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DECLARAÇÃO DE EXCEPCIONAL COMPLEXIDADE
AUDIÇÃO DOS ARGUIDOS
REDUÇÃO DO PRAZO SUPLETIVO
Sumário
1. Não indicando a lei processual penal qual o prazo mínimo para a prática de um ato processual, esse prazo, estritamente necessário para preparação de defesa, pode ser inferior ao previsto no nº 1 do art. 105º do CPP. 2. O prazo supletivo prevenido neste pode ceder no caso do art. 215º, nº 4, do mesmo diploma legal., por determinação do juiz, desde que estejam postos em causa os interesses relevantes da prossecução da ação penal e do dever funcional de não exceder os prazos de prisão preventiva, exercido que se mostre o direito de audição do arguido.
Texto Integral
Acordam, em conferência no Tribunal da Relação De Guimarães I – RELATÓRIO:
No âmbito do processo de inquérito nº 1581/24.9JABRG, pendente no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo de instrução Criminal de Guimarães – Juiz ..., em que é arguido, entre outros, AA, foi proferido, no dia 12/03/2025, o seguinte despacho:
«Fls. 3227, requerimento do arguido BB e dos arguidos CC e AA (cf. fls. 3260): Obviamente que o prazo poderá ser encurtado tratando-se de arguidos presos, o que é determinado a favor dos mesmos atento o tempo de reclusão. Além do mais, não se vislumbra de que forma é que o arguido foi prejudicado já que apresentou a resposta em tempo, pelo que, se indefere à invocada irregularidade.
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Requerimento de fls. 3220: Ao MP para que se pronunciar.
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Do pedido de atribuição de excepcional complexidade aos autos pelo MP: Foi conferido prazo aos arguidos para se pronunciarem, tendo respondido da seguinte forma: - o arguido BB alega que o MP na sua promoção evidencia de forma precisa como as funções logísticas a si atribuídas têm relevo para a permanência da prisão preventiva em moldes de especial complexidade. Sendo que este arguido é acusado de desempenhar funções acessórias e não de comando e a prorrogação dos prazos exige que o papel do arguido na estrutura seja relevante e insubstituível. Termos em que requer que deve ser recusado o pedido de atribuição da excepcional complexidade (cf. fls. 3226 e ss); - O arguido DD (cf. requerimento de fls. 3291 e ss) alega que o número de arguidos tem aumentado devido à apensação de processos promovido pelo MP, desconhecendo o arguido as razões da apensação, sendo que teve como único efeito afectar a posição do arguido de forma grave e desproporcional. Mais, defende que a complexidade alegada resulta unicamente da opção processual de apensar os autos, devendo assim, o promovido ser indeferido. - O arguido EE (cf. requerimento de fls. 3253 e ss) defende que 9 arguidos não é um número transcendente e também não se vislumbra onde estão os factos concretos que permitem argumentar e sustentar que este processo tem um carácter internacional. Não se pode esquecer que a declaração de especial complexidade tem consequências penosas para os ora arguidos, com a elevação dos prazos da prisão preventiva. Opõe-se assim, que seja atribuída especial complexidade aos presentes autos. - o arguido FF (requerimento de fls. 3266 e ss) opõe-se á atribuição de especial complexidade ao processo uma vez que na sua opinião os exames informáticos podiam ter sido feitos há 5 meses e a indagação de contas bancárias pode ser efectuada em 60 dias após a dedução da acusação, sendo que não foram relatados factos supervenientes à detenção dos arguidos que justifiquem a prorrogação dos prazos. Requer assim, seja indeferido o pedido. Caso não se decida nesse sentido, requer a alteração da sua medida de coação para OPH, por questão de igualdade com outro arguido com funções similares (função descrita pelo MP). Cumpre, pois, decidir. Dispõe o art. 107.º, n.º 6 do Código de Processo Penal que “quando o procedimento se revelar de excepcional complexidade, nos termos da parte final do n.º 3 do artigo 215.º, os prazos previstos nos artigos 78.º, 284.º, n.º 1, 287.º, 311.º-A, 411.º, n.os 1 e 3, e 413.º, n.º 1, são aumentados em 30 dias, sendo que, quando a excepcional complexidade o justifique, o juiz, a requerimento, pode fixar prazo superior”. Por sua vez, refere o art. 215.º, n.º 3 do Código de Processo Penal que “os prazos referidos no n.º 1 são elevados (…) quando o procedimento for por um dos crimes referidos no número anterior e se revelar de excepcional complexidade, devido, nomeadamente, ao número de arguidos ou de ofendidos ou ao carácter altamente organizado do crime”. Pois bem. Os prazos estabelecidos na lei estão sujeitos à regra da improrrogabilidade. No entanto, porque são pensados com base em critérios de normalidade e casos há em que, por apresentarem contornos sensivelmente diferentes da mediania, o prazo normal não se mostra congruente com as exigências inerentes à prática de determinados actos, o legislador logo previu excepções de forma a ajustar os prazos às especificidades das hipóteses em que se enquadrem, admitindo a sua prorrogação. Uma dessas excepções é precisamente a “excecional complexidade do processo”. Sucede que a lei não processual penal não definiu o que deve ser considerado “excepcional complexidade”, dando apenas como exemplo algumas circunstâncias que podem ser consideradas como tal, nomeadamente o número de arguido ou de ofendidos ou o carácter altamente organizado do crime. Ora, compulsados os autos, constato que existem nove arguidos constituídos, encontrando-se todos em prisão preventiva. Com excepção de um, por razões de saúde viu a sua medida alterada. Não podemos esquecer que esta investigação tem por base os crimes de tráfico de estupefacientes agravado, branqueamento de capitais e associação criminosa. Conforme resulta dos autos e da actividade instrutória realizada, o carácter internacional desta organização, destinada a traficar estupefacientes com a sua anterior transformação em laboratórios fixados em território nacional onde foram apreendidos milhares de litros de substâncias destinadas a esta actividade, e que há ainda que identificar cabalmente e inquirir, formalmente, os diferentes destinatários de produtos químicos, que os recebiam em diversas moradas e faziam chegar à organização, dissimulando, desta forma a origem de tais produtos e o seu controlo, nunca levantando suspeitas, porque efectuavam compras de quantidades pequenas, tentando-se perceber, dessa forma, o seu real grau de intervenção nos factos investigados, não sendo de descartar a possibilidade de constituição de novos arguidos. Isto é, ao contrário do que defendem os arguidos, continua a decorrer, havendo ainda que proceder ao tratamento de 50 gigas de informação que foi recolhida em todo o material que foi apreendido aos arguidos. A ordenada apensação dos processos faz todo o sentido, atendendo a que se trata da mesma organização/associação a atuar em diferentes pontos do país. Encontra-se ainda a decorrer a conclusão de perícia aos restantes equipamentos (os que ainda não foram desbloqueados, já que os arguidos se recusaram a colaborar), alguns dos quais pertencentes ao EE e, por isso, com importância acrescida para a descoberta da verdade material; aguardar o recebimento de informação bancária relativa a quase 50 contas bancárias (cfr ofícios de fls 3063 a 3089) para posterior perícia contabilística financeira. Constata-se que dada a extensão dos autos, o número elevado de arguidos (sujeitos à medida de coacção de prisão preventiva) e testemunhas, a organização e o papel de cada um dos arguidos, a vastíssima extensão de ficheiros a analisar e seleccionar para efeitos probatórios, a necessidade de ter de se accionar meios de cooperação judiciária internacional, análise de contas bancárias e aplicações financeiras, de modo a lograr-se apurar da real dimensão do negócio e de todos os seus intervenientes e relações hierárquicas estabelecidas entre si e, ainda, rendimentos obtidos com tal negócio, justifica-se que os prazos de prisão preventiva, a que, nos presentes autos, se encontram sujeitos os arguidos EE, GG, BB, HH e II, JJ, CC, AA e DD, sejam alargados – sem prejuízo da reapreciação dos pressupostos daquela e da sua alteração, caso a respectiva manutenção, em concreto, se venha a considerar como desnecessária, conforme disposto nos artigos 212.º e 213.º do Código de Processo Penal. Pelo exposto, considerando os fundamentos invocados, a natureza dos crimes em questão, o número de arguidos, as diligências já realizadas e por realizar, as quais se revelam necessárias para a investigação, declaro os presentes autos de excepcional complexidade, nos termos do artigo 215.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Penal.»
