RECURSO
REVOGAÇÃO
NOVA DECISÃO NO TRIBUNAL RECORRIDO
NOVO RECURSO
COMPETÊNCIA
DISTRIBUIÇÃO
MESMO RELATOR
Sumário


“A ‘ratio legis’ de tal preceito (artº 218º, do CPC) não é a de distribuir o recurso ao mesmo relator em todos os casos de revogação, mas apenas nos casos em que a decisão de revogação possa ter efeitos semelhantes ao da anulação, designadamente quando por força das mesmas se mostre necessário reformular a decisão recorrida e não tenha sido definitivamente decidido o concreto objeto do recurso, sendo a ambas estas situações que se refere aquele artº 218º e já não àquelas em que, não obstante a revogação, o objeto do recurso foi conhecido e definitivamente decididas as questões suscitadas no mesmo, regressando o processo em novo recurso com um objeto completamente diferente, que nada tem que ver com aqueloutro”.

Texto Integral


I – Relatório

1 - Em 08.10.2024, o presente processo de recurso cível – apelação - foi distribuído à Exmª Juíza Desembargadora AA que proferiu decisão sumária, em 26.08.2025, nos seguintes termos:
«Por Acórdão relatado pela Srª Desembargadora BB foi julgado procedente o recurso interposto pelos autores nos presentes autos, julgando-se não verificada a exceção de caso julgado, revogar a decisão recorrida determinando o prosseguimento dos autos.
Recorreram do mesmo os réus para o Supremo Tribunal de Justiça, recurso que não foi admitido, tendo os autos descido à 1ª instância para cumprimento do D. Acórdão proferido nesta Relação de Guimarães.
Realizada audiência de discussão e julgamento e tendo sido proferida sentença da qual vieram recorrer os autores, foi o mesmo admitido tendo-me sido distribuído.
Porquanto se entende encontrar-se o caso sub judice, no âmbito do disposto no artº 218º do Código de Processo Civil, devem os autos ir à distribuição, nos termos aí referidos».
2 – Posteriormente, foi distribuído o mesmo recurso a distinta Exmª Desembargadora BB, em 02.092025.
Neste, a Exmª relatora profere o seguinte despacho, em 08.09.2025, na sua parte dispositiva:
«Assim, e concluindo, entendemos que os autos foram inicialmente bem distribuídos de forma aleatória, não sendo de aplicar, in casu, o artigo 218º do CPC.
Do exposto decorre, perante a verificação de distintos entendimentos quanto à distribuição da presente apelação, a existência de conflito (negativo) que importa dirimir e que se suscita oficiosamente junto do Exmo. Senhor Juiz Presidente deste Tribunal da Relação de Guimarães.
Notifique. D.N».
A Digna Magistrada do Mº Pº junto desta Relação emitiu parecer no sentido de se manter a distribuição autónoma ocorrida em 08.10.2024.

II – Fundamentação

Com relevância para a decisão do incidente as incidências fáctico-processuais constantes do Relatório supra e ainda o seguinte:

1. Em 25.11.2021, a Exmª relatora, BB, proferiu o seguinte acórdão, na sua parte dispositiva:
«Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente o recurso e, julgando não verificada a exceção de caso julgado, revogar a decisão recorrida determinando o prosseguimento dos autos.
Custas pelos Réus.».
2. Em 29.05.2024, foi proferia sentença na qual se decidiu o seguinte:
«Pelo exposto, julgo a presente acção totalmente procedente, por não provada e, em consequência:
a) Absolvo os réus, CC e DD, dos pedidos;
b) Julgo procedente o pedido de condenação dos autores, EE e FF, por litigância de má-fé e, em consequência, condeno-os na multa processual de quatro Unidades de Conta e no pagamento de indemnização à parte contrária, a fixar após cumprimento do disposto no art. 543º, nº 3 do CPC.

