RECURSO REJEITADO
ARQUIVAMENTO POR DISPENSA DE PENA
CONCORDÂNCIA DO JUIZ DE INSTRUÇÃO
Sumário


I - É irrecorrível a declaração de concordância ou não concordância do juiz de instrução com o arquivamento dos autos em caso de dispensa da pena, ao abrigo do disposto no artº 281.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
II - Tal irrecorribilidade não configura uma violação dos princípios constitucionais, como o de acesso ao direito, tutela jurisdicional efectiva e direito ao recurso.
III - A circunstância de o legislador prever situações em que não é admissível recurso cabe na margem de liberdade, constitucionalmente reconhecida, de conformação concreta do direito ao recurso, desde que não suprima em globo a faculdade de recorrer.

Texto Integral


Reclamante: AA (assistente);
Recorrido: Ministério Público;                     

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I - Relatório
           
AA vem reclamar do despacho do Sr. Juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, Juízo Local Criminal de Vila Real – Juiz ..., datado de 10.08.2024, que não lhe admitiu o recurso por si interposto, com base na sua irrecorribilidade.

Segundo o reclamante o recurso deveria ter sido admitido pelos seguintes fundamentos:

1. O despacho recorrido é ilegal por não se verificarem os requisitos de que depende a concordância do juiz de instrução com o despacho do MºPº.
2. O despacho judicial em causa consubstancia o exercício material da função jurisdicional e, consequentemente, de assumir natureza decisória, não vinculando o assistente a cláusula de impugnabilidade prevista no artº 280º, nº 3, do Código de Processo Penal (CPP)
3. A decisão do Juiz de Instrução Criminal de concordância com o arquivamento por dispensa de pena, sempre será impugnável, através de recurso, quando a discordância respeitar não à oportunidade do arquivamento, mas à verificação dos seus pressupostos e requisitos.

Pede que seja revogado o despacho e admitido o recurso.

Decidindo:

