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CORRECÇÃO DA DECISÃO
PRAZO DE RECURSO
INTEMPESTIVIDADE
Sumário
Texto Integral
Reclamante: AA (arguido);
Recorrido: Ministério Público;
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I - Relatório
AA veio reclamar do despacho do Srª. Juíza do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Central Criminal de Guimarães - Juiz ... - datado de 22.09.2024, que não lhe admitiu o recurso por si interposto, por intempestividade.
Segundo o reclamante o recurso deveria ter sido admitido, apresentando, para tanto e resumidamente, os seguintes fundamentos:
1.No dia 26 de Junho de 2024 foi efectuada uma rectificação ao acórdão, pelo que o prazo para recurso se deve contar desde essa data.
2. Interpretação contrária vai no sentido de restringir as garantias de defesa do arguido, atendendo a que o que está em causa é uma correcção do acórdão que, em maior ou menor medida, altera os termos do mesmo por iniciativa do Tribunal recorrido e cujo depósito na secretaria, até hoje, não se verificou.
3. A não se entender assim, argui a inconstitucionalidade dos artºs 380º e 411º do CPP no sentido de que o prazo para a interposição do recurso continua a correr a partir do termo inicial fixado no artº 411º quando a correção da sentença é feita oficiosamente nos termos do disposto no artº 380º do CPP e não é depositada nos termos do artigo 372º, nº5 do CPP com a consequente violação do nº 1, do artº 32º, da Constituição da República Portuguesa.
Pede que seja dado provimento à presente Reclamação e, em consequência, seja admitido o Recurso interposto. II - Fundamentação:
1. O recurso que motivou o despacho ora reclamado foi interposto em 16.09.2024 da sentença que foi lida e depositada em 25.06.2024.
2. Posteriormente, em 26.06.2024, foi proferido despacho de correcção da sentença, do qual foi notificado o arguido na pessoa do seu defensor oficioso, por via postal, em 26.06.2024, nestes termos: «Compulsados os autos verifica-se que o acórdão proferido nos autos padece de lapso manifesto, concretamente no dispositivo, no segmento relativo à suspensão da pena de prisão aplicada à arguida BB, lapso esse do qual o tribunal desde já se penitencia, pelo que se determina a sua retificação, ao abrigo do disposto no artigo 249º, do Código Civil, aqui aplicável ex vi artigo 295º, do Código Civil e artigo 380.º, n.º 1, al. b) Código de Processo Penal, determinando-se que passe a constar o seguinte aditamento: “9.A.7.A - Nos termos conjugados do disposto nos artigos 50.º, n.º1, 2 e 5, 51.º, n.º 1, al. c) todos do Código Penal, suspender a execução da pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão à arguida BB pelo período de 5 (cinco) anos.” (O que aliás, constava já exposto na fundamentação de direito (em concreto no ponto 4.9 dessa fundamentação). Notifique os arguidos e DMMP».
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A primeira questão que se suscita prende-se com o termo inicial do prazo de contagem do recurso, no caso de correcção da sentença, oficiosamente ou a requerimento.
Ou seja, se face à correcção oficiosa da sentença, o prazo para o recurso se conta, ou não, a partir da notificação do despacho que corrigiu a sentença.
O tribunal a quo considerou-o a partir de 25.06.24, data da leitura e depósito da sentença, descurando o despacho de correcção oficiosa da sentença, o qual foi notificado por via postal ao arguido, na pessoa do seu defensor oficioso, em 26.06.2024.
