celebração do negócio (provisório ou definitivo), mas sim da impossibilidade da sua consumação, por causa imputável aos réus – comos e começou por referir.
34. Assim, a pretensão formulada pela autora não se baseia na consumação da venda, tampouco na existência dum contrato-promessa, que são os factos que a douta sentença aborda, mas sim na circunstância, que a mesma sentença ignora, de os réus terem incumprido o contrato de mediação.
35. Os réus incumpriram o contrato de mediação, designadamente e consoante o previsto na sobredita cláusula 7, D), ao não aceitarem uma proposta dos interessados, e ao não darem resposta (nem no prazo de 3 dias, nem em qualquer outro prazo) a uma proposta dos interessados.
36. Salvo o devido respeito, na sentença em apreço confundiram-se duas noções diversas, que fazem toda a diferença na determinação do desfecho do litígio: a noção de “proposta de compra” e a noção de “promessa de compra”.
37. Se a mediadora, no exercício do seu escopo social e no cumprimento do contrato de mediação, logra alcançar um interessado na aquisição, que se proponha comprar pelo preço estipulado pelo potencial vendedor, a mediadora tem o direito de exigir que o seu cliente tome posição definida sobre essa proposta de aquisição.
38. Assim, é irrelevante saber se o vendedor aceita os termos do contrato promessa que lhe é proposto, pois o que interessa é se aceita vender pelo preço proposto, e à pessoa que se propõe adquirir.
39. Se o cliente-vendedor não aceita vender nos termos que contratou, ou não responde ao pedido para que tome posição definida sobre a proposta de aquisição, nesses casos entra em incumprimento, não só contratual, mas também legal, nos termos do artº 19º n.º 2, da Lei n.º 15/2013 de 8 de Fevereiro.
40. Tendo sido apresentada aos réus uma proposta de aquisição do apartamento em fevereiro de 2023, estes nunca se pronunciaram expressamente sobre a mesma e acabaram por denunciar o contrato de mediação para o seu termo, em 12 de junho de 2023, ou seja, deixando transcorrer mais de quatro meses sem tomarem posição definida sobre a aceitação ou recusa da proposta de venda, quando deveriam ter-se pronunciado em três dias (!), impedindo assim de forma voluntária e definitiva a consumação do negócio proposto.
41. O ajuizado contrato de mediação não é nem pode ser qualificado como um contrato de adesão.
42. Mas, mesmo que de um contrato de adesão se tratasse, e que a cláusula de incumprimento se houvesse por não válida, a sanção para o incumprimento contratual protagonizado pelos réus seria o mesmo, o peticionado pela autora, ao abrigo do preceituado na lei.
43. Na verdade, importa não esquecer que o art.º 9.º, n.º 1 do Dl 24/2014 de 14/02 estabelece que: “Nos casos previstos no artigo anterior os contratos singulares mantêm-se, vigorando na parte afectada as normas supletivas aplicáveis, com recurso, se necessário, às regras de integração dos negócios jurídicos.”
44. E, mantendo-se o contrato em vigor – o que nem sequer estará em causa, bem entendido – aplica-se ao mesmo o disposto no artº 19º n.º 2, da Lei n.º 15/2013 de 8 de Fevereiro, que estatui: “É igualmente devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel.”.
45. Com efeito, mesmo seguindo a orientação segundo a qual a cláusula contratual que versa sobre a retribuição se devesse considerar excluída do contrato – no que se não concede – sempre a omissão teria de ser objeto de integração, nos termos do artº 9º nº 1 do mesmo diploma, sendo que tal integração não poderia deixar de ser feita com recurso à norma legal correspondente, a do supracitado artº 19º nº 2 da Lei 15/2013, que fixa remuneração idêntica à que estava prevista no contrato para o caso do incumprimento contratual que se verificou.
46. Norma esta que, porque desaplicada quando deveria tê-lo sido, se mostra violada pela sentença em apreço.
Ainda sem conceder...
47. Tendo os réus agido sempre ao longo do contrato de forma consentânea com a sua vigência, permitindo que a autora cumprisse todos os termos contratados, incluindo a publicitação da venda, a afetação de meios à consumação do objeto do contrato, e por fim a angariação de cliente interessado na aquisição pelo valor contratado, tendo os réus permitido que o contrato vigorasse durante todo o período contratado e inclusive tendo-o denunciado para o seu termo, invocando para essa denúncia precisamente o estipulado nas cláusulas desse mesmo contrato que livremente subscreveram, constitui abuso de direito a invocação, apenas em sede de contestação, e quando o mesmo já havia terminado pela sua própria iniciativa, da nulidade do mesmo por ter sido celebrado fora das instalações da imobiliária.
48. A circunstância de o contrato ter sido celebrado em casa dos réus e não na agência, em virtude de o angariador do contrato de mediação ser o próprio filho dos réus, que com eles vivia nessa mesma casa, e para tal o levou aos réus, e preencheu pelo seu punho as suas partes manuscritas, impede – sob pena de abuso de direito – que os réus possam mais tarde, após a consumação da proposta de venda e após terem capciosamente posto fim ao mesmo, vir invocar tal circunstância como fundamento para a nulidade do contrato ou para a invalidade de algumas cláusulas do mesmo.
49. Desta forma, a invocação da nulidade do contrato de mediação imobiliária apresentada pelos réus é integrável no instituto do abuso de direito, mais nomeadamente na modalidade do venire contra factum proprium, nos termos do art 334º do Código Civil.
50. Age em abuso de direito quem subscreve um contrato, permite a sua vigência durante todo o período contratado, se escusa a tomar posição definida perante a proposta de aquisição que lhes foi dirigida, e a seguir denuncia o contrato para o seu termo, para evitar cumpri-lo, acabando por alegar a sua invalidade já após o ter denunciado nos termos contratuais, e o mesmo ter terminado por via disso, sem consumação do negócio proposto.
TERMOS EM QUE deve a sentença recorrida ser anulada ou revogada, julgando-se a final procedente o pedido formulado na petição inicial, por ser de inteira justiça”.
Os apelados apresentaram contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar.
II.OBJECTO DO RECURSO.
A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.
B. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pela recorrente, no caso dos autos cumprirá apreciar:
- se existe erro na apreciação da prova;
- se a sentença é nula;
- se à recorrente assiste o direito à remuneração contratualmente acordada;
- se os recorridos actuaram com abuso de direito.
III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
III.1. Foram os seguintes os factos julgados provados em primeira instância:
1. A Autora dedica-se à actividade de mediação imobiliária.
2. Por sua vez, os Réus são donos e legítimos proprietários da fracção autónoma identificada pela letra “E” destinada à habitação, sita na Avenida ..., Vila do Conde, descrita na Conservatória de Registo Predial de Vila do Conde sob o n.º ...-E, inscrita na matriz predial urbana da freguesia ... sob o artigo ...
3. No dia 12 de Setembro de 2022, os Réus celebraram com a Autora um contrato escrito de mediação imobiliária ao qual foi atribuído o n.º ....
4. Na qualidade de proprietários e legítimos possuidores do imóvel, conferiram à Autora o encargo, por esta então aceite, de promover e mediar a venda do referido prédio, pelo preço de € 210.000,00, durante um prazo de 9 meses.
5. O sobredito contrato foi celebrado em regime de exclusividade (conforme Cláusula particular n.º 6 e Cláusula geral n.º 13).
6. No aludido contrato, assinado pelos Réus, encontra-se previsto o seguinte:
“13. REGIME DE CONTRATAÇÃO A) (...) só a Mediadora contratada tem o direito de promover o negócio objeto do contrato de mediação durante o respetivo período de vigência, sendo que o Segundo Contratante não poderá, quanto ao mesmo imóvel, celebrar outro contrato de Mediação Imobiliária. As partes esclarecem que, mesmo no regime de exclusividade, haverá sempre lugar à aplicação do regime descrito na alínea D) do ponto 7”.
“7. REMUNERAÇÃO (...) D) A remuneração acima prevista, independentemente do regime de contratação acordado entre as partes, será ainda devida, em caso de incumprimento do contrato de mediação para o cliente, designadamente, em caso de desistência, não aceitação de propostas de interessados angariados pela Mediadora que correspondam ao preço definido no contrato mediação ou falta de resposta formal (no prazo de 3 dias) a propostas de interessados angariados pela Mediadora.”
7. Nos termos da referida Cláusula n.º 7, os Réus obrigaram-se a pagar à Autora, a título de remuneração a quantia de 5% sobre o preço pelo qual o negócio fosse concretizado, num montante mínimo de € 6.000,00, pagamento esse a ser efectuado aquando da celebração do contrato de promessa de compra e venda.