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Inconformado, o arguido AA recorreu, do despacho proferido, concluindo nos seguintes termos:(Transcrição): «CONCLUSÕES: 1. Os arguidos, apenas na pessoa do respectivo mandatário, foram notificados da promoção do Mº Pº no sentido da obtenção do “estatuto” de excepcional complexidade a estes autos, tendo-lhes sido concedido metade (5 dias) do prazo legal para o exercício do contraditório. 2. De imediato, os arguidos suscitaram o vicio de irregularidade desse despacho, tendo merecido, já no preambulo do despacho que declara a excepcional complexidade, as seguintes e singelas palavras: Fls. 3227, requerimento do arguido BB e dos arguidos CC e AA (cf. fls. 3260): Obviamente que o prazo poderá ser encurtado tratando-se de arguidos presos, o que é determinado a favor dos mesmos atento o tempo de reclusão. Além do mais, não se vislumbra de que forma é que o arguido foi prejudicado já que apresentou a resposta em tempo, pelo que, se indefere à invocada irregularidade. 3. Sobre esta questão do prazo que a lei confere à defesa dos arguidos para exercer o direito ao contraditório existem duas correntes jurisprudenciais opostas. 4. Com efeito, jurisprudência existe que possibilita o Juiz de instrução a reduzir, conforme entenda, o prazo legal de 10 dias, bem como aquela outra que perfilha que tal redução só pode acontecer por vontade de defesa do arguido. 5. Por outro lado, a questão jurídica não é tão óbvia como foi qualificada no despacho recorrido. 6. Aliás, o mandatário subscritor conhece a pendência no Supremo Tribunal de Justiça de um processo para a uniformização da Justiça sobre esta questão. 7. Daí que sobre a invocada irregularidade do despacho a quo, basta agora reiterar esse pedido e aguardar esse Acordão uniformizador. 8. Não se resiste, contudo, a apreciar como toda a argumentação para a excepcional complexidade, esbarra na simplicidade (e exiguidade) do prazo concedido à Defesa dos arguidos. 9. Também não se resiste a agradecer todo o cuidado e preocupação emanante nesse despacho, com um tal tempo de reclusão a favor dos mesmos. 10. Todavia, os arguidos preferem não permanecer sem culpa formada por mais 6 meses em prisão preventiva. 11. Concentrando-nos agora mo próprio despacho, a quo, o qual declara a excepcional complexidade destes autos, verificamos as seguintes linhas de fundamentação alegadas: a) caracter internacional de organização b) destinada ao tráfico de estupefacientes c) laboratórios fixados em território nacional para transformação de pasta de cocaína em cocaína d) necessidade de identificar e inquirir destinatários de produtos químicos. e) dissimulação através de quantidades pequenas f) possibilidade de constituição de novos arguidos g) tratamento de 50 gigas de informação h) falta perícia aos equipamentos i) falta recebimento de informação bancária de 50 contas j) número elevado de arguidos k) vastíssima extensão de ficheiros l) necessidade de meios de cooperação internacional m) necessidade de análise de contas bancárias n) relações hierárquicas 12. Ora, relativamente a todas as alíneas anteriores, desde já se constata que na sua maior parte, são meras enunciações DESTITUIDAS DA NECESSÁRIA FUNDAMENTAÇÃO. 13. Com efeito, na sua quase totalidade essas enunciações são aquelas que OCORREM EM QUASE TODAS AS ACUSAÇÕES SOBRE TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES. 14. O tráfico de estupefacientes é sempre internacional porquanto PORTUGAL NÃO É PAÍS PRODUTOR DE COCAÍNA. 15. Tratando-se de uma actividade de índole substancialmente INTERNACIONAL desde o país produtor até ao país de consumo este circunstancialismo existe para a miríade de processos existentes em Portugal, pelo que nada tem de excepcional. 16. Tal como nunca será excepcional a possibilidade de constituição de novos arguidos. Aqui continuamos dentro dos mais que costumeiros casos de tráfico de estupefacientes. E sempre com a solução de instauração de processos autónomos através de certidões do processo “mãe”. 17. Quanto à necessidade de perícia de equipamentos, informações bancárias e outras, não se percebe como tal não tenha sido constituído em 6 meses de inquérito. Pergunta-se o que se tem andado a fazer até aqui 18. O alegado número elevado de arguidos resulta também da apensação do NUIPC 59/24.5JALRA, apesar de não ser tão elevado assim neste tipo de investigação, antes é comum em tráfico de estupefacientes. 19. A este respeito, importa considerar a tendência actual da parte do MINISTÉRIO PÚBLICO em se empenhar no acumular de MEGAPROCESSOS. Os quais constituem o melhor instrumento para a continuação de ETERNIZAÇÃO DA JUSTIÇA. 20. Já escrevia Fernão Lopes - “BOA e PRONTA FOI A JUSTIÇA D´EL REI”. PERDEU-SE O SENTIDO DA CELERIDADE E DA ECONOMIA PROCESSUAL e ESQUECENDO-SE QUE A JUSTIÇA PARA SER BOA, NÃO BASTA A CONSEQUÊNCIA, MAS TAMBÉM A CELERIDADE. Processualmente a conexão de que tratam os artigos 24º a 29º do C.P.P. constituem uma faculdade que não pode ser rígida porquanto existe sempre a possibilidade de SEPARAÇÃO de processos TAMBÉM instituído no artº 30º do C.P.P. Isto é, pergunta-se porque será sempre necessário COMPILAR quando se pode separar e autonomizar, SEM QUE ISSO IMPLIQUE QUALQUER DIFICULDADE na atribuição da JUSTIÇA a TODOS os intervenientes? Quando já toda a sociedade civil se compenetrou que esta situação de MEGAPROCESSOS na administração da justiça só serve a incompreensão no atraso da mesma frustrando as óbvias expectativas da celeridade na sua consecução, continuamos numa senda que só lhes dá razão. Em consequência disto tudo iremos assistir à perpetuidade de QUASE UM ANO DE PRISÃO PREVENTIVA SEM CULPA FORMADA, o que já desde tempos imemoráveis era considerado um DEFEITO e jamais uma qualidade na Administração da Justiça. 21. Nos presentes autos, nada existe de excepcional face ao desígnio último de conseguir que todos suspeitos venham a ser submetidos a juízo, SEJA NESTE PROCESSO, SEJA EM PROCESSOS AUTÓNOMOS, sem que isso prejudique a realização de justiça para todos. 22. Quanto à necessidade de meios de cooperação internacional não se vê como é que a prossecução normal destes autos possa impedir o desenvolvimento da investigação nos países produtores. Com efeito, da indiciação apresentada pelo Mº Pº parece que o país de destino será Portugal onde se realizaria a transformação de pasta de cocaína em cocaína. E aqui terminaria a internacionalização. 23. Já no que respeita aos mencionados laboratórios, parece que o sucesso da investigação conseguiu tudo o que queria: a catalisação dos objectos e equipamentos apreendidos nas buscas já estão realizados e pouco mais haveria a realizar. 24. Acresce que os arguidos no NUIPC 59/24.5JALRA, indevidamente apensados a estes autos, NADA TEM QUE VER COM LABORATÓRIOS OU QUALQUER OUTRA ACTIVIDADE NO NORTE DO PAÍS. 25. Os arguidos, no primeiro interrogatório judicial de detidos, no JIC de Leiria foram apenas confrontados com as suspeitas de uma actividade ilícita de recepção e armazenamento no Oeste de Portugal de cocos com pasta de cocaína. E nada mais. 26. Razão pelo qual se acham totalmente alheios aos eventuais destinatários ulteriores. 27. Por via da apensação inadequada, destaca-se o reconhecimento por parte do Mº Pº, a fls. 3155 de que falta “analisar o inquérito com NUIPC 59/24.5JA LRA, entretanto incorporado. 28. Isto é, ao cabo de 5 meses de investigação, nada foi feito no processo 59/24.5JALRA entrementes incorporado, e resolve-se, desta forma, com o acréscimo de mais 6 meses para a investigação. 29. Aqui chegados, restar-nos-ia perorar sobre a CULPA FORMADA, sua história e evolução, através dos tempos em todas as civilizações até à actualidade. 30. Tudo isso, porém, está ao alcance de um mero motor de busca informático em termos de justiça penal. Como cidadão, preocupamo-nos a duração de prisão preventiva sem que a defesa dos cidadãos se possa adequadamente defender de uma perseguição policial que sabe existir, mas desconhece em absoluto Violaram-se os Artigos - artº 105 nº 1 e 215 nº 4 do C.P.P. - artº 118 nº 1 do C.P.P., porquanto se conferiu excepcional complexidade a estes autos, com violação do princípio do contraditório por redução do prazo legal e porquanto estes autos não se afastam de simplicidade normal de um inquérito sobre tráfico de estupefacientes. Nestes termos, deve o presente recurso obter provimento, declarando-se a irregularidade, do despacho que concede aos arguidos um prazo inferior ao legalmente estabelecido de 10 dias, por violação dos artº 105 nº 1, 215 nº 4 e 118 nº 1 e 2 do C.P.P., assim se revogando a declarada excepcional complexidade destes autos. De qualquer forma, por violação do artº 215º nº 4 do C.P.P. deverá ser revogada a declaração de excepcional complexidade destes autos, por ausência de fundamentação das razões apresentadas. Assim se Fazendo Justiça»
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Na 1ª instância foi apresentada resposta ao recurso interposto, nos seguintes termos: (Transcrição) “(…) «E porque assim, e em CONCLUSÃO: 1. A investigação em curso nos autos apresenta-se efectivamente complexa atentas as concretas ramificações e o cariz internacional da mesma. 2. O número dos arguidos constituídos nos autos, a concreta actuação verdadeiramente organizada e numa lógica empresarial, estando em causa a necessidade de levar a cabo várias diligências, a criminalidade altamente organizada, plenamente justifica que seja declarada, como foi, a especial complexidade do processo. 3. Inexistindo qualquer violação legal, desde logo as invocadas pelo recorrente, e não suscitando a decisão proferida nos autos qualquer reparo ou observação, não merece provimento o recurso, devendo ser mantida a especial complexidade declarada nos autos. 4. Atento tudo o que se deixou exposto é nosso entendimento que o despacho recorrido não violou qualquer disposição legal ou princípio jurídico, mostrando- se a aplicação aos autos da excepcional complexidade como plenamente justa, justificada, adequada e proporcional à salvaguarda dos interesses da investigação e da recolha de todos os elementos possíveis para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa, só assim se fazendo justiça. 5. Não foi postergado o princípio do contraditório, nem cometida qualquer irregularidade que o inquine, ao fixar-se o prazo de 5 dias para os recorrentes se pronunciarem sobre a promoção do Ministério Público de ser declarada a excepcional complexidade do processo, se tal prazo não inviabilizou o exercício daquele por parte dos arguidos, que, efectivamente, o exerceram. 6. Assim, deve o recurso ser declarado improcedente, por infundado, mantendo se integralmente o douto despacho recorrido. Nestes termos e nos demais de direito aplicável, que vossas excelências doutamente suprirão, deve o recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida nos seus precisos termos, assim se fazendo Justiça.»
