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EMPREITADA
PREÇO
REDUÇÃO
Sumário
Fora o caso de o comprador ou empreiteiro estar disposto a eliminar o defeito ou a entregar uma prestação substitutiva, a exigência da redução do preço depende do critério do respectivo credor e pode ser requerida mesmo que o defeito, em razão da sua gravidade, permita a resolução do contrato.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I.
No Tribunal Judicial de ..........., Paulo ......... e mulher Cristina ............ intentaram a presente acção declarativa com processo ordinário contra Ilídio .........., alegando, em síntese, que:
- Em 20/8/997, os A.A. compraram ao R. a fracção autónoma “G”, correspondente ao 2º andar esquerdo, para habitação, e uma garagem, na cave, para aparcamento de veículo automóvel, de um prédio sito no lugar de ........, ...........
- Devido aos complicados acessos construídos pelo R., nunca os AA. conseguiram aparcar qualquer veículo na dita garagem, apesar das manobras feitas nesse sentido.
- O preço da garagem foi, então, de esc. 1.000.000$00, valor que hoje, para o mesmo espaço, será de esc. 1.250.000$00.
- Os A.A. alertaram logo o R. de que não conseguiam estacionar qualquer veículo na garagem e que tinham que deixar o seus três automóveis na rua, tendo-lhes este prometido que resolveria o assunto. No entanto, todas as tentativas do R. nesse sentido resultaram infrutíferas.
- Na noite de 30 de Dezembro de 1997, um veículo dos A.A. foi furtado junto do prédio, por o não poderem guardar na garagem, e não foi recuperado.
- Tudo tem provocado nos demandantes grande angústia e depressão, sempre com o receio de verem outro veículo seu subtraído, não podendo usar a garagem para o fim a que se destina.
- Além disso, viram-se obrigados a comprar um lugar de garagem num prédio diferente, com todos os incómodos que isso acarreta.
- Há um cumprimento defeituoso da prestação por parte do R., por a prestação realizada não corresponder ao objecto a que estava obrigado.
Concluíram pedindo a condenação do Réu a:
a) Reduzir o preço de esc. 1.000.000$00 que lhe foi pago pelos AA. pela compra da garagem, numa quantia de esc. 750.000$00 ou , pelo menos, nunca inferior a 50% do preço pago;
b) Pagar aos AA., como indemnização, a quantia global de esc. 1.750.000$00, sendo esc. 250.000$00 por danos patrimoniais e esc. 1.500.000$00 por danos não patrimoniais;
c) Nos juros de mora desde a citação, à taxa de 10%, até integral pagamento.
O R. contestou, alegando essencialmente que as garagens foram construídas de acordo com o projecto, devidamente aprovado e licenciado; que os AA., quando celebraram a escritura, eram conhecedores do espaço físico da garagem e nada reclamaram; que não houve qualquer acordo quanto ao preço da garagem, antes o preço respeitou globalmente à garagem e apartamento; e que realizou diversas obras no sentido de facilitarem a entrada de veículos na garagem em causa.
Concluiu pela improcedência da acção.
Os AA. replicaram.
Proferido despacho saneador, seleccionada a matéria de facto tida por assente e elaborada a base instrutória (de que o R. reclamou, sem êxito), o processo seguiu a sua normal tramitação, tendo, a final, após audiência de discussão e julgamento, sido proferida sentença julgando a acção parcialmente procedente, com condenação do R. a pagar aos AA. a quantia de € 2.494,00 (correspondente a esc. 500.000$00), como redução do preço da fracção autónoma que adquiriram ao R., acrescida de juros desde a citação (19.6.98), à taxa de 10% desde aquela data e de 7% a partir de 17.4.99 e daquela que estiver em vigor em cada momento, até integral pagamento.
Inconformado, apelou o R., tendo formulado as seguintes conclusões:
1. A alínea D da matéria assente deve ser suprimida por estar em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, (v.g. artigo 15° da contestação) e por ter sido expressa e especificadamente impugnada (artigo 19° da contestação que impugna o artigo 5º, 1ª parte e 20º da p.i.).
