RECURSO REJEITADO
FORA DE PRAZO
ADVOGADO CONSTITUÍDO
DEFENSOR OFICIOSO
ESCUSA
INTERRUPÇÃO DO PRAZO
Sumário

Texto Integral


AA veio reclamar do despacho do Sr. Juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, Juízo de Competência Genérica de Vila Pouca de Aguiar, datado de 23.05.2022, que lhe não admitiu o recurso por si interposto, com o fundamento na sua intempestividade e cujo teor, na sua parte dispositiva, é o seguinte:
«(…) não tendo o prazo de interposição de recurso, nos presentes autos, suspendido com o pedido de escusa, nos termos expostos, é o presente requerimento de interposição de recurso manifestamente extemporâneo, e, nessa medida, processualmente inadmissível.
Notifique, incluindo os dois Defensores Oficiosos.».

Segundo o reclamante, o recurso não deveria ter sido rejeitado, por ter sido apresentado tempestivamente, argumentando que o pedido de dispensa do anterior defensor interrompeu o prazo de recurso.

II - Fundamentação

As incidências fáctico-processuais a levar em linha de conta são as constantes do Relatório supra e ainda o seguinte:

1. Em 30.03.2022 foi depositada a sentença na secretaria do tribunal “a quo”, na qual se condenou o arguido nos seguintes termos:
- Condenar o arguido AA, pela pratica de um crime de ameaça agravada p. e p. no artigo 153º, nº1 e 155º nº 1 al. a) do Código Penal, na pena de 210 dias de multa à taxa diária de € 5,00;
- Condenar o arguido AA pela prática de dois crimes de injúria, p. e p. pelo artigo 181º, nº.1 do Código Penal, na pena de 110 dias de multa, por cada incriminação, à taxa diária de € 5,00;
Em cumulo jurídico de penas, condenar o arguido AA na pena única de 400 dias de multa à taxa diária de € 5,00;
- Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pelo demandante e, em consequência condenar o demandado AA a pagar àqueles a quantia de € 300,00, a título de danos não patrimoniais, a cada assistente;
2. No dia 06.04.2022, o defensor oficioso nomeado ao arguido, nos presentes autos, fez um pedido de escusa do patrocínio, tendo sido nomeado em sua substituição um outro defensor, o Dr. BB, em 14.04.2022.
3. Em 18.05.2022, este defensor signatário interpôs recurso da sentença, tendo o mesmo sido rejeitado por extemporâneo.

A presente reclamação suscita problemática que tem sido objecto de alguma controvérsia.
De um lado, os que preconizam a interrupção desse prazo até à nomeação do defensor substituto, reiniciando-se de novo o prazo em causa porque, muito embora o defensor se mantenha em funções para os actos subsequentes do processo, até ser substituído, o prazo a decorrer interrompe-se até à notificação da nomeação do defensor substituto ou do indeferimento do pedido de dispensa [esta posição é perfilhada nos Acórdãos do TRL de 17.03.2010, proc. 625/04.5GALNH-A.L1-3 e do TRG de 09.02.2009, proc. 2606/08, ambos in www.dgsi.pt]
Do outro lado, os que defendem que o pedido de dispensa de patrocínio por parte do defensor não interrompe ou suspende qualquer prazo, nomeadamente o prazo de interposição de recurso, porque, enquanto não for substituído, o defensor mantém-se para os actos subsequentes do processo [louvam-se estes na disposição especial para o processo penal contida no artº 42º, nº 3, da Lei nº 34/2004, de 29.07, e no disposto no artº 66º, nº 4, do Código de Processo Penal (CPP).
É, esta última, a posição jurisprudencial maioritária, e acolhida neste Tribunal da Relação, que presentemente se perfilha - neste sentido, vide, entre muitos outros, Ac.s do STJ de 23106/2005, proc. 2251/05 e de 09/11/2016, proc.2356/l4.9JAPRT.Pl.S1, Ac.s da RG de 24-09-2018, proc. 521/16.3T9GMR.G1, de 11/10/2011, proc. 487/l0.3GBBCL.Gl, de 22/03/2013, proc. 137/09.OIDBRG.02 e de 25105/2015, proc. 1715/12.6GBRCL.G1 e Ac.s da RC de 07/12/2016, proc. 87/85/13.8TDPRT-A.C1 e de 18/12/2013, proc. 139/96.5TATND.C1, Ac. da RP de 16/4/2008, proc. 0840455, Ac.s da RL de 17/12/2008, proc. 9829/2008 e de 21/06/2011, proc. 4615/06.5TDLSB, todos acessíveis no endereço www. dgsi.pt.