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Neste tribunal de Recurso o Digníssi.º Procurador Geral Adjunto emitiu parecer, no qual subscreve a resposta apresentada em 1ª instância e conclui pela improcedência do recurso.
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Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código Processo Penal, não foi apresentada resposta.
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Colhidos os vistos, foi efetuada a conferência, nos termos do art. 419º, do CPP. II – FUNDAMENTAÇÃO: 1 Delimitação do Objeto do Recurso
Nos termos do disposto no artigo 428.º, do CPP, sob o título, “Poderes de cognição”, as relações conhecem de facto e de direito.
Como é pacífico (Cf. o acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 7/95 do STJ, de 19-10-1995, in Diário da República – I Série, de 28-12-1995), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – como sejam a deteção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, previstos no art. 410º, n.º 2, do Código de Processo Penal, e a verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos do art. 379º, n.º 2, e 410º, n.º 3, do mesmo código – é pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação que se delimita o objeto do recurso e se fixam os limites de cognição do tribunal superior.
Posto isto, atenta a conformação das conclusões formuladas pelo recorrente, as questões suscitadas nos recursos são as seguintes:
- Irregularidade, nos termos do disposto no artigo 118º, n.ºs 1 e 2 do CPP, do despacho que concede aos arguidos um prazo inferior ao legalmente estabelecido de 10 dias, por violação do disposto nos artigos 105º, n.º 1, e 215º, nº 4, do CPP
- Declaração de excecional complexidade do presente processo.
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A primeira questão a apreciar prende-se com a invocada irregularidade do despacho de 25/02/2025, com a ref: ...22, que determinou a notificação dos arguidos para se pronunciarem sobre uma promoção do Ministério Público.
Incidências processuais com interesse para resolução desta questão.
O arguido encontra-se, desde o dia ../../2024, sujeito às medidas de coação de termo de identidade e residência e prisão preventiva, por estar indiciado, em coautoria com outros coarguidos, da prática de - um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelo n.º 1 do artigo 21.º, n.º 1 e 24.º, alíneas b), c) e f), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro e de um crime de associação criminosa, p. e p. pelo artigo 28.º, n.º 1, do mesmo Decreto-Lei;
Promoção do MºPº de 20/02/2025, ref: ...16 (transcrição parcial): “(…) «Por todas as razões expostas, esta investigação, em concreto, justifica que os prazos de prisão preventiva, a que, nos presentes autos, se encontram sujeitos os arguidos EE, GG, BB, HH e II, JJ, CC, AA e DD, sejam alargados – sem prejuízo da reapreciação dos pressupostos daquela e da sua alteração, caso a respectiva manutenção, em concreto, se venha a considerar como desnecessária, conforme disposto nos artigos 212.º e 213.º do Código de Processo Penal. Conforme inscrito na al. m), do artigo 1.º do Código de Processo Penal, o ilícito penal que ora se investiga - tráfico de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas - integra o conceito de “criminalidade altamente organizada”. Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 21.º, n.º 1 e 24.º, al. b) do Decreto-lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, o crime de tráfico de estupefacientes, é punível com pena de prisão de 5 a 15 anos. Tratando-se de crime incluso no catálogo da “criminalidade altamente organizada”, e sendo punível com pena de prisão de máximo superior a 8 anos, no caso, há lugar, “ope legis”, à elevação dos prazos de prisão preventiva (cfr. artigo 215.º, n.º 2 do Código de Processo Penal). O artigo 215.º, n.º 3 do Código de Processo Penal admite que a duração da prisão preventiva constante do n.º 1 do citado preceito legal, seja elevada, respectivamente, para um ano, um ano e quatro meses, dois anos e seis meses e três anos e quatro meses, quando o procedimento for por um dos crimes referidos no artigo 215.º, n.º 2 do Código de Processo Penal e se revelar de excepcional complexidade, devido, nomeadamente, ao número de arguidos ou de ofendidos ou ao carácter altamente organizado do crime. Para tanto, a excepcional complexidade do procedimento deve ser declarada pelo juiz (cfr. artigo 215.º, n.º 4 do Código de Processo Penal). Ora, como já acima deixámos expresso, resulta dos autos que se investigam continentes factuais que respeitam a uma criminalidade altamente organizada, e que assim é, não apenas porque a lei assim o sugere (cfr. artigo 1.º, al. m) do Código de Processo Penal), mas, sobretudo, porque a realidade assim o demonstra. A factualidade que se mostra indiciada, não nos reporta à criminalidade “bagatelar”, ao pequeno tráfico de rua, desorganizado, com recurso a meios pouco sofisticados de fazer transitar o produto estupefaciente até aos consumidores finais, pouco ou medianamente lucrativo, mas, outrossim, à média ou grave criminalidade, suportada numa estrutura, com carácter “empresarial”, em rede e cadeia, que dissemina ou visa disseminar grandes quantidades de produto estupefaciente, utilizando para o efeito TRANSFORMAÇÃO/PRODUÇÃO PRÓPRIA da substância estupefaciente – cocaína -, com vista à sua venda em território estrangeiro, sempre com intuito de retirar lucros avultados dessa actividade, criminalidade essa, cujas actividades se apresentam dispersas por vários países dos continentes europeu e americano, possuindo ramificações transnacionais. Houve necessidade de proceder à realização de várias diligências de obtenção de prova, e mostra-se, ainda assim, imperioso levar a cabo outras diligências probatórias cuja concretização não se mostrou possível, nem é viável de concretizar a curto/médio prazo. Pelo exposto, considerando os fundamentos invocados, a natureza do crime em questão, o número de arguidos, as diligências já realizadas e por realizar, as quais se revelam necessárias para a investigação, desde já se requer que os presentes autos sejam declarados de excepcional complexidade, nos termos do artigo 215.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Penal.»
Foi então proferido o despacho com a ref: ...22, no qual se determinou: “Ouçam-se os arguidos acerca do promovido pelo MP, para os termos e efeitos previstos no n.º 4 do art.º 215º do CPP.
Prazo: 5 dias.”
Tendo sido notificado desse despacho por ofício expedido no dia 27/02/2025, ref: ...01.
