RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
ESTABELECIMENTO PRISIONAL
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE
Sumário


I - É de admitir como possível que numa situação de tráfico de muito baixa importância ou dimensão, ainda que levado a cabo, por um recluso, no interior de um EP, possa, muito excecionalmente e, no limite, não ser punido no âmbito da moldura agravada e, passando por cima do crime matricial, chegar-se ao preenchimento do tipo de menor gravidade.
II - Isto se da avaliação, análise e ponderação, em conjunto, de todas as circunstâncias relevantes do ponto de vista da ilicitude resultar uma imagem global do facto acentuadamente diminuída.
III - O que não será o caso de vem provado que,
- no decurso de uma busca realizada à cela do EP, ocupada pelo arguido, que ali cumpria pena, este detinha, dentro de uma sapatilha, 4 embalagens plásticas, com o peso líquido de 46,91 gramas, contendo no seu interior, canabis (resina), com o grau de pureza de 27,8%, correspondendo a 260 doses médias individuais diárias;
- o arguido guardava o produto estupefaciente sabendo que se destinava à venda e/ou cedência a outros indivíduos reclusos naquele estabelecimento prisional, a troca de dinheiro.
IV - Perante esta materialidade, entre a especial gravidade, a normal gravidade e a menor gravidade, cremos ser caso de a fazer subsumir ao primeiro patamar.
V - Improcedendo a reclamada alteração da qualificação jurídica do crime, confirmando-se a condenação pelo tráfico agravado e nada tendo o arguido alegado e concluído quanto à pena decretada ou que pretendesse ver aplicada pela prática do referido crime, não resta senão concluir que a dosimetria da correspondente pena que lhe foi imposta pelo tribunal recorrido, é questão não suscitada.

Texto Integral


Acordam, em conferência, na 5.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça

I. Relatório

1. Por acórdão de 3.4.3025, no âmbito do processo comum com Tribunal Colectivo, 1123/24.6JAPRT do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, Juízo Central Criminal de Penafiel - Juiz 5 foi o arguido AA condenado pela prática, como autor material, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado na forma consumada, p. e p. pelos artigos 21.º e 24.º alínea h) do Decreto Lei 15/93, de 22.01, na pena de 5 anos e 7 meses de prisão.

2. Inconformado recorre o arguido, rematando o corpo da motivação com as conclusões que se passam a transcrever:

1- O arguido AA sujeito a julgamento, tendo lhe sido imputada na Acusação pelo M.P. a prática, em co-autoria material e sob a forma consumada de um crime de tráfico de estupefacientes agravado previsto e punido, pelo artigo 21º, nº 1 e 24º alínea h) do DL 15/93, de 22 Janeiro, na sua redacção atualizada, por referência à Tabela I-A, I-B e I-C, anexa a esse diploma legal, realizado o mesmo foi condenado na pena única de 5 anos e 7 meses de prisão

2- Entende-se que os factos dados como provados apenas permitem o preenchimento da qualificativa jurídica p. e .p. pelo artigo 25º do DL 15/93 de 22 de Janeiro e não do artigo 21º (muito menos da agravante do artigo 24º alínea h)

3- A circunstância de o crime de tráfico de estupefacientes ter sido cometido em estabelecimento prisional não produz efeito qualificativo automático, nos termos do artigo 24.º, h) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro

4- O arguido não impugna os factos, que foram por si assumidos em sede de audiência de discussão e julgamento

5- Não se apuraram vendas de estupefaciente

6- Não se apurou logística, complexidade ou organização na ação

7- Não se apuraram rendimentos

8- A droga foi apreendida/ não foi disseminada

9- Estamos a falar de haxixe e de uma atividade que se cinge a um único dia

10- A medida da pena cominada é manifestamente excessiva e desproporcional, devendo a pena única ser diminuída para o mínimo legal admissível, veja-se por comparação o decidido no âmbito do processo 82/24.0JELSB que correu termos no Juízo Central Criminal de Lisboa - Juiz 3 onde um arguido que detinha 18 quilogramas de cocaína viu ser-lhe aplicada uma pena de 6 anos de prisão efetiva na sua execução

11- Deve o crime ser enquadrado dentro do artigo 25º do DL 15/93 e a medida da pena ser diminuída para uma pena nunca superior a 3 anos de prisão.

12- É certo que o arguido detinha quantidade de estupefaciente contudo o período temporal de atividade criminosa em causa é um espaço de tempo muito limitado (1 dia) e não repercutiu efeitos nocivos em terceiros

13- Decorreu período de tempo considerável, o arguido encontrasse inserido social, familiar e dispõe de integração profissional se restituído à liberdade.

14- O arguido confessou a prática dos factos revelando interiorização do desvalor da conduta (a detenção de estupefacientes integra factos tipos do tipo).

15- O estupefaciente apreendido não foi disseminado e ainda que por razão alheia ao arguido não potenciou os efeitos perniciosos da droga

16- O arguido dispõe de oferta de emprego se restituído à liberdade o que potencia a sua ressocialização

17- O arguido tem forte apoio familiar e encontra-se inserido socialmente

18- Demonstra em meio prisional comportamento adequado, exercício laboral e demonstração de arrependimento face à conduta praticada

19- Normas jurídicas violadas: 18.º/2 da C.R.P.; 70º do Código Penal; 21.º/1 e 24º alínea h) do Decreto Lei 15/93.

20- Deve o presente recurso proceder e em virtude retirarem-se as devidas ilações legais.

3. Admitido o recurso, a subir para este Tribunal e cumprido o disposto no artigo 411.º/6 CPPenal, a ele respondeu o Sr. Procurador da República, defendendo a sua improcedência, apresentando as seguintes conclusões:

1. A verificação de uma circunstância qualificativa obsta ao privilegiamento do crime fundado na considerável diminuição da ilicitude.

2. Independentemente da consideração abstracta da integração da conduta no tráfico de menor gravidade, há que ponderar se, ainda assim, a ilicitude do facto se mostra consideravelmente diminuída.

3. Não se vislumbra qualquer circunstância excepcional que possa afastar a previsão do crime de tráfico de estupefaciente, do tipo enunciado no artigo 21.º, agravado pelo artigo 24.º alínea h) do Decreto Lei 15/93.

4. Não pode considerar-se que seja baixo o desvalor da conduta do arguido ao pretender guardar o produto estupefaciente sabendo que se destinava à venda e/ou cedência no interior do Estabelecimento Prisional.

5. Não pode também relevar o tipo de meio utilizado (droga colocada no interior de uma sapatilha colocada no armário do recluso), uma vez que os factos ocorreram em meio carcerário cujas características próprias e específicas nunca poderiam ser objecto de procedimentos sofisticados.

6. Não se preenche a necessária diminuição considerável da ilicitude, e, outrossim, se preenche a qualificativa do crime de tráfico de estupefacientes pelo qual o arguido foi condenado.

7. Não merece qualquer censura uma pena consideravelmente baixa, mas em que foram ponderadas todas as circunstâncias que militavam a favor do arguido, mormente a assunção da detenção do estupefaciente.

4. Remetidos a este Supremo Tribunal de Justiça, em vista dos autos, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 416.º CPPenal, o Senhor Procurador-Geral Adjunto, acompanhando a resposta apresentada pelo MP na 1.ª instância, emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.

6. Notificado, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 417.º/2 CPPenal, o arguido nada disse.

7. Colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência e dos correspondentes trabalhos resultou o presente Acórdão.

II. Fundamentação

1. Âmbito do recurso

O âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente, cfr. artigos 402.º, 403.º e 412.º CPPenal, sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso, se necessário à boa decisão de direito, de vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º/2 CPPenal, cfr. acórdão de fixação de jurisprudência 7/95, de nulidades não sanadas, n.º 3 do mesmo preceito e de nulidades da sentença, cfr. artigo 379.º/2 CPPenal, na redação da Lei 20/2013.

E, assim, as únicas questões suscitadas no recurso interposto pelo arguido são:

- a qualificação jurídica dos factos e,

- o quantum da pena.