Com efeito, há uma diferença de regimes entre a substituição de patrono e a substituição de defensor oficioso e suas implicações em termos de prazo para a prática do acto que esteja a decorrer no momento da apresentação do pedido ou requerimento, tendo em vista essa substituição.
Segundo o disposto no artº 66°, n°. 4, do CPP, enquanto não for substituído, o defensor nomeado para um acto mantém-se para os actos subsequentes do processo. A lei processual penal não permite, assim, que o arguido, nas fases em que é obrigatória a assistência do defensor, possa estar desacompanhado deste, de modo a que possam ser asseguradas todas as garantias de defesa, incluindo o recurso (cfr. artºs 32°, n.°s 1 e 3, da CRP).
A Lei n°. 34/2004, de 29 de Julho (Acesso ao Direito e aos Tribunais), com as alterações subsequentes, sendo a última introduzida pela Lei n°. 47/2007, de 28 de agosto, estabelece o regime de substituição do patrono nomeado e o pedido de escusa por parte deste, respectivamente, no artigo 32° e no artigo 34°, que constam do Capitulo III, Protecção Jurídica, e prevê no Capítulo IV, Disposições Especiais Sobre o Processo Penal, correspondendo aos artºs 39º a 46°.

Sobre o pedido de escusa por parte do patrono nomeado, rege o artº 34º:
1 - O patrono nomeado pode pedir escusa, mediante requerimento dirigido à Ordem dos Advogados ou à Câmara dos Solicitadores, alegando os respectivos motivos.
2 - O pedido de escusa, formulado nos termos do número anterior e apresentado na pendência do processo, interrompe o prazo que estiver em curso, com a junção dos respectivos autos de documento comprovativo do referido pedido, aplicando-se o disposto no n.° 5 do artigo 24º.
3 - O patrono nomeado deve comunicar no processo o facto de ter apresentado um pedido de escusa, para os efeitos previstos no número anterior.
4 - A Ordem dos Advogados ou a Câmara dos Solicitadores aprecia e delibera sobre o pedido de escusa no prazo de 15 dias. (...).
Já no âmbito do Capítulo IV, Disposições Especiais Sobre o Processo Penal, acerca da nomeação de defensor, estatui o artº 39°, n°. 1:
- A nomeação de defensor ao arguido, a dispensa de patrocínio e a substituição são fritas nos termos do Código de Processo Penal, do presente capítulo e da portaria referida no n.° 2 do artigo 45.°

Relativamente à dispensa de patrocínio, estatui o arº 42°:
1 - O advogado nomeado defensor pode pedir dispensa de patrocínio, invocando fundamento que considere justo, em requerimento dirigido à Ordem dos Advogados.
2 - A Ordem dos Advogados aprecia e delibera sobre o pedido de dispensa de patrocínio no prazo de cinco dias.
3 - Enquanto não for substituído, o defensor nomeado para um acto mantém-se para os actos subsequentes do processo.
4 - Pode, em caso de urgência, ser nomeado outro defensor ao arguido, nos termos da portaria referida no nº 2 do artigo 45.°