8. Tal contrato foi apresentado aos Réus na residência deste último, pelo filho dos Réus, DD, que, à data, exercia actividade profissional para a Autora.
9. Por tal motivo, o contrato foi assinado pelos Réus, no pressuposto que o contrato promessa de compra e venda seria elaborado com o conhecimento e com a intervenção dos Réus, designadamente no que concerne ao montante e entrega do sinal, condições e prazo de venda.
10. Do mesmo modo, aquando da assinatura do contrato, não estava preenchido nenhum dos campos que, entretanto, vieram a ser manuscritos.
11. O preenchimento dos campos ocorreu na ausência dos Autores, não tendo estes concordado com tal preenchimento.
12. Tal contrato foi assinado pelos Réus fora do âmbito de qualquer actividade comercial ou profissional.
13. Não foi entregue aos Réus qualquer formulário informando acerca do direito de livre resolução do contrato, nem foram os mesmos informados acerca de tal direito, respectivo prazo e procedimento a adoptar.
14. Em cumprimento desse contrato de mediação imobiliária celebrado, a Autora promoveu e publicitou a venda do referido prédio, através de contactos com pessoas da sua carteira de potenciais interessados, e ainda através de publicações da especialidade, e publicidade no seu site e nas montras dos seus estabelecimentos, bem como encarregou os seus vendedores de promoverem a respectiva venda junto de todos os seus contactos – o que estes fizeram de forma aturada e diligente.
15. Após toda a promoção realizada, a Autora angariou compradores interessados na aquisição do imóvel, logrando apresentar uma proposta para compra no montante indicado pelos vendedores, ou seja, pelo preço de € 210.000,00.
16. A Autora comunicou aos Réus que o Contrato Promessa Compra e Venda teria lugar no dia 07/02/2023, nas instalações da Autora.
17. Os Réus não intervieram na elaboração do Contrato Promessa Compra e Venda nem acordaram previamente com o seu teor.
18. Nesse designado dia, os clientes compradores, EE e FF, compareceram no local e à hora acordada pelas partes, o mesmo não sucedendo com os Réus, que não compareceram.
19. Nesse dia, os sobreditos compradores interessados assinaram o Contrato Promessa Compra e Venda, que ficou na posse do gerente da imobiliária, para colher a assinatura dos Réus.
20. Após, a Autora realizou inúmeras tentativas de contacto com os Réus para o reagendamento da assinatura do mencionado contrato promessa, o que estes não fizeram.
21. Em consequência, a Autora remeteu aos Réus, no dia 23/02/2023 uma missiva a solicitar a comparência nas instalações da sua sede, no prazo de três dias, para procederem à assinatura do referido contrato promessa, não tendo os Réus comparecido.
22. Em 02/03/2023, a Ré mulher remeteu à Autora, que a recebeu, uma missiva com o seguinte teor:
“Acuso a receção da v/carta datada de 23 de fevereiro de 2023.
Tenho, antes do mais, que manifestar a minha total surpresa com o seu teor e com as afirmações ali proferidas pois as mesmas, como bem sabem, não correspondem à verdade.
Refuto as exigências que fazem e rejeito, por não verdadeiros os factos que nos imputam.
Como bem sabem que é do vosso conhecimento pessoal, o meu marido não se encontra em Portugal.
Assim que o meu marido chegar iremos de imediato às vossas instalações para que vossas excelências nos expliquem e se justifiquem depois de comportamento tão absurdo e inverídico e que muito, aliás, me surpreendeu e até ofendeu.”
23. No dia 17/03/2023, através de carta expedida pelo Ilustre Advogado da Autora, a mesma interpelou os Réus para o pagamento da quantia relativa à remuneração devida pela angariação do negócio, no valor de € 12.915,00€ (correspondente a 5% sobre o preço de € 210.000,00, no valor de € 10.500,00, acrescido de IVA à taxa de 23%), concedendo-lhes ainda a possibilidade de assinar o contrato-promessa de compra e venda e, assim, concluir o negócio de venda cuja mediação havia sido conferida à Autora.
24. Em 24/03/2023, a Ré mulher respondeu à missiva do Ilustre Advogado da Autora, enviando uma carta que foi recepcionada por este e que dizia expressamente o seguinte:
“Acuso a receção da v/carta datada de 17 de março de 2023.
Manifesto a minha total surpresa com o seu teor, pelo facto de o mesmo não corresponder à verdade.
Em momento algum recusei celebrar um contrato-promessa de compra e venda como aliás é do conhecimento da imobiliária.
Sucede que este assunto encontra-se ao cuidado do meu marido, sendo ele que gere toda a situação e toma as decisões.
Tal como transmitido na carta enviada à imobiliária – e é do conhecimento da mesma desde o início – o meu marido não se encontra em Portugal pois trabalha em Angola e apenas está previsto o seu regresso no verão, previsivelmente dentro do período de dois meses.
A sua pretensão mal regresse é deslocar-se imediatamente às instalações da imobiliária, de forma a apurar o que tem vindo a suceder e esclarecer toda esta situação.
Pelo que nunca esteve em causa a recusa em celebrar qualquer contrato-promessa de compra e venda da minha parte, verificando-se, isso sim, uma impossibilidade física (desde o início do conhecimento da imobiliária) de celebrar seja que contrato for na ausência do meu marido. Sinto-me profundamente aborrecida com esta situação e com a atitude da imobiliária e espero um pedido de desculpas da v/parte.
Neste momento não é devida qualquer comissão, como é óbvio.
Com os melhores cumprimentos,”.
25. Em Maio de 2023, ambos os Réus subscreveram uma carta dirigida à Autora, denunciando o contrato de mediação imobiliária que com esta haviam celebrado.
III.2. A mesma instância considerou não provados os seguintes factos:
1. Que a Autora tenha lido e explicado aos Réus o contrato que estes assinaram, designadamente as cláusulas referentes, valor mínimo de remuneração e data do respectivo pagamento.
2. Que tenha sido expressamente acordado entre a Autora e os Réus que o momento de pagamento da remuneração tivesse lugar aquando da venda do imóvel.
3. Que tivesse sido entregue aos Réus um duplicado do contrato.
IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
1. Reapreciação da matéria de facto.
Dispõe o n.º 1 do artigo 662.º do Código de Processo Civil que “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”, estabelecendo o seu nº 2:
“A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;
d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados”.
Insurge-se a Autora contra a decisão relativa à matéria de facto na parte em que considerou provada a factualidade vertida nos pontos, 9.º, 10.º e 11.º, por considerar não ter a mesma resultado provada, assim como a constante do ponto 3.º dos factos não provados, que, em seu entender, deve ser considerada provada.
Satisfatoriamente cumpridos os ónus previstos no artigo 640.º do Código de Processo Civil, impõe-se, deste modo, o reexame das provas produzidas quanto à parte impugnada da decisão.
Nesse exercício dever-se-á ter em conta, tal como refere A. Abrantes Geraldes[1] que, “a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência”… “afastando definitivamente o argumento de que a modificação da decisão da matéria de facto deveria ser reservada para casos de erro manifesto” ou de que “não é permitido à Relação contrariar o juízo formulado pela 1ª instância relativamente a meios de prova que foram objecto de livre apreciação”, acrescentando que este tribunal “deve assumir-se como verdadeiro tribunal de instância e, por isso, desde que, dentro dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova, encontre motivo para tal, deve introduzir as modificações que se justificarem”.
Note-se que a construção da realidade fáctica submetida à discussão não se poderá efectuar de forma parcelar e desconexa, atendendo apenas a determinado meio de prova, ou a parte dele, e ignorando todos os demais, ainda que expressem realidade distinta, a menos que razões de credibilidade desacreditem estes.
Ou seja: nessa tarefa não pode o julgador conformar-se com a análise parcelar e parcial transmitida pelos litigantes, mas antes submetê-la a uma ponderação dialéctica, avaliando a força probatória do conjunto dos meios de prova destinados à demonstração da realidade submetida a debate.
Assinale-se que a construção – ou, melhor dizendo, a reconstrução, pois que é dela que se deve falar quando, como no caso, se procede à ponderação dos factos que por outros foram apreendidos e transmitidos com o filtro da interpretação própria de quem processa essa apreensão – da realidade fáctica não pode efectuar-se de forma parcelar e desconexa, antes reclamando o contributo conjunto de todos os elementos que a integram.
Quer isto dizer que a realidade surge de um conjunto coeso de factos, entre si ligados por elos de interdependência lógica e de coerência.
A realidade não se constrói apenas a partir de um depoimento isolado ou de um conjunto disperso de documentos, ainda que confirmadores de uma determinada versão factual, antes se deve conformar com um património fáctico consolidado de forma sólida, coerente, transmitido por elementos probatórios com idoneidade e aptidão suficientes a conferir-lhe indiscutível credibilidade.
