REVELIA DO RÉU
NOTIFICAÇÃO PARA ALEGAR
NULIDADE PROCESSUAL
CONTRADITÓRIO
Sumário


I - O art. 567º/2 do CPC apenas impõe a notificação das partes por intermédio dos respectivos mandatários para alegarem na sequência do reconhecimento da revelia do R.
II - Não há qualquer violação dos princípios do contraditório plasmado no art. 3º do CPC, pelo facto do R. revel, não ter sido notificado para apresentar as referidas alegações.
III - Estão em causa questões jurídicas que apenas devem ser debatidas por advogados, os únicos com competência técnica para o efeito, num processo de constituição obrigatória de mandatário.

Texto Integral


Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

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1 RELATÓRIO

EMP01..., SA, com sede na Avenida ..., ... – 7ª, Edifício ..., ..., intentou a presente acção[1] declarativa, sob a forma de processo comum, contra AA, residente na Rua ..., ..., pedindo que seja o R. condenado a pagar-lhe a quantia de € 25.492,00, acrescida dos juros de mora vencidos desde a data da citação e vincendos até integral pagamento.
Alega, para o efeito e em suma, que, tendo, no exercício da sua actividade, alugado um veículo automóvel ao R., este devolveu-o completamente destruído. Na verdade, o R. envolveu-se num acidente de viação, ascendendo o custo da reparação a € 35.529,79, muito superior ao valor venal, que era, à data do sinistro, de € 28.642,00. Em face desta discrepância, foi a reparação considerada inviável. Deve, assim, o R., à A., a quantia de € 25.492,00, correspondente ao valor venal do veículo automóvel, deduzida o montante da franquia entregue e o valor do salvado.
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O R., citado pessoal e regularmente, não contestou no prazo legal nem constituiu mandatário.
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Foram considerados confessados os factos articulados pela A., nos termos do art. 567º/1 do CPC e deu-se cumprimento à formalidade prevista no nº 2 da mesma norma (ambas as partes foram notificadas do despacho e a A. também para os efeitos do nº 2 do art. 567º do CPC).
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A A. veio oferecer o merecimento dos autos e pedir a costumada Justiça.
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De seguida foi proferida sentença, que decidiu nos seguintes termos:

Pelo exposto, julga-se a presente acção totalmente procedente e, consequentemente, condena-se o Réu a pagar à Autora a quantia de € 25.492,00, acrescida dos juros de mora, vencidos desde a citação para os termos dos autos, e vincendos até efectivo pagamento.
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Registe e notifique.
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Entretanto, o R. veio apresentar as suas alegações, nos termos do art. 567º/2 do CPC, tendo junto procuração forense e pedido de apoio judiciário junto da Segurança Social.
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Notificada de tais alegações, que foram juntas aos autos após a prolação da sentença, a A. veio requerer que as mesmas sejam desentranhadas, por extemporâneas.
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Tendo-se pronunciado o R., esclarecendo ter apresentado tais alegações no último dia do prazo, pelo que são tempestivas.
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Seguiu-se, então, o seguinte despacho:

EMP01..., S.A. intentou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra BB.
Citado para os termos da acção, o Réu não apresentou contestação.
Por despacho proferido a 19.03.2025 foi o Réu considerado regularmente citado, nos termos e para efeito do estatuído no art. 569º do C.P.Civil, e, como não contestou, julgaram-se como provados os factos alegados na petição inicial, nos termos previstos no art. 567º, nº 1 do C.P.Civil.
Ademais, determinou-se a notificação para, nos termos do estatuído no nº 2 do art. 567º do mesmo normativo, serem apresentadas alegações.
Tendo o Autora apresentado alegações, em 24.03.2025 foi proferida sentença.
E 01.04.2025 veio o Réu, através da competente procuração, constituir Mandatário nos autos, e apresentar alegações, no âmbito das quais invoca a prescrição do direito da Autora.
Importa agora considerar quais os efeitos da contestação e se podem ser valoradas as alegações agora apresentadas.
Começamos por referir que o Réu, uma vez que não tinha constituído Mandatário nos autos, não foi notificado para apresentar alegações.
Importa, em primeiro lugar, apurar se, no caso em que o Réu não constitui advogado, deve ser notificado pessoalmente para alegar por escrito, à semelhança do que é feito relativamente ao advogado da Autora.
Após a citação do Réu, decorreu o prazo de trinta dias a que alude o art. 569º, nº1 do C.P.Civil, sem que tivesse constituído mandatário para contestar a acção. A presente acção é de constituição obrigatória de mandatário, como dispõe o art. 40º, nº1, al. a) do C.P.Civil, uma vez que, face ao valor da mesma, por ser superior à alçada do tribunal onde pende, é admissível recurso ordinário.
Portanto, não resta qualquer dúvida de que o Réu deveria ter constituído mandatário e que se considera revel, pelo facto de ter sido citado e não ter apresentado qualquer contestação subscrita por advogado no prazo de trinta dias.
E não tendo constituído mandatário, não foi o mesmo notificado para apresentar alegações, já que, como refere expressamente o nº 2 do art. 567º do C.P.Civil, só os advogados devem ser notificados para alegar. O que tem todo o cabimento, pois estamos no domínio de questões técnicas que só estes profissionais têm o mérito de dominar e não os leigos em matérias jurídicas, mormente em processos de constituição obrigatória de advogado como é o caso.
A notificação do Réu revel para alegações, só faz sentido se este tiver constituído mandatário no processo, pois o que está em causa é precisamente permitir à parte a discussão das matérias de direito e respectiva subsunção aos factos confessados, algo que só um advogado pode almejar fazer, num processo com estas características.
Mas, tendo o Réu após a prolação de sentença, constituído mandatário nos autos, coloca-se, agora, a questão de saber se poderá este invocar a prescrição do direito do Autor e alegar a violação das regras de contratação, mormente a violação do dever de informação.
Ora, entendemos que não. A defesa deveria ter sido concentrada na contestação, que inexiste.
Por outro lado, tendo sido já proferida sentença, esgotou-se o poder jurisdicional quanto às questões alegadas pelo Réu.
Notifique.
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Inconformado com esse despacho, que não aceitou o seu articulado de alegações, apresentadas nos termos do art. 567.º n.º 2 do CPC, apresentou o R. recurso de apelação contra o mesmo, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões:

1. O presente recurso tem por objeto o douto despacho proferido pelo Tribunal a quo, datado de 07.04.2025, que não admitiu o articulado de alegações apresentado pelo Réu/Recorrente, nos termos do art. 567.º n.º 2.
2. A Recorrente diverge de tal despacho proferido pelo Tribunal a quo, porquanto, verifica-se a violação do art. 567.º n.º 2 do CPC e, em consequência, a omissão de um ato/formalidade que a lei prescreve, sendo nulo o despacho recorrido nos termos do art. 195.º, n.º 1 do CPC; A omissão de um ato/formalidade que a lei prescreve dado que o Réu não foi notificado do articulado de alegações apresentado pela Autora e da sentença; E a violação do princípio do contraditório consagrado no artigo 3.º, n.º 3 do CPC;

