DECLARAÇÃO DE EXCEPCIONAL COMPLEXIDADE
CASO JULGADO FORMAL
NOVO RECURSO
Sumário


I – O Despacho transitado em julgado que declarou a excepcional complexidade dos autos reporta-se ao processo criminal e não a qualquer relação processual com qualquer arguido em concreto;
II – Trata-se de um Despacho que se reporta ao processo como um todo, inexistindo relações processuais independentes ou autónomas de cada arguido perante os respectivos fundamentos;
II- Assim está vedado ao Tribunal Superior, sob pena de violação do princípio do caso julgado, apreciar e decidir novamente a mesma questão da especial complexidade do processo, para obviar o risco de ser proferida uma decisão incompatível com a primeira;
III - Tendo este Tribunal de recurso por acórdão transitado em julgado conhecido a decisão do tribunal de primeira instância que declarou o processo de excepcional complexidade, não pode o mesmo Tribunal, no mesmo processo e perante a mesma factualidade, pronunciar-se em novo acórdão, apenas porque a questão foi suscitada por outro arguido.
IV – O mesmo é aplicável à decisão do Tribunal da Relação que no mesmo recurso, se pronunciou sobre o mesmo Despacho na parte em que indeferiu a arguição de irregularidade do encurtamento do prazo do contraditório.

Texto Integral


Acordam, em conferência, os Juízes que integram a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

A) Relatório:

1) No Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo de instrução Criminal de Guimarães – Juiz ..., em que é arguido, entre outros, AA, foi proferido, no processo n.º 1581/24.9JABRG, o seguinte Despacho, datado de 12/03/2025:
«Fls. 3227, requerimento do arguido BB e dos arguidos AA e CC (cf. fls. 3260):
Obviamente que o prazo poderá ser encurtado tratando-se de arguidos presos, o que é determinado a favor dos mesmos atento o tempo de reclusão.
Além do mais, não se vislumbra de que forma é que o arguido foi prejudicado já que apresentou a resposta em tempo, pelo que, se indefere à invocada irregularidade.