2. Os factos

Se é certo que no caso concreto não está prejudicado o poder de conhecimento oficioso de vícios da decisão de facto, previstos no artigo 410.º/2 CPPenal, quando constatada a sua presença e a mesma seja impeditiva de prolação da correta decisão de direito, cfr. artigos 432.º/1 alínea c) e 434.º CPPenal, não menos certo é que tal se não verifica.

Como igualmente se não identifica qualquer nulidade das enunciadas no artigo 410.º/3 CPPenal.

Com efeito, da leitura da decisão e, designadamente dos segmentos dos factos provados e da motivação, caldeada com as regras da experiência comum, pois que a outros elementos não pode o Tribunal socorrer-se, não se vislumbra que se patenteie,

- insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito, pois não se vê que matéria de facto, com utilidade e pertinência, poderia o tribunal, mais ter averiguado e não averiguou;

- erro notório na apreciação da prova, pois que não existem pontos de facto fixados na decisão recorrida, tão manifestamente arbitrários, contraditórios ou violadores das regras da experiência comum;

- contradição insanável na fundamentação ou entre esta e a decisão, já que não se descortina a existência de factos ou de afirmações que estejam entre si numa relação de contradição.

Para proceder a esta enunciada apreciação importa, antes de mais, atentar na matéria de facto julgada provada na decisão recorrida:

1. No dia 26 de fevereiro de 2024, o arguido AA cumpria pena no Estabelecimento Prisional do Vale do Sousa, em Paços de Ferreira.

2. Nesse dia, pelas 16h30m, no decurso de uma busca realizada à cela... da Ala... do estabelecimento prisional do Vale do Sousa, ocupada pelo arguido AA (recluso .......93) e por outros três reclusos, o arguido AA detinha, dentro de uma sapatilha, marca Vans, de cor preta, colocada em cima do seu armário, 4 (quatro) embalagens plásticas, com o peso líquido de 46,91gramas, contendo no seu interior, canabis (resina), com o grau de pureza de 27,8%, correspondendo a 260 (duzentas e sessenta) doses médias individuais diárias.

3. O arguido guardava o produto estupefaciente sabendo que se destinava à venda e/ou cedência a outros indivíduos reclusos naquele estabelecimento prisional, a troca de dinheiro.

4. O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, conhecendo as quantidades, características, natureza e efeitos da substância (canabis) que detinha, sabendo que a posse, detenção, cedência e venda eram proibidas, e, não obstante, quis detê-lo e guardá-lo, agindo da forma descrita.

5. Mais sabia o arguido que tal atuação de detenção do produto estupefaciente no Estabelecimento Prisional onde se encontrava preso para posterior venda lhe agravava a sua responsabilidade criminal.

6. O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

7. Por acórdão de 02.03.2021, transitado em julgado no dia 18.11.2021, no âmbito do processo comum n.º 1538/19.1JAPRT, que correu termos no Juízo Central Criminal do Porto-10º Secção, AA foi condenado pela prática em dezembro de 2019 e janeiro de 2020 de dez crimes de roubo qualificado e sete crimes de roubo, sendo sete crimes de roubo qualificado previstos e punidos pelo artigo 210º, n.º 1 e 2 al. b) com referência ao artigo 204º, n.º2 al. f), do Código Penal, um crime de roubo qualificado previsto e punido no artigo 210º, n.º 1 e 2, al. b) com referência ao artigo 204º, n.º1 al. a) e n.º2 al. f) , do Código Penal, dois crimes de roubo qualificado previstos e punidos no artigo 22º, 23º, 73º, 210º, n.ºs 1 e 2 al. b) com referência ao artigo 204º, n.º2 al. f), do Código Penal e sete crimes de roubo, previstos e punidos no artigo 210º, n.º 1 e 4, do Código Penal, na pena única de oito anos de prisão.

8. O arguido AA manteve-se ininterruptamente preso à ordem do referido processo 1538/19.1JAPRT desde 16.09.2021.

9. O arguido foi já condenado:

- no processo sumário n.º 334/19.0SJPRT do juízo local de pequena criminalidade do Porto-J1, por sentença proferida em 06-06-2019 e transitada em julgado em 08-07-2019, na pena de 100 dias de multa à taxa diária de € 5,00 pela prática, em 11-05-2019, de um crime de furto simples, pena que foi convertida em prisão subsidiária, posteriormente suspensa com condições e que veio a ser declarada extinta pelo cumprimento das condições;

- no processo comum coletivo n.º 1538/19.1PJPRT do juízo central criminal do Porto-J4, por acórdão proferido em 02-03-2021 e transitado em julgado em 18-11-2021, na pena única de 8 anos de prisão pela prática, entre 12/2019 e 01/2020, de 7 crimes de roubo simples e 10 crimes de roubo qualificado;

- no processo comum singular n.º 573/19.4T9PRT do juízo local criminal do Porto-J4, por sentença proferida em 30-11-2022 e transitada em julgado em 12-01-2023, na pena de 200 dias de multa à taxa diária de € 5,00 pela prática, em 16-12-2018, de um crime de furto simples na forma tentada.

10. À data dos factos, AA permanecia desde 19.05.2022 no Estabelecimento Prisional de Vale do Sousa. Mantinha uma conduta sem registos disciplinares e investimento ao nível ocupacional, nomeadamente formativo, consubstanciado na frequência do processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências (RVCC) para conclusão do 3º ciclo de escolaridade. Encontrava-se abstinente do consumo de drogas e mantinha acompanhamento em consultas de psicologia. Beneficiava de apoio familiar através de visitas por parte da avó, mãe, irmão e da então namorada, os quais se constituem como as principais figuras de referências afetivas. Neste contexto, e face à evidência de um aparente percurso de mudança, foi-lhe conferida a possibilidade de beneficiar de medidas de flexibilização da pena, tendo usufruído de uma saída jurisdicional no período de 9 a 12 de fevereiro de 2024 junto da avó na Rua 1 no Porto, medidas que vieram posteriormente a ser suspensas por incumprimento de regras.

AA regista um percurso de vida condicionado pela instabilidade pessoal devido ao seu envolvimento no consumo de canabinóides e bebidas alcoólicas reportados aos 18 anos de idade em contexto do grupo de pares com idênticos comportamentos, com quem retomou o convívio após a saída do Internato ... onde permaneceu de junho de 2016 a junho de 2018 por intervenção do sistema de Promoção e Proteção.

Muito embora tivesse dado continuidade ao curso profissional de ajudante de cozinha iniciado naquele contexto institucional com o objetivo de concluir o 3º ciclo de escolaridade, e tivesse trabalhado num bar cerca de 3 meses, a vinculação ao grupo de pares teve maior relevância no seu quotidiano, contexto que determinou os primeiros contactos com o sistema de justiça penal.

Em 05.03.2020 foi preso preventivamente à ordem do processo n.º 1538/19.1PJPRT no Estabelecimento Prisional do Porto e em 21.03.2020 esta medida foi substituída pela medida de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, que cumpriu até 16.09.2021, data em que foi reconduzido novamente ao EP do Porto. Cumpre pena à ordem desses autos.

AA verbaliza preocupação face ao desfecho do presente processo.

Relativamente ao seu percurso criminal revela fragilidades de autocensura e de reflexão sobre os seus atos. Tendencialmente, procura desculpabilizar-se, atribuindo as suas ações a fatores externos, como o consumo de álcool e drogas, a influência do grupo de pares e a obtenção de dinheiro fácil.

Quanto ao impacto da presente situação de reclusão, o arguido posiciona-se de forma ambivalente: se por um lado a perceciona como positiva, porque lhe permitiu interromper o percurso criminal, por outro perceciona-a como negativa, vendo-a como uma escola para a aprendizagem de novas estratégias da prática de novos crimes.

Ao longo do percurso prisional, vinha evidenciando uma postura de motivação para a aquisição de maiores competências académicas e para a resolução da problemática aditiva, bem como para a manutenção de um comportamento adequado. Contudo, veio a registar duas sanções disciplinares, uma em fevereiro e outra em abril de 2024 por factos ocorridos no EP de Vale de Sousa, o que determinou a sua colocação em regime de segurança no EP de Paços de Ferreira em 22.05.2024, onde permanece. Neste setor teve uma nova sanção disciplinar em novembro de 2024 por danificar bens do EP.