2. Nos termos do artigo 911º do C. Civil, os AA. só teriam direito à redução do preço se alegassem e provassem que não teriam deixado de comprar a fracção, mesmo conhecendo as dificuldades de estacionamento na garagem. Como os AA. não teriam adquirido a fracção se soubessem do vício, não está provado esse requisito necessário à redução do preço.
3. Sem prescindir, a quantia de 500.000$00 (ou 2494,00 €) concedida pelo Mmo Juiz a quo a título de redução do preço sempre se traduz em puro subjectivismo e raciocínio arbitrário, pois não se alicerça em prova.
4. Os AA. não cumpriram a sua obrigação de alegar e provar factos que possibilitem a atribuição de um valor relativo à redução do preço.
5. Por falta de elementos de prova, designadamente prova pericial, não é possível a determinação desse valor, que tinha de ser feito, nos termos do artigo 884° do C. Civil, por avaliação. Também sem prescindir,
6. Mas mesmo que o Tribunal a quo pudesse socorrer-se da equidade no valor da redução do preço, sempre a quantia determinada não seria de observar por a prova produzida conduzir à boa fé e falta de culpa do recorrente na situação criada de só com esforço ser possível a manobra de entrada e saída de veículo automóvel da garagem.
7. De resto, nunca haveria lugar a juros moratórios desde a citação por o valor da redução do preço ter sido determinado no momento da douta sentença a quo e por a mora pressupor culpa do devedor, o que não é o caso.
8. Foram, pois, violadas as regras do artigo 511º e 490º, ambos do C PC, ao dar-se como assente a matéria da alínea D).
9. Por falta de requisito legal é inaplicável o disposto no artigo 911° do C. Civil, e, mesmo que assim se não entendesse, o recorrente não podia ser condenado em quantia a título de redução do preço, pois a avaliação não pode ser superada por equidade, em violação do artigo 884° do C. Civil.
10. Sempre seria de absolver o recorrente dessa quantia a título de redução do preço, pois actuou de boa fé, e não lhe é imputável a responsabilidade, nos termos dos artigos 762º 790º e 791º, todos do C. Civil.
11. Finalmente, não havendo lugar a mora, a condenação do R. em juros desde a citação viola o disposto nos arts. 801º, 804º, 805º e 806º do CC.
Pede a revogação da sentença e a sua absolvição.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
II.
O Tribunal a quo teve como provada a seguinte factualidade:
1. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo predial de ........... sob o nº ......../......., omisso na matriz predial urbana, a fracção G, correspondente ao segundo andar esquerdo destinado a habitação, com a área coberta de 163 m2 e 21 m2 de varanda, fazendo ainda parte da fracção uma garagem fechada, com a área de 24 m2, situada na cave e assinalada com a mesma letra da fracção, do prédio sito em ........, ..........;
2. Por escritura de compra e venda, outorgada em 20.08.1997, o Réu marido declarou vender e os A.A. declararam comprar a fracção referida em 1., pelo preço de esc. 12.000.000$00, passando os A.A. a habitar de imediato a fracção;
3. 0 preço referido em 2. englobou a fracção destinada a habitação e a garagem referida em 1., sabendo que o lugar de garagem é o assinalado com a) no doc. de fls. 23, cujo grafismo se considera reproduzido;
4. A garagem referida em 3. destina-se ao aparcamento de dois veículos automóveis;
5. 0 acesso da rua para a garagem situada na cave do prédio é o identificado em b) de fls. 23, existindo dois pilares entre o portão de acesso à garagem;
6. Sendo a largura da entrada do acesso a partir da rua de 2,75 metros;
7. E a largura do portão de entrada de 3,02 metros;
8. Foi pelo doc. de fls. 23 que os A.A. escolheram o seu lugar de garagem, apesar de existirem outras disponíveis na altura em que o fizeram, por estarem interessados na área da garagem;
9. 0 R., após o acto referido em 2, efectuou obras no local e substituiu o portão da garagem que, ao contrário das restantes, passou a ser de correr lateralmente;
10. Tendo cortado, dentro dos limites, as ombreiras e alargando a entrada na garagem;
11. E reduzido a espessura do pilar que está em frente à garagem;
12. Após a entrada referida em 5, o acesso descreve uma curva de 90 graus à esquerda;
13. Num corredor de 3,07 metros de largura, emparedado pelas garagens;
14. Os A.A. para tentarem entrar com veículo, de frente, pelo portão da sua garagem têm ainda de curvar à direita;
15. É impossível, efectuando essa manobra, o aparcamento de qualquer veículo automóvel ligeiro (ou pesado) na garagem dos AA.