***
Requerimento de fls. 3220:
Ao MP para que se pronunciar.
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Do pedido de atribuição de excepcional complexidade aos autos pelo MP:
Foi conferido prazo aos arguidos para se pronunciarem, tendo respondido da seguinte forma:
- o arguido BB alega que o MP na sua promoção evidencia de forma precisa como as funções logísticas a si atribuídas têm relevo para a permanência da prisão preventiva em moldes de especial complexidade. Sendo que este arguido é acusado de desempenhar funções acessórias e não de comando e a prorrogação dos prazos exige que o papel do arguido na estrutura seja relevante e insubstituível. Termos em que requer que deve ser recusado o pedido de atribuição da excepcional complexidade (cf. fls. 3226 e ss);
- O arguido DD (cf. requerimento de fls. 3291 e ss) alega que o número de arguidos tem aumentado devido à apensação de processos promovido pelo MP, desconhecendo o arguido as razões da apensação, sendo que teve como único efeito afectar a posição do arguido de forma grave e desproporcional. Mais, defende que a complexidade alegada resulta unicamente da opção processual de apensar os autos, devendo assim, o promovido ser indeferido.
- O arguido EE (cf. requerimento de fls. 3253 e ss) defende que 9 arguidos não é um número transcendente e também não se vislumbra onde estão os factos concretos que permitem argumentar e sustentar que este processo tem um carácter internacional. Não se pode esquecer que a declaração de especial complexidade tem consequências penosas para os ora arguidos, com a elevação dos prazos da prisão preventiva. Opõe-se assim, que seja atribuída especial complexidade aos presentes autos.
- o arguido FF (requerimento de fls. 3266 e ss) opõe-se á atribuição de especial complexidade ao processo uma vez que na sua opinião os exames informáticos podiam ter sido feitos há 5 meses e a indagação de contas bancárias pode ser efectuada em 60 dias após a dedução da acusação, sendo que não foram relatados factos supervenientes à detenção dos arguidos que justifiquem a prorrogação dos prazos. Requer assim, seja indeferido o pedido. Caso não se decida nesse sentido, requer a alteração da sua medida de coação para OPH, por questão de igualdade com outro arguido com funções similares (função descrita pelo MP). 
Cumpre, pois, decidir.
Dispõe o art. 107.º, n.º 6 do Código de Processo Penal que “quando o procedimento se revelar de excepcional complexidade, nos termos da parte final do n.º 3 do artigo 215.º, os prazos previstos nos artigos 78.º, 284.º, n.º 1, 287.º, 311.º-A, 411.º, n.os 1 e 3, e 413.º, n.º 1, são aumentados em 30 dias, sendo que, quando a excepcional complexidade o justifique, o juiz, a requerimento, pode fixar prazo superior”.
Por sua vez, refere o art. 215.º, n.º 3 do Código de Processo Penal que “os prazos referidos no n.º 1 são elevados (…) quando o procedimento for por um dos crimes referidos no número anterior e se revelar de excepcional complexidade, devido, nomeadamente, ao número de arguidos ou de ofendidos ou ao carácter altamente organizado do crime”.
Pois bem.
Os prazos estabelecidos na lei estão sujeitos à regra da improrrogabilidade. No entanto, porque são pensados com base em critérios de normalidade e casos há em que, por apresentarem contornos sensivelmente diferentes da mediania, o prazo normal não se mostra congruente com as exigências inerentes à prática de determinados actos, o legislador logo previu excepções de forma a ajustar os prazos às especificidades das hipóteses em que se enquadrem, admitindo a sua prorrogação.
Uma dessas excepções é precisamente a “excecional complexidade do processo”.
Sucede que a lei não processual penal não definiu o que deve ser considerado “excepcional complexidade”, dando apenas como exemplo algumas circunstâncias que podem ser consideradas como tal, nomeadamente o número de arguido ou de ofendidos ou o carácter altamente organizado do crime.
Ora, compulsados os autos, constato que existem nove arguidos constituídos, encontrando-se todos em prisão preventiva. Com excepção de um, por razões de saúde viu a sua medida alterada.
Não podemos esquecer que esta investigação tem por base os crimes de tráfico de estupefacientes agravado, branqueamento de capitais e associação criminosa.
Conforme resulta dos autos e da actividade instrutória realizada, o carácter internacional desta organização, destinada a traficar estupefacientes com a sua anterior transformação em laboratórios fixados em território nacional onde foram apreendidos milhares de litros de substâncias destinadas a esta actividade, e que há ainda que identificar cabalmente e inquirir, formalmente, os diferentes destinatários de produtos químicos, que os recebiam em diversas moradas e faziam chegar à organização, dissimulando, desta forma a origem de tais produtos e o seu controlo, nunca levantando suspeitas, porque efectuavam compras de quantidades pequenas, tentando-se perceber, dessa forma, o seu real grau de intervenção nos factos investigados, não sendo de descartar a possibilidade de constituição de novos arguidos.
Isto é, ao contrário do que defendem os arguidos, continua a decorrer, havendo ainda que proceder ao tratamento de 50 gigas de informação que foi recolhida em todo o material que foi apreendido aos arguidos.
A ordenada apensação dos processos faz todo o sentido, atendendo a que se trata da mesma organização/associação a atuar em diferentes pontos do país.
Encontra-se ainda a decorrer a conclusão de perícia aos restantes equipamentos (os que ainda não foram desbloqueados, já que os arguidos se recusaram a colaborar), alguns dos quais pertencentes ao EE e, por isso, com importância acrescida para a descoberta da verdade material; aguardar o recebimento de informação bancária relativa a quase 50 contas bancárias (cfr ofícios de fls 3063 a 3089) para posterior perícia contabilística financeira.
Constata-se que  dada a extensão dos autos, o número elevado de arguidos (sujeitos à medida de coacção de prisão preventiva) e testemunhas, a organização e o papel de cada um dos arguidos, a vastíssima extensão de ficheiros a analisar e seleccionar para efeitos probatórios, a necessidade de ter de se accionar meios de cooperação judiciária internacional, análise de contas bancárias e aplicações financeiras, de modo a lograr-se apurar da real dimensão do negócio e de todos os seus intervenientes e relações hierárquicas estabelecidas entre si e, ainda, rendimentos obtidos com tal negócio, justifica-se que os prazos de prisão preventiva, a que, nos presentes autos, se encontram sujeitos os arguidos EE, GG, BB, HH e II, JJ, AA, CC e DD, sejam alargados – sem prejuízo da reapreciação dos pressupostos daquela e da sua alteração, caso a respectiva manutenção, em concreto, se venha a considerar como desnecessária, conforme disposto nos artigos 212.º e 213.º do Código de Processo Penal.
Pelo exposto, considerando os fundamentos invocados, a natureza dos crimes em questão, o número de arguidos, as diligências já realizadas e por realizar, as quais se revelam necessárias para a investigação, declaro os presentes autos de excepcional complexidade, nos termos do artigo 215.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Penal.»
*
2) Inconformado com esta decisão, da mesma interpôs o arguido AA o presente recurso, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

