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ASSISTENTE
LEGITIMIDADE
INTERESSE EM AGIR
Sumário
Texto Integral
Reclamantes: AA (assistente);
Reclamado: Ministério Público;
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I - Relatório
AA, assistente, vem reclamar do despacho da Srª. Juíza do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, Juízo Local Criminal de Viana do Castelo - Juiz ..., datado de 24.01.2023, que não lhe admitiu o recurso por si interposto, nos seguintes termos: «Não se admite o recurso interposto pelo assistente, por falta de legitimidade para recorrer da sentença condenatória proferida, e dada a ausência de interesse em agir (cfr. arts.401º, nº.1, al.b), a contrario, e nº.2 e 414º, nº.2, ambos do C.P.P., Assento nº.8/99, de 30-10-97, in D.R. I série-A, nº.185, de 10-8-99, e ainda v.g., Ac.S.T.J. de 18-1-12 e Ac.R.G. de 8-5-17, ambos in www.dgsi.pt)».
Fundamenta a sua reclamação nos seguintes argumentos que se sintetizam:
1. Inconformado com a sentença que condenou o arguido BB pelo crime de ofensas à integridade física por negligência, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de 6 euros, dela veio o assistente, ora Reclamante, interpor recurso.
2. O reclamante tem legitimidade e interesse em agir para interpor recurso da sentença que pôs termo ao processo à margem identificado, pois a decisão condenatória e objecto de recurso quanto à graduação da culpa tem relevância para o assistente, ora Reclamante.
3. Efectivamente, por força do sinistro em discussão sub judice, o ora Reclamante tem pendente no Juízo Central Cível de Viana do Castelo, Juiz ..., a acção de processo comum nº 411/21.8T8VCT, onde se discute a dinâmica do sinistro e onde o mesmo imputa ao aqui arguido a responsabilidade exclusiva na eclosão do sinistro – cfr. petição inicial que se junta (doc. 1).
4. Ao contrario do que é invocado pelo tribunal a quo, não se retira do Assento nº 8/99, de 30-10-97 (in D.R. I série – A, nº 185, de 10-8-99) a conclusão de que o assistente/Reclamante não dispõe de legitimidade para interpor recurso da sentença nos presentes autos.
5. Com efeito, pode ler-se no texto desse Assento nº 8/99, de 30-10-97: “ 5- (….) O processo penal não pode ser entendido como um corpo fechado em que as suas decisões não importem reflexos noutros campos de direito que não os estritamente penais (reflexos a manifestarem-se no próprio processo em curso, mas em matéria não penal, ou em processo de outra natureza). (….) “6 – A medida da culpa é o limite máximo da medida da pena. Se o assistente tiver ficado vencido quanto à matéria da culpa (considerar a decisão, v.g., que concorreu culposamente para a produção do facto ou para o agravamento das suas consequências) e houver pedido cível deduzido, ao assistente interessa demonstrar que a culpa do arguido deve ser graduada em percentagem superior ou mesmo que é exclusiva ou, inclusive, que foi grosseira. (…) “7 – O que ficou referido importa, quando o reflexo a ter seja em processo não penal, que possa considerar indiscutível o decidido por força do caso julgado. (…) “8 – A decisão final, em processo penal, pode pois afectar o interesse do assistente, máxime em sede de atribuição (e eventual repartição) e graduação (e sua intensidade) da culpa, sendo que a medida da culpa é o limite máximo da medida da pena e interessa à determinação da espécie da pena. Se a discordância deriva de causa que afectou o interesse do assistente e em razão de tal possa considerar vencido [CPP – 401, 1 b] e 2, e 69,1 e 2 c)] tem este interesse em agir, pelo que pode recorrer. (…) 14 – Não se afigura correcto confundir legitimidade processual com interesse em agir. Tão pouco nos parece lícito negar ao assistente direito a ver reflectido em outras áreas do direito uma decisão penal naquilo que o caso julgado lhe conferir eficácia e fazê-lo equivaler à “realização de um interesse próprio e particular de vingança pessoal ou represália””.
6. O objectivo da interposição do recurso tem a ver com a graduação da culpa que foi efectuada pelo tribunal a quo na sentença recorrida [considerando que o arguido/Recorrido contribuiu para eclosão do sinistro numa percentagem de 60% e que o assistente/Recorrente contribuiu com uma percentagem de responsabilidade de 40%].
