MEDIDAS DE COACÇÃO
PRISÃO PREVENTIVA
INTERNAMENTO PREVENTIVO
Sumário


1. Padecendo o recorrente de Síndrome de Dependência Alcoólica em co-morbilidade com síndrome demencial, com caráter grave, permanente e irreversível de grande influência no despoletar das condutas ilícitas indiciadas, as exigências cautelares que o caso requer poderão ser asseguradas através do adequado acompanhamento médico do arguido em ambiente prisional, de internamento preventivo em hospital psiquiátrico.
2. A ratio legis da norma constante do n° 2 do artigo 202° do Código de Processo Penal, é precisamente possibilitar ao arguido – a sujeitar a prisão preventiva e que sofra de anomalia psíquica – os meios adequados ao seu efetivo tratamento e recuperação, de forma a reintegrá-lo o mais rapidamente possível na sociedade, o que só se alcançará mediante a substituição da medida de prisão preventiva pela medida de internamento preventivo.

Texto Integral


Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I RELATÓRIO

No âmbito do processo com o NUIPC 597/24.0GAEPS, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo de Competência Genérica de Esposende – Juiz ..., em que é arguido AA, foi proferido, em sede de 1º interrogatório de arguido detido, previsto no artigo 141ºdo CPP, despacho em que se decidiu sujeitar aquele, para além do TIR, à medida de coação, de prisão preventiva, nos termos conjugados nos artigos 1.º, alínea j), 191.º, n.º 1, 192.º, 193.º, n.ºs 1, 2 e 3, 194.º, n.ºs 1 e 2, 196.º, 202.º, n.º 1, alínea b), e 204.º, alínea c), todos do Código de Processo Penal.

*
1. Inconformado com esta decisão, recorreu o arguido, terminando a sua motivação nos seguintes termos (transcrição):

«IV)- CONCLUSÕES:
 1)- Âmbito do presente Recurso.
 O recorrente circunscreve tematicamente o presente recurso, á prolação da douta Decisão que decretou a medida de coação consistente em prisão preventiva, suplicando aquele a sua legítima e inelutável metamorfose, pela congruente 
- Obrigação de permanência na habitação" (ou em instituição adequada a prestar-lhe apoio social e de saúde), com a coadjuvação de meios técnicos de controle à remotos.
- ou de internamento em unidade especializada, designadamente hospital psiquiátrico ou instituição análoga apropriada.
 
 2)- Fundamento do presente Recurso.
 a)- Erro de qualificação jurídica, da factologia incriminadora.
No presente recorte fáctico, não se encontra profundamente  indiciada a consumação de um crime de violência doméstica, na previsão do artigo 152º do CP.
A (frágil) factologia de indiciação, sucumbe á justaposição a um juízo de prognose necessário, pois não resulta lícita a extração da (íntegra) ilação da acusação ao arguido, no final da fase processual do inquérito, da prática de um crime de violência doméstica, na (racional) conceptualização e estruturação do artigo 152º do CP. 
 Em singeleza, a instância desvela  uma eventual perpetração, por parte do arguido, de um delito tipificável enquanto injúria, abstratamente punível com uma pena de prisão, muito aquém dos 5 anos consignados no artigo 152º do CP.
 
b)- Inimputabilidade do arguido.
 Os primaciais elementos documentais, de teor clínico e judicial, objeto de carreamento (no presente articulado), projetam a trajetória decisória, no sentido da não responsabilização criminal do agente, em virtude da sua plena incapacidade de discernimento intelectual,  no hiato temporal da pretensa consumação do delito, por padecimento de patologia (de caráter grave, permanente e irreversível) do foro mental, caracterizada por "Síndrome Demencial" de provável etiologia alcoólica.

3)- Da violação  do Código Penal e Constituição da República Portuguesa.
O artigo 202º do CPP, viola os artigos 18º nº2 e 19º nº1 da CRP, quando interpretado no sentido, da aplicação ipso iure da  medida de coação classificada de "prisão preventiva", desagregada do satus quo clínico, intrínseco ao arguido, nomeadamente a sua incapacidade mental e consequente condição de inimputabilidade.
 
O artigo 152º nº1 al. a) e nº2 al. a) do CP, similarmente viola os artigos 18º nº2 e 19º nº1 da CRP, quando interpretado no sentido, da perpetração por parte do ora Recorrente do crime de violência doméstica.
 Inconstitucionalidades que ora se invocam.
 
Impondo-se a revogação da Decisão coactiva, e reflexa ordenação da substituição da medida de coação de "prisão preventiva", pelas medidas de coação concernentes a:
  -"Obrigação de permanência na habitação" (ou em instituição adequada a prestar-lhe apoio social e de saúde), com a coadjuvação de meios técnicos de controle à remotos.
  - ou de internamento em unidade especializada, designadamente hospital psiquiátrico ou instituição análoga apropriada.

Termos em que, nos melhores de Direito e com o sempre mui douto suprimento de Vªs.Exªs, deve a Decisão recorrida ser revogada e em consequência ser declarada:

 -a substituição da medida de coação de "prisão preventiva", por um expediente de menor severidade, especificamente as medidas coativas de:
-"Obrigação de permanência na habitação" (ou em instituição adequada a prestar-lhe apoio social e de saúde), com a coadjuvação de meios técnicos de controle à remotos.
  - ou de internamento em unidade especializada, designadamente hospital psiquiátrico ou instituição análoga apropriada.
 
Com o que se fará, sã e serena justiça.»
*
2. O Ministério Público respondeu ao recurso, concluindo a sua motivação nos seguintes termos (transcrição):

«Conclusões:
1. O arguido AA encontra-se indiciado pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido com pena de prisão pelo artigo 152º, nº 1, alínea a) e n.º 2 al. a) do Código Penal, sendo que a medida de coacção de prisão preventiva, é a única que responde às necessidades cautelares que no caso se fazem sentir.
2. O arguido foi condenado no âmbito do processo n.º787/23.2GAEPS, pela prática de um crime de violência doméstica contra a mesma ofendida, na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, sujeita ao regime de prova e à pena acessória de, pelo mesmo período, não contactar ou aproximar da vítima, com afastamento da residência e a proibição de se aproximar da residência desta, devendo o arguido conservar da ofendida e da sua residência uma distância de, pelo menos 300 metros, bem com a proibição de lhe telefonar, enviar mensagens ou qualquer outra forma de comunicação, fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.
3. O facto de sobre si pender uma pena de prisão suspensa na execução, não inibiu o arguido de levar por diante as condutas agora indiciadas.
4. O arguido consome bebidas alcoólicas em excesso, não se inibindo de comportamentos que atentam contra a integridade da vítima, mesmo perante as autoridades policiais, mostrando absoluta indiferença pela condenação antes sofrida e pelas consequências atinentes à sua conduta.
5. Este quadro permite afirmar que o arguido não poderá manter-se em liberdade, porquanto continuará, com toda a certeza, a repetir a prática de factos criminosos idênticos aos que lhe estão imputados.
6. Face à personalidade do arguido e às circunstâncias em que os factos ocorreram existe em concreto perigo de continuação da actividade criminosa previsto no artigo 204º, alínea c) do Código de Processo Penal.
7. Por outro lado, o crime em causa nos autos é muito grave, gravidade patenteada quer nos bens jurídicos que a norma protege, quer na própria moldura penal abstractamente prevista, sendo os factos supra descritos objetivamente e subjectivamente graves, além de serem altamente censuráveis, configura um tipo de criminalidade muito específica e gerador de forte alarme social.
8. Trata-se de um crime qualificado como criminalidade violenta sendo manifesta a existência de um perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas.
9. Impõe-se, desta forma, impedir o arguido de persistir na sua conduta, adoptando a medida cautelar adequada, necessária e proporcional que surta os efeitos desejados, que só poderá ser a prisão preventiva.
10. A medida de obrigação de permanência na habitação não se afigura suficiente para obviar a verificação dos perigos que se fazem sentir, na medida em que mesmo o arguido estando condenado numa pena acessória de contactar com a vítima, com fiscalização de meios à distância, ainda assim, voltou a incorrer na prática do crime.
11. Quanto ao estado mental actual do arguido, entendemos que oportunamente deverá realizar-se a necessária perícia, de molde a demonstrar (ou não) à sua eventual inimputabilidade. Até lá, o descontrole motivado pelo consumo excessivo de álcool constitui factor a considerar para agravamento do seu estatuto coactivo, e não o contrário, posto que, não estando equilibrado/compensado mentalmente, facilmente poderá retomar a actividade criminosa.
12. Não se vislumbra qualquer inconstitucionalidade na aplicação da medida de coacção mais adequada ao caso concreto, estando reunidos todos os pressupostos legais de que depende a aplicação da medida de prisão preventiva.
13. A medida de coação de prisão preventiva é a que melhor se adequa ao caso, devendo manter-se, nos termos conjugados nos artigos 1.º, alínea j), 191.º, n.º 1, 192.º, 193.º, n.ºs 1, 2 e 3, 194.º, n.ºs 1 e 2, 196.º, 202.º, n.º 1, alínea b), e 204.º, alínea c), todos do CPP, assim se fazendo a acostumada Justiça.»
*
3. Nesta instância, a Digníssiª. Procuradora Geral Adjunta, na intervenção a que se refere o art. 417º, n.º 1, do Código de Processo Penal, emitiu parecer, aderindo à posição assumida pelo Ministério Público em 1ª instância, de que se destaca o seguinte excerto.
 