Quanto a esta problemática, analisado o caso concreto, acolhemos a posição defendida na decisão da Mmª julgadora a quo, o qual reflecte, aliás, o entendimento plasmado nos Acórdãos do TC, nº 403/2013, de 15 de Julho, e nº 253/2014, de 18 de Março, dizendo-se naquele: «Quando o arguido entende que está perante um mero erro ou lapso da decisão, cuja eliminação não importe a sua modificação substancial, a dedução do respetivo pedido de correção não suscita dificuldades de maior à eventual intenção daquele recorrer. Nestas situações, o arguido conhece perfeitamente o conteúdo da decisão emitida, mas entende que ela enferma de um erro ou lapso, pelo que ele dispõe de todos os elementos indispensáveis para cumular o pedido de correção com a elaboração das alegações de recurso. Estas poderão ser dirigidas à versão que o arguido entende necessitar de correção, não vedando a interpretação sob fiscalização a faculdade do arguido alterar as alegações entretanto apresentadas, caso a decisão recorrida venha a ser corrigida, tal como atualmente se encontra previsto no artigo 670.º, n.º 3, do Código de Processo Civil. O arguido poderá ainda, se assim o entender, apresentar as alegações de recurso numa formulação condicional, cobrindo as hipóteses de correção ou de não correção do erro ou lapso, bastando para isso utilizar uma argumentação subsidiária. Já quando o arguido entende que está perante uma obscuridade ou ambiguidade da decisão, ele defronta-se com uma opacidade, maior ou menor, do seu conteúdo que, na sua perspetiva, não lhe permite compreender, com certeza, todo o seu alcance, o que pode dificultar a definição pelo arguido do objeto da sua contra-argumentação nas alegações de recurso. Nestes casos, o arguido terá que efetuar um esforço interpretativo no sentido de determinar o sentido da decisão, cuja clarificação pretende, sendo certo que, no caso da decisão recorrida ser aclarada, como já acima referimos, a interpretação sindicada não veda a faculdade daquele poder alterar posteriormente as alegações apresentadas, tal como atualmente se encontra previsto no artigo 670.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, pelo que não se pode afirmar que ela impede um exercício consciente e eficaz do direito ao recurso. Na hipótese do pedido de aclaração ser indeferido, não sendo reconhecida a existência da ambiguidade ou obscuridade apontada, a exigência do esforço interpretativo resultante da interpretação normativa sob fiscalização revela-se legítima, pelo que também nestas situações não se mostra violada a garantia de um efetivo direito ao recurso. Aliás, esse mesmo esforço interpretativo não deixa de ser exigido num regime em que o prazo de dedução do recurso só se inicia com o conhecimento da decisão que indefere o requerimento de correção, uma vez que a decisão cuja aclaração se pretendia permanece inalterada, mantendo as dificuldades de perceção que motivaram o pedido de esclarecimento. Desta análise das condições de dedução do recurso, segundo a interpretação sob fiscalização, resulta que a manutenção dos prazos de recurso definidos no artigo 411.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, mesmo quando tenha sido requerida pelo arguido a correção da decisão que se pretende impugnar, impõe um especial ónus de alegação cujo cumprimento não encerra uma dificuldade excessiva e que se revela proporcional face ao objetivo constitucional perseguido de assegurar uma maior celeridade processual (artigo 20.º, n.º 5, da Constituição), com isso contribuindo para uma boa administração da justiça.»
O Tribunal Constitucional concluiu no aresto citado “não julgar inconstitucional a norma resultante da interpretação dos artigos 380.º e 411.º, nº 1, do Código do Processo Penal, com o sentido de que o prazo para interposição do recurso começa e continua a correr a partir do termo inicial previsto no referido artigo 411.º, n.º 1, mesmo quando o arguido, ao abrigo do disposto no artigo 380.º, n.º 1, b), tenha requerido a correção da sentença” (sublinhado nosso)».
Como se salienta na decisão reclamada, no caso em apreço, o tribunal reclamado determinou oficiosamente a retificação, que se tratou de mera omissão/lapso de escrita (não se consignou no dispositivo, mas tal decorre expressamente e de forma linear na fundamentação do acórdão, que a pena de prisão aplicada à arguida BB era suspensa na sua execução) – lapso ou erro assim decidido e que o aqui reclamante não questionou ou impugnou.
Também releva o mesmo tribunal a quo que é este “(…) o entendimento da maioria da jurisprudência dos tribunais superiores de que, quando requerida uma correção da sentença, o prazo de recurso não sofre qualquer alteração, iniciando-se o mesmo nos momentos referidos no artigo 411.º n.º 1 do Código de Processo Penal, sem necessidade de recurso às disposições do Cód. de Processo Civil, colhendo essa regra apoio na configuração literal da lei, e na redação do próprio Código de Processo Penal, ao não estabelecer qualquer alteração dos prazos de recurso quando há um pedido de correção.- cfr., neste sentido - Ac. deste Tribunal da Rel. Porto de 22.03.1995, Proc. nº 9410852, Rel. Correia de Paiva; Ac. R.Lisboa de 15.04.2005, Proc. nº 614/05, Rel. Silva Pereira, Acs. da R. Guimarães de 30.10.2006, Proc. nº 1793/06; de 13.11.2006, Proc. nº 2049/06; de 23.04.2007, Proc. nº 2226/07; de 26.03.2007, Proc. nº 481/07, todos eles relatados pelo Des. Cruz Bucho; Ac.R.Lisboa de 20.02.2009, Proc. nº 428/08.8GBSXL, Rel. Margarida Blasco; Ac. R. Lisboa de 06.02.2012, Proc. nº Proc. 151/08.3SGLSB, Rel. Carlos Almeida”.