a) Violação do art. 567.º n.º 2 do CPC:
3. No dia 20.03.2024, o Réu foi notificado do despacho que concedia prazo de 10 dias para o mandatário da Autora apresentar alegações e dentro desse prazo, no seu último dia, 31.03.2025, o Réu juntou procuração e apresentou as suas alegações.
4. Mesmo que se entenda que o direito a apresentar alegações era exclusivamente da Autora, porque o Réu não tinha mandatário constituído, razão pela qual não tinha de ser notificado para o efeito, sempre se alega que antes do termo daquele prazo (antes de terminar a fase dos articulados) o Réu juntou procuração.
5. Nestes termos, e tendo em conta o disposto no art. 567.º n.º 2, findo aquele primeiro prazo de 10 dias para o mandatário da Autora apresentar alegações, sempre teria de:
- Ou aceitar-se as alegações apresentadas pelo Réu, porque apresentadas pela sua mandatária ainda na fase de apresentação de articulados e como tal dentro do prazo;
- Ou, verificando-se a junção aos autos de procuração forense antes de terminado o prazo de 10 dias concedido ao mandatário da Autora para apresentar alegações, e entendendo-se que as alegações seriam extemporâneas porque apresentadas antes do tempo, notificar-se o Réu para apresentar novamente as suas alegações, em igual prazo – dado que este constituiu mandatário para o efeito ainda na fase de articulados, nos termos do art. 567.º n.º 2 do CPC.
6. Não poderia o Tribunal a quo proferir sentença sem se ter por esgotado o prazo de 10 dias para a Autora apresentar as suas alegações, sendo certo que o Réu foi notificado que estava em curso o dito prazo.
7. O Réu foi notificado que estava a decorrer este prazo e dentro desse prazo constituiu mandatária e apresentou o seu articulado.
8. O Tribunal a quo ao não aceitar o articulado de alegações do Réu/Recorrente e ao não notificar o seu mandatário para apresentar este articulado violou o disposto no art. 567.º, n.º 2 do CPC – o que assim deve ser declarado!

b) Nulidade processual por preterição de formalidade legal essencial:
9. A preterição do prazo para apresentação de alegações após a revelia constitui uma nulidade processual, pois o dever de convidar o Réu para, em fase própria, vir apresentar as suas alegações escritas, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 567.º do CPC, constitui um ato/formalidade que a lei prescreve, nos termos do art. 195.º n.º 1 do CPC – o que assim deve ser declarado com todas as respetivas consequências legais;
10. A falta de notificação ao Réu, ainda que revel, do articulado de alegações da Autora e da sentença constitui, igualmente, a omissão de um ato/formalidade que a lei prescreve – o que assim deve ser declarado com todas as respetivas consequências legais.

c) Violação do princípio do contraditório:
11. A preterição do prazo para apresentação de alegações viola o princípio do contraditório.
12. A não notificação ao Réu do articulado de alegações da Autora também viola este princípio.
13. O Tribunal a quo não poderia ter proferido sentença sem se ter por esgotado o prazo para o Réu apresentar alegações.
14. Face ao exposto, deve, pois, ser declarada a violação do princípio do contraditório consagrado no art. 3.º, n.º 3 do CPC, princípio fundamental do processo civil

Termos em que e nos demais de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele:

1. Ser declarado nulo o despacho recorrido, com todas as respetivas consequências legais, nomeadamente, a sua revogação;
2. Ser revogada a sentença proferida em 24.03.2025, por ter sido proferida antes do termo do prazo legal para apresentação de alegações, com violação do artigo 567.º, n.º 2 do CPC;
3. Ser aceite o articulado de alegações apresentado pelo Réu ou, ser o Réu notificado para apresentar tal articulado, seguindo-se após, os ulteriores termos.
Fazendo-se, assim, a habitual e necessária Justiça!
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Não consta dos autos que tenham sido apresentadas contra-alegações.
 
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A Exmª Juiz a quo proferiu despacho a admitir o recurso interposto, providenciando pela sua subida a este Tribunal.
 