Como se escreveu no acórdão da Relação de Lisboa de 21.12.2012[2], “…a verdade judicial traduz-se na correspondência entre as afirmações de facto controvertidas, relevantes e pertinentes, aduzidas pelas partes no processo e a realidade empírica, extraprocessual, que tais afirmações contemplam, revelada pelos meios de prova produzidos, de forma a lograr uma decisão oportuna do litígio. Sobre as doutrinas da verdade judicial como mera coerência persuasiva ou como correspondência com a realidade empírica, vide Michele Taruffo, La Prueba, Marcial Pons, Madrid, 2008, pag. 26-29. Quanto à configuração do objecto da prova e a sua relação com o thema probandum, vide Eduardo Gambi, A Prova Civil – Admissibilidade e relevância, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, Brasil, 2006, pag. 295 e seguintes; LLuís Muñoz Sabaté, Fundamentos de Prueba Judicial Civil L.E.C. 1/2000, J. M. Bosch Editor, Barcelona, 2001, pag. 101 e seguintes.
Por isso mesmo, a “reconstrução” cognitiva da verdade, por via judicial, não tem, nem jamais poderia ter, a finalidade exclusiva de obter uma explicação exaustiva e porventura quase irrefragável do acontecido, como sucede, de certo modo, nos domínios da verdade história ou da verdade científica, muito menos pode repousar sobre uma crença inabalável na intuição pessoal e íntima do julgador. Diversamente, tem como objectivo conseguir uma compreensão altamente provável da realidade em causa, nos limites de tempo e condições humanamente possíveis, que satisfaça a resolução justa e legítima do caso (…)”.
A decisão quanto aos pontos 9.º a 11.º, objecto de impugnação recursiva, surge desta forma motivada: “Quanto aos factos provados n.ºs 9 a 11, considerou o Tribunal o teor das declarações de parte de ambos os Réus, conjugadas com as regras da experiência e da normalidade da vida.
Os Réus salientaram que o seu filho, DD, apresentava alguns problemas de comportamento e de consumo de produtos estupefacientes, motivo pelo qual aceitaram que o mesmo figurasse como seu agente imobiliário, de forma a ajudá-lo profissionalmente.
Tais declarações são perfeitamente expectáveis, já que, em regra (e não se vislumbra que, no caso, ocorresse algo que tornasse diferente esta assunção), os pais procuram sempre ajudar os filhos, na medida das suas possibilidades.
De igual modo, o facto de ter sido o filho dos Réus a elaborar o contrato igualmente fundamenta algum grau de confiança por parte dos Réus, no sentido de não haver leitura do contrato assinado e de solicitarem especificidades na conduta da Autora quanto à venda da sua habitação.
No mais, ambos os Réus confirmaram que a letra da parte manuscrita dos contratos é a do seu filho, tendo igualmente CC referido que foi o filho dos Réus quem tratou da angariação e, muito provavelmente, do preenchimento dos contratos.
Assim, e neste ponto, apesar de o Tribunal não ter ficado convicto das declarações prestadas por GG (que assumiu uma postura excessivamente nervosa e com conhecimento selectivo dos factos), a verdade é que as declarações de parte foram, por si, suficientes para o Tribunal firmar convicção sobre os factos em causa”.
Para sustentar a pretendida alteração dos segmentos decisórios impugnados, a apelante convoca prova documental, especialmente o documento n.º 4 junto com a petição inicial, declarações de parte do legal representante legal da Autora e prova testemunhal (depoimento da testemunha CC).
O invocado documento n.º 4 constitui o contrato de mediação imobiliário que nos autos é objecto de discussão, o qual contém os dizeres nele inscritos, parte dos quais manuscritos.
Tendo natureza de documento particular, e, como tal, sujeito à livre apreciação do juiz, permite apenas que dele se retire que o mesmo foi preenchido, nas áreas com texto não impresso, com os dizeres manuscritos que integram o seu conteúdo.
Desacompanhado de outro meio probatório, é claramente insuficiente para esclarecer em que condições e circunstâncias ocorreu o seu preenchimento e assinatura.
De acordo com o n.º 3 do artigo 466.º do Código de Processo Civil, o tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão.
Lebre de Freitas, cujo pensamento se pode reconduzir à tese do carácter supletivo e vinculado à esfera restrita de conhecimento dos factos em termos de valoração das declarações de parte, defende que “a apreciação que o juiz faça das declarações de parte importará sobretudo como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas e, quando outros não haja, como prova subsidiária, máxime se ambas as partes tiverem sido efetivamente ouvidas”[3].
Carolina Henriques Martins[4], sustenta, por seu turno que “[...] não é material e probatoriamente irrelevante o facto de estarmos a analisar as afirmações de um sujeito processual claramente interessado no objecto em litígio e que terá um discurso, muito provavelmente, pouco objectivo sobre a sua versão dos factos que, inclusivamente, já teve oportunidade para expor no articulado.
Além disso, [...] também não se pode esquecer o caráter necessário e essencialmente supletivo destas declarações que, na maior parte dos casos, servirá para combater uma fraca ou inexistente prestação probatória.
Caso se considere útil a audição da parte nesta sede quando coexistem outros meios de prova, propomos a sua apreciação como um princípio de prova, equivalente ao mencionado argomenti di prova italiano, que não deixará de auxiliar na persuasão do juiz, mas que apenas o fará em correlação com a restante prova já produzida contribuindo para a sua (des)credibilização, e apenas nesta medida.
Estas são as coordenadas fundamentais para a consideração das declarações de parte no nosso esquema probatório”.
Miguel Teixeira de Sousa, tomando posição sobre a mesma específica questão, escreveu: “Se o princípio de prova é o menor grau de prova admissível e se se atribui esse valor às declarações de parte, então o que não teria nenhum valor probatório em si mesmo (nem sequer como mera justificação) passa a poder ter algum valor probatório, ainda que o menor na escala dos valores probatórios. Mais em concreto: se se atribui às declarações de parte relevância como princípio de prova, isso significa que estas declarações, apesar de não serem suficientes para formar a convicção do juiz nem sobre a verdade, nem sobre a plausibilidade ou verosimilhança do facto, ainda assim podem ser utilizadas para corroborar outros resultados probatórios. A conclusão não deixa de ser a mesma, se se pretender defender (…) que as declarações de parte só podem relevar como princípio de prova.
À medida que se baixa nos graus de prova, mais fácil se torna atribuir relevância probatória a um certo meio de prova. Lembre-se o que sucede em sede de procedimentos cautelares. É exatamente com o intuito de facilitar a prova de um facto que o art. 368.º, n.º 1, CPC aceita, no âmbito destes procedimentos, a mera justificação como o grau de prova suficiente.
Assim, em vez de atribuir às declarações de parte o valor de princípio de prova, melhor solução parece ser o de atribuir a estas declarações o grau normal dos meios de prova, que é o de prova stricto sensu ou, nas providências cautelares, o de mera justificação. Isto significa que, de acordo com o critério da livre apreciação da prova, o tribunal tem de formar uma prudente convicção sobre a verdade ou a plausibilidade do facto probando (cf. art. 607.º, n.º 5 1.ª parte, CPC).
Abaixo desta relevância probatória e da convicção sobre a verdade ou a plausibilidade do facto, as declarações de parte não devem ter nenhuma relevância probatória, nem mesmo para corroborarem outros meios de prova. Esta é, aliás, a melhor forma de combater a natural tendência das partes para só deporem sobre factos que lhes são favoráveis”[5].
Já Mariana Fidalgo[6] especifica: “[...] ponto, para nós, assente é que este meio de prova não deve ser previamente desprezado nem objecto de um estigma precoce, sob pena de perversão do intuito da lei e do princípio da livre apreciação da prova. Não olvidando o carácter aparentemente subsidiário das declarações de parte, certo é que foram legalmente consagradas como um meio de prova a ser livremente valorado, e não como passíveis de estabelecer um mero princípio de prova ou indício probatório, a necessitar forçosamente de ser complementado por outros. Assim sendo, e ainda que tal possa naturalmente suceder com pouca frequência na prática, defendemos que será admissível a concorrência única e exclusiva deste meio de prova para a formação da convicção do juiz em determinado caso concreto, sem recurso a outros meios de prova”.
Insurge-se a recorrente pelo facto de não terem sido valoradas as declarações do legal representante da Autora, que, em seu entender, “pura e simplesmente ignorou, nem sequer o mencionando na motivação”.