As incidências fáctico-processuais a considerar são as constantes do Relatório I supra e ainda o seguinte:
1. Nos autos de inquérito, o Digno Magistrado do Mº Pº proferiu o seguinte despacho:
« Dos Crimes de Ofensa à Integridade Física Simples:
AA apresentou queixa contra BB, imputando-lhe a prática dos factos referidos a fls. 04 destes autos, os quais são susceptíveis de consubstanciar a prática do crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143.º do Código Penal.
BB, por sua vez, apresentou nos autos com o NUIPC 131/23.9PBVRL (apensado a estes autos a fls. 31) também queixa contra AA, imputando-lhe a prática de factos ocorridos nas mesmas circunstâncias espácio-temporais igualmente subsumíveis ao crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143.º do Código Penal, cfr. fls. 04 desses autos.
Ambas as denúncias tiveram origem em factos ocorridos a 07-03-2023, cerca das 16h00m, junto ao estabelecimento comercial “EMP01...”, sito na Rua ..., em ....
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Procedeu-se a inquérito, tendo sido realizadas todas as diligências possíveis e reputadas necessárias ao esclarecimento da factualidade denunciada, a saber: inquirição dos ofendidos, fotografia, de testemunha, interrogatórios de arguido, perícias médico-legais e informações clinicas – cfr. fls. 08, 19, 22, 23, 24, 62, 91, 97, 100 e 09, 23, 28, 30 e 36 dos autos apensos.
As diligências de prova realizadas permitem concluir pela existência de indícios suficientes de que, no dia 07-03-2023, pelas 16h00m, junto ao estabelecimento comercial “EMP01...”, sito na Rua ..., em ..., AA e BB, se agrediram reciprocamente, desferindo-se mutuamente murros.
Porém, atentas as declarações contraditórias dos ofendidos, e da testemunha indicada, não é possível determinar com segurança quem foi o primeiro agressor.
Na verdade, a testemunha inquirida – CC, referiu que se apercebeu de uma discussão, em tom altivo, entre ambos, mas não conseguindo precisar o que cada uma terá dito, e que a dada altura viu BB todo contorcido e a sangrar e AA bastante exaltado, tendo se apercebido de este a dar um murro naquele.
Encontram-se nos autos as fichas clínicas respeitantes à assistência prestada a AA e BB, das mesmas resultando que a todos foi dada a mesma prioridade no atendimento.
Dos relatórios-médico legais efectuados em ambos os ofendidos/denunciados, resultam leões para os dois, sem quaisquer consequências permanentes.
Não resulta dos autos que algum dos queixosos tenha necessitado de maiores cuidados ou tenha incorrido em outros danos.
Determina o n.º 1 do artigo 280.º do Código de Processo Penal que se o processo for por crime relativamente ao qual se encontre expressamente previsto na lei penal a possibilidade de dispensa de pena, o Ministério Público, com a concordância do juiz de instrução, pode decidir-se pelo arquivamento do processo, se se verificarem os pressupostos daquela dispensa.
Ora, na al. a) do n.º 3 do artigo 143.º do Código Penal prevê-se que o tribunal possa dispensar de pena se tiver havido lesões recíprocas e se não tiver provado qual dos contendores agrediu primeiro.
De facto, pese embora a testemunha CC ter visto uma agressão por um dos intervenientes, como dos relatórios médico-legais, das informações clinicas resulta lesões em ambos - quer no AA, quer no BB, é de admitir que não se tenha apercebido de toda a dinâmica dos acontecimentos, o que é compreensível face ao escalar da situação.
Das diligências realizadas nos autos, retira-se que a culpa dos intervenientes, mormente dos arguidos, se afigura diminuta (uma vez que, face à prova produzida nos autos, sempre poderiam dizer que se limitaram a reagir às agressões de que eram vítimas), as lesões produzidas não foram gravosas e existiu reparação natural através da ofensa perpetrada ao outro agente (que leva a que ambos os direitos indemnizatórios se compensem), não existindo, face ao carácter pontual da ocorrência - expresso na circunstância de os CRC’s dos arguidos não terem averbadas quaisquer infracções criminais por crimes da mesma natureza - qualquer razão de prevenção que se oponha à dispensa de pena.
Ademais, flui de toda a prova produzida nos autos que os acontecimentos neles reportados ocorreram num contexto de exaltação emocional – circulação e ocupação de viaturas em parques de estacionamento, que instila um carácter pontual da ocorrência dos factos.
Pelo que se afiguram reunidos os pressupostos referidos no n.º 1 do artigo 74.º do Código Penal.
Assim, o Ministério Público entende estar perante um caso que justifica, arquivamento nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 280.º do Código de Processo Penal, faltando, para o efeito, recolher a concordância do Meretíssimo Juiz de Instrução Criminal.
Apresente os autos ao Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal com esta promoção».
2. De seguida, o Mmº Juiz de Instrução Criminal proferiu, na sua parte dispositiva, o seguinte despacho:
«Por se verificarem os respetivos pressupostos dá-se a concordância ao decidido pelo Ministério Público no despacho com a ref. n.º ...31, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 280.º, n.º 1 do C.P.P..
Devolvam-se os autos ao Ministério Público».
3. Deste despacho interpôs o reclamante recurso, o qual não foi admitido com fundamento na sua irrecorribilidade, nos seguintes termos, na sua parte dispositiva:
«Em face do exposto, e ao abrigo do disposto nos arts. 280.º, n.º 3, 399.º a contrario, 400.º e 414.º, n.º 2 todos do C.P.P., não se admite o recurso apresentado pelo assistente AA [constante do req. com a ref. n.º ...02] do despacho judicial proferido a 24-04-2024 [constante dos autos sob a ref. n.º ...06], por o mesmo ser irrecorrível».
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Apreciando:
Como preceitua o artº 405º, nº 1, do CPP, a reclamação para o presidente do tribunal a que o recurso se dirige destina-se apenas contra despacho que não admitir ou que retiver o recurso.
A questão reclamativa cinge-se em saber se, no caso concreto, é susceptível de impugnação, por meio de recurso ordinário, a decisão de concordância do juiz de instrução relativamente ao despacho de arquivamento em caso de dispensa da pena por parte do Mº Pº..