7. Graduação, essa, que terá efeitos no âmbito da acção judicial cível instaurada pelo ora Reclamante contra a companhia de seguros que segurava a viatura de matrícula ..-0I-.., tripulada pelo arguido, por via do disposto no artº 623º do Cód. Proc. Civil.
8. Nessa medida, o ora Reclamante tem interesse em recorrer da sentença proferida pelo tribunal a quo, pois, de outra forma, terá no âmbito da acção cível por si instaurada que ilidir uma presunção de que o arguido/Recorrido contribuiu para eclosão do sinistro numa percentagem de 60% e que o assistente/Recorrente contribuiu com uma percentagem de responsabilidade de 40%.
9. Daí o seu interesse em agir e consequente legitimidade para interpor o recurso de apelação por si tempestivamente apresentado.
Pede que seja admitido o recurso.
II - Fundamentação:
As incidências fáctico-processuais a considerar são as constantes do Relatório I supra e ainda o seguinte:
1 - O despacho reclamado de 24.01.2023 tem o seguinte teor: «Não se admite o recurso interposto pelo assistente, por falta de legitimidade para recorrer da sentença condenatória proferida, e dada a ausência de interesse em agir (cfr. arts.401º, nº.1, al.b), a contrario, e nº.2 e 414º, nº.2, ambos do C.P.P., Assento nº.8/99, de 30-10-97, in D.R. I série-A, nº.185, de 10-8-99, e ainda v.g., Ac.S.T.J. de 18-1-12 e Ac.R.G. de 8-5-17, ambos in www.dgsi.pt)».
2 - Em 02.12.2022, foi proferida sentença, decidindo-se na parte dispositiva, o seguinte: «- condena-se o arguido BB pela prática do crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo art.148º, nº.1 do C.P., na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de 6 euros, o que perfaz a quantia de 360 euros; e, - condena-se ainda o arguido, de harmonia com o disposto no art.69º, nº.1, al.a) do C.P., na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, pelo período de 3 (três) meses».
3 – Na mencionada sentença foi ainda decidido, em sede de fundamentação, o seguinte: «Ora, daqui se infere que o acidente ocorrido e o resultado verificado não ficaram a dever-se exclusivamente à conduta do arguido, mas também à do próprio assistente, uma vez que sobre ele, como condutor de um velocípede, também recaiam deveres que devia e podia ter observado, tais como os previstos nos arts.38º, nº.2, al.d) – uma vez que não assinalou a sua intenção de contornar um obstáculo - e 65º, nº.1 do C.E.. É que, se o assistente se tivesse assegurado previamente de que podia contornar o dito espelho do veículo estacionado, não se afastando a sua trajectória inicial (e até cedendo a passagem à ambulância), o arguido, não obstante não vir já a guardar a distância lateral de segurança Processo: 24/19.4GBCMN em relação aos demais ciclistas que seguiam em fila, atrás do assistente, teria, mesmo assim, da mesma forma que passou pelos demais ciclistas (pelo menos quatro) sem com eles colidir, teria também ultrapassado o assistente, sem nele tocar, pelo que, também a conduta do assistente, ao desviar-se, sem mais e da forma que o fez, da sua trajectória inicial, contribuiu para o acidente, que poderia ter evitado. Assim, uma vez que a conduta do assistente foi concausal do acidente, que não se teria verificado, ou não se teria verificado nos moldes em que se verificou, não fosse também aquele comportamento da vítima, concluímos que também o assistente poderia e deveria ter sido mais diligente. Temos, pois, que quer o arguido, quer o assistente, contribuíram para a produção do acidente e consequente resultado, sendo, em face dos factos provados e das considerações expendidas, fixável em 60% a responsabilidade do arguido e em 40% a do assistente (mais vulnerável, face ao velocípede que conduzia) na ocorrência daqueles. Tal conclusão, embora não obste à imputação ao arguido da prática do crime de que vem acusado, releva e terá que ser tomada em consideração na determinação da medida da pena a aplicar».
Apreciando:
Como preceitua o artº 405º, nº 1, do Código de Processo Penal (CPP), a reclamação para o presidente do tribunal a que o recurso se dirige destina-se apenas contra despacho que não admitir ou que retiver o recurso.