“(…)
« Descendo ao caso concreto, cremos que os elementos probatórios apurados e concatenados entre si se revelam coerente e consistentemente incriminadores, pese embora, de momento, não constituam prova direta da autoria dos factos.
O tribunal considerou, pois, haver fortes indícios da prática pelo arguido do crime de violência doméstica, p.p. pelo art.º 152.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, al. a), do Código Penal.
Ora, desde logo é apodítico que a aplicação da medida de coação de prisão preventiva é legalmente admissível – art.º 202.º, n.º 1, al.s a) e b), do Código de Processo Penal.
Por outro lado, e ao contrário do que afirma a recorrente, constata-se que se encontram também preenchidos os requisitos da alínea c) do art.º 204.º do Código de Processo Penal, já que se verifica um “perigo concreto de continuação da atividade criminosa”, sendo também evidente o “perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas”.
O arguido revela grande desequilíbrio emocional associado à sua dependência de álcool, o que se evidencia como uma agravante da sua culpa pois para além de perdurar no tempo sem que o arguido se trate, potencia um perigo concreto de continuação da atividade criminosa.
Na verdade, o arguido remeteu-se ao silêncio, usando uma prerrogativa que a lei lhe concede, sendo certo que não evolou qualquer sinal de arrependimento.
A factualidade fortemente indiciada deixa supor igualmente a inexistência de reponderação do seu comportamento, evidenciando uma personalidade desconforme ao dever ser jurídico-penal. Será assim de perspetivar, com segurança e realismo, a possibilidade séria do cometimento de novos factos da mesma natureza.
Por outro lado, como bem se evidencia, quer do despacho recorrido, quer da resposta do Ministério Público, é também evidente o perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas.
Com efeito, um indivíduo que se comporta como o arguido se vem comportando, é a evidência de que não se encontra inserido quer familiar, quer socialmente, sendo que, com a idade que tem e a sua experiência de vida, seria expectável que já tivesse apreendido os valores ético-jurídicos que enformam a vida em sociedade e conformasse a sua vida de acordo com tais valores.
Foi, aliás, já condenado, em sentença transitada em dezembro de 2014, pela prática do mesmo crime e onde lhe foi aplicada pena de prisão suspensa na sua execução, encontrando-se em pleno período probatório dessa suspensão quando ocorreu parte dos factos em causa nestes autos que demandaram a sua detenção e sujeição a primeiro interrogatório judicial.
A tutela do sentimento de insegurança para a comunidade não se compadeceria, portanto, com a sua libertação.
Nas palavras da Ex.ª Desembargadora Maria da Graça dos Santos Silva (relatora do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 5/12/2024 no processo 191/24.5PDVFX-A.L1-3) “os cidadãos iriam entender a libertação do arguido como o beneplácito dos tribunais à liberdade de agressão até à morte de quem quer que seja, por quem quer que seja e em quaisquer circunstâncias”.
De resto, as populações têm hoje uma consciência nítida da necessidade de reprovação séria destes ilícitos, pelo que, a presença do arguido na comunidade seria naturalmente intolerável.
Não se nos levantam, pois, quaisquer dúvidas quanto à proporcionalidade e adequação da medida de coação aplicada.
Acresce que, não existe uma garantia mínima de que o arguido, atento o grau de violência e descontrolo das suas ações, o enorme desrespeito pelas pessoas que lhe são mais próximas e claramente pelas autoridades, não fosse desencadear, de novo, comportamentos que viessem a ter consequências ou desfechos ainda mais trágicos…
Neste contexto, a prisão preventiva revela-se a única medida adequada às exigências cautelares do caso e a única capaz de pôr cobro ao ciclo de violência sobre a vítima, sendo, neste contexto, perfeitamente descabida a sugestão de aplicação da medida coativa de obrigação de permanência na habitação já que, na prática, o arguido tem vindo a habitar na residência da vítima, onde se infiltrou desde o início deste ano, desrespeitando as condições a que se encontrava sujeita a suspensão da execução da pena que lhe fora arbitrada e perpetuando os seus comportamentos delituosos.
De resto, diremos que a prisão preventiva será também a medida que mais se coaduna com a pena que presumivelmente lhe será aplicada caso se demonstre, como cremos, a factualidade indiciada, em julgamento.
Por último, apenas uma referência ao cumprimento da medida de prisão preventiva em regime de internamento preventivo.
Desde logo e ao contrário do que decorre do recurso, este regime não é uma medida de coação. Constitui, apenas, uma forma específica de execução da prisão preventiva e só é equacionada após ter sido aplicada ao arguido a prisão preventiva.
Não obstante, como refere a nossa colega na primeira instância, não existem indícios seguros de que o arguido sofra de anomalia psíquica que determine a sua inimputabilidade.
De facto, tal circunstância não foi sugerida ou suscitada no âmbito do seu interrogatório judicial pelo que os documentos agora apresentados pelo recorrente apenas podem ser considerados na investigação subsequente.
O que efetivamente resulta deles é que o arguido padece de uma co morbilidade consubstanciada na sua dependência alcoólica – síndrome demencial de provável etiologia alcoólica.
Essa dependência pode obviamente ser controlada em ambiente ou meio prisional e, ainda que tal possa ser duvidoso, sempre haverá que realizar a necessária indagação junto da D.G.R.S.P
Logo, não nos parece revelar-se imprescindível a execução da prisão preventiva em regime de internamento preventivo pelo que não deve ser o mesmo agora decretado.
Termos em que, levando em conta o quadro factológico apurado, a sua grave natureza, a dimensão da culpa, a sucessão criminosa e a insensibilidade pelos direitos de terceiros, cremos não restarem dúvidas de que o despacho recorrido fundamentou corretamente a necessidade de aplicação da medida de coação detentiva, fazendo um correto uso dos preceitos legais aplicáveis e não se vislumbrando em consequência, qualquer ilegalidade ou inconstitucionalidade.
Posto isto, nenhum reparo nos merece, razão pela qual somos de parecer que o recurso do arguido não deverá obter provimento.»
*
4. Foi cumprido o art. 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
*
5. O arguido respondeu, sufragando, e reforçando, o recurso que havia interposto.
*
6. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no art. 419º, n.º 3, al. c) do citado código.
*
II. FUNDAMENTAÇÃO

1. O âmbito do recurso é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso.
Face às conclusões extraídas pelo recorrente das motivações apresentadas, as questões a apreciar e decidir são:

- Saber se a prisão preventiva aplicada ao arguido deve ser substituída pela
«Obrigação de permanência na habitação" (ou em instituição adequada a prestar-lhe apoio social e de saúde), com a coadjuvação de meios técnicos de controle remotos.
- ou de internamento em unidade especializada, designadamente hospital psiquiátrico ou instituição análoga apropriada.»