Ao nível familiar, mantém o apoio da avó, mãe e irmão, dos quais recebe visitas, tendo, entretanto, terminado o relacionamento com a namorada. Em liberdade, o arguido pretende residir junto da avó com quem mantém um relacionamento afetivo muito próximo, uma vez que o seu processo de desenvolvimento decorreu inserido no agregado desta.

3. Apreciando.

3. 1. A subsunção dos factos ao Direito.

3. 1. 1. A fundamentação da decisão recorrida.

“Subsunção dos factos ao ordenamento jurídico-penal

Vem o arguido acusado da prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21º e 24º, h) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01.

Preceitua o artigo 21º: “Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos.”

Na tabela I-C insere-se a canábis – folhas, resina, óleo e sementes.

A incriminação do facto típico “tráfico de estupefacientes” tutela a saúde pública em geral (englobando a vida, a integridade física e a liberdade de determinação dos consumidores de estupefacientes), além da própria economia do Estado, que pode ser completamente subvertida nos seus princípios.

A utilização de drogas, para além de potenciar a destruição de cada ser individualmente considerado, contribui para a afetação do tecido familiar e da saúde pública.

No que respeita à natureza do crime de tráfico, pode dizer-se que se trata de um crime de perigo abstrato. A respeito dos crimes de perigo afirma-se no preâmbulo (n.º 31) do nosso Código Penal: “A lei penal relativamente a certas condutas que envolvem grandes riscos basta-se com a produção do perigo (concreto ou abstrato) para que dessa forma o tipo legal esteja preenchido. (...) Pune-se logo o perigo, porque tais condutas são de tal modo reprováveis que merecem imediatamente censura ético-social. (...) O legislador penal não pode esperar que o dano se produza para que o tipo legal de crime se preencha. Ele tem de fazer recuar a proteção para momentos anteriores, isto é, para o momento em que o perigo se manifesta”.

Trata-se, em qualquer das suas modalidades, de um crime exaurido ou crime excutido, visto que fica perfeito com a comissão de um só ato gerador do resultado típico, admitindo uma aplicação unitária e unificadora da sua previsão aos diferentes atos múltiplos da mesma natureza praticados pelo agente, em virtude de tal previsão respeitar a um conceito genérico e abstrato. Cada atuação do agente traduz-se na comissão do tipo criminal, mas o conjunto das múltiplas atuações do mesmo agente reconduz-se à comissão do mesmo tipo de crime e é tratada unificadamente pela lei e pela jurisprudência como correspondente a um só crime.

São elementos objetivos do crime previsto no artigo 21º o cultivo, a produção, a extração, a venda, a cedência, a detenção (entre outras situações também previstas pelo legislador) sem autorização, fora dos casos previstos no artigo 40º (consumo), de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III anexas ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01.

No caso em apreço, provou-se que no dia 26-02-2024 o arguido AA tinha na sua posse, guardados numas sapatilhas suas, no interior da cela que ocupava, 46,91 gramas de canábis, com um grau de pureza de 27,8%, correspondendo a 260 doses médias individuais diárias. Assim, guardou e deteve o produto estupefaciente.

Conhecia a natureza do produto e o destino que lhe estava fixado – a venda a outros reclusos.

Resultando evidente a prática do crime de tráfico de estupefacientes nas modalidades de detenção e guarda, resta analisar se o crime assume a sua forma agravada da al. h) do artigo 24º, segundo a qual “as penas previstas nos artigos 21º e 22º são aumentadas de um quarto nos seus limites mínimo e máximo se a infração tiver sido cometida em estabelecimento prisional” (5 a 15 anos de prisão).

Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07.07.2009, disponível em www.dgsi.pt “I. A razão de ser da agravação por via da al. h) do art. 24.º do DL 15/93, por efeito da conduta integrante haver tido lugar em estabelecimento prisional reside na perturbação do processo de ressocialização dos reclusos e no grave transtorno da ordem e organização das cadeias que o tráfico comporta. Os estabelecimentos prisionais face aos inevitáveis problemas e questões que a clausura gera, estados de depressão e inatividade dos reclusos, concentração e massificação das pessoas, conflitos pessoais, carências afetivas, sentimentos de frustração, perda de autoestima, são particularmente propícios ao consumo de estupefacientes e, consequentemente, constituem um dos alvos prioritários dos traficantes. II. Sendo essa a razão de ser daquela agravante modificativa, e não o desrespeito pela autoridade do Estado, a mesma só deverá funcionar perante comportamentos através dos quais se haja processado a difusão de substâncias estupefacientes pelos estabelecimentos prisionais ou, pelo menos, face a condutas potenciadoras desse perigo”.

Vem sendo, pois, entendimento da jurisprudência, e com o qual concordamos, que as circunstâncias descritas nas várias alíneas do artigo 24º não têm um efeito agravativo automático ou obrigatório, “antes impondo uma análise concreta do facto e o seu cotejo com a razão de ser de tal agravante, em ordem a tomar-se posição” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08.02.2006, disponível in www.dgsi.pt).

Mas também se entende que, em princípio, os factos perpetrados em estabelecimento prisional deverão ser enquadrados na previsão da al. h) do artigo 24º, apenas tal não sucedendo em situações excecionais, fora do comum, às quais a aplicação da agravação resultaria numa violação dos princípio da necessidade e da proporcionalidade das penas.

Há ainda que ter em atenção, a nível do tipo subjetivo, que o dolo deve abarcar (além dos elementos do facto típico fundamental), as circunstâncias agravantes da responsabilidade do agente, na medida em que, também, em relação a elas, a punição se baseia (para além da sua existência objetiva) no conhecimento, por parte do seu autor.

No caso que nos ocupa, é indubitável o destino do estupefaciente: a venda a reclusos, única população confinada no estabelecimento sem acesso por outra via às substâncias.

É manifesta a natureza do espaço.

O estupefaciente estava já na cela, no interior do EP, tendo passado por filtros, nomeadamente controlos à entrada e câmaras de vigilância no parlatório aquando das visitas; logo, a conduta potenciadora do perigo de difusão do produto no EP foi adotada e conseguida pelo arguido e as vendas só não se concretizaram por razões alheias à sua vontade que tudo fez para cumprir o seu papel nessa missão.

A ilicitude não está diminuída pelo facto de o estupefaciente ter sido apreendido e, por isso, não ter chegado a ser vendido; o arguido pretendia possibilitar esse destino e tudo fez nesse sentido. O insucesso da empreitada deveu-se exclusivamente a facto que lhe foi alheio e que não pretendeu. E se, como dissemos, a agravante funciona, não só perante comportamentos através dos quais se haja processado a difusão de substâncias estupefacientes pelos estabelecimentos prisionais, mas também face a condutas potenciadoras desse perigo, não vemos como não concluir que no caso esse perigo foi real.

E tendo em conta a quantidade em causa, suficiente para 260 doses individuais, o que prefigura um perigo evidente de difusão por um significativo de reclusos (potencialmente 260 indivíduos), entendemos que a agravante da al. h) está preenchida neste caso.

Apesar de o produto estupefaciente nos remeter para o elenco das drogas menos nocivas à saúde e socialmente menos danosas, a quantidade apreendida, suscetível de ser disseminada por uma pluralidade significativa de consumidores necessariamente reclusos por ser essa a população do EP, assim se comprometendo a sua reabilitação e ressocialização, e o facto de estar no interior do EP pronta a ser vendida, em estado de sossego para o efeito, enquadram a conduta na alínea h) do artigo 24º. A consideração dessa quantidade de estupefaciente como significativa tem por base o condicionalismo específico do meio em que se quis introduzi-lo – estabelecimento prisional -, o qual nunca poderá assumir as grandezas do meio livre”.

3. 1. 2. O contexto do recurso.

Defende o arguido que os factos provados serão apenas susceptíveis de integrar a previsão do tipo legal de crime de tráfico de menor gravidade, p. e p pelo artigo 25.º/1 do Decreto Lei 15/93 e não o tipo legal de crime agravado pelo qual foi condenado.