Ao contrário do que sustenta a recorrente, o tribunal recorrido ponderou toda a prova produzida em audiência, incluindo as próprias declarações do legal representante da Autora, podendo ler-se logo no início ad motivação da decisão relativa à matéria de facto: “Para fundamentar a sua convicção, o Tribunal baseou-se no teor do depoimento de parte do legal representante da Autora, HH, bem como nas declarações de parte do Réu, AA e da Ré, BB, e nos depoimentos das testemunhas EE, FF (promitentes compradores do imóvel dos Réus), II (amiga dos Réus), CC (trabalhador da Autora) e GG (irmão da Ré)”.
Daí não se segue, todavia, que haja de ser atribuída a todos os depoimentos e declarações prestadas em audiência a mesma relevância probatória ou que cada deles contribua da mesma forma, e na mesma medida, para o esclarecimento de cada um dos factos controversos discutidos nos autos, devendo ser aqueles meios de prova valorados em função da credibilidade e convencimento que merecem e de acordo com o conhecimento revelado por quem os haja prestado.
No caso, o legal representante da Autora, HH, relatou, em termos genéricos, os procedimentos e orientações seguidas pela empresa de que é gerente, referindo-se, em concreto, a diversas reuniões mantidas com o Réu com vista à assinatura do contrato promessa com o cliente que viesse a ser angariado, nas quais aquele nunca pôs em causa os termos constantes do contrato referido no ponto 3.º dos factos provados, tendo o mesmo então mencionado a disponibilidade de entrega de uma procuração para outorga do contrato promessa, caso surgisse, na sua ausência, algum cliente interessado na compra do imóvel, e a circunstância de a Ré nunca ter assinado o contrato promessa, embora chegando a combinar fazê-lo.
Quanto às concretas circunstâncias em que o contrato de mediação imobiliária foi preenchido e assinado, não tendo presenciado nenhum desses actos, não logrou fornecer quaisquer detalhes esclarecedores.
A testemunha CC, funcionário da Autora, na qual exerce funções de director comercial, relatando que o DD, filho dos Réus, trabalhava, à data da assinatura do contrato de mediação mobiliária, para a Autora, sob orientação do depoente, como angariador de clientes, esclareceu que o contrato de mediação chegou à agência totalmente preenchido e assinado, tendo sido validado pelo depoente, que o passou à administração.
Deduz que tenha sido o DD a preenchê-lo, pois normalmente são os comerciais que fazem o preenchimento, limitando-se os proprietários a assinar o contrato.
Também a identificada testemunha não contribuiu com qualquer esclarecimento para as condições concretas em que ocorreu o preenchimento e assinatura do aludido contrato.
Não obstante, as declarações de parte dos Réus, partes directamente interessadas num desfecho da acção que lhes seja favorável, desacompanhadas de quaisquer outros meios de prova são manifestamente insuficientes para lograrem, com sucesso, a comprovação da factualidade dada como provada e vertida nos pontos 9.º a 11.º.
Ainda que assentindo que o contrato de mediação imobiliária não tenha sido assinado e preenchido nas instalações da Autora, e que o tenha sido em casa dos Réus, e preenchido pelo filho destes, DD, que na altura colaborava profissionalmente com aquela, daí não se pode, sem mais, inferir que o grau de confiança dos Réus no filho os levou a dispensar a leitura dos termos do contrato que assinaram e a não lhe solicitar qualquer esclarecimento relativamente às especificidades na conduta da Autora quanto à venda da sua habitação.
Partir do pressuposto – de resto, não irrefutável - de que “os pais procuram sempre ajudar os filhos, na medida das suas possibilidades” para se concluir, como o fez o Sr. Juiz que elaborou a sentença sob recurso, que os Réus confiaram cegamente no filho DD, a ponto de se alhearam por completo das condições em que era negociada a venda do imóvel, sem lhe solicitarem quaisquer esclarecimentos e permitindo que este, à revelia dos mesmos, procedesse ao preenchimento do formulário do contrato que assinaram, constitui, no mínimo, um juízo temerário, alicerçado, ao contrário do que sustenta a decisão recorrida, ao arrepio das regras de experiência comum, tanto mais que o negócio envolvia a própria habitação dos Réus, que reconheciam que “o seu filho, DD, apresentava alguns problemas de comportamento e de consumo de produtos estupefacientes”.
Deste modo, quanto à factualidade vertida nos pontos 9.º, 10º, e 11.º, considerada provada na sentença impugnada, apenas foi produzida prova suficiente para se poder concluir que o contrato foi assinado pelos Réus, não tendo sido produzida prova que, com a necessária segurança, permita a confirmação dos demais factos constantes dos referidos segmentos decisórios.
Segundo a fundamentação da decisão recorrida, “...os factos não provados n.ºs 1 a 3 resulta, desde logo, da negação dos mesmos pelos Réus [...]”.
Também, no que concerne à factualidade vertida no ponto 3.º dos factos não provados, se confrontam duas versões antagónicas: a sustentada pelos Réus, que negam ter-lhes sido entregue o duplicado do contrato, e a do legal representante da Autora, que afirma que os Réus tinham uma cópia do contrato quando com eles se reuniram.
Também é certo que o contrato de mediação imobiliária assinado pelos Réus tem inscrita, imediatamente antes da data e das assinaturas dos intervenientes, a seguinte menção: “Com anexo, feito em duplicado, destinando-se um exemplar a cada uma das partes intervenientes”.
Do documento em causa apenas se extrai, porém, que o mesmo contém a referida declaração, não comprovando que o duplicado haja sido efectivamente entregue aos Réus.
Com tal, não merece reparo a decisão que considerou não provada a aludida factualidade.
A circunstância de não se haver provado que a Autora haja entregue aos Réus um duplicado do contrato, não consente, todavia, que se extraia o facto contrário, ou seja, que a Autora não entregou o duplicado do contrato aos Réus.
Do exposto, conclui-se que procede parcialmente a impugnação deduzida pela apelante à decisão sobre a matéria de facto, que se altera nos seguintes termos:
- Ponto 9.º - provado apenas que: “O contrato foi assinado pelos Réus”;
- Pontos 10.º e 11.º: Não provados.
O ponto 3.º dos factos não provados mantém-se, sem alterações.
2. Da invocada nulidade da sentença.
Imputa a recorrente à sentença que impugna vício de nulidade que reconduz à previsão do artigo 615.º n.º 1, do Código de Processo Civil.
Alega, para o efeito, que “o Mmº Juiz a quo, ao citar o nº 1 do artº 19º da Lei 15/2013, na asserção que precede o segmento decisório final da sentença recorrida, quanto ao momento em que seria devida a comissão da mediadora, ignorou pura e simplesmente o subsequente nº 2 do mesmo artigo, que versa sobre o alegado incumprimento contratual do cliente proprietário, não existindo a menor dúvida de que esse incumprimento se verificou neste caso”, acrescentando que “Tal incumprimento está expressamente invocado no item 25º da petição inicial, e constitui aliás o fundamento jurídico do pedido formulado na petição inicial”.
Adianta ainda a recorrente que “De igual modo, o Tribunal absteve-se de apreciar, como devia – aliás por ter sido alegado expressamente, e ter sido ademais o fundamento factual da pretensão da autora – o motivo por que não foi celebrado o contrato definitivo, daí emergindo o consequente incumprimento do contrato de mediação, que fora suscitado na petição inicial – v. por todos o item 28º da p.i.”.
Dispõe o n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil:
“É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
A nulidade da sentença - ou de despacho[7] - constitui vício intrínseco da decisão, desde que ocorra alguma das circunstâncias taxativamente previstas no artigo 615.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, que, pela sua gravidade, comprometem a sentença ou o despacho qua tale.
Como o n.º 1 do artigo 668.º do anterior diploma, também o n.º 1 do artigo 615.º do actual Código de Processo Civil contém uma enumeração taxativa das causas de nulidade da sentença[8], nelas não se inserindo o designado erro de julgamento, que apenas pode ser atacado por via de recurso, quando o mesmo for legalmente admissível[9].
O artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil correlaciona-se com o estatuído no n.º 2 do artigo 608.º do mesmo diploma legal, onde se determina que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”. O vício tipificado na primeira parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º ocorre quando haja falta de apreciação de questão que o tribunal devesse conhecer, cuja resolução não tenha ficado prejudicada por solução dada a outras.
Exige-se, com efeito, uma correspondência entre a pronúncia e a pretensão deduzida.
Como esclarecia Anselmo de Castro, ainda no âmbito da aplicação da pretérita lei adjectiva[10], «o vício relaciona-se com o dispositivo do art.° 660.°, n.° 2.° e por ele se tem de integrar. A primeira modalidade tem a limitação aí constante quanto às decisões que devam considerar-se prejudicadas pela solução dada a outras; a segunda reporta-se àquelas questões de que o tribunal não pode conhecer oficiosamente e que não tenham sido suscitadas pelas partes, como nesse preceito se dispõe.