Do confronto entre o regime do pedido de escusa por parte do patrono nomeado (que no âmbito do processo penal, terá lugar por via da concessão da protecção jurídica, nessa modalidade, ao assistente, ao demandante ou ao demandado cível) e o regime do pedido de dispensa de patrocínio pelo defensor do arguido (sendo que a nomeação do defensor poderá ser feita fora da concessão de apoio judiciário, nos casos em que o arguido não constitua mandatário e sendo obrigatória a assistência de defensor [como é o caso nos recursos ordinários ou extraordinários – artº 64º, nº 1, al. e)]) - cfr. artº 64°, nºs. 3 e 4, do C.P.P. e artº 39° da Lei n°. 34/2004), decorre que a lei prevê expressamente, no artigo 34°, n°. 2, da Lei n°. 34/2004, que o pedido de escusa do patrono, apresentado na pendência do processo, interrompe o prazo que estiver em curso, não existindo qualquer norma nesse sentido, no Capitulo das Disposições Especiais Sobre o Processo Penal, sendo que a remissão do artigo 46° para as normas do capítulo anterior, se reporta aos casos de concessão de protecção jurídica.
No âmbito do processo penal, e com referência à nomeação de defensor, atento o preceituado no artº 39º, nº 10, prescreve-se expressamente que o requerimento para a concessão de apoio judiciário não afecta a marcha do processo.
Logo, prevendo a Lei n°. 34/2004 disposições especiais aplicáveis ao processo penal, sobre a nomeação, substituição e dispensa de patrocínio do defensor nomeado ao arguido, e dispondo, no artº 42°, nº 3, em conformidade com o estatuído no artº 66°, n°. 4, do CPP, que enquanto não for substituído, o defensor nomeado para um acto mantém-se para os actos subsequentes do processo, carece de fundamento o motivo de que a apresentação do pedido de dispensa de patrocínio pelo defensor nomeado ao arguido interrompe o prazo que estiver em curso, designadamente, para a interposição de recurso.
Mantendo-se em funções, até que seja substituído, o defensor nomeado, estando asseguradas as garantias de defesa ao arguido, nomeadamente o direito ao recurso, não há qualquer prejuízo para o arguido, decorrente do incidente tendo em vista a substituição do defensor.
Ademais, estatuindo o apontado artº 66º, nº 4, do CPP, que enquanto não for substituído, o defensor nomeado para um acto mantém-se para os actos subsequentes, não pode deixar de estarem abrangidas situações como a da interposição de recurso, já que aquele, por via do seu pedido de dispensa, não passou a padecer de qualquer capitis diminutio no exercício do cargo.
Bem pelo contrário, tal normativo reafirma a plenitude dessas funções de defesa oficiosa.
Cumpre ainda reiterar, na esteira do apontado Acórdão do STJ de 09/11/2016, proc. 2356/l4.9JAPRT.Pl.S1, que não se verifica aqui qualquer lacuna da lei processual penal nem da Lei 34/2004, como também o regime geral previsto no artº 24.º, n.º 4, desta última lei, não é compatível com o regime da representação do arguido no processo penal, razão pela qual é de afastar qualquer aplicação analógica da norma do artº. 34.º, n.º 2, da Lei 34/2004.
Assim, no caso sub judice o pedido de dispensa de patrocínio do defensor nomeado ao arguido/reclamante não interrompeu nem suspendeu o prazo de interposição de recurso a decorrer.

Deste modo, face à data de depósito da sentença – 30.03.2022 - e do requerimento de interposição do recurso apresentado, em 18.05.2022, mostrando-se decorrido o prazo legal de 30 dias para o efeito, é aquele extemporâneo.

*
Não se descortina que o despacho reclamado e o ora decidido, confirmando este, sejam violadores dos princípios constitucionais da igualdade de armas entre assistente e o arguido, do direito à assistência pelo advogado (defesa efectiva), não infringindo o preceituado no art.º 411 do CPP, os art.º 17.º, 18.º, 24.º e 34.º, da Lei 34/2004 de 29/07.

Porquanto se deixa aduzido, improcede a reclamação.

III. Decisão

Nestes termos e pelos fundamentos expostos, desatende-se a reclamação apresentada pelo arguido AA.

Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC’s.
Guimarães, 11 de Julho de 2022

O Presidente do Tribunal da Relação de Guimarães,


António Júlio Costa Sobrinho