Para o que invoca o facto de que,

- detinha 46,91 gramas de haxixe (canábis resina) com um grau de pureza de 27,8%, suficiente para a preparação de 260 doses num quadro em que era o actor principal, sem recurso a terceiras pessoas, sem recurso a meios operacionais que de alguma forma tornassem estes atos de venda complexos ou de dimensões consideráveis operantes em algum modo estrutural ou organizado – sem que se haja apurada alguma venda, quando o produto estupefaciente em causa era haxixe, uma droga leve, numa quantidade quase enquadrável no consumo;

- explicou de forma espontânea e sincera que é consumidor de estupefacientes, bem como o motivo pelo qual detinha o estupefacientes, não se tendo apurado vendas, logística, complexidade ou organização, rendimentos, produto que não chegou a ser disseminado (por ter sido apreendido), e que a actividade se cingiu a um único dia.

Para defender a bondade da qualificação jurídica feita na decisão recorrida, defendendo que se não verifica a necessária diminuição considerável da ilicitude, rebate o MP que se de facto o produto estupefaciente apreendido ao arguido não foi efectivamente disseminado pela simples razão de que foi apreendido e que, por outro lado, até porque o arguido confessou a matéria de facto dada como provada, aquele produto se destinava à venda e/ou cedência a outros indivíduos naquele estabelecimento prisional, a troca de dinheiro – sendo certo, contudo, que se não provou que era o arguido quem pretendia vender pessoalmente o produto que detinha a terceiros.

Isto, apesar de entender, como de resto, se faz na decisão recorrida e, o próprio arguido, também, defende, que as circunstâncias descritas no artigo 24.º do Decreto Lei 15/93 não têm um efeito automático, isto é, não é pelo simples facto de os factos terem sido praticados num estabelecimento prisional que, forçosamente, haverá de se mostrar preenchida a respectiva qualificativa.

E, assim, entende que,

- não se pode considerar que seja baixo o desvalor da conduta do arguido ao pretender guardar o produto estupefaciente sabendo que se destinava à venda e/ou cedência no interior do Estabelecimento Prisional,

- a quantidade de estupefaciente apreendida seja considerada diminuta, uma vez que o Estabelecimento Prisional é um local fortemente vigiado neste domínio, não sendo expectável que aí sejam introduzidas e apreendidas grandes quantidades de estupefaciente, como sucede fora do ambiente prisional, devendo a quantidade de estupefaciente apreendida ser apreciada no contexto da exiguidade do meio e na tensão da permanente vigilância, não sendo por isso comparável – no mesmo plano de risco e de abrangência de consumidores – à detenção, para venda, de 46,91 gramas/ 260 doses diárias, fora daquele local,

- não pode também relevar o tipo de meio utilizado (droga colocada no interior de uma sapatilha colocada no armário do recluso), uma vez que os factos ocorreram em meio carcerário cujas características próprias e específicas nunca poderiam ser objecto de procedimentos sofisticados,

- não pode relevar a invocada falta de disseminação da droga, afirmação que fica desde logo afastada face a toda a factualidade dada como provada, nomeadamente o facto de ter sido apreendida antes de tal possibilidade, admitida e querida pelo arguido, ter ocorrido – ficou assente que a droga se destinava a ser distribuída a outros reclusos, e também ficou assente que o arguido sabia de tal facto, não relevando para a previsão do crime de tráfico de estupefacientes privilegiado, se a droga iria ou não ser vendida/ cedida por si, ou se se destinaria a ser vendida a reclusos consumidores, ou se terá feito alguma combinação nesse sentido com outro ou com outros indivíduos cujas identidades não foi possível apurar,

- não pode relevar o facto de se tratar de uma droga leve, que poderá não ter um efeito tão viciante e prejudicial para a saúde da população prisional, uma vez que tal facto não poderá sobrepor-se ao facto de se estar perante uma situação de tráfico de estupefaciente em estabelecimento prisional, e que é agravada com esse fundamento, pretendendo-se punir com maior gravidade quem põe em causa a saúde e a reinserção social da população prisional, cuja especial fragilidade para se autodeterminar relativamente ao consumo de estupefacientes, constitui um alvo fácil, em ambiente fechado, para a oferta, a aquisição, a guarda, e o consumo de estupefacientes.

3. 1. 3. O enquadramento legal.

O crime de tráfico de estupefacientes constitui um tipo plural, com actividade típica ampla e diversificada, abrangendo desde a fase inicial do cultivo, produção, fabrico, extracção ou preparação dos produtos ou substâncias até ao seu lançamento no mercado consumidor, passando pelos outros elos do circuito, mas em que todos os actos têm entre si um denominador comum, que é exactamente a sua aptidão para colocar em perigo os bens e os interesses protegidos com a incriminação.

Não importa ao preenchimento deste tipo legal a intenção específica do agente, os seus motivos ou os fins a que se propõe; o conhecimento do fim apenas pode interessar para efeitos de determinação da ilicitude do facto.

O crime de tráfico de estupefacientes tem sido englobado na categoria do “crime exaurido”, “crime de empreendimento” ou “crime excutido”, que se vem caracterizando como um ilícito penal que fica perfeito com o preenchimento de um único acto conducente ao resultado previsto no tipo. O resultado típico alcança-se logo com aquilo que surge por regra como realização inicial do “iter criminis”, tendo em conta o processo normal de actuação, envolvendo droga que se não destine exclusivamente ao consumo. A previsão molda-se, na verdade, em termos de uma certa progressividade, no conjunto dos diferentes comportamentos contemplados na norma, que podem ir de uma mera detenção à venda propriamente dita.

A consumação verifica-se com a comissão de um só acto de execução, ainda que sem se chegar à realização completa e integral do tipo legal pretendido pelo agente.

A construção e a estrutura dos crimes ditos de tráfico de estupefacientes, como crimes de perigo, de protecção (total) recuada a momentos anteriores a qualquer manifestação de consequências danosas, e com a descrição típica alargada, pressupõe, contudo, a graduação em escalas diversas dos diferentes padrões de ilicitude em que se manifeste a intensidade (a potencialidade) do perigo para os bens jurídicos protegidos.

Dispõe o artigo 21.º/1 do Decreto Lei 15/93 que, “quem, sem para tal estar habilitado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40.º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos”.

Dispõe o artigo 24.º alínea h) do Decreto Lei 15/93, na redacção do artigo 54.º da Lei 11/2004, de 16-07, que, “as penas previstas nos artigos 21.º e 22.º são aumentadas de um quarto nos seus limites mínimo e máximo se:

h) A infracção tiver sido cometida em instalações de serviços de tratamento de consumidores de droga, de reinserção social, de serviços ou instituições de acção social, em estabelecimento prisional, unidade militar, estabelecimento de educação, ou em outros locais onde os alunos ou estudantes se dediquem à prática de actividades educativas, desportivas ou sociais, ou nas suas imediações”.

Por sua vez, dispõe o artigo 25.º, alínea a), do mesmo diploma que, “se, nos casos dos artigos 21.º e 22.º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de:

a) Prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI”.

Esta diversificação de tipos legais, conforme o grau de ilicitude, com imediato e necessário reflexo na moldura penal, traduz a resposta do legislador a realidades diversas, que supõem respostas, por isso, diferenciadas: o grande tráfico, o médio tráfico e o pequeno tráfico.

O artigo 21.º contém a descrição fundamental – o tipo essencial – relativa à previsão e ao tratamento penal das actividades de tráfico de estupefacientes, construindo um tipo de crime que assume, na dogmática das qualificações penais, a natureza de crime de perigo: a lei, nas condutas que descreve, basta-se com a aptidão que estas revelam para constituir um perigo para determinados bens e valores (a vida, a saúde, a tranquilidade, a coesão inter-individual das unidades de organização fundamental da sociedade), considerando integrado o tipo de crime logo que qualquer das condutas descritas se revele, independentemente das consequências que possa determinar ou determine – a lei faz recuar a protecção para momentos anteriores, ou seja, para o momento em que o perigo se manifesta.