16. Recorrendo a uma manobra alternativa, os A.A. tem de seguir em frente e depois tentar entrar de traseira, em esforço;
17. Os três pilares identificados em e) do documento de fls. 23 e a parte interior da garagem dos A.A. impedem a realização das manobras de aparcamento referidas em 15. e dificultam significativamente a manobra referida em 16., tornando-a muito morosa e trabalhosa;
18. 0 valor da garagem à data dos factos era de cerca de esc. 1.000.000$00;
19. Actualmente, um lugar de aparcamento automóvel semelhante, com a área de 24 m2, tem um valor não inferior a esc. 1.250.000$00;
20. Os A.A., logo após o acto referido em 2., informaram o R. que não conseguiam aparcar quaisquer dos seus veículos na garagem;
21. Deixando os mesmos veículos na via pública, durante a noite;
22. Na altura, os A.A. eram proprietários de pelo menos dois veículos, a saber: Toyota ........., ..-..-DD, e jeep Toyota ........., ..-..-DV;
23. Durante a noite de um dos últimos dias de Dezembro do ano de 1997, o jeep referido em 22., que se encontrava estacionado na via pública, comprado há alguns meses, foi furtado por desconhecidos;
24. Os A.A. não conseguiram recuperar o veículo;
25. O qual se encontrava estacionado na via pública por os A.A. não conseguirem aparcar os seus veículos na garagem referida em 1.
26. A partir dessa data, os A.A. passaram a sentir alguma angústia com receio de que lhes fosse furtado outro veículo, não conseguindo guardar qualquer deles na garagem;
27. Os A.A. passaram a ocupar outra garagem com os seus veículos, em prédio diferente do que habitam;
28. Antes da outorga da escritura referida em 2., os A.A. visualizaram a garagem, tendo-se conformado com o que viram, sem a ensaiarem;
29. Os AA. ocuparam a garagem com lenha, móveis, armários e outros objectos que reduzem o seu espaço lateral;
30. Entre AA. e R. foi acordada tão só a venda de uma garagem fechada, independentemente do número de veículos que a mesma permitiria aparcar.
III.
A fls. 46 reclamou o R. contra a inclusão na al. D) da matéria de facto aí considerada assente, requerendo a supressão dessa alínea, reclamação indeferida pelo despacho de fls. 56 e segs.
Esse despacho vem agora impugnado, pelo que cumpre conhecer da impugnação.
Pretende o recorrente que seja eliminada da matéria de facto tida como provada a que constava da alínea D) dos “Factos assentes”, ou seja, defende que não se deve considerar como provado que “a garagem referida em 3. se destina ao aparcamento de dois veículos automóveis”.
Embora tal materialidade não revista interesse para a decisão da causa, há que reconhecer que lhe assiste inteira razão.
Na verdade, tendo os AA. alegado, no art. 5º da p. i., que “tal lugar, onde, em condições normais, poderiam ser aparcados dois veículos automóveis, é fechado”, a primeira parte de tal factualidade foi expressamente impugnada pelo R. no art. 29º da contestação.