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Facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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2QUESTÕES A DECIDIR

Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex vi dos arts. 663º/2, 635º/4, 639º/1 a 3 e 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Consideradas as conclusões formuladas pelo apelante R., este pede a reapreciação de mérito da decisão recorrida, uma vez que entende ter ocorrido violação do art. 567º/2 do CPC, nulidade processual por preterição de formalidade legal essencial e violação do princípio do contraditório.
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3 – OS FACTOS

Os pressupostos de facto a ter em conta para a pertinente decisão são os que essencialmente decorrem do relatório que antecede.
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4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Vejamos, então, as 3 questões que o apelante suscita ao pedir a reapreciação de mérito da decisão recorrida: violação do art. 567º/2 do CPC, nulidade processual por preterição de formalidade legal essencial e violação do princípio do contraditório.

a) violação do art. 567º/2 do CPC
Entende o recorrente que o Tribunal a quo ao não aceitar o articulado de alegações do Réu/Recorrente e ao não notificar o seu mandatário para apresentar este articulado violou o disposto no art. 567.º, n.º 2 do CPC.
Quid iuris?

Importa em primeiro lugar, apurar se, no caso em que o R. não constitui advogado, deve o mesmo ser notificado pessoalmente para alegar por escrito nos termos do disposto no art. 567º/2 do CPC, à semelhança do que foi determinado relativamente ao advogado da A.
No caso em apreço, o R. foi citado pessoal e regularmente, não tendo contestado no prazo legal nem constituiu mandatário. Foram considerados confessados os factos articulados pela A., nos termos do art. 567º/1 do CPC e deu-se cumprimento à formalidade prevista no nº 2 da mesma norma, tendo ambas as partes sido notificadas do despacho e a A. também para os efeitos do nº 2 do art. 567º do CPC.
A presente acção é de constituição obrigatória de mandatário, como dispõe o art. 40º/1, a) do CPC, uma vez que, face ao valor da mesma, por ser superior à alçada do tribunal onde pende, é admissível recurso ordinário.
Recorde-se que à acção tem o valor de € 25.492,00 e que, em matéria cível, a alçada dos tribunais de primeira instância é de € 5.000,00, nos termos do disposto no art. 44º/1 da Lei 62/2013, de 26 de Agosto que regula a organização do sistema judiciário. Logo, não resta qualquer dúvida que o R./recorrente deveria ter constituído mandatário e que se considera revel, pelo facto de ter sido citado regularmente na sua própria pessoa e não ter apresentado qualquer contestação subscrita por advogado no prazo de trinta dias (cfr. art. 567º/1 do CPC. Mais, ainda que tivesse constituído mandatário, se não tivesse contestado, era, de igual modo, considerada revel. É o que decorre do citado art. 567º/1 do CPC.
O entendimento do R. que a Mmª Juiz deveria ter determinado a sua notificação pessoal para alegar por escrito, à semelhança do que foi determinado relativamente ao advogado da A., constitui exigência que não tem qualquer acolhimento na lei. Efectivamente, o nº 2 do art. 567º do CPC, refere expressamente que só os advogados devem ser notificados para alegar. O que tem todo o cabimento, pois estamos perante o domínio de questões técnicas que só estes profissionais têm o mérito de dominar e não os leigos em matérias jurídicas, mormente em processos de constituição obrigatória de advogado como é o caso. É que a notificação do R. revel para alegações nos termos do art. 567º/2 do CPC, só faz sentido, se este tiver constituído mandatário no processo, pois o que está em causa é precisamente permitir à parte a discussão das matéria de direito e respectiva subsunção aos factos confessados, algo que só um advogado pode almejar fazer, num processo com estas características[2].
Questão diferente, é se a constituição de mandatário pelo R. revel no decurso do prazo do art. 567º/2 do CPC, tem a virtualidade de lhe permitir alegar por escrito nos termos da mencionada norma, assim podendo beneficiar de efeitos retroactivos.
Como é sabido, um processo, seja ele cível, penal ou de outra natureza, é constituído por diversas fases processuais que são uma sequência de actos definidos pela lei, com o objectivo de pacificar conflitos através da aplicação da lei.
Ora, entendemos que a constituição de um mandatário, no contexto judicial, não tem efeitos retroactivos, mas sim a produção de efeitos futuros e imediatos, nomeadamente a cessação de funções do patrono anterior e a sujeição das notificações à nova representação legal, salvo disposição legal específica. Ainda que a noção de "efeito retroactivo" não se aplique directamente à constituição de um mandatário, sendo um conceito de direito que se refere à aplicação de uma lei a factos anteriores à sua entrada em vigor, não pode a constituição de mandatário alterar os efeitos da revelia e fazer retroceder a fase processual, facultando agora o processo para exame ao R. revel, nos termos do nº 2 do art. 567º do CPC.
Não assiste, pois, razão ao recorrente.
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b) nulidade processual por preterição de formalidade legal essencial