Estamos perante questão que fora objecto de alguma controvérsia, no que concerne inclusive ao instituto da suspensão provisória do processo (artº 281º, do Código de Processo Penal (CPP), mas já objecto de jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão Uniformizador n.º 16/2009, publicado no Diário da República n.º 248, Série I, de 24/12/2009, onde se decidiu que «a discordância do Juiz de Instrução em relação à determinação do Ministério Público, visando a suspensão provisória do processo, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 281.º do Código de Processo Penal, não é passível de recurso».
Assim, por maioria de razão - no que tange ao caso de arquivamento por dispensa de pena (artº 280º, nºs 1 e 3, do CPP), por parte do MºPº, obtida a concordância do Juiz de instrução - sufragam-se os fundamentos plasmados naquele douto aresto de fixação de jurisprudência, destacando-se que Em última análise, a forma enviesada como o legislador inscreveu a intervenção do juiz de instrução na suspensão provisória, submetendo-a, através da figura da «concordância», a um regime desadequado em face dos princípios constitucionais e do processo (o juiz não concorda, o juiz decide) necessariamente que teria de conduzir a consequências não ponderadas.
Como refere Anabela Rodrigues a verdadeira decisão de suspensão compete ao Ministério Público. Mais adianta a mesma autora que a concordância do juiz é, assim uma mera formalidade essencial, embora de conformação (validade) daquela decisão (do Ministério Público) prevista pelo legislador em nome da ideia que fundamenta o instituto. Não se trata assim de uma decisão de que se possa recorrer. É certo que, em termos formais-categoriais, a não concordância do juiz assume a forma de um «despacho» mas, em termos materiais, não é um acto decisório que assuma aquela força. Tratando-se, como se trata, de um controlo da legalidade, nenhuma razão há para intervir - não faria sentido - uma 2.ª instância quanto a essa fiscalização.
Entendemos, assim, que o despacho judicial que consubstancia a denominada «concordância» do juiz na suspensão provisória do processo é um acto processual de natureza judicial, não decisório, que constitui o pressuposto formal, e substancial, da determinação do Ministério Público de suspensão do processo nos termos do n.º 1 do artigo 281.º do Código de Processo Penal.
Aliás, numa perspectiva teleológica do instituto em causa, importa referir, ainda, que o n.º 5 do artigo 281.º do Código de Processo Penal refere expressamente que a decisão de suspensão não é susceptível de impugnação, o que é uma concessão a exigências de celeridade processual. Assim, excluindo, como se exclui, a hipótese de o normativo se referir ao despacho de «concordância» judicial, é evidente que o seu objecto é a determinação do Ministério Público que suspende o processo. Pressupondo que o legislador se rege por critérios lógicos, e por uma articulação racional do sistema, não vislumbra como é que possa defender que a decisão que conforma o terminus da relação processual não admita impugnação de qualquer tipo e o despacho de «concordância» que é um pressuposto, e premissa daquela conclusão, já o admita.
É, também, na convergência daquela perspectiva com uma visão sistémica do processo penal como critério interpretativo, que somos impelidos à mesma conclusão de irrecorribilidade”.
Neste mesmo sentido a declaração do Exmo. Cons. António Pires Henriques da Graça, ao argumentar que “Poderia questionar-se, eventualmente, se a não concordância do juiz de instrução, é, ou não, susceptível de equiparar-se a acto decisório ou, autonomizar-se como decisão judicial, uma vez que inviabilizaria a suspensão provisória do processo.