O artº 399º do CPP consagra uma regra geral de recorribilidade dos acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei, ainda que se preveja no processo penal diversas situações taxativas de irrecorribilidade das decisões.
Por sua vez, preceitua o artº 401º, nº 1, al. b), do CPP, que o assistente tem legitimidade para recorrer de decisões contra ele proferidas.
E o seu nº 3 estatui que não pode recorrer quem não tiver interesse em agir.
Já o artº 69º, nº 2, al. c), estabelece que os assistentes podem interpor recurso das decisões que os afectem, mesmo que o Ministério Público o não tenha feito.
No caso em apreço, o despacho reclamado de rejeição do recurso fundamenta-se na falta de legitimidade do assistente para recorrer da sentença condenatória proferida e na ausência de interesse em agir, com base, quer na lei, que cita – artºs.401º, nº.1, al.b), a contrario, e nº.2 e 414º, nº.2, ambos do CPP, quer na jurisprudência, que também refere - Assento nº.8/99, de 30-10-97, in D.R. I série-A, nº.185, de 10-8-99, Ac.S.T.J. de 18-1-12 e Ac.R.G. de 8-5-17.
Todavia, salvo o devido respeito, entende-se que carece de razão.
Dir-se-á mais: os preceitos legais e arestos citados permitem inclusive elucidar sobre a admissibilidade do recurso no caso concreto.
Com efeito, importa, desde logo, sublinhar, como é, aliás, ressaltado no aludido Assento nº 8/99, que o assistente tem legitimidade para recorrer, mesmo desacompanhado do Ministério Público, quando demonstrar um concreto e próprio interesse em agir.
E o citado Acórdão do TRG de 08.05.2017 elucida que “o interesse em agir do assistente, como pressuposto do recurso, significa a necessidade que o mesmo tenha de usar este meio para reagir contra uma decisão que comporte uma desvantagem para os interesses que defende, ou que frustre uma sua expectativa ou benefício legítimos, pelo que não poderá recorrer quem não tem qualquer interesse juridicamente protegido na correcção da decisão, só o podendo fazer se esta lhe determinar uma efectiva desvantagem”.
Neste pressuposto, adianta-se já que, perspectivado o recurso, como nele expressamente consta, quanto ao pedido de revogação e substituição da sentença por outra que considere o arguido/recorrido o único e exclusivo - 100% - responsável pela eclosão do sinistro em discussão e, consequentemente gradue a culpa e a respectiva medida da pena em conformidade, tem o reclamante/assistente interesse em agir, na medida em que está em causa a atribuição e graduação duma responsabilidade pela ocorrência do facto ilícito inerente a acidente de viação, imputando também a culpa ao próprio assistente, na percentagem de 40%.
Com efeito, será que, no caso concreto, o assistente - pretendendo acautelar o seu direito à indemnização, em acção cível contra a seguradora do veículo conduzido pelo arguido e visando com o recurso interposto a alteração dessa graduação de responsabilidade [pois que esta terá efeitos no âmbito da acção judicial cível instaurada pelo ora reclamante contra a companhia de seguros que segurava a viatura de matrícula ..-0I-.., tripulada pelo arguido, por via do disposto no artº 623º do Código de Processo Civil (CPC), pois, de outro modo, terá no âmbito dessa acção cível por si instaurada que ilidir uma presunção de que o arguido/Recorrido contribuiu para eclosão do sinistro numa percentagem de 60% e que o assistente/Recorrente contribuiu com uma percentagem de responsabilidade de 40%, como defende o reclamante] - manifesta dessa forma um interesse concreto e próprio em agir?
A resposta é positiva.
Em matéria de legitimidade averiguamos quem pode recorrer, e no domínio do interesse em agir apreciamos que interesse tem a pessoa que quer recorrer, em interpor aquele concreto recurso.
Ou seja, aqui indaga-se se o direito ou interesse prosseguido pelo assistente é atendível para o efeito, tendo em conta o respectivo estatuto processual e, no limite, aquilo que se pretende com a impugnação judicial.
Nesta problemática, já o mencionado Assento n.º 8/992, havia decidido que “o assistente não tem legitimidade para recorrer, desacompanhado do Ministério Público, relativamente à espécie e medida da pena aplicada, salvo quando demonstrar um concreto e próprio interesse em agir.”