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Custas da acção pelos autores – conforme o disposto no artigo 527º, n.º 1 e n.º 2, do Código de Processo Civil.
Determino o cumprimento do disposto no art. 543º, nº 3 do CPC.».
 
Desta sentença foi interposto recurso de apelação, cuja distribuição constitui o objecto do presente conflito a dirimir.

Apreciando.
A questão em análise que se suscita nestes autos de recurso cível não configura um conflito negativo de competência, tal como definido pelo n.º 2 do art.º 109º do Código de Processo Civil (CPC), mas antes um conflito negativo de distribuição.
Este, no que respeita à distribuição de processos cíveis, resolve-se, nos termos do artº 205º, nº 2, do CPC, no qual se prescreve que “As divergências resultantes da distribuição que se suscitem entre juízes da mesma comarca sobre a designação do juízo em que o processo há-de correr são resolvidas pelo presidente do tribunal de comarca, observando-se processo semelhante ao estabelecido nos artigos 111º e seguinte”.
A lei processual civil não contém norma expressa relativa aos conflitos de distribuição que surjam entre Juízes do mesmo Tribunal da Relação, porém o art.º 114º do CPC, estatui que «O disposto nos art.ºs 111º a 113º é aplicável a quaisquer outros conflitos que devam ser resolvidos pelas Relações ou pelo Supremo Tribunal de Justiça…», estabelecendo o nº2, do artº 113º, que cabe ao presidente do tribunal resolver o conflito.
Em suma, seja com recurso à analogia, ante o previsto no art.º 205º do CPC, seja por argumento a fortiori, decorrente da competência atribuída ao Presidente do Tribunal da Relação, para resolver os conflitos de competência entre Secções do mesmo Tribunal, a entidade competente para dirimir este conflito será o Presidente do Tribunal da Relação a que pertencem os juízes em conflito.
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Quanto à questão controvertida, defende a Exmª Desembargadora, AA, em súmula, que a decisão proferida pela anterior Exmª relatora – decisão esta sobre a não excepção de caso julgado, a qual revogou o decidido pelo tribunal a quo, mandando prosseguir os termos dos autos – se enquadra na previsão normativa, ínsita ao artº 218º, do CPC.
Por seu turno, a Exmª Desembargadora, BB, pugna pela inaplicabilidade de tal preceito legal ao caso concreto, uma vez que o mesmo pressupõe que tenha havido um conhecimento do objecto (principal) do processo e inerente à questão de mérito ou de fundo, o que não ocorreu.
E defende que o artº 218º “tem de ser interpretado no sentido de que se refere apenas aos casos em que o objeto do primeiro recurso não chegou a ser definitivamente decidido, antes tendo sido determinada a necessidade de reformular a decisão recorrida, sendo dessa decisão já reformulada que é depois interposto novo recurso, e não quando se encerrou e decidiu definitivamente o objeto do recurso, não se ordenando qualquer reformulação, mas apenas se confirmando ou revogando o decidido, e o processo volta a subir em novo recurso cujo objeto nada tem a ver com o recurso anterior”.
Sustentar apenas que a norma se refere a revogação, não distinguindo entre as situações possíveis de revogação, tratando-as todas da mesma maneira, seja qual for o motivo que esteve na sua origem, e ainda que com essa revogação, a questão autónoma fique definitivamente encerrada, é uma interpretação puramente literal da norma que, segundo cremos, o artigo 9º do Código Civil não permite.
Conforme decorre do n.º 1 deste preceito “[a] interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”,  sendo que na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete também presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (n.º 3 do preceito).