Ora, salvo o devido respeito, e ao contrário do que afirma o M.mo Juiz a quo, mesmo gramaticalmente não é possível a divisão de tal período em três partes.
Segundo as regras da sintaxe, toda a oração ou proposição tem como elementos principais um sujeito e um predicado; podendo ter elementos secundários (atributo ou acessório, aposto ou continuado e os complementos).
Assim sendo, contendo aquele período apenas dois predicados, apenas é susceptível de divisão em duas orações (partes): uma – a primeira - em que se afirma que o lugar, em condições normais, poderia aparcar dois veículos automóveis; a outra, em que se diz que tal lugar é fechado.
Porque o R. impugnou a factualidade contida na primeira parte, há que arredá-la dos factos considerados como provados. E porque, como se disse, tal factualidade não tem qualquer interesse para a decisão do pleito, a sua eliminação não acarreta quaisquer consequências, mormente a anulação da decisão sobre a matéria de facto e a inserção dessa matéria na base instrutória e repetição do julgamento.
Assim sendo, têm-se como definitivamente assentes os factos considerados provados pelo tribunal a quo, acima transcritos, salvo quanto aos constantes do ponto II. 4., que se decide eliminar.
IV.
O réu assenta a sua discordância relativamente à sentença recorrida nas seguintes ordens de razões:
- Os AA. só teriam direito à redução do preço se tivessem provado que não teriam deixado de comprar a garagem mesmo conhecendo o vício relativo ao seu acesso;
- Ainda que assim não se entenda, sempre não há lugar à redução do preço, porquanto o R. agiu de boa fé e a situação criada não é imputável a culpa da sua parte;
- De qualquer modo, a quantia arbitrada não se alicerça em qualquer prova, traduzindo-se em puro subjectivismo, e os AA. não alegaram ou provaram factos que possibilitem a atribuição de um valor relativo à redução do preço;
- Não são devidos juros moratórios desde a citação.
Vejamos:
A) Quanto à primeira questão:
Não põe o apelante em causa a existência de um defeito na garagem (redução da utilidade ou mesmo inadequação ao uso ou fim normal a que se destina, ou destinava), por deficiência de concepção.
Não aceita, porém, que aos AA. assista o direito à redução do preço, dado que para tanto – alega – teriam os AA. de alegar e provar que não teriam deixado de comprar a garagem mesmo conhecendo o vício relativo ao seu acesso. Alegação e prova que não foi feita.
Salvo o devido respeito, não tem razão.
Dispõe o art. 911º do CC que “se as circunstâncias mostrarem que, sem erro ou dolo, o comprador teria igualmente adquirido os bens, mas por preço inferior, apenas lhe caberá o direito à redução do preço (…), além da indemnização que no caso competir”.
Escreve P. Romano Martinez, in Contratos em Especial, pág. 133, que os diversos meios jurídicos facultados ao comprador em caso de defeito da coisa vendida não podem ser exercidos em alternativa: em primeiro lugar, o vendedor está adstrito a eliminar o defeito; não sendo esta possível ou apresentando-se demasiado onerosa, a substituir a coisa vendida; frustrando-se estas pretensões, pode ser exigida a redução do preço; não sendo este meio satisfatório, cabe ao comprador a resolução do contrato.
E o mesmo autor, na sua obra “Cumprimento Defeituoso em especial na compra e venda e na empreitada” escreve, a pág. 403: “Não pode ser exigida a redução do preço se a contraparte estiver disposta a eliminar o defeito ou a entregar uma prestação substitutiva (…). Mas, afora este limite, a exigência de redução do preço depende do critério do respectivo credor e pode ser requerida mesmo que o defeito, em razão da sua gravidade, permita a resolução do contrato”.
O art. 911º não dispõe que o comprador só tem direito à redução do preço se ele (comprador) provar que não teria deixado de adquirir o bem, mesmo conhecendo o vício de que padece.