Por requerimento de 05/03/2025, com a ref: ...96, veio o arguido/recorrente suscitar a: “CC e AA, arguidos nos autos em epígrafe, notificados para se pronunciarem nos termos do artº 215º nº 4 do C.PP., por promoção do Digno Magistrado do Mº Pº de eventual especial complexidade dos autos, vêm arguir a irregularidade do douto despacho judicial porquanto o prazo legal que emana do preceito legal acima referido é o prazo geral de 10 dias , sendo ilegal o prazo de 5 dias concedido à Defesa, conforme os artºs 105 nº 1 e 215 nº 4 do CPP. Neste sentido os doutos Acordãos do Douto Tribunal da Relação de Lisboa de 08.10.2009, CJ 2009, T.4, pág. 139, de 08.01.2008 e Acordão do STJ de 14.11.2007, passiveis de consulta no seguinte endereço eletrónico: https://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?artigo_id=199A0219& nid=199&tabela=leis&pagina=1&ficha=1&nversao=Da Irregularidade do Despacho com a ref.ª 195159822»
Sobre esta arguição acabou por recair a primeira parte do despacho recorrido, com a ref:...26, do seguinte teor: “(…) «Fls. 3227, requerimento do arguido BB e dos arguidos CC e AA (cf. fls. 3260): Obviamente que o prazo poderá ser encurtado tratando-se de arguidos presos, o que é determinado a favor dos mesmos atento o tempo de reclusão. Além do mais, não se vislumbra de que forma é que o arguido foi prejudicado já que apresentou a resposta em tempo, pelo que, se indefere à invocada irregularidade.»
Sendo relativamente a esse prazo, que lhe foi concedido para se pronunciar acerca da promoção em que é solicitada a declaração de especial complexidade, que o arguido/recorrente se insurge, nos termos supra apontados.
Vejamos.
O artigo 215.º, do CPP reporta-se aos:
Prazos de duração máxima da prisão preventiva
1 - A prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem decorrido:
a) Quatro meses sem que tenha sido deduzida acusação;
b) Oito meses sem que, havendo lugar a instrução, tenha sido proferida decisão instrutória;
c) Um ano e dois meses sem que tenha havido condenação em 1.ª instância;
d) Um ano e seis meses sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado.
(…)”
3 - Os prazos referidos no n.º 1 são elevados, respectivamente, para um ano, um ano e quatro meses, dois anos e seis meses e três anos e quatro meses, quando o procedimento for por um dos crimes referidos no número anterior e se revelar de excepcional complexidade, devido, nomeadamente, ao número de arguidos ou de ofendidos ou ao carácter altamente organizado do crime.
4 - A excepcional complexidade a que se refere o presente artigo apenas pode ser declarada durante a 1.ª instância, por despacho fundamentado, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público, ouvidos o arguido e o assistente.”
Foi assim, no cumprimento do disposto no nº 4 do preceito acabado de citar que, para cumprimento do contraditório, foi proferido o despacho em que foi fixado o prazo em questão.
Como resulta do texto da norma, não é especificamente fixado qualquer prazo para que esse direito possa ser exercido. Por isso, teremos de entrar em consideração com o que relativamente aos prazos processuais se encontra fixado na nossa lei processual penal.
Como prevê o artigo 105.º do CPP, no seu nº 1:
“Prazo e seu excesso
1 - Salvo disposição legal em contrário, é de 10 dias o prazo para a prática de qualquer acto processual.”
Consagra esta norma processual o prazo supletivo para prática de atos nos processos penais.
No entendimento do recorrente, não indicando o nº 4 do art. 215º qualquer prazo para o exercício do direito ao contraditório por parte do arguido, esse prazo é necessariamente o supletivo do art. 105º, nº 1 do CPP, ou seja, de 10 dias. (citando neste sentido o acórdão do STJ de 14 de Novembro de 2007, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj).
Mais salienta que, concedendo a lei, ao arguido, um prazo de 10 dias para ele se pronunciar sobre a excecional complexidade do processo, só o arguido – pessoa em benefício da qual o prazo foi estabelecido – podia renunciar ao decurso do prazo ou praticar o ato processual antes de o mesmo se esgotar. Solução que resulta do disposto no artigo 107º, n.º 1, do CPP.
Para além disso, expressa o entendimento de que, não obstante existirem disposições no Código de Processo Penal que preveem situações em que são atribuídos poderes ao juiz para fixar prazos para a prática de certos atos processuais, dando como exemplos os artigos 157º, n.º 3, e 165º, n.º 2, “não se extrai do Código de Processo Penal qualquer norma ou princípio que atribuam ao juiz o poder de reduzir, unilateralmente e contra a vontade expressa do arguido, um prazo fixado na lei para ele exercer os seus direitos de defesa.”
Por fim, alega que, “embora a lei preveja, em casos de urgência, modificações no tempo dos atos processuais e reduções dos prazos para cumprimento de termos e mandados (cfr. artigos 103º, n.º 2, alínea a), e 106º, n.º 2, ambos do CPP), é, no entanto, inequívoco que essas modificações e essas reduções de prazos são estabelecidas sempre a favor do arguido e do seu direito à liberdade e nunca contra ele ou a favor da privação da sua liberdade. Ora, no caso concreto, do despacho resulta o contrário: a redução ao mínimo do prazo para o arguido exercer o contraditório e o eventual elevar do prazo de duração máxima da sua prisão preventiva.”
Conclui alegando que o “despacho aqui em crise constituiu um ato irregular, nos termos do disposto no artigo 118º, n.ºs 1 e 2, do CPP, violando o disposto nos artigos 105º, n.º 1, e 215º, n.º 4, ambos do CPP”.
Vejamos.
Sendo admissível a declaração oficiosa de excecional complexidade a mesma terá de ser precedida de prévia audição do arguido, sob pena de nos deparamos com uma omissão.
Essa omissão é suscetível de consubstanciar uma irregularidade, nos termos do art. 118.º, n.ºs 1 e 2, do CPP, já que a nulidade se não encontra expressamente cominada na norma que estabelece as nulidades insanáveis (art. 119.º), nem no elenco das nulidades dependentes de arguição (art. 120.º), e não se encontra qualificada como tal nos arts. 61.º e 215.º do mesmo diploma legal.
A irregularidade suscitada no caso vertente não se prende com essa omissão de audição prévia, mas sim com a concessão de um prazo inferior ao supletivo legalmente estabelecido de dez dias, daí resultando uma aventada dificuldade de defesa, uma violação do direito ao contraditório e a uma defesa adequada num processo complexo, como sucede nos autos principais.
Dessa situação retira o recorrente, como consequência da fixação do prazo de cinco dias, não a ocorrência de uma nulidade do despacho em que tal foi determinado, mas eventualmente estaremos sim perante uma simples irregularidade, tal como previsto no art. 118.º, n.ºs 1 e 2, do CPP.
Não restam, pois dúvidas quanto ao entendimento de que o prazo para o arguido se pronunciar sobre a declaração de excecional complexidade do processo, é de 10 dias, face à aplicação subsidiária do disposto no artigo 105.º n.º 1 do CPP. No entanto, não é essa a questão que concretamente se coloca no recurso em apreciação, sendo esta a de saber se o prazo de 10 dias pode ser encurtado, por iniciativa do juiz.