A circunstância agravante no caso é a infracção ter sido cometida no interior do Estabelecimento Prisional.

Este Supremo Tribunal tem sido frequentemente convocado a resolver as questões aqui suscitadas pelo arguido.

Por um lado, o não funcionamento automático da agravação, pelo tráfico no EP e, por outro, com ela relacionada, de saber se a verificação de uma circunstância agravante do crime de tráfico de estupefacientes impede que a ilicitude possa ter-se por consideravelmente diminuída.

Na interpretação desta norma o ponto de partida é que o legislador entendeu estarmos perante um crime de gravidade excepcional, extraordinária, elevada, tomando como referência o tipo matricial, previsto no artigo 21.º.

Assim, verificada a circunstância de o crime ser praticado no estabelecimento prisional, a agravação só não será aplicada se se demonstrar que a conduta dada como provada não traduz a factualidade de referência típica, ou seja, a factualidade que o legislador pretendeu incutir na descrição agravativa como relevante para a densificação do sentido axiológico-normativo com que pretende a salvaguarda dos específicos bens jurídicos e a proteção (recuada) dos valores ético-sociais prevalecentes.

A interpretação teleológica da norma exige se avalie se os factos, em si mesmos, justificam o especial agravamento da punição querida pelo legislador, cfr., entre muitos outros, acórdãos de 14.7.2004, processo 2147/04-3.ª, de 30.3.2005, processo 3963/04-3.ª, in CJ, S, I, 224, de 21.4.2005, processo 1273/05-5.ª; o já citado acórdão de 28.6.2006, processo 1796/06-3.ª in CJ, S, II, 230, de 6.7.2006, processo 2034/06-5.ª, de 12.10.2006, processo 2427/06-5.ª, de 29.11.2006, processo 2426/06-3.ª, de 2.5.2007, processo 1013/07-3.ª, de 12.7.2007, processo 3507/06-5.ª, 16.1.2008, processo 4638/07-3.ª, de 6.11.2008, processo 2501/08-5.ª e de 21.1.2009, processo 4029/08-3.ª.

É necessário que dos factos provados resulte que a detenção de estupefaciente se traduz numa conduta dolosa do agente com vista a potencial produção do resultado desvalioso que está subjacente à intenção do legislador em autonomizar esta especial causa de agravação.

A jurisprudência tem acentuado que a circunstância agravante em causa não opera de modo automático e que pode haver situações de tráfico em estabelecimento prisional punidas nos termos gerais do artigo 21.º.

A razão de ser da agravação quando a conduta tem lugar em estabelecimento prisional reside na perturbação do processo de ressocialização dos reclusos e no grave transtorno da ordem e organização das cadeias que o tráfico comporta, cfr. entre muitos outros, acórdão deste Supremo Tribunal de 7.7.2009, processo 52/07.2PEPDL.S1-3.ª, consultado, tal como todos os demais sem menção de origem diversa, no site da dgsi.

O intuito do legislador é o de preservar de forma reforçada a saúde física e psíquica de sectores específicos da população, por estarem mais expostos aos riscos e perigos de contacto com os estupefacientes e não o de defesa da autoridade do Estado dentro de certos territórios, cfr. acórdão deste supremo tribunal de 2.5.2007, processo 1013/07-3.ª.

A razão de ser da agravante reside no desrespeito pelos objectivos de prevenção e de reinserção ínsitos necessariamente no cumprimento das penas e prosseguidos pela instituição prisional, sendo tais objectivos inerentes à pessoa dos presos, e, assim, há que distinguir os casos em que o produto estupefaciente chega ao seu alcance daqueles em que não chega, cfr. acórdão deste Supremo Tribunal de 8.2.2006, processo 3790/05-3.ª in CJ, S, I, 181.

Afirma-se, a este propósito, no acórdão do TRC de 31.5.06, processo 1063/06, in wwwdgsi.pt:

“A ratio desta agravação, no que se refere particularmente aos estabelecimentos prisionais, tem, sobretudo, a ver com as finalidades e regras de funcionamento destes estabelecimentos.

As especiais condições em que se encontram os usuários de um espaço confinado e restrito, como é o espaço prisional, exigem que aqueles que nelas se inserem adquiram e assumam comportamentos de contenção e arrimados às regras e regulamentos que de ordinário vigoram neste tipo de espaços, pelo fim a que se destinam, por um lado, e pela disciplina e controlo a que devem estar submetidos. A simples ameaça de introdução de produtos estupefacientes em ambientes fechados e propensos a disseminação de estereótipos constitui-se com um factor de perturbação das regras e das necessidades de observância de condutas isentas de tonalidades transgressoras e colidentes com os ditames de reeducação que devem presidir a uma instituição que deve procurar reabilitar e resocializar aqueles que se apartam das normas socialmente estabelecidas”.

A estas considerações de ordem geral pode acrescentar-se a consideração de ordem particular da dimensão que assume a difusão da droga, desde há muitos anos nas prisões portuguesas, o que reforça as exigências de prevenção geral.

À luz desta ratio, deve concluir-se que não é tanto a condição de recluso do agente que justifica a agravação, mas antes o efeito da difusão da droga na comunidade prisional, também, o visitante, o advogado, o guarda prisional, o assistente social, o cozinheiro ou a empregada da limpeza podem cometer este crime agravado.

Sobre a ratio do agravamento refere-se no acórdão deste Supremo Tribunal de 19.5.2021, processo 888/19.1JAPDL, que, “em primeiro lugar, reconhecer que o agravamento do tráfico de estupefaciente cometido em estabelecimento prisional “(…) visa especificamente conferir proteção reforçada a um grupo determinado de pessoas, foi estabelecida precisamente para proteger a saúde e a reinserção social da população prisional, especialmente fragilizada na sua capacidade de autodeterminação relativamente ao consumo de estupefacientes, portanto alvo fácil da oferta, aquisição, guarda e consumo de estupefacientes e num ambiente fechado, onde, pela apertada vigilância exercida, os valores ou as vantagens dos traficantes facilmente se exponenciam. Acresce que a prisão é sempre uma estação de trânsito, onde se deve reflectir e preparar o reingresso na vivência livre, responsável e socialmente útil para a comunidade das mulheres e homens fiéis ao direito. Plano de reinserção social que não pode tolerar com consumos de estupefacientes. Consequentemente, o tráfico de drogas em estabelecimento prisional porque confere gravidade acrescida ao ilícito e acentua o desvalor da ação tem de punir-se no âmbito de moldura penal mais severa”.

Apesar do lapidar, acórdão de 8.11.2000, processo 2835/00-3.ª, segundo o qual “se os factos se subsumem ao tipo legal p. p. dos artigos 21.º e 24.º fica irremediavelmente excluída a possibilidade de integrarem o tipo privilegiado, desde logo, porque sem contradição insanável, não se poder qualificar a ilicitude de um facto como especialmente grave e, simultaneamente, como consideravelmente diminuída, defendendo estar-se perante uma ilicitude mais elevada e qualificada por força da qualificativa que é aceite” e do mais recente de 30.11.2022, processo 272/21.7T9BJA, o certo é que este Supremo Tribunal vem ultimamente a sufragar o entendimento contrário, de que nada impede que o crime de tráfico de estupefacientes praticado no interior do estabelecimento prisional, ainda assim possa ser susceptível de integrar o tipo privilegiado do artigo 25.º, de que constitui exemplo o acórdão de 15.1.2020, processo 23/17.0PEBJA e a vastíssima jurisprudência aí citada.

É certo que no acórdão de 13.09.2018, este Supremo Tribunal, no que se refere ao Estabelecimento Prisional, entende que “a agravação derivará da adequação do facto à disseminação das drogas entre os reclusos. Por isso, a ação deve em princípio ser integrada na alínea h) do artigo 24.º A situação que está ínsita nesta alínea é a de uma disseminação com certa escala entre os reclusos, não um acto isolado ou excecional de venda ou cedência a um recluso. A qualificação que aquele preceito prevê implica uma atividade sucessiva por um número indeterminado de reclusos, ainda que eventualmente restrita, como as condições de reclusão normalmente impõem, ou, pelo menos, a detenção de uma quantidade de estupefaciente bastante para tal efeito”.