Mas indo mais longe e acolhendo uma posição mais flexível e abrangente, o Acórdão do STJ de Fixação de Jurisprudência n.º 2/2020, 26-03 definiu que “O assistente, ainda que desacompanhado do Ministério Público, pode recorrer para que a suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido foi condenado fique condicionada ao pagamento, dentro de certo prazo, da indemnização que lhe foi arbitrada”.
In casu, o assistente alicerça a necessidade do recurso interposto com vista a impugnar judicialmente a fixação da sua responsabilidade por facto ilícito em 40%, a sua impugnação judicial com vista a evitar ter que ilidir uma presunção de que o arguido/recorrido contribuiu para eclosão do sinistro numa percentagem de 60% e que o assistente/recorrente contribuiu com uma percentagem de responsabilidade de 40%., em face do estatuído no artº 623º, do CPC.
De facto, sob a epígrafe ‘Oponibilidade a terceiros da decisão penal condenatória’, preceitua este normativo que a condenação definitiva proferida no processo penal constitui, em relação a terceiros, presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime, em quaisquer ações civis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infração.
Sobre esta problemática, permitimo-nos citar parte do douto Acórdão 04.11.2021, deste TRG, processo nº 5193/19.0T8BRG-A.G1, por ser elucidativo: «O artigo 623.º do CPC regula o caso de ter havido condenação pelo ilícito criminal e não ter sido exercido, nessa acção, o direito de pedir a indemnização. Ao contrário do que acontecia com a lei anterior segundo a qual a decisão condenatória definitiva constituía caso julgado quanto à existência e qualificação do facto punível e quanto à determinação dos seus agentes – presentemente a sentença condenatória transitada constitui apenas presunção ilidível quanto aos pressupostos da punição, aos elementos típicos legais e as formas do crime (art.º 10º a 30º do Cód. Penal). A decisão proferida em processo penal constitui, assim, uma presunção juris tantum (ilidível mediante prova em contrário de terceiro) da existência dos factos constitutivos em que se tenha baseado a condenação. Com efeito e, como sustenta Lebre de Freitas e Isabel Alexandre“não se trata, directamente, da eficácia extraprocessual da prova produzida no processo penal, mas da eficácia probatória da própria sentença”. (In CPC Anotado, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Vol. 2º, p. 763, 4ªed.1) Essa possibilidade de ilidir a presunção nunca é concedida ao arguido condenado, a quem já foi dada a faculdade do contraditório. Ele teve oportunidade de juntar provas e aduzir as razões de facto e de direito, no processo penal e, não há falta de contraditório. Também Lopes do Rego (Comentários ao Código de Processo Civil”, pag, 448) defende que a norma do artigo 674.º- A (actual 623.º do CPC) estabelece “a relevância “reflexa” do caso julgado penal condenatório em subsequentes acções de natureza cível, materialmente conexas com os factos já apurados no processo penal – e tendo, nomeadamente em conta que a condenação penal pressupõe uma exaustiva e oficiosa indagação de toda a matéria de facto relevante, bem como a certeza “prática” de que o arguido cometeu a infracção que lhe era imputada”. O artigo 623.º do CPC refere-se aos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como aos respeitantes às formas do crime. Reconhecendo-se que a condenação penal pressupõe uma exaustiva e oficiosa indagação de toda a matéria de facto relevante, não poderá, em todo o caso, recusar-se também que essa eficácia se encontra necessariamente limitada aos factos – efectivamente – apurados na acção penal)” Em suma: segundo Lebre de Freitas, em síntese, se a presunção é invocável perante terceiros relativamente ao processo penal, entre as partes é inilidível. Em verdade, enquanto os terceiros são alheios ao processo penal, o arguido teve oportunidade de defesa e de contraditório sobre as questões suscitadas. “ Não se trata aqui, diretamente, da eficácia extraprocessual da prova produzida no processo penal, mas da eficácia probatória da própria sentença, independentemente das provas com base nas quais os factos tenham sido dados como assentes. A presunção estabelecida difere das presunções stricto sensu, na medida em que a ilação imposta ao juiz cível resulta do juízo de apuramento dos factos por um ato jurisdicional com trânsito em julgado; não está, porém, em causa a eficácia do caso julgado (ao contrário do que a inserção dos artigos que regulam