A este respeito, em que existe divergência na jurisprudência, sufragamos o entendimento que foi manifestado no Ac. do STJ, de 11/10/2007, relatado pelo Sr. Cons. Santos Carvalho, processo n.º 07P3852, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj., onde ficou exarado: “(…) «Dispõe-se hoje, no n.º 4 do art.º 215.º, que a excepcional complexidade a que se refere o presente artigo apenas pode ser declarada durante a 1.ª instância, por despacho fundamentado, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público, ouvidos o arguido e o assistente. Como o despacho dos autos foi proferido durante a 1.ª instância, a questão que coloca o peticionante é a de que foi preterido o seu direito a ser ouvido antes da prolação do mesmo, pois, ao se lhe fixar um prazo de 24 horas para esse efeito, não se observou o prazo de dez dias previsto no art.º 105.º, n.º 1, do CPP07 e, em qualquer caso, sendo o despacho do dia imediato às 24 horas, não se lhe deu oportunidade de praticar o acto nos três dias imediatos com o pagamento de multa. O que terá sido feito, diz o peticionante, em flagrante violação do disposto nos 105.°, n.º 1, 107°, n.ºs 1 e 5 e 215.°, n.º 4, todos do CPP e em violação clara das garantias de defesa do arguido consagradas nos art.ºs 18.º, 20.°, n.ºs 4 e 5 e 32.º, n.ºs 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa. Ora, o prazo de dez dias previsto no n.º 1 do art.º 105.º do CPP é um prazo supletivo, pois é o que se aplica salvo disposição legal em contrário. Por outro lado, em lugar algum da lei se indica qual é o prazo mínimo para a prática de um acto processual. Ora, se é certo que o art.º 215.º, n.º 4, do CPP07 não determina um prazo certo para serem ouvidos o arguido e o assistente, pelo que, em princípio, se aplica o prazo supletivo, da própria norma do art.º 215.º, considerada no seu todo, resulta que há prazos imperativos que determinam o tempo máximo da prisão preventiva em determinada fase processual e, portanto, os actos processuais que lhe dizem respeito têm de ser praticados em momento consentâneo. E são os prazos máximos de prisão preventiva que nunca podem ser ultrapassados e não é o prazo supletivo que tem de ser sempre observado. É que, para além dos direitos da defesa, há outros princípios não menos importantes para o processo penal, como o da celeridade e o da prossecução do interesse público em investigar os crimes e punir os responsáveis. E o que a Constituição da República Portuguesa não permite é que os direitos de defesa sejam comprimidos pelos outros interesses processuais relevantes, de tal modo que sejam inviabilizados, ou se tornem de difícil execução, tornando-se numa caricatura de raiz não democrática. Isto é, o prazo supletivo previsto no n.º 1 do art.º 105.º do CPP pode ceder no caso do art.º 215.º, n.º 4, do CPP, por determinação do juiz, desde que estejam postos em causa os interesses relevantes da prossecução da acção penal e do dever funcional de não exceder a prisão preventiva e desde que seja patente que o direito de defesa teve uma efectiva possibilidade de ser exercido cabalmente. Ora, no caso dos autos, o prazo de 24 horas concedido pelo Mm.º Juiz para o arguido se pronunciar nos termos do art.º 215.º, n.º 4, era imperioso face à premência de estar a findar o prazo máximo da prisão preventiva e de se inviabilizar a prossecução penal, tudo por razões estranhas ao funcionamento do tribunal – já que foi a mudança da lei processual e o curtíssimo período de vacatio legis que provocou a situação – e porque, não menos importante, o arguido teve a efectiva oportunidade de se pronunciar, já que, tendo sido notificado num dia, logo no dia imediato arguiu a irregularidade do despacho em causa, quando podia ter-se pronunciado, como se lhe pedia, sobre a complexidade ou não complexidade dos autos. Mais complicado seria se, notificado o arguido, nada dissesse nas 24 horas imediatas, pois poder-se-ia (dever-se-ia) admitir que o mandatário não teve a oportunidade física para responder ao solicitado e que o poderia ainda fazer nos três dias imediatos, com pagamento de multa. Mas, no caso, a resposta imediata demonstra que o direito de defesa foi efectivamente exercido, embora, por opção da defesa, com um expediente processual.»
Sendo esta uma questão jurisprudencialmente controvertida, como já salientamos, neste mesmo sentido se pronunciaram já os Acórdãos do TRL de 18 de junho de 2024, com o nº 419/22.6JELSB-N (sobre o qual foi instaurado RFJ que corre termos no STJ, onde aguarda decisão em conferência do pleno das secções criminais) e do TRE de 28.10.2010 e de 04.04.2017 [proferidos no processo n° 98/08.3PESTB-C.E1 e no processo n° 12/13.4SVLSB-J.E1, todos disponíveis in nwww.dgsi.pt].
Em sentido contrário pronunciaram-se o Acórdão do TRL de 08.01.2008 [processo 10110/2007-5, disponível in www.dgsi.pt] e, bem assim, o acórdão do TRL de 08.10.2009, disponível in CJ Ano XXXIV, T. IV, 2009, pág. 139 a 142, este com um voto de vencido, em que na declaração de voto vai no sentido do entendimento manifestado no aludido Acórdão do STJ de 11 de outubro de 2010.
De facto, ao contrário do propugnado pelo recorrente na sua motivação, que se estriba no decidido no acima referido Acórdão do TRL de 08.01.2008, também entendemos, salvo o devido respeito pela opinião contrária, que o prazo supletivo de dez dias pode ser encurtado, já que, o mesmo não é um prazo mínimo intransponível e, na ponderação de cada caso concreto, pode fixar-se um prazo inferior, desde que, naturalmente, esse prazo permita assegurar o cumprimento efetivo do direito ao contraditório.
Não indicando a lei processual penal qual o prazo mínimo para a prática de um ato processual, esse prazo, estritamente necessário para preparação de defesa, pode ser inferior ao previsto no citado nº 1 do art. 105º do CPP. Ou seja, o prazo supletivo prevenido neste pode ceder no caso do art. 215º, nº 4, do mesmo diploma legal., por determinação do juiz, desde que estejam postos em causa os interesses relevantes da prossecução da ação penal e do dever funcional de não exceder os prazos de prisão preventiva, exercido que se mostre o direito de audição do arguido.
E assim é, porque, em processo penal, para além dos direitos de defesa, há outros princípios não menos importantes como os da celeridade e da prossecução do interesse público em investigar e punir os seus responsáveis.
Assim sendo, afigura-se-nos que o direito de audição prévia do arguido sobre a solicitada declaração de excecional complexidade se mostra verificado logo que se lhe seja dado conhecimento de que essa questão foi suscitada e vai ser alvo de apreciação, ponderação e consequente decisão por parte do juiz de instrução.
Através desta ação vai-se permitir ao arguido tomar posição, dizer o que se lhe oferecer adequado relativamente à questão colocada, no caso, pelo Ministério Público, ou seja, exercer o contraditório quanto à promovida declaração de especial complexidade do processo.
E na verdade, dentro do prazo de cinco dias que lhe foi concedido para o efeito, o arguido/recorrente, para além de ter suscitado a irregularidade sob apreciação, deduziu oposição à promoção do Ministério Público, o que até fez em termos essencialmente idênticos aos esgrimidos neste recurso, tendo, pois, exercido o seu direito de audição, de defesa. Fê-lo até sem ter necessidade de invocar qualquer justo impedimento que obstasse à prática do ato no prazo que lhe foi concedido.
Pelo que, por tudo o exposto, tendo o arguido/recorrente exercido o seu direito de defesa, mostrando-se verificado o seu direito de audição como previsto no art. 215º, nº 4, do CPP, mesmo que em prazo concedido inferior ao previsto no nº 1 do artº 105º, do mesmo diploma legal, o despacho impugnado, bem como a decisão posterior, e também alvo de recurso, que será apreciado de seguida, não se mostra afetada na sua validade, não padece da suscitada irregularidade, e não viola os preceitos legais invocados pelo recorrente, para além dos acima indicados o disposto no art. 118º nº 1 e 2, do CPP, nem os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, consagrados no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.
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Declaração de excecional complexidade
A segunda, e principal, questão que importa decidir é, de acordo com as conclusões da motivação do recurso, a de saber se deverá, ou não, ser declarada a excecional complexidade do presente processo.