Mas tal questão, a meu ver, não tem suporte legal, nem exigência constitucional:
A - Na verdade, do artigo 281.º do CPP, não resulta que a concordância, e, por conseguinte, a não concordância, do juiz de instrução deva ser fundamentada nos termos estabelecidos pelo artigo 97.º, n.º 5, do CPP.
Porém os actos decisórios são sempre fundamentados, da forma indicada no artigo 97.º, n.º 5, do CPP.
Donde, o acto processual de concordância ou, de não concordância, do juiz de instrução na suspensão provisória do processo não pode ser considerado um acto decisório.
B - Por outro lado, o acto processual de concordância, ou, de não concordância, não tem a virtualidade de poder ser considerado despacho (acto decisório), uma vez que não decide sequer questão interlocutória, configurando-se apenas como pressuposto processual da decisão que é determinada por despacho do Ministério Público.(…)
D - Dispõe o artigo 205.º, n.º 1, da CRP: «As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.»
Não sendo o acto processual de concordância ou, de não concordância, do juiz de instrução, uma decisão, pois que não constitui acto decisório, não se encontra abrangido pelo disposto no referido normativo constitucional.
E - Se o acto processual de concordância ou não concordância do juiz de instrução constituísse decisão sujeitava-se ao regime dos n.os 2 e 3 do referido artigo 205.º da CRP, o que seria inconjugável com a posição ou função do juiz de instrução no processualismo legal que estrutura o instituto da suspensão provisória do processo constante do artigo 281.º do CPP.
F - É da exclusiva competência do Ministério Público a determinação da suspensão provisória do processo, determinação essa que constitui acto decisório, assumindo-se como despacho, sendo que como estabelece o n.º 3 do artigo 97.º do CPP: «Os actos decisórios do Ministério Público tomam a forma de despachos» que, como se sabe, podem ser impugnados pela via hierárquica.
Porém, nos termos do n.º 5 do citado artigo 281.º do CPP: «A decisão de suspensão, em conformidade com o n.º 1, não é susceptível de impugnação.»
7 - A actuação do juiz de instrução na suspensão provisória do processo redunda, formalmente, como acto processual, em «declaração» de concordância ou de não concordância, que não consubstancia, quer pela natureza, quer pela finalidade, acto decisório.
No âmbito do instituto processual da suspensão provisória do processo, o juiz de instrução não profere decisão.
Inexistindo decisão, não pode haver recurso.
A declaração do juiz de instrução na suspensão provisória do processo é, pois, irrecorrível, como se depreende dos artigos 399.º e 400.º do CPP”.
Acresce dizer que também não se vislumbra qualquer violação constitucional do direito à defesa e ao recurso previsto no disposto nos artºs 20º e 32° n°1 da Constituição da Republica Portuguesa(CRP), na alegada interpretação da norma do artigo 281° do CPP efectuada pelo despacho reclamado no sentido de que a decisão de não concordância com a suspensão provisória do processo é irrecorrível.
Com efeito, sobre tal matéria se pronunciou o Tribunal Constitucional no douto Acórdão n.º 101/2016, em 23/02/2016, no âmbito do processo n.º 585/2015 e publicado no Diário da República n.º 61/2016, Série II de 2016-03-29, nele se concluindo que “a interpretação normativa acima analisada não viola o direito ao recurso, consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, nem se vislumbra que infrinja outro parâmetro constitucional” e se decidindo “a) Não julgar inconstitucional a norma segundo a qual a discordância do juiz de instrução em relação à determinação do Ministério Público, visando a suspensão provisória do processo, nos termos e para efeitos do n.º 1 do artigo 281.º do Código de Processo Penal, não é passível de recurso”.