O que se extrai desse normativo é – ao contrário do defendido pelo apelante - que se o comprador pedir a anulação ou resolução do contrato, o vendedor pode opor-se ao pedido, alegando e provando que o comprador não teria deixado de comprar o bem, mesmo conhecendo o defeito. Como diz Baptista Lopes (Compra e Venda, 167), o ónus da prova de que o comprador teria igualmente adquirido os bens, por preço inferior, cabe ao vendedor.
Numa hipótese dessas, a lei dá prevalência à conservação do contrato.
Como escreve J. Calvão da Silva, Compra e Venda de Coisas Defeituosas, pág. 33, o art. 911º “impõe a conservação do negócio jurídico, corrigido, rectificado ou refeito através do restabelecimento da relação genética de correspectividade económica entre prestação e contraprestação para garantir o sinalagma funcional rompido ab initio”.
Ora, no caso sub judice, se a gravidade do defeito poderia justificar o pedido de resolução do contrato, o certo é que os AA. não estavam obrigados a formular tal pedido. Satisfazem-se com a redução do preço do negócio. E nenhum obstáculo legal existia, ou existe, a esse procedimento.
B) Quanto à pretensa irresponsabilidade do R. por ausência de culpa:
Alega o Recorrente que o projecto não é da sua autoria, que a obra foi devidamente aprovada e licenciada, que os AA. outorgaram a escritura depois de visualizarem a garagem e que tudo fez para que os AA. tivessem melhor espaço de manobra.
Ora, ainda que tudo isso possa ser verdadeiro, o certo é que tal não afasta a responsabilidade do R.
Aqui não está em causa a responsabilidade do projectista pelo deficiência de concepção da obra e, muito menos, a “responsabilidade” dos serviços que a aprovaram. O que está em causa é a responsabilidade do Réu, enquanto vendedor (e, ao que extrai dos autos, também construtor) de uma coisa defeituosa.
E também irreleva a circunstância de os AA., antes da outorga da escritura, terem visualizado a garagem. É que não está sequer provado o conhecimento do defeito (E para que o defeito seja tido como conhecido torna-se necessário que o comprador tenha ficado ciente da gravidade da situação (vd. P. Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, 203) O que não está provado.) e tal conhecimento, sendo uma causa de exclusão da responsabilidade, teria de ser alegado e provado pelo R., de acordo com o disposto no art. 342º, nº 2 do CC (vd. Calvão da Silva, ob. cit, 48).
A circunstância de o vendedor não ter culpa na situação não o exime de responsabilidade na actio quanti minoris, ou seja, na acção para redução do preço.
Nos termos da 2ª parte do art. 914º e art. 915º do CC, a obrigação de reparação ou substituição da coisa e de indemnização não existem, se o vendedor desconhecia sem culpa o vício ou a falta de qualidade de que a coisa padece.
A lei, porém, não afasta a responsabilidade do vendedor quando está em causa a redução do peço. Pelo contrário, das disposições conjugadas do nº 2 do art. 911º e art. 909º expressamente resulta que o direito à redução do preço existe “ainda que não tenha havido culpa” do vendedor.
Ainda que assim não fosse, sempre a culpa do R. seria de presumir, nos termos do art. 799º do CC.
Improcedem, pois, também nesta parte, as conclusões do apelante.
C) Quanto ao montante da redução:
Escreveu-se na sentença posta em crise que, por via de regra, a redução deve ser determinada pela diferença entre o preço acordado e o valor objectivo da coisa com defeito. Julgamos ser efectivamente esse o método a seguir (neste sentido, P. Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, 408).
E estamos também de acordo com a sentença no ponto em que refere que a determinação do quantum a reduzir deverá ser obtida – abolido que foi, pela reforma processual de 95/96, o meio de avaliação (art. 884º, nº 2 do CC) nos termos do art. 603º do CPC - através de diligências de prova nos próprios autos, designadamente prova pericial.