a matéria poderia levar a supor), mas a eficácia probatória da sentença penal. Ver MARIA JOSÉ CAPELO, “A sentença entre a autoridade e a prova: em busca de traços distintivos do caso julgado civil”, Coimbra, Almedina, 2015, ps. 149-224 e 394 : afastada a ideia de que a vinculação do juiz cível à sentença penal constitua um fenómeno de caso julgado, a autora entende que nos encontramos perante uma "situação sui generis, cuja consagração não tem em consideração tanto a dificuldade de prova dos factos "presumidos", mas sim uma "confiança” na averiguação dos factos feita pelo juiz penal” (In CPC Anotado Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Vol. 2º, p. 763, 4ªed.4). Por isso, aquela mesma autora ( in ob cit, p. 169) refere que Lebre de Freitas/Montalvão Machado/Rui Pinto, no CPC Anotado,Vol.II, reconduzem o fenómeno a uma questão de “ distribuição de prova”, explicitando, por exemplo, a propósito da eficácia de uma sentença penal condenatória que “ o titular do interesse ofendido não tem ónus de provar na ação civil subsequente o ato ilícito praticado nem a culpa de quem praticou, sem prejuízo de continuar onerado com a prova do dano sofrido e nexo de causalidade”. Sem embargo, e seja qual for a teoria utilizada para classificar a situação ( ou a do efeito reflexo do caso julgado ou a teoria da extensão do caso julgado ou da eficácia probatória da sentença penal, enquanto questão de distribuição de prova), cremos que ainda assim se poderá dizer com toda a propriedade o seguinte: -em relação ao arguido condenado no processo penal opera plenamente e sem quaisquer restrições a autoridade do caso julgado da sentença penal no que tange à matéria da autoria, da ilicitude e da culpa, estando vedado ao arguido num subsequente processo cível entre as mesmas partes ilidir a presunção decorrente da sentença penal. Dito de outro modo: os factos que foram considerados provados na sentença penal, têm de ser atendidos na sentença cível como factos provados, não sendo admissível contrariá-los por qualquer meio de prova. - apenas um terceiro é que poderá ilidir a presunção estabelecida no art. 623º do CPC, em homenagem ao princípio do contraditório, alegando factos e produzindo prova para demonstrar que o arguido não praticou os factos pelos quais foi condenado».
Neste sentido também se decidiu no Acórdão do STJ, de 13/01/2010, proc. 1164/07.8TTPRT.S1, acessível em www.dgsi.pt., cujo sumário se transcreve parcialmente: «1. A decisão penal condenatória, transitada em julgado, no respeitante ao autor e à ré, que intervieram na acção penal, na qualidade, respectivamente, de arguido e de assistente, tem eficácia absoluta no tocante aos factos constitutivos da infracção, que não poderão, assim, voltar a ser discutidos dentro ou fora do processo penal, sendo o julgamento desses factos definitivos quanto ao arguido. 2. A possibilidade de ilidir a presunção iuris tantum estabelecida no artigo 674.º-A do Código de Processo Civil, conferida a terceiros, nunca é concedida ao arguido condenado, mas apenas aos sujeitos processuais não intervenientes no processo criminal, em homenagem ao princípio do contraditório (…)».
Ou seja, divergindo e inclusive maximizando a argumentação do reclamante, no presente caso, dir-se-á que o assistente tem legitimidade e interesse em agir para recorrer, já que este é único meio de poder fazer valer a pretendida responsabilidade exclusiva ao recorrido/arguido para efeitos de pedido de indemnização em acção cível (afastando a concausalidade do assistente no sinistro), uma vez que, sendo sujeito interveniente no processo penal, a decisão condenatória transitada, fará caso julgado em relação ao mesmo.
A ilisão da presunção prevista naquele artº 623º apenas é conferida a terceiros, como seja a seguradora do veículo tripulado pelo arguido, o que não é o caso do assistente que intervém neste processo penal.
Neste sentido, o assistente tem necessidade de recorrer da decisão condenatória, que o afecta nos termos sobreditos, com vista a reagir contra uma decisão que comporte uma desvantagem - desde logo, com reflexo no seu direito a indemnização - para o recorrente e que só por esse meio pode ser acautelada.
Assim, pelas razões aduzidas, vai atendida a reclamação.
III – Decisão
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, atende-se a reclamação apresentada pelo assistente AA, devendo o Tribunal de 1ª instância proferir despacho a admitir o recurso interposto, se não existirem outros fundamentos que obstem a tal.