E alinhado na interpretação que rejeita o carácter automático da agravação, recusa a variante extrema, considerando, “difícil defender que em situações excepcionais o facto, mesmo que ocorrido em estabelecimento prisional, possa ser integrado no crime do artigo 25.º. Com efeito, um crime qualificado pela ilicitude poder ser de menor gravidade parece ser uma contradição nos termos”.

E, no acórdão de 11.4.2022, entendeu que “mesmo a entender-se que as circunstâncias das alíneas do artigo 24.º não são automáticas, gerando inevitavelmente o efeito agravativo especial, impõe-se a consideração de que uma circunstância como a da alínea h), tráfico em estabelecimento prisional, com forte pendor objectivo e ligada à ilicitude, impede a que, no caso de ser afastada se declare consideravelmente diminuída a mesma ilicitude.”

Ainda assim, tem sido entendimento maioritário deste Supremo Tribunal que a circunstância de o crime ter sido cometido em estabelecimento prisional não constitui circunstância de aplicação automática, não produz efeito qualificativo automático.

Muito embora também entendamos que esta circunstância não opera de modo automático – sendo necessário que a detenção da droga no estabelecimento se traduza “numa conduta dolosa do agente com vista a potencial produção dos resultados desvaliosos que levou o legislador a autonomizar o especial agravamento” importa, contudo, não desvalorizar o sentido e alcance do facto de o legislador ter estabelecido como uma das agravantes modificativas da pena do crime de tráfico de droga a circunstância de essa atividade ocorrer num estabelecimento prisional.

Nos casos que envolvam quantidades diminutas, cedências sem fins lucrativos ou de reduzido grau de disseminação da droga entre a população prisional, não pode dizer-se - à luz da “ratio” da norma – que estejamos perante condutas de ilicitude equiparável à ilicitude excepcionalmente elevada correspondente ao artigo 24.º em apreço.

A questão coloca-se, então na desqualificação do crime agravado para o crime matricial. Ou a desqualificação do tipo agravado para o crime de menor gravidade.

Alinhamos, contudo, com aqueles que entendem que a verificação da dita circunstância qualificativa não obsta à desqualificação, primeiro e, não obsta, ao seu privilegiamento, depois, com base na considerável diminuição da ilicitude.

Isto apesar do apenas aparente absurdo e desrespeito pela vontade do legislador, que possa ser a desconsideração do local onde o crime foi praticado - que o legislador tipificou como indicador da gravidade considerável da ilicitude de um crime agravado - que o tribunal possa substituir ao critério daquele, a sua “vara de medir” o grau de gravidade da ilicitude dos factos, com a consequente integração dos factos no tipo de menor gravidade.

Cremos ser possível, ainda assim, admitir, que numa situação de tráfico de muito baixa importância ou dimensão, ainda que lavado a cabo no Estabelecimento Prisional, possa, muito excecionalmente e no limite, não ser punido no âmbito da moldura agravada e, passando por cima do crime matricial, se chegar ao preenchimento do tipo de menor gravidade.

Com efeito.

O crime de tráfico de menor gravidade contempla, como a própria denominação indica, situações em que o tráfico de estupefacientes, tal como se encontra definido no tipo base, se processa de forma a ter-se por consideravelmente diminuída a ilicitude, naturalmente, por referência à ilicitude pressuposta no artigo 21.º.

O artigo 25.º prevê as situações de diminuição considerável da ilicitude baseada, entre outros critérios, na qualidade ou quantidade de plantas, substâncias ou preparações.

A título exemplificativo, a norma indica como índices, critérios, exemplos padrão, ou factores relevantes, de graduação da ilicitude, circunstâncias específicas, mas objectivas e factuais, verificadas na acção concreta, nomeadamente, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações objecto do tráfico, os quais devem ser analisados numa relação de interdependência, já que há que ter uma visão ou perspectiva global, uma mais ampla e correcta percepção das acções desenvolvidas (actividade disseminadora de produtos estupefacientes) pelo agente, de modo a concluir-se se a conduta provada fica ou não aquém da gravidade do ilícito justificativa da integração no tipo base contido no artigo 21.º.

Assim se abre a porta à densificação doutrinal ou jurisprudencial do conceito de “menor gravidade”, onde se podem enunciar como assumindo particular relevo na identificação de uma situação de menor gravidade, as seguintes:

- a qualidade dos estupefacientes comercializados ou detidos para comercialização, tendo em consideração nomeadamente a distinção entre “drogas duras” e “drogas leves”;

- a quantidade dos estupefacientes comercializados ou detidos para esse fim;

- a dimensão dos lucros obtidos;

- o grau de adesão a essa atividade como modo e sustento de vida;

- a afetação ou não de parte dos lucros conseguidos ao financiamento do consumo pessoal de drogas;

- a duração temporal, a intensidade e a persistência no prosseguimento da atividade desenvolvida;

- a posição do agente no circuito de distribuição clandestina dos estupefacientes;

- o número de consumidores contactados;

- a extensão geográfica da atividade do agente;

- o modo de execução do tráfico, nomeadamente se praticado isoladamente, se no âmbito de entreajuda familiar, ou antes com organização ou meios mais sofisticados, nomeadamente recorrendo a colaboradores dependentes e pagos pelo agente.

É a imagem global do facto, ponderadas conjuntamente todas as circunstâncias relevantes que nele concorrem, que permitirá a identificação de uma situação de ilicitude consideravelmente diminuída, de menor gravidade, ou seja, uma situação em que o desvalor da ação é claramente inferior ao padrão ínsito no tipo fundamental de crime do artigo 21.º.

Desde há muito que este Supremo Tribunal vem afirmando que o advérbio “consideravelmente”, da cláusula geral, não está lá por acaso. No seu significado etimológico, prevalece a ideia de digno de consideração, notável, grande, importante ou avultado.

O que verdadeiramente conta é a situação concreta, individualizada, com todas as suas particularidades, que variam de caso a caso, sendo impraticável um critério jurídico fundado em pesos, preços e outras medidas.

Com o argumento da moldura da pena, tomou a pena aplicável como círculo dentro do qual se estabelecem as variações próprias dos casos especialmente graves e dos casos menos graves, com formação de grupos valorativos especiais que correspondem a diversos graus de gravidade.

A sua aplicação tem como pressuposto específico a existência de uma considerável diminuição do ilícito; pressupõe um juízo positivo sobre a ilicitude do facto, que constate uma substancial diminuição desta, um menor desvalor da acção, uma atenuação do conteúdo de injusto, uma menor dimensão e expressão do ilícito.

Os pressupostos do tipo respeitam, todos eles, ao juízo sobre a ilicitude do facto no sentido positivo, constatando, face à específica forma e grau de realização do facto, que o caso se situará forçosamente aquém da necessidade de pena expressa pelo limite mínimo do tipo base, uma substancial diminuição desta.

Haverá que proceder à valorização global do episódio, não se mostrando suficiente que um dos factores interdependentes indicados na lei seja idóneo em abstracto para qualificar o facto como menos grave ou leve, devendo valorar-se complexivamente todas as circunstâncias.

O critério a seguir será a avaliação do conjunto da acção tendo em conta o grau de lesividade ou de perigo de lesão (o crime de tráfico é um crime de perigo abstracto) do bem jurídico protegido (saúde pública).

Como este Supremo Tribunal tem entendido, o tipo legal de crime de tráfico de menor gravidade procura dar resposta, em nome da proibição de excesso, da equidade e da justiça, àquelas situações que, sem atingirem a gravidade pressuposta no tráfico simples, merecem reprovação, sendo injusto, sem se lançar mão de atenuação especial, não eficazes métodos para se atingir o tráfico no seu escalão médio e de maior dimensão.

A tipificação do referido artigo 25.º permite ao julgador que, sem prejuízo do natural rigor na concretização da intervenção penal relativamente a crimes desta natureza (de elevada gravidade considerando a grande relevância dos valores postos em perigo com a sua prática e a frequência desta), encontre a medida justa da punição em casos que, embora porventura de gravidade ainda significativa, fica aquém da gravidade do ilícito justificativa da tipificação do artigo 21.º do mesmo diploma e encontram resposta adequada dentro das molduras penais previstas no artigo 25.º.