Prescreve o art. 195º do CPC, nos seus nºs 1 e 2 e cuja epígrafe é “Regras gerais sobre a nulidade dos actos” que:
1 - Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
2 - Quando um ato tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente; a nulidade de uma parte do ato não prejudica as outras partes que dela sejam independentes.
Entende o recorrente que a preterição do prazo para apresentação de alegações após a revelia constitui uma nulidade processual, pois o dever de convidar o Réu para, em fase própria, vir apresentar as suas alegações escritas, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 567.º do CPC, constitui um ato/formalidade que a lei prescreve, nos termos do art. 195.º n.º 1 do CPC. Mais alega que a falta de notificação ao Réu, ainda que revel, do articulado de alegações da Autora e da sentença constitui, igualmente, a omissão de um ato/formalidade que a lei prescreve.
Quid iuris?

Em causa está uma nulidade processual e não uma nulidade da sentença [nulidade de processo é a invalidade resultante da omissão de um acto de processo prescrito na lei ou a prática de um acto de processo contrário ao por ela estabelecido ou de uma irregularidade cometida no processo que possa influir no exame ou na decisão da causa (art. 195º/1 do CPC); já a nulidade da sentença é um vício intrínseco dela como tal tipificado na lei art. 615º/1, als. a) a e) do CPC)].
Coloca-se, pois, desde já, a questão da tempestividade da sua arguição.
Com efeito, quando na presença de uma nulidade processual, e não se verificando a situação a que alude o nº 3, do art. 199º do CPC, deve a mesma ser arguida pelo interessado perante o tribunal onde foi cometida, por meio de reclamação, a apresentar em requerimento próprio, no prazo de 10 dias previsto no art. 149º/1 do mesmo Código, que não suscitar o referido vício em sede de instância recursória.
Como é entendimento pacífico, quer na doutrina[3], quer na jurisprudência dos nossos tribunais superiores[4], e sem prejuízo do conhecimento oficioso que alguma questão reclame, os recursos visam possibilitar que o tribunal superior reaprecie questões de facto e/ou de direito que no entender do recorrente foram mal decididas/julgadas no tribunal a quo, não se destinando eles, portanto, a conhecer de questões novas, ou seja, de questões que não tinham sido, nem o tinham que ser (porque não suscitadas pelas partes), objecto da decisão recorrida.
Dito de uma outra forma, e como efectivo meio impugnatório de decisões judiciais, a interposição do recurso apenas vai desencadear a reapreciação do decidido [o tribunal de recurso vai reponderar a decisão tal como foi proferida], não comportando ele o ius novarum, ou seja, a criação de decisão sobre matéria que não tenha sido submetida (no momento e lugar adequado) à apreciação do tribunal a quo (nova, portanto).
Concluindo, no nosso direito adjectivo a função do recurso ordinário tem pois como desiderato a reapreciação de uma decisão recorrida, sendo o respectivo modelo adoptado o da reponderação, que não o de reexame[5].
Debruçando-nos, agora, sobre a presente situação, constata-se que o apelante se limita a arguir a nulidade por omissão da prática de actos no recurso da decisão que não valorou as alegações por ele apresentadas, relativamente a situações ocorridas no decurso da tramitação processual e anteriores a ser proferida a sentença, sem que jamais antes tenha suscitado tal questão. Não sendo, pois, o recurso o local próprio para suscitar tal questão, cuja alegação é agora extemporânea (cfr. art. 199º do CPC) e sempre configuraria uma questão nova[6], nunca suscitada junto da primeira instância, antes só agora a vindo arguir (qual arguição/reclamação per saltum) junto do tribunal ad quem e já em sede de instância recursória de apelação. Ora, ao enveredar pela referida estratégia como forma de erradicar eventuais nulidades processuais pretensamente cometidas em sede de tramitação dos autos em primeira instância, e não tendo junto do tribunal a quo do respectivo cometimento reclamado, ao fim e ao cabo coloca o apelante ao tribunal ad quem uma questão nova, maxime porque não submetida à apreciação do tribunal da primeira instância, e, portanto, que por ele não foi conhecida, não tendo sobre a mesma recaído uma qualquer decisão/despacho.