A palavra questões deve ser tomada aqui em sentido amplo: envolverá tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir (melhor, à fundabilidade ou infundabilidade dumas e doutras) e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem. Esta causa de nulidade completa e integra, assim, de certo modo, a da nulidade por falta de fundamentação. Não basta à regularidade da sentença a fundamentação própria que contiver; importa que trate e aprecie a “fundamentação jurídica dada pelas partes. Quer-se que o contraditório propiciado às partes sobre os aspectos jurídicos da causa não deixe de encontrar a devida expressão e resposta na decisão”.
E Alberto dos Reis[11] já alertava que não se pode confundir questões suscitadas pelas partes com motivos ou argumentos por elas invocados para fazerem valer as suas pretensões: "São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão."
Devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas pelas partes, apenas deve conhecer destas e das que oficiosamente lhe caiba conhecer[12].
No caso em apreço, nenhuma questão[13], invocada pelas partes ou que devesse ser oficiosamente conhecida, ficou por apreciar, não tendo o juiz que apreciar todos os argumentos invocados pelas partes, ou tomar posição sobre questões cuja apreciação haja ficado prejudicada pela solução jurídica pela qual enveredou.
Não sofre a sentença, pois, da patologia que a recorrente lhe aponta.
Por conseguinte, improcede, nesta parte, o recurso.
3. Da aplicação do direito aos factos apurados.
3.1. Da natureza do contrato.
É indiscutível terem Autora e Ré celebrado entre si um contrato de mediação imobiliária.
O contrato de mediação imobiliária traduz-se na actividade de procura, em nome dos respectivos clientes, de interessados na realização de negócios, reais ou obrigacionais, que tenham como seu objecto bens imóveis. As funções de imediação imobiliária consistem na prospecção e recolha de informações, assim como na promoção desses bens imóveis, mediante divulgação ou publicitação, incluindo a realização de leilões. É o que se extrai do artigo 2.º, n.º 1 da Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro (DR I, n.º 28), alterada pelo Decreto-Lei n.º 102/2017, de 23 de Agosto (DR I, n.º 162).
Para Antunes Varela[14], “o contrato de mediação imobiliária é uma das modalidades do contrato de prestação de serviços, segundo o qual uma das partes se obriga a conseguir interessado para certo negócio e a aproximar esse interessado da outra parte. Isto, normalmente, como é óbvio, em contrapartida de uma remuneração, uma vez que tal contrato se tem, em princípio, como oneroso”.
Explica Menezes Cordeiro[15] que “Em sentido amplo, diz-se mediação o acto ou efeito de aproximar voluntariamente duas ou mais pessoas de modo a que, entre elas, se estabeleça uma relação de negociação eventualmente conducente à celebração de um contrato definitivo. Em sentido técnico ou estrito, a mediação exige ainda que o mediador não represente nenhuma das partes a aproximar e, ainda, que não esteja ligado a nenhuma delas por vínculos de subordinação”.
3.2. Da violação do dever de informação invocado pelos Réus.
Defendem os Réus ser nulo o contrato de mediação imobiliária que celebraram com a Autora por ter esta violado o dever de informação a que estava vinculada, alegando não terem sido por ela informados acerca das cláusulas do dito contrato.
Pode ler-se no acórdão da Relação do Porto de 24.04.2008[16]: “como é sabido, uma das características mais marcantes do direito contratual contemporâneo é ele um número significativo de contratos - dos mais importantes da vida económica e empresarial moderna - ser celebrado em conformidade com as cláusulas previamente redigidas por uma das partes (ou até por terceiro), sem que a outra parte possa alterá-las. Tais contratos são designados por contratos de adesão, fórmula que traduz a posição da contraparte e realça o significado da aceitação: mera adesão a cláusulas pré formuladas por outrem.
Nesta noção, avultam três características essenciais: a pré-disposição, a unilateralidade e a rigidez. São elas, as características que definem os contratos de adesão em sentido estrito.
Trata-se de contratos normalmente celebrados com base em cláusulas ou "condições gerais" previamente redigidas. Assim, a aludida pré-disposição consiste, via de regra, na elaboração prévia de cláusulas que irão integrar o conteúdo de todos os contratos a celebrar no futuro ou, pelo menos, de certa categoria de contratos: trata-se, “ hoc sensu”, de cláusulas contratuais gerais. A esta característica da generalidade anda associada uma outra, a indeterminação: as cláusulas são previamente redigidas para um número indeterminado de pessoas”.
E do Acórdão da mesma Relação de 17.02.2009[17] extrai-se: “as cláusulas contratuais gerais consubstanciam-se como estipulações predispostas ou predefinidas, em vista de uma pluralidade de contratos ou de uma generalidade de pessoas, para serem aceites em bloco - sem negociação individualizada capaz de influir na modelação do respectivo conteúdo - ou possibilidade de alterações singulares. Pré-formulação, generalidade e imodificabilidade são, pois, as suas características essenciais. O que está em consonância com os propósitos de racionalização, certificação e uniformização que marcam a essência do fenómeno económico hodierno, no quadro da lógica, tipicamente empresarial, que recorre a este particular modo de contratação”.
Apesar da sua natureza tipicamente consensual, também nos contratos de mediação imobiliária se recorre com frequência a cláusulas pré-redigidas e gerais, impostas, desde logo, por exigências técnicas e pela homogeneidade dos termos contratuais aplicáveis a este tipo de negócios jurídicos.
A despeito dos aspectos críticos que possam apontar-se às cláusulas contratuais gerais, é indiscutível a sua crescente necessidade: a exigência de realização efectiva de negociações pré-contratuais - individualizadas - para a concretização de todos os contratos acarretaria um significativo retrocesso na actividade jurídico-económica, em que as necessidades de rapidez e de normalização ligadas às modernas sociedades técnicas impõem o recurso àquele tipo de cláusulas.
O Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro constitui a expressão de uma intervenção legislativa necessária à regulamentação, tão cuidada quanto possível, da questão das cláusulas contratuais gerais.
Em plena vigência deste diploma, emanou do Conselho Europeu a Directiva n.º 93/13/CEE, de 5 de Abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, definindo o seu artigo 3º/1 como cláusula abusiva a que, não tendo sido objecto de negociação individual, e a despeito da exigência de boa fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações decorrentes do contrato.
Segundo o n.º 1 do artigo 1.º do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, com a redacção introduzida, entretanto, pelo Decreto-Lei nº 249/99, de 7 de Julho, “As cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar, regem-se pelo presente diploma”.
Por sua vez, o n.º 2 do citado dispositivo determina que “O presente diploma aplica-se igualmente às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar”.
Do artigo 2.º do mencionado diploma retira-se que todas estas cláusulas ficam abrangidas por ele independentemente da sua forma de comunicação ao público, da extensão que assumam ou que venham a apresentar nos contratos a que se destinem, do conteúdo que as enforme, e de terem sido elaboradas pelo proponente, pelo destinatário ou por terceiros.
No domínio das cláusulas contratuais gerais não basta a sua aceitação. Como prescrevem os artigos 5.º, 6.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, exige-se que ao aderente tenham sido efectivamente comunicadas as cláusulas a que deva ou tenha aderido, que uma efectiva informação sobre as mesmas e a inexistência de cláusulas prevalentes.
Estabelece o artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro:
1 - As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las.
2 - A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência.
3 - O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais.
De acordo com o artigo 6.º do mesmo diploma:
1 - O contratante que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique.
2 - Devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados.
E dispõe o seu artigo 8.º: Consideram-se excluídas dos contratos singulares:
a) As cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5.º;
b) As cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo;
[...].
No artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro surpreendem-se duas fases distintas: a primeira, a que se refere o n.º 1 do normativo em causa, respeita à emissão da proposta contratual, obrigando o emitente da mesma à comunicação integral das suas cláusulas; a segunda, reportada à recepção de tal proposta, e a que se refere o n.º 2, a determinar que a proposta seja apresentada de tal forma que “se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo” pelo aderente.
Desta forma, o critério a relevar para efeitos de cumprimento do dever de comunicação exigido pelo mencionado artigo 5.º afere-se pela adequação a um conhecimento, completo e efectivo, da proposta contratual pelo destinatário que use de comum diligência: “a comunicação não só deverá ser completa, abrangendo a globalidade das condições negociais em causa, como deverá igualmente mostrar-se idónea para a produção de um certo resultado: tornar possível o real conhecimento das cláusulas pela contraparte”[18].
Todavia, como precisam Almeida Costa e Menezes Cordeiro[19], “o dever de comunicação é uma obrigação de meios: não se trata de fazer com que o aderente conheça efectivamente as cláusulas, mas apenas de desenvolver, para tanto, uma actividade razoável”.