De salientar, ainda assim, ser patente a interconexão deste tipo legal com o instituto da atenuação especial da pena prevista no artigo 72.º CPenal.

O tipo legal privilegiado consagra uma especial forma de atenuação para a qual aqui só se tem em consideração o plano da ilicitude, quando nos termos do CPenal, é necessário estar-se perante diminuição acentuada, não só da ilicitude do facto, mas também da culpa do agente ou da necessidade da pena.

E, assim, o resultado é que o tipo legal privilegiado prevê em relação ao tipo matricial, uma redução substancial da pena de prisão, mínimo de 1 ano, em vez de mínimo de 4 anos e, máximo de 5 anos, em vez de 12 anos.

Isto é uma moldura penal abstracta, ainda assim, mais favorável que a resultante da aplicação do instituto da atenuação espacial d apena, que seria, no caso, por força do disposto no artigo 73.º/1 alíneas a) e b) CPenal, de prisão de 9 meses e 18 dias a 8 anos de prisão.

Maria João Antunes in Droga - Decisões de Tribunais de 1.ª instância, Comentários, 1993, 296 entendia que o artigo 25.º “exige do intérprete, fundamentalmente, que equacione se a imagem global do facto se enquadra ou não dentro dos limites das molduras fixadas nos artigos 21º e 22º, sob pena de a reacção criminal ser, à partida, desproporcionada. O legislador «consagrou para o efeito o critério da diminuição considerável da ilicitude do facto, adoptando a denominada técnica dos exemplos padrão, uma vez que só exemplificativamente fornece o substrato a partir do qual se poderá concluir por aquela diminuição. Por um lado, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações são meramente indiciadoras da consideravelmente diminuída ilicitude do facto; por outro, não sendo a enumeração esgotante, mas só exemplificativa, o tribunal pode concluir que a ilicitude do facto se mostra consideravelmente diminuída, apesar do substrato que funda esta conclusão ser alheio à enumeração prevista no artigo 25.º”.

No acórdão deste Supremo Tribunal de 8.10.1998, processo 838/98 in CJ, S, III, 188, citando o comentário de Lourenço Martins in Nova Lei da Droga: Um Equilíbrio Instável, o artigo 25.º, alínea a) do Decreto Lei 15/93, de 22-01, constitui uma “válvula de segurança do sistema”, destinado a evitar que se parifiquem os casos de tráfico menor aos de tráfico importante e significativo, evitando-se que situações de menor gravidade sejam tratadas com penas desproporcionadas ou que se utilize indevidamente uma atenuação especial.

É claro que a qualidade e a quantidade do produto estupefaciente são elementos relevantes para aferição da imagem global do facto, mas não, decisivos. A avaliação do que possa ser um tráfico de menor gravidade implica uma valorização global do facto.

Será da avaliação, análise e ponderação, em conjunto, de todas as circunstâncias relevantes do ponto de vista da ilicitude que terá de resultar uma imagem global do facto acentuadamente diminuída.

De forma a poder dizer-se que punir o agente, quer, pelo artigo 21.º, ou, como no caso concreto, pelo artigo 24.º, seria desproporcionado, já que a ilicitude que lhe corresponde se não enquadra no padrão de ilicitude que constitui o pressuposto da punição prevista no tipo-base de tráfico, cfr. acórdão deste Supremo Tribunal de 26.9.2012 processo 130/02.8TASPS.

3. 1. 4. Baixando ao caso concreto.

Insurge-se o arguido contra o enquadramento jurídico-penal a que se procedeu no acórdão recorrido, alegando que a sua conduta integra o tipo legal de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º do Decreto Lei 15/93.

Para o que alinha o seguinte raciocínio:

- o arguido é consumidor de estupefacientes;

- explicou de forma espontânea e sincera que o motivo pelo qual efetivamente detinha o estupefaciente;

- não se apuraram vendas;

- não se apurou logística;

- não se apurou complexidade ou organização;

- não se apuraram rendimentos;

- a droga foi apreendida/ não foi disseminada;

- estamos a falar de haxixe e de uma atividade que se cinge a um único dia.

No caso concreto vem provado que,

- no decurso de uma busca realizada à cela... da Ala... do estabelecimento prisional do Vale do Sousa, ocupada pelo arguido, que ali cumpria pena, o arguido AA detinha, dentro de uma sapatilha, marca Vans, de cor preta, colocada em cima do seu armário, 4 (quatro) embalagens plásticas, com o peso líquido de 46,91 gramas, contendo no seu interior, canabis (resina), com o grau de pureza de 27,8%, correspondendo a 260 (duzentas e sessenta) doses médias individuais diárias;

- o arguido guardava o produto estupefaciente sabendo que se destinava à venda e/ou cedência a outros indivíduos reclusos naquele estabelecimento prisional, a troca de dinheiro.

É certo que se trata de cannabis.

É certo que se trata de resina e não de folhas ou sumidades.

É certo que se trata de cerca de 47 gramas.

É certo que o produto estava oculto numa sapatilha guardada sobre um armário da cela.

É certo que estava repartida em 4 embalagens.

É certo que corresponderia a 260 doses médias diárias individuais.

É certo que seria destinada à venda e/ou cedência a outros reclusos a troco de dinheiro.

É certo - por definição – que não chegou ao contacto da restante população prisional.

O que não obsta à aludida agravação da sua conduta, pois que se deve a circunstância exógena à conduta do arguido, que em nada contribuiu para que o produto estupefaciente não fosse distribuida pelos demais reclusos.

Este quadro não pode deixar de espelhar o pressuposto do tipo legal agravado.

Com efeito nenhuma circunstância vem provada que autorize o não preenchimento desta circunstância agravativa. Não se provou que o produto fosse, exclusivamente ou sequer, parcialmente, para o consumo do arguido.

Não estamos perante uma quantidade diminuta.

Não estamos perante cedências sem fins lucrativos ou de reduzido grau de disseminação da droga entre a população prisional.

Pelo contrário, com aqueles concretos factos resulta absolutamente potenciada a produção do resultado desvalioso que levou o legislador a agravar a pena, nas expressivas palavras do recente acórdão deste Supremo Tribunal de 3.4.2025, processo 272/22.0JELSB.

O que significa que o arguido colocou em perigo o, supra delineado, bem jurídico tutelado pelo crime de tráfico de droga agravado.

A propósito desta alínea,

- o acórdão deste Supremo Tribunal de 19.5.2021, processo 888/19.1JAPDL.S1, confirmou a condenação pelo tipo agravado em relação ao arguido que tinha nas sapatilhas que trazia calçadas 20 gramas de cannabis em resina;

- o acórdão deste Supremo Tribunal de 30.11.2022, processo 272/21.7T9BJA.S1, confirmou a condenação pelo tipo agravado o arguido que tinha na sua posse 21 gramas de cannabis em resina e,

- mais recentemente, o acórdão deste Supremo Tribunal de 9.7.2025, processo 131/21.3JELSB, afirmou, em sede de recurso, a condenação do arguido, na posse de quatro (4) embalagens vulgo “bolotas” de canabis (resina), com o peso líquido de 37,600 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 18,4%, sendo o equivalente a 138 doses de consumo.

Do que vem de ser dito, cremos bem que não será caso de afastar, como pretende o arguido, a qualificativa em causa.

A modalidade da acção retratada nos factos provados não é susceptível de integrar o tipo base do artigo 21.º, tão pouco, o tipo privilegiado do artigo 25.º - como pretende o arguido.

Não se vislumbra qualquer circunstância excepcional que possa afastar a previsão do crime de tráfico de estupefaciente, do tipo enunciado no artigo 21.º, agravado pelo artigo 24.º alínea h) do Decreto Lei 15/93, de forma a subsumir a conduta do arguido à, por si pugnada, previsão do crime de tráfico de estupefacientes privilegiado do artigo 25.º.

Entre a especial gravidade, a normal gravidade e a menor gravidade, cremos que bem se decidiu, pelo primeiro patamar.