E ainda que “Acresce que, como se salienta no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29.01.2014, disponível no site www.dgsi.pt “o próprio artº 380º do C.P.P. − aplicável quer às sentenças quer aos restantes atos decisórios, neles incluídos os despachos (nºs. 1 e 3 do preceito) −, dispõe que “se já tiver subido recurso da sentença, a correção é feita, quando possível, pelo tribunal competente para conhecer do recurso”, donde se extrai que o recurso pode ser interposto independentemente de ser pedida aclaração ou correção da decisão, ou de ter sido proferida decisão sobre tal pedido. E acrescenta-se, no mesmo aresto, “por outro lado, é substancialmente diferente o âmbito dos poderes de correção conferidos ao juiz em processo penal e em processo civil. Enquanto no processo penal a correção de erros, lapsos, obscuridades ou ambiguidades só pode ocorrer se dela não resultar uma modificação essencial da decisão (artº 380º nº 1 al. b) do CPP), em processo civil o poder de correção em caso de obscuridade ou ambiguidade não sofre qualquer limitação e pode até implicar a prolação de decisão diversa da proferida, se dos autos constarem documentos ou outro meio de prova plena – art.º 669º nº 1 al. a) e 2 al. b) do C.P.C. Na verdade, em processo penal, está vedado ao “juiz penal” o poder de alterar ou modificar substancialmente a decisão proferida, ainda que ao abrigo do seu poder de correção, pelo que não há qualquer justificação para que o prazo de interposição de recurso se suspenda quando o interessado haja formulado um pedido de aclaração ou correção”.
Ora, afigura-se-nos que, in casu, a circunstância de a correcção ter sido oficiosa, não altera os pressupostos que subjazem à fundamentação acima exposta (no sentido de inexistir qualquer restrição do direito de recurso do reclamante, contado o prazo desde a leitura e depósito da sentença – 25.06.2024), na medida em que tratou de corrigir mero lapso manifesto na parte dispositiva (“o que, aliás, constava já exposto na fundamentação de direito (em concreto no ponto 4.9 dessa fundamentação”, como referido no despacho), dizendo respeito exclusivamente tal segmento da decisão a uma outra arguida - a arguida BB.
Como dito pelo tribunal reclamado, “É, pois, inequívoco que a leitura integrada da decisão era fácil e bastante para o arguido formular e conformar o direito ao recurso”.
Ou na esteira do supracitado Acórdão do TC nº 253/2014 “Como o acórdão recorrido bem explica, relativamente às diferentes modalidades de correção, essa exigência, embora imponha um especial ónus de alegação, a dificuldade do seu cumprimento é proporcional ao objetivo constitucional perseguido de assegurar uma maior celeridade processual, não afetando a garantia de um efetivo direito ao recurso”.
Também não se descortina que a sentença corrigida por lapso ou erro que não importe modificação essencial, ao abrigo do disposto no artº 380º, nº 1, al. b) do CPP, como se verificou no caso presente, obrigue ao depósito da decisão, nos termos do artº 372º, nº 5, do CPP, como esgrime o reclamante, sendo que o reclamante não deixou de ser notificado dessa correção na pessoa do seu defensor.
Tão pouco, pelas razões acima aduzidas, ocorre a alegada violação do nº 1, do artº 32º, da Constituição da República Portuguesa, por inconstitucionalidade dos artºs 380º e 411º do CPP e no sentido de o prazo para a interposição do recurso continuar a correr a partir do termo inicial fixado no artº 411º quando a correção da sentença é feita oficiosamente nos termos do disposto no artº 380º do CPP e não é depositada nos termos do artigo 372º, nº5 do CPP.
A correcção oficiosa em questão, sendo irrelevante para a causa (deveu-se a manifesto lapso que não importa qualquer modificação essencial da sentença, notificada ao arguido em 25.06.2024 e depositada nesta data), não afectando os direitos processuais do arguido reclamante, mormente o direito ao recurso.
Tratou-se de um mero erro ou lapso da decisão, cuja eliminação não importou a sua modificação substancial, pelo que aquela correção operada, mesmo que oficiosa, não suscita dificuldades de maior à eventual intenção daquele recorrer, até porque o corrigido lapso dizia respeito unicamente a outro arguido.
Nesta situação o arguido reclamante conheceu perfeitamente o conteúdo da decisão emitida, dispondo de todos os elementos indispensáveis para recorrer, sendo desprovido de relevância própria para tal efeito o lapso manifesto corrigido.
Mostra-se, assim, intempestivo o recurso, mantendo-se a decisão reclamada.
III. Decisão
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, desatende-se a reclamação apresentada pelo arguido AA.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em três Uc’s, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficie.
Guimarães, 30 de Outubro de 2024.
O Presidente do Tribunal da Relação de Guimarães, António Júlio Costa Sobrinho