É o seguinte o teor do douto despacho recorrido:
« Do pedido de atribuição de excepcional complexidade aos autos pelo MP: Foi conferido prazo aos arguidos para se pronunciarem, tendo respondido da seguinte forma: - o arguido BB alega que o MP na sua promoção evidencia de forma precisa como as funções logísticas a si atribuídas têm relevo para a permanência da prisão preventiva em moldes de especial complexidade. Sendo que este arguido é acusado de desempenhar funções acessórias e não de comando e a prorrogação dos prazos exige que o papel do arguido na estrutura seja relevante e insubstituível. Termos em que requer que deve ser recusado o pedido de atribuição da excepcional complexidade (cf. fls. 3226 e ss); - O arguido DD (cf. requerimento de fls. 3291 e ss) alega que o número de arguidos tem aumentado devido à apensação de processos promovido pelo MP, desconhecendo o arguido as razões da apensação, sendo que teve como único efeito afectar a posição do arguido de forma grave e desproporcional. Mais, defende que a complexidade alegada resulta unicamente da opção processual de apensar os autos, devendo assim, o promovido ser indeferido. - O arguido EE (cf. requerimento de fls. 3253 e ss) defende que 9 arguidos não é um número transcendente e também não se vislumbra onde estão os factos concretos que permitem argumentar e sustentar que este processo tem um carácter internacional. Não se pode esquecer que a declaração de especial complexidade tem consequências penosas para os ora arguidos, com a elevação dos prazos da prisão preventiva. Opõe-se assim, que seja atribuída especial complexidade aos presentes autos. - o arguido FF (requerimento de fls. 3266 e ss) opõe-se á atribuição de especial complexidade ao processo uma vez que na sua opinião os exames informáticos podiam ter sido feitos há 5 meses e a indagação de contas bancárias pode ser efectuada em 60 dias após a dedução da acusação, sendo que não foram relatados factos supervenientes à detenção dos arguidos que justifiquem a prorrogação dos prazos. Requer assim, seja indeferido o pedido. Caso não se decida nesse sentido, requer a alteração da sua medida de coação para OPH, por questão de igualdade com outro arguido com funções similares (função descrita pelo MP). Cumpre, pois, decidir. Dispõe o art. 107.º, n.º 6 do Código de Processo Penal que “quando o procedimento se revelar de excepcional complexidade, nos termos da parte final do n.º 3 do artigo 215.º, os prazos previstos nos artigos 78.º, 284.º, n.º 1, 287.º, 311.º-A, 411.º, n.os 1 e 3, e 413.º, n.º 1, são aumentados em 30 dias, sendo que, quando a excepcional complexidade o justifique, o juiz, a requerimento, pode fixar prazo superior”. Por sua vez, refere o art. 215.º, n.º 3 do Código de Processo Penal que “os prazos referidos no n.º 1 são elevados (…) quando o procedimento for por um dos crimes referidos no número anterior e se revelar de excepcional complexidade, devido, nomeadamente, ao número de arguidos ou de ofendidos ou ao carácter altamente organizado do crime”. Pois bem. Os prazos estabelecidos na lei estão sujeitos à regra da improrrogabilidade. No entanto, porque são pensados com base em critérios de normalidade e casos há em que, por apresentarem contornos sensivelmente diferentes da mediania, o prazo normal não se mostra congruente com as exigências inerentes à prática de determinados actos, o legislador logo previu excepções de forma a ajustar os prazos às especificidades das hipóteses em que se enquadrem, admitindo a sua prorrogação. Uma dessas excepções é precisamente a “excecional complexidade do processo”. Sucede que a lei não processual penal não definiu o que deve ser considerado “excepcional complexidade”, dando apenas como exemplo algumas circunstâncias que podem ser consideradas como tal, nomeadamente o número de arguido ou de ofendidos ou o carácter altamente organizado do crime. Ora, compulsados os autos, constato que existem nove arguidos constituídos, encontrando-se todos em prisão preventiva. Com excepção de um, por razões de saúde viu a sua medida alterada. Não podemos esquecer que esta investigação tem por base os crimes de tráfico de estupefacientes agravado, branqueamento de capitais e associação criminosa. Conforme resulta dos autos e da actividade instrutória realizada, o carácter internacional desta organização, destinada a traficar estupefacientes com a sua anterior transformação em laboratórios fixados em território nacional onde foram apreendidos milhares de litros de substâncias destinadas a esta actividade, e que há ainda que identificar cabalmente e inquirir, formalmente, os diferentes destinatários de produtos químicos, que os recebiam em diversas moradas e faziam chegar à organização, dissimulando, desta forma a origem de tais produtos e o seu controlo, nunca levantando suspeitas, porque efectuavam compras de quantidades pequenas, tentando-se perceber, dessa forma, o seu real grau de intervenção nos factos investigados, não sendo de descartar a possibilidade de constituição de novos arguidos. Isto é, ao contrário do que defendem os arguidos, continua a decorrer, havendo ainda que proceder ao tratamento de 50 gigas de informação que foi recolhida em todo o material que foi apreendido aos arguidos. A ordenada apensação dos processos faz todo o sentido, atendendo a que se trata da mesma organização/associação a atuar em diferentes pontos do país. Encontra-se ainda a decorrer a conclusão de perícia aos restantes equipamentos (os que ainda não foram desbloqueados, já que os arguidos se recusaram a colaborar), alguns dos quais pertencentes ao EE e, por isso, com importância acrescida para a descoberta da verdade material; aguardar o recebimento de informação bancária relativa a quase 50 contas bancárias (cfr ofícios de fls 3063 a 3089) para posterior perícia contabilística financeira. Constata-se que dada a extensão dos autos, o número elevado de arguidos (sujeitos à medida de coacção de prisão preventiva) e testemunhas, a organização e o papel de cada um dos arguidos, a vastíssima extensão de ficheiros a analisar e seleccionar para efeitos probatórios, a necessidade de ter de se accionar meios de cooperação judiciária internacional, análise de contas bancárias e aplicações financeiras, de modo a lograr-se apurar da real dimensão do negócio e de todos os seus intervenientes e relações hierárquicas estabelecidas entre si e, ainda, rendimentos obtidos com tal negócio, justifica-se que os prazos de prisão preventiva, a que, nos presentes autos, se encontram sujeitos os arguidos EE, GG, BB, HH e II, JJ, CC, AA e DD, sejam alargados – sem prejuízo da reapreciação dos pressupostos daquela e da sua alteração, caso a respectiva manutenção, em concreto, se venha a considerar como desnecessária, conforme disposto nos artigos 212.º e 213.º do Código de Processo Penal. Pelo exposto, considerando os fundamentos invocados, a natureza dos crimes em questão, o número de arguidos, as diligências já realizadas e por realizar, as quais se revelam necessárias para a investigação, declaro os presentes autos de excepcional complexidade, nos termos do artigo 215.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Penal.»
O arguido AA, pelas razões que se encontram plasmadas no seu requerimento de recurso, e que aqui se dão por reproduzidas, veio opor-se a tal declaração.
Compre apreciar e decidir.
A declaração de especial complexidade vem prevista no já citado artigo 215º do Código de Processo Penal.
Dispõe o artigo 215º, n.º 3 do Código de Processo Penal o seguinte:
«1 - A prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem decorrido:
a) Quatro meses sem que tenha sido deduzida acusação;
b) Oito meses sem que, havendo lugar a instrução, tenha sido proferida decisão instrutória;
c) Um ano e dois meses sem que tenha havido condenação em 1.ª instância;
d) Um ano e seis meses sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado.
2 - Os prazos referidos no número anterior são elevados, respectivamente, para seis meses, dez meses, um ano e seis meses e dois anos, em casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, ou quando se proceder por crime punível com pena de prisão de máximo superior a 8 anos, ou por crime:
a) Previsto no artigo 299.º, no n.º 1 do artigo 318.º, nos artigos 319.º, 326.º, 331.º ou no n.º 1 do artigo 333.º do Código Penal e nos artigos 30.º, 79.º e 80.º do Código de Justiça Militar, aprovado pela Lei n.º 100/2003, de 15 de Novembro;
b) De furto de veículos ou de falsificação de documentos a eles respeitantes ou de elementos identificadores de veículos;
c) De falsificação de moeda, títulos de crédito, valores selados, selos e equiparados ou da respectiva passagem;
d) De burla, insolvência dolosa, administração danosa do sector público ou cooperativo, falsificação, corrupção, peculato ou de participação económica em negócio;
e) De branqueamento de vantagens de proveniência ilícita;
f) De fraude na obtenção ou desvio de subsídio, subvenção ou crédito;
g) Abrangido por convenção sobre segurança da navegação aérea ou marítima.
3 - Os prazos referidos no n.º 1 são elevados, respectivamente, para um ano, um ano e quatro meses, dois anos e seis meses e três anos e quatro meses, quando o procedimento for por um dos crimes referidos no número anterior e se revelar de excepcional complexidade, devido, nomeadamente, ao número de arguidos ou de ofendidos ou ao carácter altamente organizado do crime.
4 - A excepcional complexidade a que se refere o presente artigo apenas pode ser declarada durante a 1.ª instância, por despacho fundamentado, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público, ouvidos o arguido e o assistente.»
Conforme resulta da leitura do n.º 3 do artigo 215º do CPP, a lei não estabelece um conceito preciso de excecional complexidade, podendo esta derivar de diversos fatores. O n.º 3 indica, exemplificativamente como fatores, o número de arguidos, de ofendidos ou o carácter altamente organizado dos crimes. Conforme refere Maia Costa, no Código de Processo Penal Comentado (pág. 837), «O que importa é a ocorrência de um ou mais factores que determinem, pela vastidão, dificuldade ou demora das diligências a efectuar, uma complexidade anormal do processo, determinando um arrastamento excepcional dos termos processuais. É, pois, a apreciação em concreto das dificuldades e obstáculos opostos à investigação, e não a natureza do tipo de crime investigado, que deve determinar a qualificação do procedimento como de excepcional complexidade.»