2. Do despacho recorrido retiramos o seguinte trecho: (transcrição)
“(…)
« Factos indiciados:
1. O arguido e a ofendida BB contraíram matrimónio em ../../1981, o qual veio a ser dissolvido por divórcio decretado em ../../1982.
2. Por sentença, transitada em julgado a 3 de dezembro de 2024, no âmbito do processo n.º787/23.2GAEPS, que correu termos pelo Juízo de Competência Genérica de Esposende (Juiz ...), foi o arguido condenado, pela prática de um crime de violência doméstica contra a ofendida, na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, sujeita ao regime de prova e à pena acessória de, pelo mesmo período, não contactar ou aproximar da vítima, com afastamento da residência e a proibição de se aproximar da residência desta, devendo o arguido conservar da ofendida e da sua residência uma distância de, pelo menos 300 metros, bem com a proibição de lhe telefonar, enviar mensagens ou qualquer outra forma de comunicação, fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.
3. Após o divórcio, AA e BB continuaram a residir na mesma habitação sita na Rua ..., ... (Atual) União das Freguesias ... e ..., no concelho ....
4. No dia 15 de julho de 2024, por volta das doze horas, a ofendida encontrava-se em casa com o companheiro, o arguido chegou a casa, dirigiu-se à ofendida apontando um dedo e dizendo “És uma porca, uma vaca”.
5. Respondendo BB que, se continuasse com esse comportamento chamaria a GNR, o arguido disse “Vais chamar a GNR porque andas metida com eles” “anda sua puta, vou ira a ... buscar o meu sobrinho, vamos te dar uma coça, mas vamos-te apanhar lá fora”.
6. No dia 18 de julho de 2024, pelas 22h30, AA regressou a casa, embriagado, dirigiu-se ao quarto de BB e, dirigindo-se à mesma, disse “Apaga a televisão senão parto-a toda! Dou-te com ela na cabeça! Vou pôr fogo à casa!”.
7. BB chamou a GNR e, submetido a teste qualitativo de pesquisa de álcool no sangue, acusou uma TAS de 2,56 g/l.
8. Nessa data, o arguido saiu de casa e foi para casa da sua irmã em ..., ..., ....
9. No dia 13 de junho de 2025, pelas 21h30, o arguido deslocou-se para a morada de BB e, dirigindo-se ao companheiro dela disse “aquela puta onde é que está?”.
10. De seguida, CC teve necessidade de ir ao sótão da residência buscar umas ferramentas, tendo o arguido o seguido e dito “não tens nada que mexer aí, isso meu, qualquer dia aqui há mortos”.
11. BB chamou a GNR e, submetido a teste qualitativo de pesquisa de álcool no sangue, acusou uma TAS de 2,90 g/l.
12. No dia 4 de julho de 2025, pelas 11h50, o arguido dirigiu-se à residência onde se encontrava BB e o seu companheiro CC, que se encontravam no exterior a almoçar, e, dirigindo-se à primeira disse “vou preso, mas que os matava e que incendiava a casa”.
13. Acto contínuo, pegou numa faca de cabo branco que estava em cima da mesa (fls. 133), e, encostando-a ao pescoço de BB, disse-lhe que a matava.
14. Uma vez que entendeu que a faca era pequena demais, foi buscar outra de cabo preto (fls.131), mas BB fugiu dele.
15. Quando chegou a patrulha da GNR o arguido encontrava-se deitado na cama, tendo a GNR solicitado que o mesmo se deslocasse para o exterior.
16. Já no exterior, o arguido virou-se para a residência e disse que os iria matar a todos e que iria incendiar a casa.
17. Submetido a teste qualitativo de pesquisa de álcool no sangue, acusou uma TAS de 2,82 g/l.
18. Antes de entrar no carro da GNR e durante o percurso para o posto, voltou a dizer que os ia matar, que pouco tempo duravam e que incendiava a casa.
19. O arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram previstas e punidas pela lei penal.
*
Elementos do processo que fundamentam os factos imputados:
TESTEMUNHAL
-BB, ofendida, id. a fls. 36, 51, 58;
- CC, id. a fls. 123;
-DD, guarda principal, a prestar serviço na GNR posto territorial de ..., id. a fls. 120;
-EE, guarda principal, a prestar serviço na GNR posto territorial de ..., id. a fls. 122;
DOCUMENTAL
- Autos de notícia de fls. 36 e 37 e 120 a 122 e 05 a 09 do apenso A;
- Aditamento de fls. 56 e 57;
- Cota de fls. 63;
- Certidões dos assentos de nascimento de fls. 2 e 22;
- Certificado do registo criminal de fls. 27 a 29 do apenso A;
- Ficha RVD – 2L de fls. 17, 49 e 54;
- Certidão Judicial de fls. 70 a 105;
- Relatório fotográfico de fls. 124;
- Auto de apreensão de fls. 130;
- Relatório fotográfico de fls. 131 a 133;
*
Após as antecedentes comunicações, pelo arguido foi dito não pretender prestar declarações.
Registo no sistema de gravação áudio em uso neste Tribunal. (13h19m21s a 13h22m55s).
*
Em contínuo, o Meritíssimo Senhor Juiz, concedeu a palavra à Digna Procuradora da República, para se pronunciar a respeito da aplicação de medidas de coação/garantia patrimonial, pela mesma, foi promovido a aplicação por súmula ao arguido das medidas de coação:
1. Prisão Preventiva.
Registo no sistema de gravação áudio em uso neste Tribunal. (13h33m02s a 13h35m30s).
*
Concedida que foi, de seguida e para os mesmos fins, a palavra ao ilustre defensor do arguido, pelo mesmo, requereu e por súmula ao arguido das medidas de coação:
1. TIR
Registo no sistema de gravação áudio em uso neste Tribunal. (13h35m35s a 13h36m28s).
*
Após, o Meritíssimo Senhor Juiz proferiu o DESPACHO que se encontra gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal (inicio 13.36.35; fim 13.37.08).__
Consigna-se que no despacho supra o Meritíssimo Senhor Juiz, suspendeu por 15 minutos a presente diligência.__
*
De imediato, foi solicitada a palavra pela ilustre defensora, que no seu uso requereu em conformidade com o que se encontra gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal (inicio 13.39.25; fim 13.40.04).__
Dada a palavra à Digna Magistrada do M. Público, que no seu uso promoveu em conformidade com a promoção que se encontra gravada através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal (inicio 13.40.08; fim 13.40.15).__
De seguida, o Meritíssimo Juiz proferiu o DESPACHO que se encontra gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal (inicio 13.40.18; fim 13.42.05).__
Consigna-se que no despacho supra, o Meritíssimo Senhor Juiz, deferiu o requerido, suspendendo a presente diligência, determinado que a mesma retomasse pelas 15:20 horas.__
*
Reiniciada a diligência, pelas 15:24 horas, o Meritíssimo Senhor Juiz proferiu o seguinte__
DESPACHO
Julgo válida a detenção do arguido, porquanto efetuada pela autoridade policial competente em flagrante delito pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, alínea a), do Código Penal, nos termos do disposto nos artigos 255.º, n.º 1, alínea a), e 256.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal.

Valido as apreensões efetuadas, nos termos do artigo 178.º, n.º 6, do Código de Processo Penal.
I – Factos suficientemente indiciados
1. O arguido e a ofendida BB contraíram matrimónio em ../../1981, o qual veio a ser dissolvido por divórcio decretado em ../../2015;      
2. Por sentença, transitada em julgado a 3 de dezembro de 2024, no âmbito do processo n.º 787/23.2GAEPS, que correu termos pelo Juízo de Competência Genérica de Esposende (Juiz ...), foi o arguido condenado pela prática, em 2023, de um crime de violência doméstica contra a ofendida, na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, sujeita ao regime de prova e à pena acessória de, pelo mesmo período, não contactar ou aproximar da vítima, com afastamento da residência e a proibição de se aproximar da residência desta, devendo o arguido conservar da ofendida e da sua residência uma distância de, pelo menos 300 metros, bem com a proibição de lhe telefonar, enviar mensagens ou qualquer outra forma de comunicação, fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância;     
3. Após o divórcio, o arguido AA e BB continuaram a residir na mesma habitação sita na Rua ..., ... (Atual) União das Freguesias ... e ..., no concelho ...;
4. No dia 15 de julho de 2024, por volta das doze horas, a ofendida     encontrava-se em casa com o companheiro, o arguido chegou a casa, dirigiu-se à ofendida apontando um dedo e disse “És uma porca, uma vaca”;    
5. Respondendo BB que, se continuasse com esse comportamento chamaria a GNR, o arguido disse “Vais chamar a GNR porque andas metida com eles”, “anda sua puta, vou ira a ... buscar o meu sobrinho, vamos te dar uma coça, mas vamos-te apanhar lá fora”;   
6. No dia 18 de julho de 2024, pelas 22h30, o arguido AA regressou a casa, embriagado, dirigiu-se ao quarto de BB e, dirigindo-se à mesma, disse “Apaga a televisão senão parto-a toda! Dou-te com ela na cabeça! Vou pôr fogo à casa!”;        
7. BB chamou a GNR e, submetido a teste qualitativo de pesquisa de álcool no sangue, o arguido acusou uma TAS de 2,56 g/l;
8. Nessa data, o arguido saiu de casa e foi para a casa da sua irmã em ..., ..., ...;
9. No dia 13 de junho de 2025, pelas 21h30, o arguido deslocou-se para a morada de BB e, dirigindo-se ao companheiro dela disse “aquela puta onde é que está?”;
10. De seguida, CC teve necessidade de ir ao sótão da residência buscar umas ferramentas, tendo o arguido seguido o mesmo e dito “não tens nada que mexer aí, isso é meu, qualquer dia aqui há mortos”.
11. BB chamou a GNR e, submetido a teste qualitativo de pesquisa de álcool no sangue, o arguido acusou uma TAS de 2,90 g/l;
12. No dia 4 de julho de 2025, pelas 11h50, o arguido dirigiu-se à residência onde se encontrava BB e o seu companheiro CC, que se encontravam no exterior a almoçar, e, dirigindo-se à primeira disse “vou preso, mas que os matava e que incendiava a casa”;
13. Ato contínuo, pegou numa faca de cabo branco que estava em cima da mesa, e, encostando-a ao pescoço de BB, disse-lhe que a matava;
14. Uma vez que entendeu que a faca era pequena demais, o arguido foi buscar outra de cabo preto, mas BB fugiu dele;
15. Quando chegou a patrulha da GNR o arguido encontrava-se deitado na cama, tendo a GNR solicitado que o mesmo se deslocasse para o exterior;
16. Já no exterior, o arguido virou-se para a residência e disse que os iria matar a todos e que iria incendiar a casa;
17. Submetido a teste qualitativo de pesquisa de álcool no sangue, o arguido acusou uma TAS de 2,82 g/l;
18. Antes de entrar no carro da GNR e durante o percurso para o posto, voltou a dizer que os ia matar, que pouco tempo duravam e que incendiava a casa;
19. O arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram previstas e punidas pela lei penal; 
20. O arguido encontra-se reformado;   
21. É divorciado.  
*
II - Elementos do processo que indiciam os factos imputados

A convicção deste Tribunal em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido resultou desde logo da análise dos seguintes meios de prova:

PROVA TESTEMUNHAL
- BB, ofendida, id. a fls. 36, 51, 58;
- CC, id. a fls. 123;
- DD, guarda principal, a prestar serviço na GNR posto territorial de ..., id. a fls. 120;
- EE, guarda principal, a prestar serviço na GNR posto territorial de ..., id. a fls. 122;
DOCUMENTAL
- Autos de notícia de fls. 36 e 37 e 120 a 122 e 05 a 09 do apenso A;
- Aditamento de fls. 56 e 57;
- Cota de fls. 63;
- Certidões dos assentos de nascimento de fls. 20 e 22;
- Certificado do registo criminal de fls. 27 a 29 do apenso A;
- Ficha RVD – 2L de fls. 17, 49 e 54;
- Certidão Judicial de fls. 70 a 105;
- Relatório fotográfico de fls. 124;
- Auto de apreensão de fls. 130;
- Relatório fotográfico de fls. 131 a 133;
E desde logo, as declarações do arguido prestadas em sede de identificação, o qual declarou ser divorciado e estar reformado, não pretendendo prestar declarações quanto aos factos imputados.
*
III - Qualificação jurídica dos factos imputados