De resto, e a ter-se cometido a nulidade ora arguida, decorrente da omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, estar-se-ia sempre perante uma nulidade secundária[7] de conhecimento não oficioso, estando a mesma dependente de arguição da parte interessada (cfr. art. 197º/1, in fine do CPC), razão porque se impunha que tivesse sido ela arguida [pois que não está a mesma - a nulidade - coberta por um despacho judicial, caso em que o meio adequado de reacção seria então a imediata interposição de recurso do mesmo despacho[8]] perante o tribunal a quo (que, in casu, não foi) e, após, do despacho que a apreciasse/decidisse, negando-a, então sim justificava-se [caso não fosse de aplicar a nova regra da irrecorribilidade a que alude o art. 630º/2 do CPC] interposição do competente recurso de apelação.
É que, em causa está a conhecida doutrina tradicional corporizada na velha máxima “dos despachos recorre-se; das nulidades reclama-se[9].
Ao assim não agir/diligenciar, não apenas impede a recorrente que o próprio tribunal a quo, ao conhecer da reclamação de vício de nulidade que só agora aduz directamente junto do ad quem, a pudesse reparar, como, ademais, e por via oblíqua e/ou indirecta, age ainda de forma a suprimir um grau de jurisdição.
Em conclusão, em razão de tudo o supra exposto, tal conduz prima facie e necessariamente à improcedência in totum das conclusões do apelante dirigidas para pretenso vício adjectivo cometido em sede de tramitação do processo.
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c) violação do princípio do contraditório
Entende o recorrente que a preterição do prazo para apresentação de alegações viola o princípio do contraditório, sendo que o Tribunal a quo não poderia ter proferido sentença sem se ter por esgotado o prazo para o R. apresentar alegações. Acresce que a não notificação ao Réu do articulado de alegações da Autora também viola este princípio.
Quid iuris?

O princípio do contraditório é um dos princípios basilares que enformam o processo civil.
Contudo, importa assinalar que este princípio, tal como todos os outros, não é de perspetivação e aplicação inelutável e absoluta. Podendo congeminar-se casos em que ele pode ser mitigado ou mesmo postergado, vg. em situações de atendível urgência ou, no próprio dizer da lei, de manifesta desnecessidade.
 O princípio do contraditório, plasmado no art. 3º do CPC, garante a participação efectiva das partes no litígio, permitindo-lhes influir, em igualdade, sobre factos, provas e questões de direito que afetem a decisão. Este princípio impõe ao juiz que não decida questões sem dar às partes oportunidade prévia de se pronunciarem, sob pena de nulidade da decisão. Proíbe-se, assim, a decisão-surpresa, salvaguardando a justiça e a colaboração das partes.
Ora, o princípio do contraditório, invocado pelo recorrente, não se mostra aqui beliscado, uma vez que lhe foi dado a oportunidade de se defender, foram cumpridos os prazos legais da contestação respectiva e, o recorrente foi devidamente informado da obrigação legal de constituir mandatário para se defender nos presentes autos, bem como da cominação pelo facto de não apresentar contestação. Não há qualquer decisão surpresa que possa colocar em causa os direitos do recorrente. Por um lado, como já referimos, foi citado com a cominação expressa de que, se não contestasse, os factos alegados pela A., ter-se-iam por confessados, por outro, estando em causa questões jurídicas, não é o facto de não ter apresentado alegações escritas nos termos do disposto no art. 567º/2 do CPC que o prejudica, pois, tais questões podem sempre ser suscitadas em sede de recurso da sentença final. Acresce que, sendo o R. revel, como já supra mencionado, o recorrente não foi nem tinha que ser notificado para apresentar as alegações a que alude o art. 567º/2 do CPC, revelando-se a notificação das alegações da A. um caso de desnecessidade.
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Logo, não assistindo qualquer razão ao recorrente R., improcede totalmente o recurso, com custas a pagar pelo mesmo (art. 527º do CPC).
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5 – SÍNTESE CONCLUSIVA (art. 663º/7 CPC)