Em suma, pelas razões acima expendidas, ainda que relativas à suspensão provisória do processo, mas também enquadráveis no arquivamento dos autos por dispensa de pena, quando haja concordância do juiz de instrução com o arquivamento do MºPº, como no caso em apreço, torna aquele assentimento inimpugnável, nos termos do artº 280º, nº 3, do CPP.
Entre outros, vide o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22-01-2014, processo n.º 148/13.1GCVIS.C1, relator: Vasques Osório, disponível em www.dgsi.pt: «1. - O despacho judicial de concordância com o arquivamento do inquérito em caso de dispensa da pena, é um ato não decisório do juiz de instrução que constitui uma mera formalidade essencial de controlo da legalidade da futura decisão de arquivamento do Ministério Público, a proferir nos termos do artº. 280º, nº 1 do C. Processo Penal; 2. – Não sendo um ato decisório do juiz, o despacho de concordância não é recorrível.».

 E no Acórdão do TC nº 397/2004 considerou-se que “Não é inconstitucional a norma do artº 280º, nºs 1 e 3, do CPP, interpretada como não admitindo recurso para o Tribunal da Relação das decisões do MP de arquivamento de inquérito, em caso de dispensa de pena”, como se verifica na situação em análise.

Sem conceder, acresce dizer que, mesmo numa perspectiva de recorribilidade com base no mesmo normativo para os defensores de que esta se verifica quando se impugna a ausência dos pressupostos da dispensa de pena (já não o da oportunidade do arquivamento), certo é que o reclamante se limita na reclamação apresentada a citar dois arestos sem consubstanciar em concreto os fundamentos dessa inexistência dos requisitos legais para o arquivamento do inquérito, à luz das disposições conjugadas dos artºs 143º, nº 1, do Código Penal (CP) e 280º, nº 1, do CPP.
Além de que no recurso interposto pretende-se pôr em causa o pressuposto da reparação com base na compensação (acolhido, aliás, pelo Mº Pº e Juiz de instrução), mas fazendo-o de forma genérica, aludindo a danos patrimoniais e não patrimoniais, mas olvidando inclusive que, segundo os relatórios médicos de ambos os contendores, as lesões do outro queixoso, BB,  até se apresentam com maior duração (52 dias) e com afectação da capacidade de trabalho profissional (7 dias), ao invés de inexistência desta para o reclamante.
Destarte, in casu, não deixou de se conhecer dos requisitos legais da dispensa da pena e, verificados estes, o MºPº ordenou o arquivamento dos autos, obtida a concordância do Juiz de instrução.
Esta decisão de arquivamento é, portanto, irrecorrível – artº280º, nº 3, do CPP.
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Importa ainda dizer que o entendimento vertido no despacho reclamado, de irrecorribilidade, quanto à concordância de arquivamento do inquérito no caso de dispensa da pena por parte do juiz de instrução, não configura uma violação dos princípios constitucionais, como o de acesso ao direito, tutela jurisdicional efectiva e direito ao recurso.
A lei só prevê a possibilidade de impugnação por via de recurso de actos (judiciais) decisórios.
Além disso, como se sublinha no Acórdão do TC nº 50/2010 de 03.02.2010 “o legislador está impedido de eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática. Já não está, porém, impedido de regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões. […] O legislador ordinário terá, pois, de assegurar o recurso das decisões penais condenatórias e ainda, segundo certo entendimento, de quaisquer decisões que tenham como efeito afetar direitos, liberdades e garantias constitucionalmente reconhecidos. Quanto aos restantes casos, goza de ampla margem de manobra na conformação concreta do direito ao recurso, desde que não suprima em globo a faculdade de recorrer.”
A circunstância de o legislador prever situações em que não é admissível recurso cabe, portanto, nessa margem de liberdade, constitucionalmente reconhecida.

Porquanto se deixa aduzido, mantém-se a decisão reclamada.

Sumariando:
I - É irrecorrível a declaração de concordância ou não concordância do juiz de instrução com o arquivamento dos autos em caso de dispensa da pena, ao abrigo do disposto no artº 281.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
II - Tal irrecorribilidade não configura uma violação dos princípios constitucionais, como o de acesso ao direito, tutela jurisdicional efectiva e direito ao recurso.
III - A circunstância de o legislador prever situações em que não é admissível recurso cabe na margem de liberdade, constitucionalmente reconhecida, de conformação concreta do direito ao recurso, desde que não suprima em globo a faculdade de recorrer.

III – Decisão

Nestes termos e pelos fundamentos expostos, desatende-se a reclamação apresentada pelo assistente AA.

Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em duas (2) UC’s.
Guimarães, 20 de Novembro de 2024.

O Presidente do Tribunal da Relação de Guimarães,

António Júlio Costa Sobrinho