Em face dos factos supra referidos, encontra-se o arguido fortemente indiciado da prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, alínea a), do Código Penal, relativamente à vítima BB o qual é abstratamente punido com pena de um a cinco anos de prisão.
*
IV. Factos concretos que preenchem os pressupostos de aplicação da medida de coação
Como é sabido as medidas de coação são meios processuais de limitação/privação da liberdade processual que têm por finalidade acautelar os fins do processo, seja para garantir a execução da decisão final condenatória, seja para assegurar o regular desenvolvimento do procedimento, seja para acautelar a vivência pacífica de uma comunidade e da vítima em especial.
Daí que, para além de em concreto deverem ser necessárias e adequadas para acautelar aqueles fins, nenhuma medida de coação, com exceção do TIR, deve ser aplicada se, em concreto, não se verificar qualquer das circunstâncias referidas no artigo 204.º do Código de Processo Penal.
Por outro lado, enquanto para que para ser aplicada uma das medidas de coação prevista nos artigos 197.º a 199.º do Código de Processo Penal se mostra suficiente a existência de indícios, já para a aplicação das medidas de coação previstas nos artigos 200.º a 202.º do Código de Processo Penal mostra-se necessário a existência de fortes indícios da prática do crime pelo arguido.
Quanto à medida de coação requerida pelo Ministério Público, verifica-se que a mesma se mostra absolutamente adequada a acautelar os perigos que abaixo se identificarão, sendo ainda proporcional à concreta sanção detentiva da liberdade que previsivelmente virá a ser aplicada ao arguido em sede de julgamento.
Na verdade, mesmo que uma medida de coação privativa da liberdade (prisão preventiva/obrigação de permanência na habitação) seja necessária, por ser a única adequada a prevenir qualquer dos perigos referidos no artigo 204.º do Código de Processo Penal, não deverá ser decretada pelo juiz se não se verificarem os pressupostos da proporcionalidade, nos termos do artigo 193.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (cfr. o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 02 de dezembro de 2010, relatado pelo Senhor Desembargador José Manuel Araújo de Barros, no âmbito do processo n.º  30/10.4PEVRL-A.P1, disponível no endereço http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/a6db726c8482e1b0802577fa004b5deb?OpenDocument).
No caso dos autos, tendo em conta a factualidade acima descrita, entendo que face aos fortes indícios da prática do crime acima referenciado, é previsível que ao arguido AA venha a ser aplicada uma pena de prisão efetiva, atenta a gravidade dos factos, nomeadamente, a motivação, a forma de cometimento, a reiteração e toda a conduta anterior e posterior do arguido.
Para além do referido, é patente o perigo de continuação da atividade criminosa, atenta a personalidade demonstrada pelo arguido, o abuso de consumo de bebidas alcoólicas e a reiteração da sua conduta, anotando-se que a presença da autoridade policial não inibe o arguido de prosseguir a sua conduta, tal como aliás já tinha acontecido nos factos em apreciação na sentença condenatória supra referenciada.
É, assim, manifesta a existência em concreto de um perigo de continuação da atividade criminosa por parte do arguido.
Finalmente, o crime de violência doméstica é um crime grave qualificado como criminalidade violenta (cfr. o artigo 1.º, alínea j), do Código de Processo Penal), sendo manifesta a existência de um perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas.
Este quadro permite sem qualquer dúvida afirmar que o arguido se em liberdade continuará a repetir a prática de factos criminosos idênticos aos praticados e em apreciação nos presentes autos.
Anota-se que a circunstância de o arguido ter sido condenado numa pena de prisão suspensa pela prática de um crime de violência doméstica em que a aqui ofendida é a vítima, não foi suficiente para, após o trânsito em julgado da sentença condenatória, persistir na sua conduta violenta, a qual manteve mesmo na presença da autoridade policial e no decurso da própria condução ao Posto da G.N.R..
Assim sendo, só uma medida privativa da liberdade acautela tais perigos.
A medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica não acautela manifestamente tais perigos, tanto mais que o mesmo permaneceu a residir na mesma morada da vítima e não obstante a pena acessória que lhe foi aplicada, e nem se afigura tal medida adequada às necessidades cautelares em apreço
Assim, é manifesto que só a medida de coação de prisão preventiva se revela adequada e necessária a acautelar, concretamente, os perigos de continuação da atividade criminosa e de perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas.
Em conformidade com o exposto, no seguimento do promovido pela Digna Magistrada do Ministério Público, decido aplicar ao arguido AA a medida de coação de prisão preventiva, nos termos conjugados nos artigos 1.º, alínea j), 191.º, n.º 1, 192.º, 193.º, n.ºs 1, 2 e 3, 194.º, n.ºs 1 e 2, 196.º, 202.º, n.º 1, alínea b), e 204.º, alínea c), todos do Código de Processo Penal.»
(…)”
*
4. Vejamos, então, o que vem invocado no recurso.
Após o interrogatório a que alude o artigo 141.º do Código de Processo Penal, foi proferido despacho judicial que aplicou ao arguido a medida de coação de prisão preventiva, por existirem fortes indícios da prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152°, n.°s 1, alínea a), e 2 alínea a) do CP., e se verificarem os perigos de continuação da atividade criminosa e de perturbação da ordem e tranquilidade públicas.
O recorrente, começa por insurgir-se contra a qualificação jurídica atribuída aos factos indiciados, manifestando que os mesmos não integram a prática de crime de violência doméstica agravado previsto nos nºs 1 al. a) e 2 al. a) do art. 152º, do CP, quando muito serão suscetíveis de configurar a prática de um crime de injúrias e de ameaça.
Seguidamente, questiona o entendimento expresso no despacho recorrido acerca da medida de coação fixada, pugnando no sentido de que, não se mostrando verificados os perigos, e pressupostos, previstos no art. 204º, do CPP, designadamente os de continuação da atividade criminosa e de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, a medida detentiva que foi aplicada ao arguido, concretamente a prisão preventiva, não poderia ser aplicada no caso concreto, e também se mostram violados os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, preceituados no artigo 193º do CPP, revelando-se, para além de ilegal, desadequada e desproporcionada para a situação concreta, concluindo pela revogação do despacho impugnado e pela aplicação alternativa das medidas coativas de: -"Obrigação de permanência na habitação" (ou em instituição adequada a prestar-lhe apoio social e de saúde), com a coadjuvação de meios técnicos de controle remotos; - ou de internamento em unidade especializada, designadamente hospital psiquiátrico ou instituição análoga apropriada, por serem as únicas medidas adequada às exigências cautelares que no caso se fazem sentir, observados os aludidos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade.
Para além disso, vem o recorrente invocar a nulidade do despacho proferido, alegando concretamente:
“(…)
«Salvo o devido respeito, o Despacho a quo afigura-se ferido de nulidade, objetivamente, por insuficiência para a douta Decisão dos factos imputados ao arguido, bem como, por erro da qualificação jurídica da factologia incriminadora, não subsumível na tipologia penal de "violência doméstica", mas porventura na tipificação de injúrias e ameaças.
A narrativa consubstanciadora da utilização do (supremo) expediente coactivo (a prisão preventiva), salvo melhor opinião, sobrevém, no plano conceptual, inconciliável com a estrutura do tipo legal do ilícito de violência doméstica, numa equívoca qualificação jurídica e consequente perversão dos artigos 194º nº6, al. c) e 410º nºs 1, 2 al. a), ambos do CPP, sob pena de nulidade do Despacho determinador do operamento da medida de coação, por contradição insanável da argumentação com tal Despacho.»

Vejamos a questão da qualificação jurídica e dos indícios apurados.
O crime de violência doméstica imputado ao arguido no despacho recorrido está previsto no artigo 152°, n.° 1, alínea a), do CP, sendo punido com a pena de prisão de 1 a 5 anos, mas agravado pela qualificativa prevista no nº 2, alínea a), e é punido com a pena de prisão de 2 a 5 anos.

De acordo com o exarado no despacho recorrido:
« III - Qualificação jurídica dos factos imputados
Em face dos factos supra referidos, encontra-se o arguido fortemente indiciado da prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, alínea a), do Código Penal, relativamente à vítima BB o qual é abstratamente punido com pena de um a cinco anos de prisão.», (querendo com certeza dizer que é punido com pena de prisão de dois a cinco anos).
Por sua vez o recorrente alega, como acima se salientou, que:
«insuficiência para a douta Decisão dos factos imputados ao arguido, bem como, por erro da qualificação jurídica da factologia incriminadora, não subsumível na tipologia penal de "violência doméstica", mas porventura na tipificação de injúrias e ameaças.»

Embora não se nos afigure que seja esta a questão principal que se coloca no presente recurso, não deixaremos de manifestar o nosso entendimento no que à mesma concerne.