Improcede, assim, este segmento do recurso.

3. 2. A medida da pena.

3. 2. 1. Vejamos primeiramente a fundamentação da decisão recorrida.

Para se concluir pela pena em 5 anos e 7 meses de prisão, necessariamente efetiva, expendeu-se na decisão recorrida pela forma seguinte:

“Preceitua o artigo 71º, n.º 1 do Código Penal que “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, atendendo, nomeadamente, às circunstâncias que depuserem a favor do agente ou contra ele constantes do n.º 2 do mesmo artigo.

A culpa estabelece o limite máximo da pena concreta que não poderá em caso algum ser ultrapassado e que se revele ainda compatível com as exigências da dignidade da pessoa, tendo em conta o disposto nos artigos 1º, 13º, 40º, n.º 2, todos do Código Penal e art.º 25.º da Constituição da República Portuguesa.

Dentro do limite máximo permitido pela culpa, e tendo em atenção como limite mínimo a defesa do ordenamento jurídico e a reposição da confiança da comunidade na validade das normas, será determinada a medida da pena de acordo com considerações de prevenção geral e especial.

No caso, há que atender à ilicitude elevada, expressa na quantidade de produto estupefaciente, e ao leque alargado de potenciais compradores, mitigada por uma conduta, de entre as elencadas no artigo 21º, menos censurável.

A culpa do arguido foi elevada, na modalidade de dolo direto.

As necessidades de prevenção geral são elevadíssimas face ao flagelo social que constitui a toxicodependência e toda a atividade ligada à compra e venda de estupefacientes, mormente em estabelecimentos prisionais.

São fortes as necessidades de prevenção especial. Estava em cumprimento de uma pena longa por criminalidade particularmente violenta, condenação que não foi suficiente para o afastar da prática deste delito; e em liberdade o seu percurso foi marcado por más escolhas e adições, ao longo do percurso prisional evidenciou inicialmente uma postura de motivação para a aquisição de competências académicas e para a resolução da problemática aditiva, mas já em 2024 veio a registar duas sanções disciplinares por factos ocorridos no EP de Vale de Sousa, que determinaram a sua colocação em regime de segurança no EP de Paços de Ferreira onde teve uma nova sanção disciplinar em novembro de 2024 por danificar bens do EP. Denota-se, assim, forte instabilidade e dificuldade em manter um plano de reinserção robusto.

A seu favor, não se apurou se o arguido iria ganhar algo diretamente com a venda do estupefaciente ou se essa venda seria feita por si ou por terceiro. A sua imputação cinge-se à guarda, embora tal fosse essencial para o sucesso do plano.

Assumiu a detenção/guarda (mesmo numa cela partilhada) e o conhecimento sobre a natureza do produto que guardava, colaborando de forma ativa para descoberta da verdade”.

3. 2. 2. A isto que contrapõe o arguido?

E, última análise defende o arguido que deve o crime ser enquadrado dentro do artigo 25.º do Decreto Lei 15/93 e a pena ser diminuída para um valor nunca superior a 3 anos de prisão, ara de seguida afirmar que deve ser diminuída para o mínimo legalmente admissível.

Para o que alinha o seguinte raciocínio:

- confessou a detenção do produto estupefaciente - facto que permite o preenchimento do tipo legal;

- o estupefaciente apreendido não foi disseminado - ainda que por razão alheia ao arguido não potenciou os efeitos perniciosos da droga;

- não se apuraram vendas;

- não se apurou logística;

- não se apurou complexidade ou organização;

- não se apuraram rendimentos;

- não foram apreendidos apontamentos ou outros meios que potenciassem vendas;

- estamos a falar de haxixe e de uma atividade que se cinge a um único dia;

- o arguido encontra-se inserido social e dispõe de integração profissional se restítuido à liberdade,

O arguido dispõe de forte apoio familiar

Como vimos o mínimo legalmente admissível no enquadramento legal, defendido pelo arguido, seria de prisão de 1 ano.

Contudo, como acabamos de decidir, o segmento do recurso referente à operação de subsunção dos factos ao direito improcedeu.

Improcedendo, como improcede a pretensão substantiva atinente à qualificação jurídica do crime de tráfico, resta sem objeto a questão da correcção e justeza da pena que lhe foi aplicada.

Ausência de contestação a que não será, seguramente, estranha a circunstância de a pena imposta no acórdão recorrido – 5 anos e 7 meses de prisão - se aproximar do limiar mínimo da moldura penal do crime cometido pelo recorrente (punido com a pena de 5 a 15 anos de prisão).

Aplicado este regime normativo ao caso, é incontestável que a questão do desagravamento e do privilegiamento do tráfico é perfeitamente autónoma, distinta da questão da determinação da medida da pena aplicada ao crime de tráfico agravado.

O arguido descurou que a improcedência da reclamada alteração da qualificação jurídica dos factos deixava incólume a pena aplicada pelo crime de tráfico agravado.

Improcedendo – como efetivamente improcedeu – a reclamada alteração da qualificação jurídica do crime, confirmando-se, como se confirma, a condenação pelo tráfico agravado p. e p. pelo artigo 21.º/1 e 24.º alínea h) do Decreto Lei 15/93 e nada tendo o recorrente alegado e concluído quanto à pena decretada ou que pretendesse ver aplicada pela prática do referido crime, não resta senão concluir que a dosimetria da correspondente pena que lhe foi imposta pelo Tribunal recorrido, é questão não suscitada.

Consequentemente, não estando incluída no objeto do recurso, não pode reexaminar-se.

De todo o modo, o Tribunal recorrido, para individualizar a pena de prisão decretada ponderou os fatores legalmente firmados. Desde logo as fortes necessidades de prevenção geral positiva e negativa, demandadas pelo tráfico de estupefacientes. Ponderou também, o grau de culpa, a nível de dolo directo, bem como a quantidade e qualidade do estupefaciente que o arguido detinha – conduta de entre as elencadas no artigo 21.º menos censurável.

E bem assim, a favor do arguido, “o facto de não se ter apurado se o arguido iria ganhar algo diretamente com a venda do estupefaciente ou se essa venda seria feita por si ou por terceiro - a sua imputação cinge-se à guarda, embora tal fosse essencial para o sucesso do plano . e, ainda, o facto de ter assumido a detenção/guarda (mesmo numa cela partilhada) e o conhecimento sobre a natureza do produto que guardava, colaborando de forma ativa para descoberta da verdade.”

A moldura penal abstracta correspondente ao tipo agravado, pelo qual se mantém a condenação do arguido, é de prisão de 5 a 15 anos de prisão.

E, dentro desta moldura a pena de 5 anos e 7 meses de prisão, no patamar inferior e bem próximo do mínimo legal, ajusta-se às circunstâncias do caso concreto.

Ao facto de não se ter apurado se o arguido iria ganhar directamente com a venda ou se essa venda iria ser feita por terceiros, bem como o facto de ter assumido a detenção/guarda do estupefaciente.

De realçar que não vem provado que o arguido fosse consumidor e, como é sabido nesta sede, mesmo que tal viesse provado não relevaria.

Nessa medida, cremos que não merece qualquer censura uma pena consideravelmente baixa, mas em que foram ponderadas todas as circunstâncias que militavam a favor do arguido, mormente a assunção da detenção do estupefaciente.

Não comporta, assim, intervenção correctiva a pena fixada em 5 anos e 7 meses de prisão.

III. Dispositivo

Por todo o exposto, acordam os Juízes que compõem este Tribunal em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA.

Custas pelo arguido, com taxa de justiça que se fixa em 4 UC,s, artigos 513.º/1 e 514.º/1 CPPenal e 8.º/9 e Tabela III do RCProcessuais.

Certifica-se que o acórdão foi processado em computador pelo relator e integralmente revisto e, assinado eletronicamente por si e pelos Srs. Juízes Conselheiros adjuntos, nos termos do artigo 94.º/2 e 3 CPPenal.

Supremo Tribunal de Justiça, 2025SET25

Ernesto Nascimento – Relator

Jorge Jacob – 1.º Adjunto

Ana Paramés – 2.ª Adjunta