Apesar desse expresso entendimento, o certo é que, no caso em apreço, nenhuma diligência probatória foi feita no sentido de se obter aquela determinação, pelo que se desconhece, de todo, qual o valor objectivo da garagem, com o deficiente acesso de que dispõe, valor esse a calcular, como bem se disse na sentença recorrida, com referência à data em que aquela foi entregue.
Na sentença entendeu-se “como justo e equilibrado reduzir o preço da garagem à quantia de esc. 500.000$00”.
Lançou-se mão de um critério baseado apenas na equidade.
Impropriamente, porém, pois não se está perante um caso de fixação de uma indemnização (em que não tenha sido possível averiguar o valor exacto dos danos - art. 566º, nº 3 do CC). E, como vimos, o valor a reduzir terá de ser objectivamente determinado, através de diligências de prova a levar a efeito nos autos.
A falta de elementos com que nos deparamos para determinar o quantum a reduzir não deve, contudo, conduzir à improcedência da acção, mas tão somente constitui fundamento para, ao abrigo do disposto no nº 2 do art. 661º do CPC, se relegar para liquidação em execução de sentença a sua fixação.
D) Resta a questão dos juros:
Como resulta do disposto no art. 805º do CC, para que o devedor fique constituído em mora é necessário, além do mais, que a prestação seja, ou se tenha tornado, certa, líquida e exigível.
A obrigação é ilíquida quando, embora certa, o seu montante, o quantum da prestação, não está ainda fixado. E, se a obrigação é ilíquida, não há mora, por não haver culpa do devedor no atraso do cumprimento, salvo se a falta de liquidez provém de causa imputável ao devedor (A. Varela, Das Obrigações em Geral, II, 7ª ed., 115).
No domínio da responsabilidade contratual, como é o caso sub judice, não são devidos juros enquanto não se apura o montante da prestação, isto é, enquanto o crédito for ilíquido, ou seja, enquanto o crédito não for quantitativa ou numericamente fixado em sentença. É a regra “in illiquidis non fit mora” expressa na 1ª parte do nº 3 do art. 805º citado (Ac. do STJ, de 28.1.97, CJ/STJ, 1997, I, 83).
No caso em apreço, a obrigação ainda não é líquida, e só esta importa para efeitos do art. 805º (Ac. do STJ, de 30.11.95, BMJ, 451º-370).
Portanto, só havendo mora a partir do momento em que a dívida se liquida, ou seja, se determina ou apura o seu quantitativo, só a partir dessa data são devidos juros de mora (neste sentido, Ac. da RC, de 16.6.87, CJ, 1987, III, 37).
Assim sendo, só serão devidos juros de mora a contar da decisão que, em execução de sentença, vier a fixar o montante do preço a reduzir (vd. também Ac. do STJ, de 15.6.2000, CJ/STJ, II, 113).
IV.
Nestes termos, julgando-se parcialmente procedente a apelação, revoga-se a sentença recorrida na parte em que desde já condenou o Réu a pagar aos AA. a quantia de € 2.494,00 e juros desde a citação, e, em sua substituição, condena-se o R. a pagar aos AA. a quantia que, como redução do preço de compra e venda da garagem supra referida, vier a ser fixado em execução de sentença.
Mantém-se, quanto ao mais, o decidido naquela sentença.
Custas, na 1ª instância, pelos AA., na proporção correspondente aos pedidos das alíneas b) e c) da petição inicial.
Quanto ao valor correspondente ao pedido da al. a), as custas, quer do recurso, quer da 1ª instância, porque a proporção do vencido não pode fixar-se, com rigor, antes da determinação do montante a reduzir, condenam-se provisoriamente AA. e R. no seu pagamento, em partes iguais, deixando-se o seu rateio definitivo para depois da fixação daquele montante.
Porto, 6 de Fevereiro de 2003
Estevão Vaz Saleiro de Abreu
Fernando Manuel de Oliveira Vasconcelos
José Viriato Rodrigues Bernardo