Dispõe o citado artigo (na redação introduzida pela Lei 57/2021, de 16/08):
“1 - Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade, ofensas sexuais ou impedir o acesso ou fruição aos recursos económicos e patrimoniais próprios ou comuns:
a) Ao cônjuge ou ex-cônjuge;
b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação;
c) A progenitor de descendente comum em 1.º grau; ou
d) A pessoa particularmente indefesa, nomeadamente em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite;
e) A menor que seja seu descendente ou de uma das pessoas referidas nas alíneas a), b) e c), ainda que com ele não coabite;
é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
2 - No caso previsto no número anterior, se o agente:
a) Praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima; ou
b) Difundir através da Internet ou de outros meios de difusão pública generalizada, dados pessoais, designadamente imagem ou som, relativos à intimidade da vida privada de uma das vítimas sem o seu consentimento;
é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.
3 - Se dos factos previstos no n.º 1 resultar:
a) Ofensa à integridade física grave, o agente é punido com pena de prisão de dois a oito anos;
b) A morte, o agente é punido com pena de prisão de três a dez anos.
4 - Nos casos previstos nos números anteriores, incluindo aqueles em que couber pena mais grave por força de outra disposição legal, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de seis meses a cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica.
5 - A pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.
6 - Quem for condenado por crime previsto no presente artigo pode, atenta a concreta gravidade do facto e a sua conexão com a função exercida pelo agente, ser inibido do exercício de responsabilidades parentais, da tutela ou do exercício de medidas relativas a maior acompanhado por um período de 1 a 10 anos.”
O tipo legal em apreço visa proteger a saúde, o que abrange a saúde física ou psíquica e mental, bem jurídico este que, pode ser afectado por toda a multiplicidade de comportamentos que afecte a dignidade pessoal da vítima (cfr. Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, página 332).
Conforme é referido no Acórdão da Relação de Coimbra, de 24-04-2012, publicado em www.dgsi.pt: “O bem jurídico protegido no crime de violência doméstica, agora autonomizado do crime de maus tratos a que alude o art.152-A, do Código Penal, continua a ser plural, complexo, abrangendo a integridade corporal, saúde física e psíquica e a dignidade da pessoa humana, em contexto de relação conjugal ou análoga e, atualmente, mesmo após cessar essa relação.”
Trata-se de crime específico, na medida em que exige que o agente se encontre numa determinada relação para com o sujeito passivo dos comportamentos.
Conforme é referido do Acórdão da Relação de Coimbra de 20-02-2019, publicado em www.dgsi.pt: “A degradação de relações desta natureza que, do ponto de vista dos valores que o direito penal também prossegue, impõe a exigência de um maior grau de consideração/respeito pelo outro, ainda que em situações de litígio e os excessos que essa degradação potencia, por força da maior proximidade e muitas vezes da impossibilidade/dificuldade de um afastamento total e efectivo, é um dos factores que justifica a criação de um tipo específico de crime que se distingue dos tipos comuns preenchidos quando não se verifica o especial relacionamento entre agente do crime e vítima e que abarca situações típicas que vão para além desses tipos de crime comuns. O que significa que eventuais injúrias, ofensas à integridade física, ameaças, coacções são já consideradas pela lei como mais graves se ocorridas dentro desse tipo de relacionamentos, mais lesivas da condição humana que se quer revestida de dignidade. Esta consideração que patentemente emana da lei, apenas excepcionalmente permite que assim se não conclua, quando tal ocorra em situações muito incidentais e que manifestamente demonstrem que a dignidade do outro foi afectada de forma insignificante que não justifica a penalização em causa. Constituirá sempre uma ofensa intolerável à dignidade qualquer actuação que apenas possa ser interpretada como coisificação da vítima e exercício de domínio sobre ela.”
As condutas típicas podem ser de várias espécies: maus-tratos físicos (ofensas corporais voluntárias simples) e maus-tratos psíquicos (humilhações, injúrias, provocações, ameaças mesmo que não configuradoras, em si, do crime de ameaças), incluindo castigos corporais e privações da liberdade, bem como ofensas sexuais.
Na verdade, e como exuberantemente se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 27 de Junho de 2007, “poder-se-ão definir os maus tratos como toda a acção, conduta ou comportamento agressivo que, através de distintas formas de expressão, produzem dano ou menoscabam determinados bens jurídicos das pessoas agredidas (vida, integridade física ou psíquica, liberdade, honra, integridade moral, etc.). Dever-se-á distinguir entre maus-tratos físicos, quer dizer, qualquer agressão ou acto de acometimento físico que provoque lesão ou doença (hematomas, feridas, fracturas, queimaduras, etc.); abuso sexual, quer dizer, qualquer contacto sexual realizado a partir de uma posição de poder ou autoridade relativamente à vítima; maus-tratos psíquicos, ou o que é o mesmo, qualquer acto ou conduta intencionais que produzam desvalorização, sofrimento ou agressão psicológica (insultos, vexações, crueldade mental, etc.), o que situa a vítima num clima de angústia que destrói o seu equilíbrio emocional. Assim, o terror psíquico persiste sob a forma de ameaça, espionagem e de interrogatórios. Este tipo de violência baseia-se no abuso emocional, com o denominador comum da vexação, exigências de obediência por parte do agressor, desprezo, burlas verbais (insultos e gestos), intimidação, humilhações em público, manipulações, abandono físico e económico, sexualidade vexatória, etc. Por violência física há-de entender-se toda e qualquer manifestação agressiva ou de maltrato (golpes, contusões, empurrões bruscos, bofetadas, pontapés, etc.) qualquer que seja a sua gravidade. Deverá tratar-se sempre de um ataque, ainda que dissimulado, e independentemente das marcas os sinais físicos que esse ataque possa deixar. A mesma similitude é exigida para a violência psíquica, ou seja, toda a violência exercida sobre a vivência psicológica de uma pessoa e que, de maneira mais ou menos relevante, incida sobre a psico do afectado, colocando directamente em perigo a sua saúde mental” (processo nº 256/05.2GCAVR.C1, relatado pelo Sr. Juiz Desembargador Gabriel Catarino).
Note-se, também, que os maus tratos psíquicos compreendem, a par das estratégias e condutas de controlo, o abuso verbal e emocional que perturbe a normal convivência e as condições em que possa ter lugar o pleno desenvolvimento da personalidade dos membros do agregado familiar.
Conforme é referido no Acórdão da Relação de Évora, de 14-01-2014, publicado em www.dgsi.pt: “1. A realização do tipo de crime de violência doméstica previsto no art. 152º, nºs 1, al- a) e 2 do Código Penal não exige a imposição de maus-tratos físicos. 2. A reiteração da prolação de expressões injuriosas e a adopção de um comportamento psicologicamente agressivo e repetido ao longo de vários anos relativamente a cônjuge que se vai fragilizando e diminuindo enquanto «pessoa» consubstancia maus-tratos psíquicos no nível de intensidade contido no tipo.”
Face à introdução da expressão “reiterada ou não”, julgamos estar definitivamente afastada a questão que se levantava com a anterior redacção em que se discutia se o crime de maus tratos apenas se satisfazia com uma conduta reiterada ou se bastava uma conduta isolada do agente, sendo certo que já na anterior redacção se admitia que para preenchimento do crime seria suficiente uma conduta isolada desde que suficientemente caracterizada, tal como se decidiu no Tribunal da Relação do Porto, em Acórdão de 3 de Julho de 2002, publicado no site www.dgsi.pt,: “o âmbito punitivo do tipo de crime do artigo 152º, nºs 1 e 2, do Código Penal, inclui os comportamentos que, de forma reiterada, lesam a dignidade humana, compreendendo a ratio deste normativo, para além dos maus tratos físicos, os maus tratos psíquicos (por exemplo, humilhações, provocações, ameaças, curtas provações de liberdade de movimentos, etc.)”, acrescentando, no entanto, que “a respectiva incriminação, decorrente da lei penal, de condutas agressivas, mesmo que praticadas por uma só vez, sempre ocorrerá quando a gravidade intrínseca das mesmas se assumir como suficiente para poder ser enquadrada na figura dos maus tratos físicos ou psicológicos, enquanto violação da pessoa individual e da sua dignidade humana, com afectação da sua saúde” (veja-se também nesse sentido o Acórdão da Relação de Coimbra, de 29-01-2003, no site www.dgsi.pt).

Finalmente, este tipo de crime exige o dolo, o qual será variável em função da espécie do comportamento adoptado pelo agente mas que deverá sempre abarcar o conhecimento da especial relação que o liga à vítima. Assim, no caso de maus-tratos físicos, o dolo estende-se ao próprio resultado danoso da integridade física, mas já em relação às outras condutas bastará o dolo de perigo de afectação da saúde (cfr. Taipa de Carvalho, op. cit. p. 334).