Importa, porém, reter que “o recurso a cláusulas contratuais gerais não deve fazer esquecer que elas questionam, na prática, apenas a liberdade de estipulação e não a liberdade de celebração.
Assim, elas incluem-se nos diversos contratos que as utilizem - os contratos singulares - apenas na conclusão destes, mediante a sua aceitação - artigo 4.º da LCCG: não são, pois, efectivamente incluídas nos contratos as cláusulas sobre que não tenha havido acordo de vontades.
As cláusulas contratuais gerais inserem-se no negócio jurídico, através dos mecanismos negociais típicos. Por isso, os negócios originados podem ser valorados, como os restantes, à luz das regras sobre a perfeição das declarações negociais: há que lidar com figuras tais como o erro, a falta de consciência da declaração ou a incapacidade acidental”[20].
Ainda segundo o mesmo autor, “o ponto de partida para as construções jurisprudenciais dos regimes das cláusulas contratuais gerais residiu na condenação de situações em que, ao aderente, nem sequer haviam sido comunicadas as cláusulas a que era suposto ter aderido. Foi também a partir daqui que a doutrina iniciou uma elaboração autónoma sobre as cláusulas contratuais gerais. Temos, então, aqui em questão a análise dos deveres pré-contratuais de comunicação e de informação das cláusulas a inserir no negócio e de prestação dos esclarecimentos necessários a um exercício idóneo da autonomia privada -o que já resultava do citado artº 227º, n.º 1 do CC."[21].
A autonomia da vontade só poderá ser validamente exercida se a vontade da parte aderente ao contrato estiver devidamente formada, o que pressupõe, desde logo, um completo conhecimento do respectivo clausulado.
Neste contexto, “os deveres de informação e de esclarecimento designadamente os relativos ao conteúdo contratual, sua composição e seu significado, assumem particular relevância quando se esteja perante dois sujeitos cujo poder negocial se apresente desequilibrado, revestindo então essas obrigações maior amplitude para aquela das partes que detenha uma posição negocial susceptível de lhe permitir impor à contraparte cláusulas, que esta, em consequência da sua debilidade contratual, não aperceba no seu integral significado ou de que, mais simplesmente, nem sequer tome conhecimento"[22].
Deve ser dada efectividade a esse dever de informação de molde a que o aderente tenha pleno conhecimento e compreenda o alcance das cláusulas pré-definidas pela outra parte antes de subscrever o contrato que a mesma lhe apresenta. Como afirma o Acórdão da Relação de Lisboa de 05.02.2009[23], “o dever de comunicação a que alude o artigo 5.º do DL nº 445/85, de 25/10, consiste em ser disponibilizado ao aderente o texto do contrato, previamente à assinatura do mesmo, pelo período que ao caso se mostre mais adequado. O objectivo é o de possibilitar ao aderente uma análise de todas as cláusulas contratuais que não haja negociado directamente. Não se provando que determinadas cláusulas contratuais, apesar de inseridas numa rubrica intitulada “condições específicas”, tenham sido objecto de negociação prévia – e o respectivo ónus incumbe à parte que pretende prevalecer-se do seu conteúdo – ficarão as mesmas abrangidas pelo regime aplicável às cláusulas contratuais gerais, nos termos do artigo 1º, nº 3 do DL nº 446/85”[24].
Os deveres de comunicação e de informação exigidos, respectivamente, pelo artigo 5.º e pelo artigo 6.º do aludido diploma complementam-se num escopo comum: a eficaz apreensão da proposta contratual pela parte aderente. As referidas obrigações complementam-se, revelando pontos de contacto comum.
Defende Menezes Cordeiro[25], a propósito do dever de informação, que “o cumprimento desse dever prova-se através de indícios exteriores variáveis, consoante as circunstâncias. Assim perante actos correntes e em face de aderentes dotados de instrução básica, a presença de formulários assinados pressupõe que eles os entenderam; caberá, então, a estes demonstrar quais os óbices. Já perante um analfabeto, impõe-se um atendimento mais demorado e personalizado”.
Como elucida o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24.03.2011[26], “a presença dos contratos assinados pressupõe que a recorrente os entendeu e, em conformidade com o disposto no artigo 6º, a exequente apenas teria que informar a outra parte dos aspectos cuja aclaração se justificasse e prestar os esclarecimentos solicitados. (…) o cumprimento do dever de comunicação a que se reporta o artigo 5º, basta-se com a entrega da minuta do contrato, contendo todas as cláusulas (incluindo as gerais), com a antecedência que seja necessária, em função da extensão e complexidade das mesmas, na medida em que, com a entrega dessa minuta, uma pessoa normalmente diligente tem a efectiva e real possibilidade de ler e analisar todas as cláusulas e de pedir os esclarecimentos que entenda necessários para a sua exacta compreensão”.
De acordo com o citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24.03.2011, “se o dever de comunicação de cláusulas contratuais gerais se destina a proteger o outorgante mais fraco dos abusos da parte mais forte e com maior poder económico, combatendo o risco de desconhecimento de aspectos significativos do contrato que vai ser celebrado, certo é também que o risco de desconhecimento de algumas cláusulas do contrato não decorre apenas do incumprimento do dever de comunicação, o qual também pode decorrer da falta de diligência da parte que vai aderir às referidas cláusulas, como sucede no caso da parte que assina um contrato contendo essas cláusulas sem ter qualquer preocupação sobre o conteúdo do documento que está a assinar.
E se, na primeira situação, se justifica plenamente a protecção da parte mais fraca, o mesmo não acontece na segunda situação, já que o objectivo do legislador foi apenas o de proteger a parte mais fraca de eventuais abusos da parte mais forte e não o de proteger a parte mais fraca da sua falta de diligência.
Embora considerando que o aderente está numa situação de maior fragilidade, face à superioridade e poder económico da parte que impõe as cláusulas, (por isso lhe concedendo protecção), o legislador não tratou o aderente como pessoa inábil e incapaz de adoptar os cuidados que são inerentes à celebração de um contrato e por isso lhe exigiu também um comportamento diligente tendo em vista o conhecimento real e efectivo das cláusulas que lhe estão a ser impostas.
Daí que o contratante não possa invocar o desconhecimento dessas cláusulas, para efeitos de se eximir ao respectivo cumprimento, quando esse desconhecimento apenas resultou da sua falta de diligência, como acontece nas situações em que o contraente foi colocado em posição de conhecer essas cláusulas e assina sem ler o que estava a assinar e sem ter qualquer preocupação de se assegurar do respectivo teor”.
No caso em apreço, os Réus assinaram o contrato que constitui o documento n.º 4 junto com a petição inicial, do qual constam as cláusulas a ele especificamente aplicáveis, designadamente, a identificação do imóvel colocado à venda, seus proprietários, valor da venda, remuneração da mediadora, as quais, inseridas de forma manuscrita, terão sido introduzida após negociação entre as partes.
O referido contrato acha-se assinado pelas partes nele intervenientes, incluindo os Réus, não se tendo provado que estes o tenham feito antes do seu total preenchimento.
Anexo ao mesmo contrato, dele fazendo parte, acha-se impresso com as designadas “Cláusulas Contratuais Gerais”, as quais se mostram rubricadas pelas partes, constando da cláusula 9.ª do contrato, antes das assinaturas: “Fazem parte integrante deste contrato as cláusulas contratuais anexas, relativamente às quais o cliente tomou prévio conhecimento, leu-as, ficando ciente do seu conteúdo e significado...”.
O contrato acha-se assinado pelos Réus, que igualmente rubricaram o impresso com as cláusulas contratuais gerais a ele anexo.
Toda a informação foi, pois, disponibilizada aos Réus, que, antes da assinatura do contrato, puderam inteirar-se das respectivas cláusulas, específicas e gerais.
Não resulta demonstrado, até porque tal matéria nem sequer é por eles alegada, que hajam solicitado alguma informação à Autora acerca de alguma das cláusulas que integram o contrato e que esta se haja furtado ou negado a prestar os devidos esclarecimentos.
É certo que não foi entregue aos Réus qualquer formulário informando acerca do direito de livre resolução do contrato, nem foram os mesmos informados acerca de tal direito, respectivo prazo e procedimento a adoptar, como consta do ponto 13.º dos factos provados.
Mas a prestação dessa informação não era exigível da mediadora, que apenas teria de comunicar e informar os Réus das cláusulas aplicáveis ao contrato que com eles celebrou.
Não existe, assim, qualquer violação, por parte da Autora do dever de informação e de comunicação das cláusulas contratuais gerais aplicáveis ao contrato celebrado com os Réus, não padecendo este de qualquer vício que o afecte.