1. Os arguidos, apenas na pessoa do respectivo mandatário, foram notificados da promoção do Mº Pº no sentido da obtenção do “estatuto” de excepcional complexidade a estes autos, tendo-lhes sido concedido metade (5 dias) do prazo legal para o exercício do contraditório.
2. De imediato, os arguidos suscitaram o vicio de irregularidade desse despacho, tendo merecido, já no preambulo do despacho que declara a excepcional complexidade, as seguintes e singelas palavras:
Fls. 3227, requerimento do arguido BB e dos arguidos AA e CC (cf. fls. 3260): Obviamente que o prazo poderá ser encurtado tratando-se de arguidos presos, o que é determinado a favor dos mesmos atento o tempo de reclusão. Além do mais, não se vislumbra de que forma é que o arguido foi prejudicado já que apresentou a resposta em tempo, pelo que, se indefere à invocada irregularidade.
3. Sobre esta questão do prazo que a lei confere à defesa dos arguidos para exercer o direito ao contraditório existem duas correntes jurisprudenciais opostas.
4. Com efeito, jurisprudência existe que possibilita o Juiz de instrução a reduzir, conforme entenda, o prazo legal de 10 dias, bem como aquela outra que perfilha que tal redução só pode acontecer por vontade de defesa do arguido.
5. Por outro lado, a questão jurídica não é tão óbvia como foi qualificada no despacho recorrido.
6. Aliás, o mandatário subscritor conhece a pendência no Supremo Tribunal de Justiça de um processo para a uniformização da Justiça sobre esta questão.
7. Daí que sobre a invocada irregularidade do despacho a quo, basta agora reiterar esse pedido e aguardar esse Acordão uniformizador.
8. Não se resiste, contudo, a apreciar como toda a argumentação para a excepcional complexidade, esbarra na simplicidade (e exiguidade) do prazo concedido à Defesa dos arguidos.
9. Também não se resiste a agradecer todo o cuidado e preocupação emanante nesse despacho, com um tal tempo de reclusão a favor dos mesmos.
10. Todavia, os arguidos preferem não permanecer sem culpa formada por mais 6 meses em prisão preventiva.
11. Concentrando-nos agora no próprio despacho, a quo, o qual declara a excepcional complexidade destes autos, verificamos as seguintes linhas de fundamentação alegadas:
a) caracter internacional de organização
b) destinada ao tráfico de estupefacientes
c) laboratórios fixados em território nacional para transformação de pasta de cocaína em cocaína
d) necessidade de identificar e inquirir destinatários de produtos químicos.
e) dissimulação através de quantidades pequenas
f) possibilidade de constituição de novos arguidos
g) tratamento de 50 gigas de informação
h) falta perícia aos equipamentos
i) falta recebimento de informação bancária de 50 contas
j) número elevado de arguidos
k) vastíssima extensão de ficheiros
l) necessidade de meios de cooperação internacional
m) necessidade de análise de contas bancárias
n) relações hierárquicas
12. Ora, relativamente a todas as alíneas anteriores, desde já se constata que na sua maior parte, são meras enunciações DESTITUIDAS DA NECESSÁRIA FUNDAMENTAÇÃO.
13. Com efeito, na sua quase totalidade essas enunciações são aquelas que OCORREM EM QUASE TODAS AS ACUSAÇÕES SOBRE TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES.
14. O tráfico de estupefacientes é sempre internacional porquanto PORTUGAL NÃO É PAÍS PRODUTOR DE COCAÍNA.
15. Tratando-se de uma actividade de índole substancialmente INTERNACIONAL desde o país produtor até ao país de consumo este circunstancialismo existe para a miríade de processos existentes em Portugal, pelo que nada tem de excepcional.
16. Tal como nunca será excepcional a possibilidade de constituição de novos arguidos. Aqui continuamos dentro dos mais que costumeiros casos de tráfico de estupefacientes. E sempre com a solução de instauração de processos autónomos através de certidões do processo “mãe”.
17. Quanto à necessidade de perícia de equipamentos, informações bancárias e outras, não se percebe como tal não tenha sido constituído em 6 meses de inquérito. Pergunta-se o que se tem andado a fazer até aqui;
18. O alegado número elevado de arguidos resulta também da apensação do NUIPC 59/24.5JALRA, apesar de não ser tão elevado assim neste tipo de investigação, antes é comum em tráfico de estupefacientes.
19. A este respeito, importa considerar a tendência actual da parte do MINISTÉRIO PÚBLICO em se empenhar no acumular de MEGAPROCESSOS. Os quais constituem o melhor instrumento para a continuação de ETERNIZAÇÃO DA JUSTIÇA.
20. Já escrevia Fernão Lopes - “BOA e PRONTA FOI A JUSTIÇA D´EL REI”. PERDEU-SE O SENTIDO DA CELERIDADE E DA ECONOMIA PROCESSUAL e ESQUECENDO-SE QUE A JUSTIÇA PARA SER BOA, NÃO BASTA A CONSEQUÊNCIA, MAS TAMBÉM A CELERIDADE. Processualmente a conexão de que tratam os artigos 24º a 29º do C.P.P. constituem uma faculdade que não pode ser rígida porquanto existe sempre a possibilidade de SEPARAÇÃO de processos TAMBÉM instituído no artº 30º do C.P.P. Isto é, pergunta-se porque será sempre necessário COMPILAR quando se pode separar e autonomizar, SEM QUE ISSO IMPLIQUE QUALQUER DIFICULDADE na atribuição da JUSTIÇA a TODOS os intervenientes? Quando já toda a sociedade civil se compenetrou que esta situação de MEGAPROCESSOS na administração da justiça só serve a incompreensão no atraso da mesma frustrando as óbvias expectativas da celeridade na sua consecução, continuamos numa senda que só lhes dá razão. Em consequência disto tudo iremos assistir à perpetuidade de QUASE UM ANO DE PRISÃO PREVENTIVA SEM CULPA FORMADA, o que já desde tempos imemoráveis era considerado um DEFEITO e jamais uma qualidade na Administração da Justiça.
21. Nos presentes autos, nada existe de excepcional face ao desígnio último de conseguir que todos suspeitos venham a ser submetidos a juízo, SEJA NESTE PROCESSO, SEJA EM PROCESSOS AUTÓNOMOS, sem que isso prejudique a realização de justiça para todos.
22. Quanto à necessidade de meios de cooperação internacional não se vê como é que a prossecução normal destes autos possa impedir o desenvolvimento da investigação nos países produtores. Com efeito, da indiciação apresentada pelo Mº Pº parece que o país de destino será Portugal onde se realizaria a transformação de pasta de cocaína em cocaína. E aqui terminaria a internacionalização.
23. Já no que respeita aos mencionados laboratórios, parece que o sucesso da investigação conseguiu tudo o que queria: a catalisação dos objectos e equipamentos apreendidos nas buscas já estão realizados e pouco mais haveria a realizar.
24. Acresce que os arguidos no NUIPC 59/24.5JALRA, indevidamente apensados a estes autos, NADA TEM QUE VER COM LABORATÓRIOS OU QUALQUER OUTRA ACTIVIDADE NO NORTE DO PAÍS.
25. Os arguidos, no primeiro interrogatório judicial de detidos, no JIC de Leiria foram apenas confrontados com as suspeitas de uma actividade ilícita de recepção e armazenamento no Oeste de Portugal de cocos com pasta de cocaína. E nada mais.
26. Razão pelo qual se acham totalmente alheios aos eventuais destinatários ulteriores.
27. Por via da apensação inadequada, destaca-se o reconhecimento por parte do Mº Pº, a fls. 3155 de que falta “analisar o inquérito com NUIPC 59/24.5JA LRA, entretanto incorporado.
28. Isto é, ao cabo de 5 meses de investigação, nada foi feito no processo 59/24.5JALRA entrementes incorporado, e resolve-se, desta forma, com o acréscimo de mais 6 meses para a investigação.
29. Aqui chegados, restar-nos-ia perorar sobre a CULPA FORMADA, sua história e evolução, através dos tempos em todas as civilizações até à actualidade.
30. Tudo isso, porém, está ao alcance de um mero motor de busca informático em termos de justiça penal.Como cidadão, preocupamo-nos a duração de prisão preventiva sem que a defesa dos cidadãos se possa adequadamente defender de uma perseguição policial que sabe existir, mas desconhece em absoluto
Violaram-se os Artigos
- artº 105 nº 1 e 215 nº 4 do C.P.P.
- artº 118 nº 1 do C.P.P., porquanto se conferiu excepcional complexidade a estes autos, com violação do princípio do contraditório por redução do prazo legal e porquanto estes autos não se afastam de simplicidade normal de um inquérito sobre tráfico de estupefacientes.
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3) Notificado do requerimento de interposição de recurso o Ministério Público respondeu, pugnando pela sua improcedência e confirmação da decisão recorrida, concluindo que:

1. A investigação em curso nos autos apresenta-se efectivamente complexa atentas as concretas ramificações e o cariz internacional da mesma.
2. O número dos arguidos constituídos nos autos, a concreta actuação verdadeiramente organizada e numa lógica empresarial, estando em causa a necessidade de levar a cabo várias diligências, a criminalidade altamente organizada, plenamente justifica que seja declarada, como foi, a especial complexidade do processo.
3. Inexistindo qualquer violação legal, desde logo as invocadas pelo recorrente, e não suscitando a decisão proferida nos autos qualquer reparo ou observação, não merece provimento o recurso, devendo ser mantida a especial complexidade declarada nos autos.
4. Atento tudo o que se deixou exposto é nosso entendimento que o despacho recorrido não violou qualquer disposição legal ou princípio jurídico, mostrando- se a aplicação aos autos da excepcional complexidade como plenamente justa, justificada, adequada e proporcional à salvaguarda dos interesses da investigação e da recolha de todos os elementos possíveis para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa, só assim se fazendo justiça.
5. Não foi postergado o princípio do contraditório, nem cometida qualquer irregularidade que o inquine, ao fixar-se o prazo de 5 dias para os recorrentes se pronunciarem sobre a promoção do Ministério Público de ser declarada a excepcional complexidade do processo, se tal prazo não inviabilizou o exercício daquele por parte dos arguidos, que, efectivamente, o exerceram.
6. Assim, deve o recurso ser declarado improcedente, por infundado, mantendo se integralmente o douto despacho recorrido.
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4) O recurso foi remetido para este Tribunal da Relação e aqui, com vista nos termos do artigo 416.º do Código de Processo Penal, o Ex.mo Senhor Procurador – Geral Adjunto, emitiu parecer no sentido de o recurso ser julgado improcedente.
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5) Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o arguido não apresentou resposta.
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6) Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.
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Cumpre apreciar e decidir.
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B) Fundamentação:

1. Âmbito do recurso e questões a decidir:

O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, face ao disposto no artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, que estabelece que “a motivação enuncia especificadamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”; são, pois, apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (identificação de vícios da decisão recorrida, previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, pela simples leitura do texto da decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, e verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379.º, n.º 2, e 410.º, nº 3, do mesmo diploma legal)[1].
Acresce que da conjugação das normas constantes dos artigos 368.º e 369.º, por remissão do artigo 424.º, n.º 2, todos do Código do Processo Penal, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objeto do recurso pela ordem seguinte:
Em primeiro lugar, das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão;
Em segundo lugar, das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pelos vícios enumerados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, a que se segue impugnação alargada, se deduzida, nos termos do artigo 412.º, do mesmo diploma.
Por último, as questões relativas à matéria de Direito.