Ora, atentando-se na matéria de facto indiciada, resulta, cremos, claramente demonstrado que o arguido assumiu condutas para com a sua ex-mulher, com quem ainda coabitava, que indiciam fortemente a sua subsunção no tipo legal de crime em referência, porquanto o mesmo empreendeu, por mais do que uma vez, e ao longo de algum tempo, mais de um ano, um comportamento para atingir a ofendida na sua integridade psíquica e, mais amplamente, na sua dignidade enquanto pessoa humana, sendo de notar uma clara postura do arguido no sentido de maltratar, coagir e humilhar a vítima, o que constitui um aviltamento intolerável da dignidade de qualquer pessoa, consubstanciando o quadro geral de violência verbal e física, vexação, e humilhação, o que traduz a violência doméstica. Para além disso vem ameaçando o seu ex-cônjuge de morte.
Acresce que, conforme já referido, tudo indicia que as agressões verbais e ameaças de morte ocorreram no domicílio comum, ou pelo menos na casa da vítima, o que determina o preenchimento da agravante prevista na alínea a) do nº 2, do artigo 152º, do Código Penal.
Efetivamente, como resulta claro do texto da norma, a circunstância agravante prevista naquela alínea a) do nº 2 do art. 152º, do CPP, ocorre quando os factos se verificam no domicílio comum ou no domicílio da vítima. (sublinhado nosso)
No entanto, cumpre fazer um reparo quanto à qualificação jurídica desses factos.
O crime indiciado de violência doméstica em causa nos autos é o p. e p. pelo art. 152º, nº1 a) e nº 2 a), do C. Penal, punível com prisão (de dois a cinco anos, e não de um a cinco anos, como ficou exarado) cujo máximo não supera os exigidos cinco anos de prisão,  mas considerado como criminalidade violenta, ao abrigo do definido como tal na al. j) do art. 1º, do CPP, o que justifica legalmente a opção pela medida de coação de prisão preventiva, como prevê a al. b) do nº 1 do art. 202º do mesmo diploma legal.
Assim, entendemos, conforme decidido em primeira instância, e contrariamente ao propugnado pelo recorrente, que se mostram indiciados factos suscetíveis de integrarem o crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º, nº1 a) e nº 2 a), do C. Penal.

Cumpre agora verificar, tendo-se concluído pela existência de fortes indícios da prática pelo arguido do crime de violência doméstica, se, in casu, se se verificam fortemente indiciados alguns, ou algum, dos perigos aludidos no artigo 204.º do Código de Processo Penal, designadamente os perigo de continuação da atividade criminosa e de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, e, para além dos requisitos gerais de aplicação das medidas de coação, se a medida de coação aplicada é desajustada para situação concreta, sendo suficientes para acautelar esses perigos a aplicação de OPH, ou seja, a obrigação de permanência na habitação, ou em instituição adequada a prestar-lhe apoio social e de saúde, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, nos termos previstos no art. 201º, nºs 1 e 3, do CPP, ou, mantendo-se a medida da prisão preventiva que o seu cumprimento seja levado a cabo com internamento em unidade especializada para tratamento da doença de que alegadamente padece, e que será o fator que está na génese do seu comportamento.
De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa, a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
Por sua vez, o artigo 32.º da Lei Fundamental consagra, no seu n.º 2, o princípio da presunção de inocência.
As medidas de coação são instrumentos processuais de natureza cautelar que, visando garantir a eficácia e normal desenvolvimento do processo e a execução das decisões condenatórias, constituem, na sua maior parte, limitações ao direito à liberdade e a derrogação do princípio da presunção de inocência (cfr. artigo 191.º, n.º 1 do Código de Processo Penal).
São, porém, admitidas pela Constituição – onde também se prevê a mais gravosa de todas, a prisão preventiva (artigo 27.º, n.º 3, b) da CRP) – porque é igualmente imperativo constitucional a realização pelo Estado dos fins do processo penal.
O necessário equilíbrio entre o pleno exercício dos direitos, liberdades e garantias e a realização dos fins do processo penal passa pela fixação, na lei ordinária, de condições e pressupostos para a aplicação das medidas de coação.
Por sua vez, o artigo 191.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, consagra o princípio da legalidade e da tipicidade das medidas de coação, do mesmo passo que afirma implicitamente o princípio da necessidade, ao estipular que só exigências processuais de natureza cautelar podem limitar, total ou parcialmente, a liberdade das pessoas.
O artigo 193.º, n.º 1 do mesmo diploma estabelece, os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade das medidas às exigências cautelares e da proporcionalidade à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas.
O princípio da necessidade significa que a medida a impor deve ser estritamente necessária aos fins do processo. 
O princípio da adequação significa que a medida a aplicar deve ser a mais ajustada, a mais idónea à satisfação das necessidades cautelares que o caso concreto requer.
O princípio da proporcionalidade significa que a medida escolhida deve ser conformada, deve ser harmónica quer com a gravidade do crime, quer com a pena que previsivelmente venha a ser aplicada.
No caso específico da prisão preventiva e da obrigação de permanência na habitação há ainda que observar o princípio da subsidiariedade, também decorrência do princípio da presunção de inocência e do princípio da liberdade.
O carácter subsidiário da prisão preventiva e da obrigação de permanência na habitação é acentuado no artigo 193.º do Código de Processo Penal, ao mencionar-se, no seu n.º 2, que “[a] prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação só podem ser aplicadas quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coação.”.
Condição necessária à aplicação da prisão preventiva (artigo 202º), tal como para a obrigação de permanência na habitação que aqui é suscitada pelo recorrente (artigo 201.º), é, pois, a inadequação ou insuficiência das seguintes medidas de coação: termo de identidade e residência (artigo 196.º); caução (artigo 197.º); obrigação de apresentação periódica (artigo 198.º); suspensão do exercício de funções, de profissão e de direitos (artigo 199.º); proibição de permanência, ausência e de contactos (artigo 200.º). 
Como salienta o Prof. Germano Marques da Silva, «a lei estabelece uma certa progressão da gravidade das diversas medidas cuja diversa gravidade deve ser sempre tida em conta pelo juiz no momento da escolha da que julgue mais idónea a salvaguardar as exigências cautelares de cada caso.» (- Curso de Processo Penal, Volume II, 5ª edição, revista e atualizada, pág. 364).
A aplicação da medida de prisão preventiva, assim como da obrigação de permanência na habitação – que é a segunda das mais gravosas das medidas de coação, ficando nessa escala de gravidade apenas abaixo daquela – depende, para além dos requisitos especiais da própria medida, da verificação, em concreto, de requisitos ou condições gerais enunciadas no artigo 204.º do Código de Processo Penal, ou seja:
«a) Fuga ou perigo de fuga;
b) Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou
c) Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a atividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas.».
Estes requisitos ou condições gerais enumeradas taxativamente nas alíneas a), b) e c) do artigo 204.º do Código de Processo Penal, são alternativos, bastando que se verifique alguma destas situações para que, conjuntamente com os respetivos requisitos especiais, seja aplicada uma determinada medida de coação.
No caso dos autos, como decorre do despacho recorrido, foi considerada a existência dos perigos previstos nas alínea c) do artigo 204.º relativamente ao arguido.