Afigura-se-nos, assim, que a ratio legis de tal preceito (artº 218º, do CPC) não é a de distribuir o recurso ao mesmo relator em todos os casos de revogação, mas apenas nos casos em que a decisão de revogação possa ter efeitos semelhantes ao da anulação, designadamente quando por força das mesmas se mostre necessário reformular a decisão recorrida e não tenha sido definitivamente decidido o concreto objeto do recurso, sendo a ambas estas situações que se refere aquele artº 218º e já não àquelas em que, não obstante a revogação, o objeto do recurso foi conhecido e definitivamente decididas as questões suscitadas no mesmo, regressando o processo em novo recurso com um objeto completamente diferente, que nada tem que ver com aqueloutro.
Como é sublinhado, «(…)Esta é, segundo entendemos e ressalvado o respeito que nos merece a opinião contrária, a interpretação que melhor se coaduna com o pensamento legislativo e o espirito do legislador (cfr. o referido artigo 9º do Código Civil) e encontra respaldo no texto da lei: quando no artigo 218º consta “tiver de ser proferida nova decisão no tribunal recorrido e dela for interposta e admitida nova apelação”, refere-se à necessidade de proferir nova decisão sobre a mesma questão, ou seja proceder à sua reformulação, e aos casos em que seja admitida nova apelação da decisão reformulada em 1ª instância».
Neste sentido, vide, aliás, a Decisão do Presidente do TRG de 15.07.2023, no âmbito do processo n.º 57/18.8T8ALJ.G2.1.
E sobre questão idêntica  - excepção de caso julgado – a decisão proferida pelo TRE de 13.02.2020 (Processo n.º 308/16.3T8SLV.E2, disponível em www.dgsi.pt, no sentido de que “[a] ação não tinha que ser distribuída ao mesmo relator que, antes, nela havia decidido a problemática jurídica do caso julgado, porquanto esse tema ficou definitivamente decidido/encerrado no processo com tal pronúncia (a primeira da Relação), regressando, agora, em recurso com uma nova matéria completamente diferente, que nada tem que ver com aqueloutra”.  
Também o Prof. Miguel Teixeira de Sousa, em comentário ao citado artº 218º, in CPC ONLINE, pág. 94, defende que “A regra que consta do art. deve ser objecto de uma interpretação restritiva, dado que nem sempre se justifica manter o mesmo relator do recurso anterior“, acrescentando que “Se, p. ex., um despacho de indeferimento liminar tiver sido revogado pela Relação, não se descortina justificação para que qualquer outra apelação que venha a ser interposta na acção tenha de ser distribuída ao mesmo relator”.
Concluindo, a similar questão atinente à excepção de caso julgado já foi definitivamente decidida no recurso anterior, sendo que o novo recurso ora a decidir debruça-se sobre um objecto completamente distinto que importa apreciar ex novo.
Deste modo, os autos mostram-se inicialmente bem distribuídos de forma aleatória, não sendo de aplicar, no caso em apreço, o artº 218º do CPC.

Sumariando:
“A ‘ratio legis’ de tal preceito (artº 218º, do CPC) não é a de distribuir o recurso ao mesmo relator em todos os casos de revogação, mas apenas nos casos em que a decisão de revogação possa ter efeitos semelhantes ao da anulação, designadamente quando por força das mesmas se mostre necessário reformular a decisão recorrida e não tenha sido definitivamente decidido o concreto objeto do recurso, sendo a ambas estas situações que se refere aquele artº 218º e já não àquelas em que, não obstante a revogação, o objeto do recurso foi conhecido e definitivamente decididas as questões suscitadas no mesmo, regressando o processo em novo recurso com um objeto completamente diferente, que nada tem que ver com aqueloutro”.

III - Decisão

Pelo exposto, decide-se dirimir o conflito de distribuição, mantendo-se o processo de recurso cível distribuído à Exmª Desembargadora AA, a quem o mesmo deve ser averbado, dando-se baixa da distribuição à Exmª Desembargadora BB.
Sem custas.
Notifique.
Publicite-se sob anonimização no site da DGSI.
Guimarães, 02 de Outubro de 2025.

O Presidente do Tribunal da Relação de Guimarães,
António Júlio Costa Sobrinho