No caso dos autos existe uma questão prévia assente na eventual existência de caso julgado; sendo esta improcedente há a decidir as questões que resultam das conclusões da motivação apresentadas pelo recorrente que são as seguintes:

1.ª - Saber se existe uma irregularidade, nos termos do disposto no artigo 118.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Penal, do despacho que concede aos arguidos um prazo inferior ao legalmente estabelecido de 10 dias, por violação do disposto nos artigos 105.º, n.º 1, e 215º, nº 4, do mesmo diploma legal;
2.ª – Saber se deve ser revogado o despacho na parte em que declarou a excecional complexidade do presente processo.
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2. Apreciação do recurso:

Com interesse para a decisão importa ter em consideração as seguintes ocorrências processuais:
Por despacho de judicial de 20/09/2024, no termo do seu primeiro interrogatório judicial, foi decidido aplicar ao arguido e a outros, além do Termo de Identidade e Residência já prestado, a medida de coação de Prisão Preventiva.
Nessa decisão foi entendido estar indiciada a prática, em autoria material, na forma consumada de 1 (um) crime de Tráfico de Estupefacientes agravado, previsto no artigo 21.º, n.º 1 e 24.º, alíneas b), c) e f), do Decreto-lei n.º 15/93, de 22/01, por referencia às tabelas I-B, II-A e I- C, anexas ao mesmo diploma e Portaria n.º 94/96, de 26/03, e artigos 26.º e 30.º do Código Penal, punível com pena de prisão de 5 a 15 anos e de um crime de associação criminosa, previsto e punido pelo artigo 28.º, n.º 1, do mesmo Decreto-Lei, com pena de prisão de 10 a 25 anos.

No processo acima referenciado o Ministério Público promoveu em 20/02/2025, o seguinte (transcrição)
“(…)
« Por todas as razões expostas, esta investigação, em concreto, justifica que os prazos de prisão preventiva, a que, nos presentes autos, se encontram sujeitos os arguidos EE, GG, BB, HH e II, JJ, AA, CC e DD, sejam alargados – sem prejuízo da reapreciação dos pressupostos daquela e da sua alteração, caso a respectiva manutenção, em concreto, se venha a considerar como desnecessária, conforme disposto nos artigos 212.º e 213.º do Código de Processo Penal.
Conforme inscrito na al. m), do artigo 1.º do Código de Processo Penal, o ilícito penal que ora se investiga - tráfico de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas - integra o conceito de “criminalidade altamente organizada”.
Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 21.º, n.º 1 e 24.º, al. b) do Decreto-lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, o crime de tráfico de estupefacientes, é punível com pena de prisão de 5 a 15 anos.
Tratando-se de crime incluso no catálogo da “criminalidade altamente organizada”, e sendo punível com pena de prisão de máximo superior a 8 anos, no caso, há lugar, “ope legis”, à elevação dos prazos de prisão preventiva (cfr. artigo 215.º, n.º 2 do Código de Processo Penal).
O artigo 215.º, n.º 3 do Código de Processo Penal admite que a duração da prisão preventiva constante do n.º 1 do citado preceito legal, seja elevada, respectivamente, para um ano, um ano e quatro meses, dois anos e seis meses e três anos e quatro meses, quando o procedimento for por um dos crimes referidos no artigo 215.º, n.º 2 do Código de Processo Penal e se revelar de excepcional complexidade, devido, nomeadamente, ao número de arguidos ou de ofendidos ou ao carácter altamente organizado do crime.
Para tanto, a excepcional complexidade do procedimento deve ser declarada pelo juiz (cfr. artigo 215.º, n.º 4 do Código de Processo Penal).
Ora, como já acima deixámos expresso, resulta dos autos que se investigam continentes factuais que respeitam a uma criminalidade altamente organizada, e que assim é, não apenas porque a lei assim o sugere (cfr. artigo 1.º, al. m) do Código de Processo Penal), mas, sobretudo, porque a realidade assim o demonstra.
A factualidade que se mostra indiciada, não nos reporta à criminalidade “bagatelar”, ao pequeno tráfico de rua, desorganizado, com recurso a meios pouco sofisticados de fazer transitar o produto estupefaciente até aos consumidores finais, pouco ou medianamente lucrativo, mas, outrossim, à média ou grave criminalidade, suportada numa estrutura, com carácter “empresarial”, em rede e cadeia, que dissemina ou visa disseminar grandes quantidades de produto estupefaciente, utilizando para o efeito TRANSFORMAÇÃO/PRODUÇÃO PRÓPRIA da substância estupefaciente – cocaína -, com vista à sua venda em território estrangeiro, sempre com intuito de retirar lucros avultados dessa actividade, criminalidade essa, cujas actividades se apresentam dispersas por vários países dos continentes europeu e americano, possuindo ramificações transnacionais.
Houve necessidade de proceder à realização de várias diligências de obtenção de prova, e mostra-se, ainda assim, imperioso levar a cabo outras diligências probatórias cuja concretização não se mostrou possível, nem é viável de concretizar a curto/médio prazo.
Pelo exposto, considerando os fundamentos invocados, a natureza do crime em questão, o número de arguidos, as diligências já realizadas e por realizar, as quais se revelam necessárias para a investigação, desde já se requer que os presentes autos sejam declarados de excepcional complexidade, nos termos do artigo 215.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Penal.»
Sobre esta promoção recaiu o despacho com a ref: ...22, no qual se determinou: “Ouçam-se os arguidos acerca do promovido pelo MP, para os termos e efeitos previstos no n.º 4 do art.º 215º do CPP.
Prazo: 5 dias.”
Notificados deste despacho, por requerimento de 05/03/2025, com a ref: ...96, veio o arguido/recorrente AA e outro, arguir uma irregularidade nos seguintes termos:
“AA e (…), arguidos nos autos em epígrafe, notificados para se pronunciarem nos termos do artº 215º nº 4 do C.PP., por promoção do Digno Magistrado do Mº Pº de eventual especial complexidade dos autos, vêm arguir a irregularidade do douto despacho judicial porquanto o prazo legal que emana do preceito legal acima referido é o prazo geral de 10 dias, sendo ilegal o prazo de 5 dias concedido à Defesa, conforme os artºs 105 nº 1 e 215 nº 4 do CPP. Neste sentido os doutos Acórdãos do Douto Tribunal da Relação de Lisboa de 08.10.2009, CJ 2009, T.4, pág. 139, de 08.01.2008 e Acordão do STJ de 14.11.2007, passiveis de consulta no seguinte endereço eletrónico (…)».
Em 11/06/2025, por este Tribunal da Relação de Guimarães, foi proferido no âmbito do apenso M do mesmo processo n.º 1581/24.9JABRG, um Acórdão que julgou improcedente o recurso apresentado pelo arguido BB, do mesmo despacho aqui em causa.
Nesse recurso, as questões a decidir eram as seguintes:
- irregularidade, nos termos do disposto no artigo 118º, n.ºs 1 e 2 do CPP, do despacho que concede aos arguidos um prazo inferior ao legalmente estabelecido de 10 dias, por violação do disposto nos artigos 105º, n.º 1, e 215º, nº 4, do CPP
- Declaração de excecional complexidade do presente processo.