Como se afirmou no Ac. do STJ de 26.01.2005 (Rel. Cons. Henriques Gaspar, in dgsi.pt), «A noção de “excepcional complexidade” do artigo 215º, n.º 3 do CPP está, em larga medida, referida a espaços de indeterminação, pressupondo uma integração densificada pela análise e ponderação de todos os elementos do respectivo procedimento; a integração da noção exige uma exclusiva ponderação sobre todos os elementos da configuração processual concreta, que se traduz, no essencial, em avaliação prudencial sobre factos.»
Consideremos, pois, a dimensão factual do processo no estado em que hoje se encontra e vejamos se as dificuldades do procedimento e da marcha processual, tendo em conta nomeadamente, as dificuldades da investigação, o número de intervenientes processuais, a dimensão do objeto do processo, os incidentes e contingências processuais provenientes das intervenções dos sujeitos processuais, ou a intensidade de utilização dos meios, levam, num juízo de razoabilidade, a declarar o processo como de excecional complexidade.
Comecemos pela dimensão dos presentes autos. Neste momento, encontrando-se ainda na fase de inquérito, o processo já é constituído por 12 volumes e passa de 4.000 folhas, a que acrescem vários apensos.
A matéria de facto indiciada, que deu suporte ao despacho proferido no âmbito do 1º interrogatório de arguidos detidos, nos termos do artigo 141º, é constituída por dezenas de pontos, alguns desdobrados.
Aos arguidos indiciados nestes autos, nos termos descritos no despacho aludido, está imputado o cometimento dos crimes: de associação criminosa, p. e p. pelo art. 28.º, n.º 1 do D. L. nº 15/93, de 22/01; de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. nos artigos 21º, nº 1, e 24º, alínea b), do D. L. nº 15/93, de 22/01; de branqueamento de capitais, p. e p. pelo artigo 368.º-A, alíneas d) e f), do Código Penal, criminalidade esta legalmente definida como “altamente organizada” nos termos do artigo 1º, alínea m), do CPP; e crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, al. c) do Regime Jurídico de Armas e Munições.
Concretamente o recorrente está indiciado da prática dos crimes de associação criminosa e tráfico de estupefacientes agravado.
O conceito de “criminalidade altamente organizada” é-nos dado pelo artº 1º al. m) do CPP, que refere expressamente, considera-se :
- “«Criminalidade altamente organizada» as condutas que integrarem crimes de associação criminosa, tráfico de pessoas, tráfico de armas, tráfico de estupefacientes ou de substâncias psicotrópicas, corrupção, tráfico de influência ou branqueamento”.
Sob o ponto de vista formal e de acordo com um critério estritamente objetivo, os crimes em causa inserem-se naqueles que o legislador previu com possível enquadramento no conceito de “excepcional complexidade” – cfr. artº 215º nº 2 al. e) e f). São crimes puníveis com pena de prisão superior a 5 anos e integram também o conceito de criminalidade altamente organizada.
Em termos de intervenientes processuais, temos: nove arguidos, oito sujeitos à medida de coação de prisão preventiva e um em OPH, decorrendo diligências de investigação respeitantes a vários suspeitos de integrarem a rede criminosa indiciada.
Tanto quanto é possível retirar do traslado, está em causa uma rede de tráfico de estupefacientes com dimensão internacional, que, de forma organizada e hierarquizada, se dedicava à importação de pasta de cocaína e sua posterior transformação em cloridrato de cocaína, com recurso a laboratórios montados para o efeito.
Efetivamente, as diligências de investigação já realizadas resultaram no desmantelamento de um laboratório de transformação de pasta de coca oxidada (desidratada) em cloridrato (cocaína), local onde se apreendeu diverso equipamento, produtos químicos e estupefacientes, documentos, telemóveis, etc..
Esta organização dedicar-se-ia à introdução dessa pasta de coca em território nacional, concretamente por via marítima e acondicionada em fruta, em cocos, provenientes da América do Sul, visando a distribuição daquela substância estupefaciente em larga escala, suspeitando-se ter como destino, sobretudo, outros países europeus, tendo em vista a obtenção de lucros avultados.
A atividade processual tem sido intensa, tendo sido interpostos após o despacho proferido em primeiro interrogatório, com 2 pedidos de habeas corpus, interpostos dez recursos, e têm ainda vindo a ser apresentados vários incidentes processuais.
Estão em curso várias diligências de prova, e como resulta fortemente indiciado os arguidos atuavam em rede, de forma muito organizada, estruturada e complexa, resultando dos autos que tal rede terá dimensão internacional, o que torna ainda mais complexa a definição do alcance e a sua forma de atuação.
Essas diligências reportam-se a informações bancárias e transações financeiras; acesso a declarações fiscais, rendimentos declarados e património titulado pelos arguidos e pelos suspeitos, com quebra de sigilo fiscal, onde se incluem várias empresas que estariam destinadas ao branqueamento e lavagem daquela atividade e dos lucros provenientes da mesma; estando em curso uma perícia contabilístico-financeira a realizar pela UPFC da Polícia Judiciária; recebimento de informação bancária relativa a quase 50 contas bancárias para essa posterior perícia contabilístico financeira, pesquisa informática aos sistemas informáticos apreendidos nos autos (vários telemóveis) com a apreensão dos dados informáticos referentes a registo de comunicações, com um bloco de dados com mais de 50 gigas de informação, aguardando os autos a conclusão de perícia a equipamentos que ainda não foram desbloqueados;
Não obstante os esforços já desenvolvidos, tudo indica que não foi ainda possível apurar, de forma cabal, a identidade de todos os agentes intervenientes nos factos em investigação, a organização e logística que acompanham a atuação dos principais, a concreta dimensão do tráfico, a modalidade e as circunstâncias da ação, estando em curso diversas diligências de produção de prova adicional.
Sendo certo que os autos já conterão um acervo probatório recolhido relevante, certo é que a extensão dos autos, que se prevê aumentar substancialmente, o número elevado de arguidos alguns já sujeitos à medida de coação de prisão preventiva, a vastíssima extensão de ficheiros a analisar e selecionar para efeitos probatórios, a também mais que provável necessidade de serem acionados meios de cooperação judiciária internacional, análise de contas bancárias e aplicações financeiras, afigura-se-nos não ser possível realizar todas as diligências de prova em falta, no prazo legal estabelecido, sem prorrogação.
Não podemos olvidar, como a experiência nos demonstra, que a investigação de redes de tráfico de estupefacientes, com diversos arguidos e alguns suspeitos, ainda por cima com a dimensão internacional que a factualidade indiciada nos reporta, aliada à complexidade da organização em investigação, designadamente ao tipo de diligências probatórias ainda em curso e acima elencadas, é manifestamente demorada, sendo certo que os prazos de prisão preventiva e de conclusão do inquérito, são em casos desta natureza, claramente insuficientes.
A Sr.ª Juiz a quo, socorrendo-se dos factos concretos apresentados e da interpretação da norma do artº 215º do CPP, entendeu estarem reunidos os pressupostos para declarar a “excecional complexidade” do processo.
Como já se disse, a excecional complexidade pode derivar do número de arguidos ou de ofendidos ou do carácter altamente organizado do crime. Todavia no nº 3 que consagra uma cláusula geral e ampla de preenchimento do conceito de excecional complexidade, que nos permite concluir que a mesma há-de ser preenchida através da avaliação casuística e criteriosa do julgador, sob pena de violação do princípio da legalidade.
Antes da alteração introduzida pela Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto ao artº 215º do CPP, era entendimento unânime, pelo menos desde o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Fixação de Jurisprudência nº 2/2004, de 1 de Fevereiro de 2004, publicado no Diário da República nº 79, Série I-A, em 2 de Abril de 2004, que os processos em que estivesse em causa a prática de um crime como os acima mencionados e em investigação, tinham automaticamente a natureza de “excepcional complexidade”. Esta interpretação abrangente da lei, se por um lado podia retardar determinado tipo de processos, tinha pelo menos o mérito de evitar disparidades de entendimentos.
Na sequência das mencionadas alterações (Lei nº 48/2007, de 29/08), a excecional complexidade de um processo-crime passou a ficar sempre dependente de uma decisão judicial.
Não podemos todavia esquecer, que a referida declaração de excecional complexidade tem essencialmente a ver com os efeitos de prorrogação da prisão preventiva e deve obedecer a despacho prévio do juiz de instrução criminal, sobre o qual recai também a análise dos respetivos pressupostos e o dever de pronunciar-se sobre a revogação, alteração e extinção das medidas de coação, sendo que a declaração de excecional complexidade de um processo constitui uma alteração da regra geral das medidas coativas.