3.3. Dos efeitos do contrato.
Ao contrário do que sucedia no âmbito de aplicação do anterior Decreto-Lei n.º 411/2004[27], actualmente a actividade do mediador já não é definida por uma obrigação de diligenciar, mas antes de procurar (... destinatários para a realização de negócios).
Constitui actualmente obrigação do mediador diligenciar no sentido de procurar interessado no negócio visado no contrato. Mas não constitui obrigação do mesmo . encontrar interessado que concretize o negócio. Não depende, com efeito, do mediador a realização do negócio visado, o qual depende apenas das vontades do seu cliente e do interessado encontrado. Daí que não faça parte da obrigação do mediador garantir o negócio, mas, sim, a procura de destinatário para o mesmo.
Como precisa Higina Orvalho Castelo[28], “O mediador desenvolverá a actividade pretendida pelo seu cliente no interesse de ambos, sabendo que só será remunerado se for bem sucedido na procura e se, na sequência disso, o cliente vier a celebrar o contrato desejado, celebração que se mantém na disponibilidade deste. A faculdade do mediador tem como contraponto a liberdade do cliente relativamente à celebração do contrato desejado – sem prejuízo de casos especiais, como o contrato com cláusula de exclusividade ou o contrato de leilão, e da proibição do abuso de direito”.
Segundo o acórdão do STJ de 1.04.2014[29], “Para que ocorra uma mediação basta que, como consequência dos actos de promoção e facilitação envidados pelo mediador, se perfeccione o contrato a que as mesmas tendem, através da concorrência da oferta realizada por uma das partes e a consequente aceitação pela outra, não se exigindo a sua posterior consumação, pois que este resultado é independente da vontade do mediador, a não ser que se haja responsabilizado expressamente de o obter, através de um pacto especial de garantia no qual assuma o bom fim da operação”.
Tem natureza formal, formalizando-se através de mero documento particular (artigo 16.º, n.º 1), devendo nele constar os requisitos legais necessários e exigíveis sob pena de nulidade do respectivo contrato, considerando-se como seis (6) meses, na falta de indicação em contrário, o prazo contratual regra (artigo 16.º, n.º 2, 3 e 5).
Tendo natureza bilateral, o contrato de mediação caracteriza-se pela sua onerosidade, constituindo a remuneração elemento essencial do contrato.
Dispõe, com efeito, o artigo 19.º do RJAMI, sob a epígrafe Remuneração da Empresa: 1 - A remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo
exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato - promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra.
2 - É igualmente devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel.
3 - Quando o cliente for um potencial comprador ou arrendatário, a empresa, desde que tal resulte expressamente do respectivo contrato de mediação imobiliária, pode cobrar quantias a título de adiantamento por conta da remuneração acordada, devendo as mesmas ser devolvidas ao cliente caso o negócio não se concretize.
4 - O direito da empresa à remuneração cujo pagamento caiba ao cliente proprietário de imóvel objecto de contrato de mediação não é afastado pelo exercício de direito legal de preferência sobre o dito imóvel.
5 - O disposto nos números anteriores aplica -se apenas a contratos sujeitos à lei portuguesa.
Como se extrai da letra do artigo 2.º, n.º 1 do aludido diploma, a obrigação do mediador consiste em procurar interessado e aproximá-lo do comitente para a realização de negócio no sector imobiliário. Não constitui obrigação fundamental do mediador concluir tal negócio, sendo indiferente que nele intervenha.
Em contrapartida, é obrigação do comitente remunerar o mediador pelos serviços prestados no âmbito da sua actividade.
Para Pinto Monteiro[30], “a obrigação fundamental do mediador é conseguir interessado para certo negócio que, raramente, conclui ele próprio. Limita-se a aproximar duas pessoas e a facilitar a celebração do contrato, podendo a sua remuneração caber a ambos os contraentes ou apenas àquele que recorreu aos seus serviços. A remuneração do mediador (…) é independente do cumprimento do contrato, diversamente do que sucede com a retribuição do agente (…), podendo exigi-la logo que o mesmo seja celebrado”.
Constitui entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência que no contrato de mediação imobiliária a regra[31] é a de que a remuneração da empresa mediadora só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação, ou seja, que a comissão do mediador apenas é devida quando a sua actividade tenha contribuído, de forma determinante, para a celebração (e perfeição) do negócio, por via da aproximação do comitente com terceiros para o efeito.
Defende-se no acórdão da Relação de Lisboa de 2.02.2014[32] que “a mediadora imobiliária tem direito à retribuição convencionada quando a sua actuação é determinante/causal para a concretização da venda, tendo sido as diligências por si desenvolvidas que conduziram à aproximação dos interesses na concretização do negócio, proporcionando que o mesmo se tivesse efectivamente concluído”.
De acordo com o entendimento dominante da jurisprudência do STJ, “o juízo positivo a formular sobre a relação de causa efeito deve assentar na verificação de um nexo de causalidade adequada: o mediador tem direito à comissão quando, embora não sendo a sua actividade a única determinante da cadeia de factos que deram lugar ao negócio pretendido pelo comitente, contribuiu para ela”[33].
Sobre a questão do nexo de causalidade no contrato de mediação imobiliária defende Higina Castelo[34] ser necessário que “a atividade do mediador tenha contribuído para essa celebração, ou seja, que se verifique um nexo entre a sua atividade e o contrato a final celebrado, aferindo-se o cumprimento do mediador pela existência desse nexo. A necessidade de um tal nexo decorre dos compromissos assumidos pelas partes no âmbito da relação contratual de mediação imobiliária e é incansavelmente lembrada pela jurisprudência. Tem por função afastar a retribuição quando o nexo causal não se estabelece, mas também mantê-la quando, após o seu estabelecimento, actos alheios ao comportamento do mediador conduzem à sua aparente quebra”.
Tratando-se de mediação em regime de exclusividade, o direito à remuneração pressupõe que o mediador demonstre que praticou todos os actos necessários à concretização do negócio visado entre o seu cliente e o terceiro interessado e que só por conduta imputável ao primeiro tal negócio não se concretizou.
Nestas circunstâncias, o direito à remuneração não existe apenas nos casos de “conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação”, mas também quando o negócio visado não se realize por “causa imputável ao cliente”.
Como esclarece o acórdão do STJ, de 12.04.2023[35], “No contrato de mediação simples a mediadora o direito à remuneração está dependente da conclusão e perfeição do negócio visado, exigindo o nexo de causalidade adequada entre a actividade da mediadora e tal conclusão.
No contrato de mediação imobiliária com cláusula de exclusividade, em que o contrato visado não se concluiu, o direito à remuneração pressupõe a comprovação de que a falta de conclusão do negócio se deveu a “causa imputável” do cliente”.
Pese embora a referida “causa imputável ao cliente” possa ser perspectivada como desvio à regra geral do dever de remuneração decorrente da “conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação”, não devemos descurar a finalidade da contrapartida da remuneração do mediador que está ínsita naquele artigo 19.º, n.º 1, quer disponha de meios para angariar comprador, quer realize o negócio mediado. A partir deste segmento normativo é possível estabelecer uma específica relação de causa/efeito entre a conclusão do negócio e o dever do cliente/direito de remuneração da mediadora, porquanto aquela causa é geradora destes efeitos. A propósito do nexo de causalidade propriamente dito o Código Civil estipula no seu artigo 563.º que “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”. A propósito tem sido encontrado neste normativo um nexo de causalidade adequada, ou seja, que os acontecimentos têm a aptidão e a propensão para produzir certo resultado – ainda que tal comando legal possa ser uma “fórmula vazia” para algumas situações mais complexas, a necessitar de uma interpretação integrativa. No entanto, nada impede que o evento inicial se insira com outros eventos sucessivos num processo causal conducente a certo efeito ou resultado correspondente a um prejuízo.
Tem considerado a jurisprudência que “Nem todas as causas fácticas ou naturalísticas poderão ser juridicamente havidas como causa do dano ocorrido; para tanto, hão-de integrar o critério da causalidade adequada, constante do citado art. 563.º do Código Civil”[36].
Para o efeito em análise poder-se-á concluir existir uma “causa imputável ao cliente” geradora do dever deste remunerar o agente de mediação imobiliária e do direito deste receber, quando o evento criado pelo cliente seja uma causa factual suficientemente forte, remota ou mais próxima, que obste à conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação.
O n.º 2 do citado artigo 19.º introduz, com efeito, um desvio à regra de que o direito à remuneração do mediador imobiliário depende da conclusão e perfeição do negócio visado, a que o n.º 1 do preceito em causa dá expressa guarida.