No Acórdão, foi entendido, além do mais que:
Quanto à primeira questão:
(…) E na verdade, dentro do prazo de cinco dias que lhe foi concedido para o efeito, o arguido/recorrente, para além de ter suscitado a irregularidade sob apreciação, deduziu oposição à promoção do Ministério Público, o que até fez em termos essencialmente idênticos aos esgrimidos neste recurso, tendo, pois, exercido o seu direito de audição, de defesa. Fê-lo até sem ter necessidade de invocar qualquer justo impedimento que obstasse à prática do ato no prazo que lhe foi concedido.
Pelo que, por tudo o exposto, tendo o arguido/recorrente exercido o seu direito de defesa, mostrando-se verificado o seu direito de audição como previsto no art. 215º, nº 4, do CPP, mesmo que em prazo concedido inferior ao previsto no nº 1 do artº 105º, do mesmo diploma legal, o despacho impugnado, bem como a decisão posterior, e também alvo de recurso, que será apreciado de seguida, não se mostra afetada na sua validade, não padece da suscitada irregularidade, e não viola os preceitos legais invocados pelo recorrente, para além dos acima indicados o disposto no art. 118º nº 1 e 2, do CPP, nem os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, consagrados no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.
E quanto à segunda questão:
“(…) No caso vertente, tendo em conta todo o circunstancialismo que rodeia o processo de inquérito, sob segredo de justiça, face ao decurso das investigações, às inúmeras diligências de obtenção de prova ainda em curso, à dimensão e complexidade dos crimes indiciados, perante estes elementos e o dispositivo legal invocado, (artº 215º nº 3 e 4 do CPP, afigura-se-nos existirem fundamentos suficientes para podermos desde já concluir pela “excecional complexidade” do processo.
(…) O carácter de excecionalidade mostra-se para já verificado, reconhecendo-se que os crimes apontados e o tipo de investigação exige uma especial morosidade, que no fundo parece ser essa a razão fundamental do requerimento do Ministério Público, embora se deva ter em conta que esta (morosidade) não se pode confundir com aquela, (excecionalidade) que implica que seja invulgar e acima do comum.
(…) Assim, conclui-se estarem preenchidos os pressupostos para a declaração de “excecional complexidade” do mencionado inquérito.
(…) Em conclusão.
Ora, considerando todos os fatores acabados de enunciar, fácil é de ver que a vastidão do processo, determinada pelo volume do mesmo e pela dimensão do seu objeto; a demora das diligências a efetuar, considerando nomeadamente o número de pessoas ainda em investigação e as testemunhas a inquirir, as diligências e as perícias em curso; a intensa atividade processual já desenvolvida e ainda em curso, dada, designadamente, pelo número e variedade de incidentes processuais assinalados; implicam que se conclua por uma complexidade anormal do processo, a qual determina obrigatoriamente um arrastamento excecional dos termos processuais e integra o conceito de excecional complexidade previsto no n.º 3 do artigo 215º do Código de Processo Penal.
Por outro lado, mostra-se devidamente conjugado o interesse público da eficácia da investigação e boa administração da justiça com os direitos e garantias do arguido detido, e o decidido mostra-se conforme aos ditames constitucionais
(…) Face a tudo o exposto, desnecessários se mostram, pois, outros considerandos para se concluir que bem andou a Ex.mª Juiz de Instrução ao declarar, no caso concreto, a excecional complexidade do processo principal de onde se extraíram estes autos de recurso em separado, pelo que também não merece provimento o 2º recurso interposto pelo arguido.
(…) Refira-se, por fim, no que concerne à alegada insuficiente fundamentação do despacho recorrido, conforme se extrai de tudo o que acima foi escrito, constatamos que o mesmo, não obstante a não exuberante fundamentação exarada, designadamente no que respeita à sua primeira parte, se encontra suficientemente fundamentado, nos termos dos arts. 97º nº 5 e 215º nº 4, do CPP. E também não vislumbramos que se mostrem violados quaisquer dos princípios e normas legais invocados (…).
Vejamos.
Da questão prévia do caso julgado: 
Como acima referenciámos, importa começar por apreciar a questão prévia do caso julgado, uma vez que a mesma, a proceder, prejudica o conhecimento do recurso interposto pelo arguido.
A situação de caso julgado resultará de já ter sido proferida decisão, transitada em julgado, acerca do despacho recorrido.
Escreve Germano Marques da Silva (in “Direito Processual Penal Português”, III, UCE, 2018), “o caso julgado é um instituto que visa a proteção das decisões jurisdicionais, sem o que essas decisões não seriam vinculativas já que poderia ser repetidamente modificadas, Diz-se da decisão judicial que é irrevogável que tem efeito de caso julgado”. Como é sabido, o Código de Processo Penal não regula a figura do caso julgado (material ou formal), sendo entendimento pacífico que em obediência ao princípio da intangibilidade do caso julgado reconhecido no artigo 282.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, se deve recorrer ao regime previsto no Código de Processo Civil, nomeadamente ao disposto nos artigos 620.º e 625.º, 580.º e 581.º, do Código de Processo Civil, na medida em que aquela disciplina se harmonize com o processo penal, tudo por via do disposto no artigo 4.º do Código de Processo Penal. Como entendeu o Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de 19/12/2023 (19/16.0YGLSB.S1, consultado em www.dgsi.pt), “o caso julgado tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior, o que pressupõe uma tríplice identidade entre as decisões em causa: de sujeitos, de pedido e de causa de pedir , embora estas categorias, próprias do processo civil, tenham de ser entendidas cum grano salis no processo penal”. Como se acrescenta na mesma decisão, “a autoridade do caso julgado formal, que torna as decisões judiciais, transitadas em julgado, proferidas ao longo do processo, insusceptíveis de serem modificadas na mesma instância, tem como fundamento a disciplina da tramitação processual. Seria caótico e dificilmente atingiria os seus objectivos o processo cujas decisões interlocutórias não se fixassem com o seu trânsito, permitindo sempre uma reapreciação pelo mesmo tribunal, nomeadamente quando, pelos mais variados motivos, se verificasse uma alteração do juiz titular do processo”.