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6 – DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível em julgar a presente apelação improcedente, assim se confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
Notifique.
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Guimarães, 02-10-2025

(José Cravo)
(Ana Cristina Duarte)
(Maria Luísa Duarte Ramos)


[1] Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, ... - JL Cível
[2] Cfr. neste sentido, o Ac. da RE proferido em 30-06-2021 no Proc. nº 2856/18.1T8PTM.E1 e acessível in www.dgsi.pt.
[3] Cfr. designadamente o Prof. João de Castro Mendes, in "Recursos", edição da AAFDL, 1980, págs. 27 e ss.; Lopes do Rego, in Comentários ao Código de Processo Civil, Volume I , 2ª Edição, pág. 566; Amâncio Ferreira, in Manual dos Recursos em Processo Civil, 9.ª Edição, págs. 153 a 158; Armindo Ribeiro Mendes, in Recursos em Processo Civil, Reforma de 2007, Coimbra Editora, 2009, pág. 81 e António Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2010, Almedina, págs. 103 e ss.
[4] Cfr. v.g. e de entre muitos outros: os Acs. do STJ 07-07-2009 e de 28-05-2009 (proc. nº 160/09.5YFLSB), ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
[5] Cfr. Armindo Ribeiro Mendes, ibidem.
[6] Sobre a questão nova, diremos que estamos perante uma, quando um recorrente vem colocar perante o Tribunal superior uma questão que não foi abordada nos articulados, não foi incluída nas questões a resolver, e não foi tratada na sentença recorrida. Por definição, a figura do recurso exige uma prévia decisão desfavorável, incidente sobre uma pretensão colocada pelo recorrente perante o Tribunal recorrido, pois só se recorre de uma decisão que analisou uma questão colocada pela parte e a decidiu em sentido contrário ao pretendido. A única excepção a esta regra são as questões de conhecimento oficioso, das quais o Tribunal tem a obrigação de conhecer, mesmo perante o silêncio das partes, o que não é o caso, pelo que não pode o Tribunal superior apreciar tal questão.
[7] Como bem se refere no Ac. de 2-07-2009 do TRL, disponível in www.dgsi.pt “Fora das situações enunciadas nos artigos 193º a 200º CPC, que integram as nulidades principais, dispõe o nº 1 do artigo 201º CPC, que a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influenciar a decisão da causa (nulidades secundárias ou atípicas).
As nulidades secundárias não são do conhecimento oficioso, estando dependente de arguição da parte interessada, como decorre da parte final do artigo 202º CPC.
As nulidades processuais devem ser arguidas perante o tribunal que as cometeu, e do despacho que as apreciar é que cabe recurso.
[8] É que, “dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se, cfr. José Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, Coimbra Editora, vol. II, pág. 507 e ss.
[9] Cfr. Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, 1979, Coimbra Editora, pág. 183.