Segundo Higina Castelo[37], a “cláusula de exclusividade introduz alterações na disciplina da remuneração em dois grupos de situações: - quando é cliente da mediadora o proprietário do bem imóvel ou o arrendatário trespassante, e o contrato visado não se concretiza por causa imputável ao cliente da mediadora, esta tem direito à remuneração independentemente da concretização do contrato visado; - quando o cliente da mediadora infringe a cláusula de exclusividade e celebra o contrato visado com interessado que chegou até si por intermédio de outra mediadora, a mediadora exclusiva tem direito à remuneração, mesmo não tendo contribuído para a realização do contrato, ou seja, mesmo não havendo nexo causal entre a sua actividade e o contrato efectivamente celebrado”.
Refere a mesma autora que enquanto no regime geral do contrato de mediação, a remuneração só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação, pelo que não se concretizando a celebração do negócio em causa ainda que por causa imputável ao cliente, não existe direito à remuneração, nos contratos celebrados com o proprietário ou com o arrendatário trespassante em que tenha sido “estipulada uma cláusula de exclusividade […] o panorama altera-se. Nestes casos, a remuneração da mediadora não depende do evento futuro e incerto constituído pela celebração do contrato visado, quando este evento não se concretize por causa imputável ao cliente [...]. A remuneração da mediadora depende aqui quase unicamente do cumprimento da sua obrigação (diligenciar no sentido de encontrar interessado) e do sucesso desta (apresentação de interessado)”, concluindo que “a aplicação da norma contida no n.º 2 do art. 19 implica a prova da efectiva obtenção de alguém genuinamente interessado e pronto a celebrar o contrato nos moldes em que foi concebido no âmbito do contrato de mediação. Provando a mediadora que efectuou com sucesso a sua prestação, o cliente poderá eximir-se à remuneração mediante a prova de que o contrato não se concretizou por causa que não lhe é imputável (porque, por exemplo, recebeu, entretanto e inesperadamente, uma ordem de expropriação, ou porque o terceiro não obteve o crédito necessário à realização do negócio)”.
Reclamando a mediadora imobiliária direito à remuneração com fundamento no citado artigo 19.º, é sobre ela que recai o ónus quer da alegação da respectiva factualidade, quer da subsequente prova, de acordo, respectivamente, com os artigos 5.º, n.º 1 do Código de Processo Civil e 342.º, n.º 1 do Código Civil.
No caso em discussão, o contrato de mediação foi celebrado com os Réus sob o regime de exclusividade – pontos 5.º e 6.º dos factos provados.
Resulta suficientemente comprovado nos autos ter a Autora, enquanto mediadora imobiliária, cumprido a obrigação a que se vinculara, mostrando-se provado que:
- Em cumprimento desse contrato de mediação imobiliária celebrado, a Autora promoveu e publicitou a venda do referido prédio, através de contactos com pessoas da sua carteira de potenciais interessados, e ainda através de publicações da especialidade, e publicidade no seu site e nas montras dos seus estabelecimentos, bem como encarregou os seus vendedores de promoverem a respectiva venda junto de todos os seus contactos – o que estes fizeram de forma aturada e diligente – ponto 14.º dos factos provados.
- Após toda a promoção realizada, a Autora angariou compradores interessados na aquisição do imóvel, logrando apresentar uma proposta para compra no montante indicado pelos vendedores, ou seja, pelo preço de € 210.000,00 – ponto 15.º dos factos provados.
A venda – pelo preço estipulado pelos vendedores – só não se concretizou por facto imputável aos Réus que, informados da data e local para a celebração do contrato promessa, não compareceram, nem se fizeram representar, não intervindo na elaboração desse contrato, nem procedendo à sua assinatura, o qual apenas foi assinado pelos interessados na compra do imóvel, angariados pela Autora.
Do acervo factual apurado resulta patenteado ter a Autora praticado os actos necessários à concretização do negócio de compra e venda do imóvel entre os Réus e os terceiros interessados, cuja consumação não se verificou por razões alheias à sua vontade.
Em contrapartida, também ficou evidenciado que o visado negócio de compra e venda do imóvel pertencente aos Réus apenas não se concretizou por facto a eles exclusivamente imputável, por se terem negado a outorgar o contrato promessa, prévio à celebração do contrato definitivo, apesar da tarefa concretizada pela Autora de conseguir interessado na compra do imóvel pelo preço pretendido pelos Réus, vendedores.
Terá, pois, de se considerar que a não concretização do negócio projectado com a celebração do contrato de mediação imobiliária se deveu à actuação culposa dos Réus que, sem causa justificativa, o inviabilizaram, ao recusarem a celebração do contrato promessa, apesar da existência de interessados na compra do imóvel, angariados pela Autora, pelo preço fixado pelos vendedores.
Por consequência, sobre os Réus recai a obrigação de satisfazerem a remuneração acordada com a Autora, nos termos do artigo 19.º, n.º 2 do RJAMI - € 10.500,00, mais IVA, à taxa de 23% -, não constituindo a posterior denúncia do contrato, efectuada em Maio de 2023, conforme consta do ponto 25.º dos factos provados, fundamento para se desonerarem de tal obrigação, que já se havia constituído e se achava vencida nessa data.
Há-de, assim, proceder o recurso, com a consequente revogação da sentença recorrida, ficando prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas pela recorrente.
Custas – pelos apelados: artigo 527.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
Notifique.
Porto, 23.10.2025
Acórdão processado informaticamente e revisto pela primeira signatária.
Judite Pires
Paulo Dias da Silva
Isabel Ferreira
_____________
[1] “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2013, Almedina, pág. 224 e 225.
[2] Processo nº 5797/04.2TVLSB.L1-7, l1-7, www.dgsi.pt.
[3] “A Acção Declarativa Comum, À Luz do Processo Civil de 2013”, Coimbra Editora, 2013, pág. 278.
[4] “Declarações de Parte”, Universidade de Coimbra, 2015, pág. 58.
[5] https://blogippc.blogspot.pt/2017/01/jurisprudencia-536.html#links, texto publicado a 20.01.2017.
[6] “A Prova por Declarações de Parte”, FDUL, 2015, pág. 80.
[7] Artigo 613.º, n.º 3 do Código de Processo Civil
[8] Cf. Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil anotado”, vol. V, pág. 137.
[9] Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., pág. 686.
[10] “Direito Processual Civil Declaratório”, vol. III, pág. 142.
[11] Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Reimpressão, 1981, pág. 143.
[12] Artigo 608.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
[13] Na acepção que, nos termos enunciados, deve ser atribuída ao referido conceito.
[14] “Código Civil Anotado”, Volume II, 4ª edição, 785.
[15] Do Contrato de Mediação, in O Direito 139.º, III, págs. 516 e seguintes.
[16] Processo nº 0832041, www.dgsi.pt.
[17] Processo nº 0827638, www.dgsi.pt.
[18] Almeno de Sá, “Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva Sobre Cláusulas Abusivas”, pág. 60.
[19] “Cláusulas Contratuais Gerais”, pág. 25.
[20] Menezes Cordeiro, “Manual de Direito Bancário”, 1998, págs. 427 e 428.
[21] "Tratado de Direito Civil Português", vol. I, pág. 370.
[22] Ana Prata, "Notas sobre responsabilidade pré-contratual", Almedina, pág. 51.
[23] Processo nº 10941/08, www.dgsi.pt.
[24]Cf. ainda Acórdão da Relação do Porto, 22.06.2009, www.trp.pt/jurisprudenciacivel, e da mesma Relação, de 24.04.2008, www.dgsi.pt.
[25] “Manual de Direito Bancário”, pág. 429.
[26] Processo nº 1582/07.1TBAMT-B.P1.S1, www.dgsi.pt.
[27] Que prescrevia que “a actividade de mediação imobiliária é aquela em que, por contrato, uma empresa se obriga a diligenciar no sentido de conseguir interessado na realização de negócio que vise[...]”.
[28] “O Contrato de Mediação”, pág. 401.
[29] Processo 894/11.4TBGRD.C1.S1, www.dgsi.pt.
[30] Contrato de Agência (Anteprojecto), BMJ 360º, 85.
[31] Vigorando a liberdade contratual, podem as partes convencionar de modo diverso, sendo livres de acordar, por exemplo, que é devida indemnização mesmo que o negócio não se venha a concretizar.
[32] Proc. 2330/13.2TBSXL.L1, www.dgsi.pt.
[33] Acórdão do STJ de 18/03/97, CJ (Acórdãos do STJ), Ano V, Tomo I, 158.
[34] O Contrato de Mediação, Almedina, 2014, pág. 410.
[35] Processo 11768/19.0T8LSB.L1.S1, www.dgsi.pt.
[36] Acórdão STJ 2.04.2017, Cons. Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, www.dgsi.pt .
[37] Contratos de mediação imobiliária: simples e com exclusividade, www.revistadedireitocomercial.com. Julho de 2020, pág. 1433.