No caso dos autos estão em causa, como vimos, duas questões: a de saber se existe uma irregularidade, nos termos do disposto no artigo 118.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Penal, do despacho que concede aos arguidos um prazo inferior ao legalmente estabelecido de 10 dias e a de saber se deve ser revogado o despacho na parte em que declarou a excecional complexidade do presente processo.
Ora, em relação às duas questões, este Tribunal superior já se pronunciou e recentemente, no acórdão de 11/06/2025, proferido no âmbito do apenso M do mesmo processo n.º 1581/24.9JABRG, entendo pela não verificação da irregularidade arguida pelo recorrente e pela verificação em concreto dos pressupostos para a declaração de “excecional complexidade” do inquérito.
É verdade que os arguidos/recorrentes não são os mesmos, mas tal circunstância não obsta à verificação do caso julgado. Com efeito, como decidiu o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22/01/2025(processo n.º 97/24.8JELSB-G.C1, consultado em www.dgsi.pt), “o despacho que declara a excepcional complexidade reporta-se ao processo criminal e não a arguidos determinados, sendo que o legislador, ao reportar-se à «excepcional complexidade do procedimento» no nº 3 do artigo 215º do C.P.P. não pretendeu que o despacho que o declara pudesse produzir no mesmo processo efeitos quanto a uns arguidos e já não quanto a outros”. Como se acrescenta ainda neste mesmo acórdão, “se apenas um arguido recorre do despacho que declara a excepcional complexidade do processo, para efeitos de caso julgado, é como se todos os demais arguidos tivessem recorrido, porque todos eles beneficiariam da eventual procedência do recurso (…); estamos em face de um único e mesmo despacho que se reporta ao processo como um todo, inexistindo relações processuais independentes ou autónomas de cada arguido perante os respectivos fundamentos”.
Acresce que este Tribunal superior, no acórdão de 11/06/2025, julgou improcedente o recurso, mantendo “na íntegra o despacho recorrido”, despacho que indeferiu a irregularidade da diminuição do prazo de 10 para cinco dias concedido a todos os arguidos para se pronunciarem sobre a promoção do Ministério Público e que declarou a especial complexidade dos autos”, leia-se do processo n.º 1881/24.9JABRG de onde foi extraída a certidão que deu origem ao presente apenso. Se foi mantido o despacho, não pode agora o mesmo se posto em causa, sem que se verifique qualquer alteração dos respectivos pressupostos.
Na verdade, apreciar novamente as questões suscitadas pelo recorrente seria correr o risco de ser proferida agora uma decisão incompatível com a primeira decisão deste Tribunal superior, o que está vedado sob pena de violação do princípio do caso julgado.
Assim, tendo este Tribunal de recurso conhecido, por acórdão transitado em julgado, a decisão do Tribunal de primeira instância que indeferiu a irregularidade da notificação dos arguidos para o contraditório e que declarou o processo de excepcional complexidade, não pode o mesmo Tribunal, embora num apenso diferente, mas no mesmo processo e perante a mesma factualidade, pronunciar-se em novo acórdão, apenas porque a questão foi suscitada por outro arguido. No mesmo sentido se pronunciou também o Tribunal da Relação do Porto no acórdão de 11/4/2018 (processo 450/15.8IDPRT-D.P1, consultado em www.dgsi.pt), onde se entendeu que a declaração de especial complexidade do processo vale para todos os arguidos, mesmo que constituídos em momento posterior[2]. Seria “caótico” e dificilmente atingiria os objectivos do processo penal se se admitisse que o mesmo Tribunal superior, no âmbito exactamente do mesmo processo, se pronunciasse novamente sobre as mesmas questões, embora suscitadas por arguidos diferentes. Ainda no mesmo sentido se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 24/09/2015, entendo que “uma vez que o Tribunal da Relação de Lisboa conheceu em recurso e por acórdão transitado em julgado da decisão do Tribunal Central de Instrução Criminal que declarou o processo de excepcional complexidade, não poderia o mesmo tribunal e no mesmo processo e perante idêntico quadro factual e jurídico, pronunciar-se em novo acórdão em sentido contrário, somente porque a questão fora suscitada por outro arguido, assim violando o caso julgado formal (art.° 620.°, n.° 1, 625.° e 628.° do CPC, ex vi art.° 4.° do CPP) e não podendo, por isso, esse acórdão subsistir”.
Em suma, entendemos que o acórdão proferido por este Tribunal da Relação no apenso M, esgotou a matéria quanto a ambas as questões suscitadas no recurso, pelo que, sob pena de violação do caso julgado formal, não pode voltar a analisá-las.  
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C) Decisão:

Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar verificada a execpção do caso julgado relativamente às questões suscitadas pelo recorrente, o que impede o conhecimento do presente recurso apresentado pelo arguido AA.
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Sem Custas.
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Notifique.
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Guimarães, 16 de setembro de 2025 (o presente acórdão foi elaborado pelo relator e integralmente revisto pelos seus signatários – artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal).
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Carlos da Cunha Coutinho (Relator)
Pedro Freitas Pinto (1.º Adjunto)
Isilda Maria Correia de Pinho (2.ª Adjunta).


[1] O que é pacífico, tanto a nível da doutrina como da jurisprudência (cf. Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., 2011, pág. 113; bem como o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ, n.º 7/95, de 19.10.1995, publicado no DR 1ª série, de 28/12/1995; e ainda, entre muitos, os Acórdãos do STJ de 11/07/2019, in www.dgsi.pt; de 25/06/1998, in BMJ 478, pág. 242; de 03/02/1999, in BMJ 484, pág. 271; de 28/04/1999, in Coletânea de Jurisprudência, acórdãos do STJ, Ano VII, Tomo II, pág. 193
[2] Cf. ainda o acórdão da Relação de Lisboa de 4/4/2019, processo 128/15.2jblsb-B.L3-9, relatado por Fernando Estrela, in www.dgsi.pt, que entendeu que «… a violação de caso julgado formal apenas pode afirmar-se se não tiver ocorrido alteração superveniente das condições que se verificavam e foram atendidas na decisão inicial. Numa situação em que o tribunal decide, por despacho transitado em julgado a respeito da excepcional complexidade, não pode o mesmo tribunal e no mesmo processo e perante idêntico quadro factual e jurídico, pronunciar-se novamente em sentido contrário, pois violaria o caso julgado formal».