Aí ficou exarado em termos de fundamentação:
“(…)
«No caso dos autos, tendo em conta a factualidade acima descrita, entendo que face aos fortes indícios da prática do crime acima referenciado, é previsível que ao arguido AA venha a ser aplicada uma pena de prisão efetiva, atenta a gravidade dos factos, nomeadamente, a motivação, a forma de cometimento, a reiteração e toda a conduta anterior e posterior do arguido.
Para além do referido, é patente o perigo de continuação da atividade criminosa, atenta a personalidade demonstrada pelo arguido, o abuso de consumo de bebidas alcoólicas e a reiteração da sua conduta, anotando-se que a presença da autoridade policial não inibe o arguido de prosseguir a sua conduta, tal como aliás já tinha acontecido nos factos em apreciação na sentença condenatória supra referenciada.
É, assim, manifesta a existência em concreto de um perigo de continuação da atividade criminosa por parte do arguido.
Finalmente, o crime de violência doméstica é um crime grave qualificado como criminalidade violenta (cfr. o artigo 1.º, alínea j), do Código de Processo Penal), sendo manifesta a existência de um perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas.
Este quadro permite sem qualquer dúvida afirmar que o arguido se em liberdade continuará a repetir a prática de factos criminosos idênticos aos praticados e em apreciação nos presentes autos.
Anota-se que a circunstância de o arguido ter sido condenado numa pena de prisão suspensa pela prática de um crime de violência doméstica em que a aqui ofendida é a vítima, não foi suficiente para, após o trânsito em julgado da sentença condenatória, persistir na sua conduta violenta, a qual manteve mesmo na presença da autoridade policial e no decurso da própria condução ao Posto da G.N.R..
Assim sendo, só uma medida privativa da liberdade acautela tais perigos.
A medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica não acautela manifestamente tais perigos, tanto mais que o mesmo permaneceu a residir na mesma morada da vítima e não obstante a pena acessória que lhe foi aplicada, e nem se afigura tal medida adequada às necessidades cautelares em apreço
Assim, é manifesto que só a medida de coação de prisão preventiva se revela adequada e necessária a acautelar, concretamente, os perigos de continuação da atividade criminosa e de perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas.»
O requisito de perigo de continuação da atividade criminosa, a que alude a alínea c) do artigo 204.º do Código de Processo Penal, será de ter como verificado quando, atentas as circunstâncias do crime ou a personalidade do arguido, for de recear que este continue a praticar o crime ou crimes pelos quais está indiciado.
Para o efeito torna-se necessário efetuar um juízo de prognose de perigosidade social do arguido, atendendo às circunstâncias anteriores ou contemporâneas à sua indiciada atividade delituosa, juízo esse que deverá estar conexionado com a existência dessa conduta ilícita e não com quaisquer preocupações genéricas de defesa ou de alarme social, que sejam jurídico-penalmente neutras ou com situações de alarme social despidas de qualquer ilicitude.
A este respeito salienta o Prof. Germano Marques da Silva que a aplicação de uma medida de coação não pode servir para acautelar a prática de qualquer crime pelo arguido, mas tão-só a continuação da atividade criminosa pela qual o arguido está indiciado e que pode justificar-se a aplicação de uma medida de coação se, atentas as circunstâncias do crime e a personalidade do arguido, for de presumir a continuação da atividade criminosa pela qual está indiciado no processo, esclarecendo, contudo, que continuação da atividade criminosa não significa continuação do mesmo crime, mas a prática de crimes análogos ou da mesma natureza pelos quais está a ser processado(Ibidem, pág. 359 e nota 1).
No caso em apreço, a natureza e gravidade do ilícito criminal que é imputado ao arguido, os concretos comportamentos que lhe são atribuídos (em que avulta o período de tempo ao longo do qual vem assumindo condutas suscetíveis de serem qualificadas como de violência doméstica e o facto de não há muito tempo ter sido condenado pela prática desse ilícito penal sobre a mesma vítima, acrescido da circunstância de os factos ora indiciados terem sido cometidos durante o período de suspensão da pena de prisão então aplicada), a sua personalidade, que os factos bem indiciam (e é sempre de um juízo de indiciação que se trata e como tal devem ser entendidas todas as afirmações que vêm sendo efetuadas no âmbito da factualidade) assumem uma gravidade elevada.
Para além de se virem a verificar por um período de tempo já considerável, nesse período de tempo, ocorreram por via de uma prática já reiterada e com alguma intensidade (elementos que o tipo de crime nem exige cumulativamente, mas que, no caso, se verificaram conjuntamente).
Incluíram ofensas verbais, maus tratos psíquicos e ameaças de morte (quando bastaria um tipo de ofensas para realizar logo o crime).
Durante esse período de tempo (contabilizando apenas aquele em que se desenrolaram os factos em apreciação nos autos e retirados os factos anteriores que já foram objeto de condenação), não podem ter deixado de causar lesões graves na pessoa da vítima, que se sentirá necessariamente fragilizada e diminuída enquanto pessoa, e com receio de que o arguido concretize as ameaças que que vem lançando.
Verificando-se, assim, os perigos que fundamentaram a aplicação ao arguido da medida de coação questionada.
Situação a ponderar prende-se com a questão respeitante à fixação da medida adequada, ajustada e proporcionada à conduta do arguido e à sua condição social e psíquica.
Vejamos.
Num quadro global como o presente (descrito nos factos indiciados), resulta compreensível, face à fundamentação cujo trecho acima transcrevemos, que o tribunal recorrido tenha acabado por concluir que a única medida de coação capaz de precaver que o arguido continue a assumir para com a vítima comportamentos delituosos como os ora indiciados, de evitar que eventualmente possa concretizar as ameaças que lhe vinha dirigindo, seja a prisão preventiva.
Não podemos olvidar que o arguido, por sentença, transitada em julgado a 3 de dezembro de 2024, no âmbito do processo n.º 787/23.2GAEPS, que correu termos pelo Juízo de Competência Genérica de Esposende (Juiz ...), foi o arguido condenado pela prática, em 2023, de um crime de violência doméstica contra a ofendida, na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, sujeita ao regime de prova e à pena acessória de, pelo mesmo período, não contactar ou aproximar da vítima, com afastamento da residência e a proibição de se aproximar da residência desta, devendo o arguido conservar da ofendida e da sua residência uma distância de, pelo menos 300 metros, bem com a proibição de lhe telefonar, enviar mensagens ou qualquer outra forma de comunicação, fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância;  
 Não obstante, desde o dia 115 de julho de 2024 que o arguido tem vindo a molestar verbal e psicologicamente a vítima, que vem ameaçando de morte.
Mesmo após a prolação da sentença proferida no processo n.º 787/23.2GAEPS, e o seu trânsito em julgado, o arguido formulou a resolução de não cumprir as penas acessórias aplicadas, mantendo o contacto com a vítima.
Ou seja, como se retira do despacho sob escrutínio o arguido vem demonstrando um total desrespeito e indiferença pela condenação que sofreu e pelo cumprimento das sanções, ou penas, acessórias que lhe foram impostas, e que continua na sua senda de agredir verbalmente a vítima e a dirigir-lhe ameaças de morte, de onde resulta manifesto, e atual, o perigo de continuação da atividade criminosa, já que o arguido revela uma personalidade instável, desafiante e indiferente às decisões judiciais e ao confronto com o sistema judicial.
De qualquer forma, muito embora se entenda, e concorde, com a decisão tomada perante a realidade fáctica com que o tribunal se viu confrontado, que se nos afigura legalmente aplicada e plenamente justificada para o caso concreto, afigura-se-nos que não podemos deixar de atentar no facto de em quase todos os episódios ilícitos perpetrados pelo arguido o mesmo se encontrar alcoolizado, pelo menos naqueles em que foi solicitada presença de agentes da autoridade, apresentando taxas de consumo de álcool que ultrapassavam os 2.5 g/l, ou seja de, respetivamente, no dia 18 de julho de 2024, uma TAS de 2,56 g/l; dia 13 de junho de 2025, uma TAS de 2,90 g/l; dia 4 de julho de 2025, uma TAS de 2,82 g/l, de álcool no sangue. Para além disso, afigura-se-nos que, não obstante não estar ainda aquilatado nos autos o atual estado psíquico do arguido, a sua imputabilidade, ou a invocada inimputabilidade, para os factos indiciados, o que ainda será apurado em inquérito ou no âmbito do julgamento que venha a ocorrer, não podemos escamotear o teor da documentação de ordem médica, e a atual situação pessoal daquele, entretanto aportada aos autos pelo recorrente.
Na verdade, como resulta do “Relatório de Alta Médico” proveniente do Hospital ..., Departamento de Psiquiatria, o arguido esteve internado, no período compreendido entre 06.01.2017 e 25.01.2027, no Serviço de Psiquiatria dessa unidade hospitalar, e, conforme se extrai desse documento, a sua entrada nesse serviço resulta de um "... Mandado de Condução, por alterações do comportamento...(andava nu pela freguesia, ligou 4 discos do fogão para se matar)...Hábitos etílicos pesados (5L de vinho maduro/dia)...", tendo passado a ser acompanhado em consulta externa hospitalar daquele Serviço de Psiquiatria".
Para além disso, correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo de Competência Genérica de Esposende, Juiz ..., processo judicial de "Acompanhamento de Maior", com o NUIPC nº 557/24.0TBEPS, em que era visado o ora recorrente, no qual foi proferida sentença que culminou com o decretamento da incapacidade deste último, "...devido ás sequelas de adição crónica a consumos etílicos..." e com a atribuição do estatuto de acompanhante à descendente deste, denominada FF. (Cfr. Relatório Médico e Sentença que acompanham o requerimento de recurso, com a ref: ...56).
No exame pericial a que foi sujeito no âmbito desse processo de Maior Acompanhado foi o ora recorrente sujeito a exame pericial que concluiu" (Fls. 2 e segs. da referida Decisão Judicial), - produzida prova do seguinte circunstancialismo:
"O beneficiário padece de adição crónica a consumos etílicos...", "...padece de Síndrome de Dependência Alcoólica em co morbilidade com síndrome demencial..."…"...esta patologia tem caráter evidentemente grave, permanente e irreversível." ...".
Tendo sido decidido: "Em consequência desta doença, o Beneficiário encontra-se impossibilitado de reger, por si só, a sua pessoa e os seus bens, e consequentemente, de exercer, plena, pessoal e conscientemente , os seus direitos, quer patrimoniais, quer pessoais." (Fls. 5)
É sabido, e como resulta de tudo o acima explanado, o recurso aos meios de coação em processo penal respeita os princípios da legalidade (art.os 29.º, n.º 1, da CRP e 191.º do CPP), excecionalidade e necessidade (art.os 27.º, n.º 3 e 28.º, n.º 2, da CRP e 193.º, do CPP), adequação e proporcionalidade (art.º 193.º do CPP), como emanação do princípio constitucional da presunção da inocência do arguido, contido no artigo 32.°, n.° 2, da Constituição.
Esta natureza significa que a aplicabilidade da prisão preventiva se restringe aos casos em que, verificados qualquer dos requisitos gerais do artigo 204.° e o requisito especial do artigo 202.°, ambos do CPP, as restantes medidas de coação se mostram inadequadas ou insuficientes.
As medidas de coação só devem manter-se enquanto necessárias para a realização dos fins processuais que, observados os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade, legitimam a sua aplicação ao arguido e, por isso, devem ser revogadas ou substituídas por outras menos graves sempre que se verifique a insubsistência das circunstâncias que justificaram a sua aplicação ou uma atenuação das exigências cautelares que determinaram a sua aplicação (artigo 212.° do CPP).
A revogação ou substituição pode ter lugar a requerimento do arguido, do Ministério Público ou oficiosamente (artigo 212.°, n.° 4), impondo a lei o reexame oficioso do seus pressupostos, de três em três meses (artigo 213.° do CPP).
O artigo 213.°, impondo um controlo jurisdicional, especialmente apertado das exigências dessa medida em cada momento, assume, claramente, uma finalidade de reforço das garantias de defesa do arguido, visando evitar a manutenção da privação da liberdade do arguido por inércia, nomeadamente do próprio arguido, não obstante o mecanismo de controlo constituído e garantido pelo artigo 212.°.
Contudo, estando as medidas de coação sujeitas à condição rebus sic stantibus, a substituição de uma medida de coação por outra menos grave apenas se justifica quando se verifique uma atenuação das exigências cautelares que tenham determinado a sua aplicação.
A decisão que impõe a prisão preventiva, apesar de não ser definitiva, é intocável e imodificável enquanto não se verificar uma alteração, em termos atenuativos, das circunstâncias que a fundamentaram, ou seja, enquanto subsistirem inalterados os pressupostos da sua aplicação.
No caso vertente, mesmo levando em consideração todos aqueles elementos de ordem médica e pessoal aludidos, não vislumbramos que se tenha verificado a exigida alteração das circunstâncias que motivaram a decisão recorrida, pelo menos em termos tais que permitam concluir pela atenuação dessas circunstâncias, designadamente do perigo de o arguido manter o comportamento ilícito que vem encetando junto da vítima.   
Aqui chegados, convém voltar a realçar que desrespeito e indiferença pelas decisões dos tribunais que o arguido vem evidenciando, mesmo após a prolação da sentença proferida no processo n.º 787/23.2GAEPS, e o seu trânsito em julgado, não cumprindo as penas acessórias aplicadas, mantendo o contacto com a vítima, que continuou a  agredir verbalmente e a dirigir-lhe ameaças de morte.
As regras de conduta e obrigações impostas pelas sanções acessórias aplicadas no âmbito dessa decisão redundaram em total ineficácia.
Ora, considerando a gravidade dos factos indiciados, a natureza do crime em causa e as circunstâncias em que os factos ocorreram, assim como a personalidade do arguido evidenciada pelos factos, de natureza obsessiva, possessiva e violenta, desprovida de capacidade de reflexão sobre o desvalor das condutas, cremos que a única medida de coação capaz de assegurar as exigências cautelares decorrentes dos perigos de continuação da atividade criminosa e perturbação da ordem pública, em razão da natureza e circunstâncias do crime e da personalidade do arguido, é a de prisão preventiva e mostra-se proporcional à gravidade dos ilícitos e à pena que previsivelmente virá a ser aplicada. Medida esta que poderá ser cumprida num regime não reclusivo em estabelecimento prisional, como abaixo se tratará.
Assim sendo, a conclusão final que se retira é a de que o sugerido desagravamento da medida de coação anteriormente aplicada no presente contexto (de agressões verbais, atitude persecutória e ameaças de morte, todas elas duradoras, reiteradas e intensas), designadamente através da aplicação da medida de obrigação de permanência na habitação (OPH), não será suficiente para prevenir que o arguido prossiga com os comportamentos indiciados, ou que concretize as suas ameaças, afigura-se-nos de diminuta valia na avaliação dos chamado pericula libertatis, não nos parece sustentável, por todas as razões já bem salientadas.
Afigura-se-nos que a necessidade de proteção da vítima perdura (intensificando-se até) nesta situação, uma vez que a existência de um descontrolo emocional por parte do arguido, mesmo que motivado pelo ingestão de bebidas alcoólicas, não implica de forma automática um desagravamento das medidas cautelares, nem um regime de diminuição pessoal das necessidades cautelares ou revogação das normas incriminadoras das condutas imputadas ao recorrente, antes pelo contrário.
Em face do exposto, e estando ainda os factos (graves) em apreciação (que decorreram reiterada e intensamente) temporalmente situados no decurso de um período de suspensão de pena de prisão aplicada ao arguido por crime semelhante e na pessoa da mesma vítima, ou seja, estando suficientemente demonstrado que a conduta agressora do arguido na pessoa da vítima se prolonga (e mantém) há já cerca de dois anos, impõe-se concluir que o perigo de continuação da atividade criminosa existe em grau elevadíssimo.
Neste contexto, qualquer medida de coação que não limite fortemente a liberdade ambulatória do arguido revelar-se-ia insuficiente para garantir as finalidades cautelares diagnosticadas no caso. Sendo certo que este já deu provas de que não controla a sua impulsividade, fazendo tábua-rasa da censura contida na suspensão da pena de prisão em que foi condenado e revelando total indiferença pelo seu estatuto coativo.
No entanto, face a tudo o que supra já deixamos vertido, e atendendo ao sugerido pelo recorrente, somos do entendimento que a medida de coação aplicada poderá ter lugar, em vez da prisão, através de internamento preventivo em hospital psiquiátrico ou outro estabelecimento análogo adequado à doença do arguido, adotando as cautelas necessárias para prevenir os perigos de fuga e de cometimento de novos crimes, nos termos do disposto no nº 2 do art. 202º, do CPP, o que se mostra proporcionado e ajustado à situação concreta.
Os fins visados de proteção da vítima, e de prevenção de que o arguido possa continuar a sua atividade criminosa contra esta, serão acautelados com a imposição ao arguido da medida de coação de prisão preventiva sob a forma de internamento preventivo.
Certo é que o recorrente tem um problema de saúde para tratar porque padece de Síndrome de Dependência Alcoólica em co morbilidade, com síndrome demencial, com caráter grave, permanente e irreversível. Situação que se mostra fortemente indiciada, diria mesmo que comprovada, designadamente através de relatório médico, e afigura-se de grande influência no despoletar das condutas ilícitas indiciadas, bem como de molde a poder influir sobre as exigências cautelares que o caso requer, o que poderá ser assegurado através do adequado acompanhamento médico do arguido em ambiente prisional, de internamento preventivo em hospital psiquiátrico, como já se disse.
Pelo que, dúvidas parece não existirem quanto à necessidade de substituição da medida de prisão preventiva pela de internamento preventivo.
Na verdade, a ratio legis da norma estabelecida no n° 2 do referido artigo 202°, é precisamente possibilitar ao arguido sujeito a prisão preventiva que sofra de anomalia psíquica, os meios adequados ao seu efetivo tratamento e recuperação, de forma a reintegrá-lo o mais rapidamente possível na sociedade; o que só se alcançará, independentemente da sua imputabilidade, se sujeito a prisão preventiva, enveredando-se pela aplicação a este de um regime mais favorável, ou seja, substituindo-se a medida de prisão preventiva pela de internamento preventivo.
In casu está fortemente indiciado que o arguido deve ser considerado como sofrendo da aludida “Síndrome de Dependência Alcoólica em co morbilidade, com síndrome demencial, com caráter grave, permanente e irreversível”, situação que tudo indicia foi a despoletadora do comportamento delituoso em apreciação, o que até poderá, e deverá, ser alvo de perícia para efeitos da verificação da sua imputabilidade para o crime que lhe está imputado, e que a perigosidade para a prática de condutas idênticas poderá ser colmatada desde que haja acompanhamento psiquiátrico regular.
Isto posto, verificado que o crime indiciado de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º, nº1 a) e nº 2 a), do C. Penal, punível com prisão cujo máximo não supera os exigidos cinco anos de prisão, mas considerado como criminalidade violenta, ao abrigo do definido como tal na al. j) do art. 1º, do CPP, e revisto, por ordem crescente de gravidade, o catálogo de medidas de coação admitidas pelos arts. 196.º a 202.º, do CPP, em honra dos princípios da adequação e da proporcionalidade na aplicação das medidas de tais medidas, da legalidade, tipicidade excecionalidade e da subsidiariedade da aplicação do internamento preventivo, não pode deixar de concluir-se pela aplicação, em vez da prisão em meio carcerário, que tenha lugar em internamento preventivo.