No caso vertente, tendo em conta todo o circunstancialismo que rodeia o processo de inquérito, sob segredo de justiça, face ao decurso das investigações, às inúmeras diligências de obtenção de prova ainda em curso, à dimensão e complexidade dos crimes indiciados, perante estes elementos e o dispositivo legal invocado, (artº 215º nº 3 e 4 do CPP, afigura-se-nos existirem fundamentos suficientes para podermos desde já concluir pela “excecional complexidade” do processo.
Atendendo ao elemento literal da norma, o reconhecimento de tal declaração, não se basta com uma investigação complexa, morosa ou mais difícil. Exige-se que seja “excecional”. O carácter de excecionalidade mostra-se para já verificado, reconhecendo-se que os crimes apontados e o tipo de investigação exige uma especial morosidade, que no fundo parece ser essa a razão fundamental do requerimento do Ministério Público, embora se deva ter em conta que esta (morosidade) não se pode confundir com aquela, (excecionalidade) que implica que seja invulgar e acima do comum.
«I - A declaração de excepcional complexidade é uma medida cautelar, um compromisso necessário do legislador, em política criminal, de forma a estabelecer o equilíbrio entre a necessidade de combate ao crime e perseguição dos criminosos, em certos ilícitos mais graves catalogados por lei e os direitos ou garantias do cidadão arguido em prisão preventiva.
II - Na conformação prática da declaração de excecional complexidade (215º/3CPP) o Tribunal, enformado nos princípios da razoabilidade, da justa medida, do ‘processo justo’, ponderará as dificuldades do procedimento, tomando em linha de conta, nomeadamente, as dificuldades da investigação, o número de intervenientes processuais, a deslocalização de atos, as contingências procedimentais provenientes das intervenções dos sujeitos processuais, a intensidade de utilização dos meios», Cfr. Ac. Rel. Porto de 14.09.2011, disponível em www.dgsi.pt/trp.
As limitações operadas com a alteração legislativa de 2007, acima citada, independentemente de se poderem considerar eficazes ou não, visaram no fundo traduzir esse equilíbrio entre a almejada celeridade processual por um lado e o direito a que, qualquer cidadão tem de ver a sua causa investigada e julgada, equitativa e publicamente, num prazo razoável. No fundo alinha-se com o entendimento previsto no artº 6º nº 1 da CEDH (Convenção Europeia dos Direitos do Homem) [«Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. O julgamento deve ser público, mas o acesso à sala de audiências pode ser proibido à imprensa ou ao público durante a totalidade ou parte do processo, quando a bem da moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional numa sociedade democrática, quando os interesses de menores ou a protecção da vida privada das partes no processo o exigirem, ou, na medida julgada estritamente necessária pelo tribunal, quando, em circunstâncias especiais, a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiça».].
Assim, conclui-se estarem preenchidos os pressupostos para a declaração de “excecional complexidade” do mencionado inquérito.
Em conclusão.
Considerando todos os fatores acabados de enunciar, fácil é de ver que a vastidão do processo, determinada pelo volume do mesmo e pela dimensão do seu objeto; a demora das diligências a efetuar, considerando nomeadamente o número de pessoas ainda em investigação e as testemunhas a inquirir, as diligências e as perícias em curso; a intensa atividade processual já desenvolvida e ainda em curso, dada, designadamente, pelo número e variedade de incidentes processuais assinalados; implicam que se conclua por uma complexidade anormal do processo, a qual determina obrigatoriamente um arrastamento excecional dos termos processuais e integra o conceito de excecional complexidade previsto no n.º 3 do artigo 215º do Código de Processo Penal.
Por outro lado, mostra-se devidamente conjugado o interesse público da eficácia da investigação e boa administração da justiça com os direitos e garantias do arguido detido, e o decidido mostra-se conforme aos ditames constitucionais, consoante ressalta, entre outros, do Acórdão n.º 287/2005, do Tribunal Constitucional, onde ficou sumariado o seguinte:
“A declaração de especial complexidade a que se refere o artigo 215º, n.º 3, do Código de Processo Penal tem por consequência o prolongamento dos prazos de prisão preventiva previstos no n.º 1 do mesmo artigo.
Tal declaração, com a consequência inerente em termos de prazo de prisão preventiva, é justificada na perspectiva da lei por especiais dificuldades que a investigação, num caso concreto, possa encontrar. Essas dificuldades revelam-se, por exemplo, na investigação da criminalidade altamente organizada, com envolvimento de vários arguidos e recurso a meios sofisticados reveladores de elevada perigosidade. Em casos deste tipo é suscitada uma ponderação entre os valores de justiça prosseguidos pela investigação e os direitos do arguido sujeito à prisão preventiva que justificará um aumento proporcionado dos prazos da prisão preventiva. Ora, não é contrário à Constituição, de acordo com um parâmetro de proporcionalidade, que nessas situações especiais um certo alargamento dos prazos se verifique. Mas não se esgotam nos casos referidos, porventura paradigmáticos, as possibilidades de aplicação do preceito em causa, podendo circunstâncias várias da investigação justificar idêntica ponderação.”
A última afirmação segue o mesmo caminho da jurisprudência corrente e uniforme dos nossos Tribunais Superiores, que vem sufragando que o legislador consagrou nesta matéria um conceito amplo, integrado por dois exemplos padrão meramente indicativos, tendo a especial complexidade que ser ponderada caso a caso e segundo as concretas circunstâncias de cada um deles. Ou dito de outra forma, lançou-se mão de uma cláusula geral que será preenchida de forma casuística mediante avaliação global das concretas circunstâncias da ocorrência, de forma a garantir o equilíbrio entre a necessidade de combate ao crime e de perseguição dos criminosos e os direitos do arguido sujeito a privação de liberdade.
Recordando o sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26/01/2005, proferido no processo n.º 05P3114, disponível in dgsi.pt.:
«1. A noção de “excepcional complexidade” do artigo 215º, nº 3 do CPP está, em larga medida, referida a espaços de indeterminação, pressupondo uma integração densificada pela análise e ponderação de todos os elementos do respectivo procedimento; a integração da noção exige uma exclusiva ponderação sobre todos os elementos da configuração processual concreta, que se traduz, no essencial, em avaliação prudencial sobre factos.
2. A especial complexidade constitui, no rigor, uma noção que apenas assume sentido quando avaliada na perspectiva do processo, considerado não nas incidências estritamente jurídico-processuais, mas na dimensão factual do procedimento enquanto conjunto e sequência de actos e revelação interna e externa de acrescidas dificuldades de investigação com refracção nos termos e nos tempos do procedimento.
3. O juízo sobre a especial complexidade constitui um juízo de razoabilidade e da justa medida na apreciação das dificuldades do procedimento, tendo em conta nomeadamente, as dificuldades da investigação, o número de intervenientes processuais, a deslocalização de actos, as contingências procedimentais provenientes das intervenções dos sujeitos processuais, ou a intensidade de utilização dos meios.
4. O juízo sobre a excepcional complexidade depende do prudente critério do juiz na ponderação de elementos de facto; as questões de interpretação e aplicação da lei, por mais intensas e complexas não podem integrar a noção com o sentido que assume no artigo 215º, n.º 2 do CPP.»
Face a tudo o exposto, desnecessários se mostram, pois, outros considerandos para se concluir que bem andou a Ex.mª Juiz de Instrução ao declarar, no caso concreto, a excecional complexidade do processo principal de onde se extraíram estes autos de recurso em separado, pelo que também não merece provimento o recurso interposto pelo arguido.
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Refira-se, por fim, no que concerne à alegada insuficiente fundamentação do despacho recorrido, conforme se extrai de tudo o que acima foi escrito, constatamos que o mesmo, não obstante a não exuberante fundamentação exarada, designadamente no que respeita à sua primeira parte, se encontra suficientemente fundamentado, nos termos dos arts. 97º nº 5 e 215º nº 4, do CPP. E também não vislumbramos que se mostrem violados quaisquer dos princípios e normas legais invocados.
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III – DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA, mantendo-se na íntegra o despacho recorrido.
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Custas a cargo do arguido, fixando-se a taxa de justiça em 4 UCs (art. 513º, nº 1, do CPP).
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(O acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do artigo 94.º, n.º 2 do CPP)
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Guimarães, 16 de setembro de 2025
Os Juízes Desembargadores
Relator - Júlio Pinto
1ª Adjunta – Isilda Pinho
2º Adjunto – Carlos da Cunha Coutinho