Em suma, perante o caso concreto, face à situação familiar e de saúde do arguido, e às circunstâncias que contextualizam o caso vertente, a sugerida medida de coação de OPH, ainda que em instituição adequada a prestar apoio social e de saúde, acompanhada com a fiscalização e cumprimento de obrigações a fixar, afigura-se-nos insuficiente para manter o necessário controlo e estagnação do arguido na sua impulsividade para assumir condutas como as ora indiciadas. Não se revelando suficientes e adequadas para acautelar os perigos de continuação da atividade criminosa. Como a conduta antecedente do arguido vem demonstrando à saciedade.
Pelo que, no caso vertente a medida de obrigação de permanência na habitação mostra-se desadequada a realizar os fins em vista, não havendo razões ou motivos que aconselhem a sua fixação, revelando-se ajustado e proporcionado que o mesmo fique sujeito à medida de internamento preventivo em hospital psiquiátrico ou outro estabelecimento análogo adequado.
Assim, face ao exposto, o recurso interposto procede, pelo menos parcialmente.
Saliente-se que, contrariamente ao sugerido, não se mostra violado qualquer dos invocado artigos do CPP ou princípios previstos na Constituição da República Portuguesa, designadamente, os artigos 18º, nº 2, 27º, 28º, 29.º, n.º 1 e 32.°, n.° 2, da CRP, e 191.º, 193º e 202º do CPP.
*
III. DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido AA, e, alterando a sua atual situação prisional determinam a aplicação ao arguido da seguinte medida de coação:

- Sujeito à medida de internamento preventivo em hospital psiquiátrico ou outro estabelecimento análogo adequado à sua situação concreta, adotando-se as cautelas necessárias para prevenir os perigos de fuga e de cometimento de novos crimes (art. 202°, n° 2 do C.P.P.).
- O arguido aguardará sujeito à medida de coação em vigor até que seja assegurado o seu internamento, situação que será providenciada em primeira instância.
- Em primeira instância providenciar-se-á também pelo assegurar das condições necessários ao cumprimento e fiscalização dessa medida.

Sem Custas.
Notifique
*
*
(Elaborado pelo relator e revisto pelos signatários - art. 94º,n.º 2, do CPP)

*
Guimarães, 16 de setembro de 2025

Os Juízes Desembargadores
Relator - Júlio Pinto
1º Adjunto – Armando Azevedo
2º Adjunto – Pedro Freitas Pinto