EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
RECUSA DE CONCESSÃO
Sumário

Se ao longo do período da cessão de três anos o devedor não forneceu, apesar de lhe terem sido solicitadas, quaisquer informações referentes ao seu património e rendimentos, sem que para tal tenha apresentado justificação, deve ser recusada a concessão da exoneração do passivo restante.

Texto Integral

Proc. nº 40/22.9T8STS.P1

Comarca do Porto – Juízo de Comércio de Santo Tirso – Juiz 5

Apelação

Recorrente: AA

Relator: Eduardo Rodrigues Pires

Adjuntos: Desembargadores Rui Moreira e Pinto dos Santos

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO

Por decisão proferida em 1.4.2022 foi concedido liminarmente o benefício de exoneração do passivo restante ao insolvente AA, tendo-se determinado que o rendimento global que este venha a auferir seja entregue ao fiduciário que for designado, com exclusão dos rendimentos previstos nas als. a) e b) do n.º 3 do art. 239º do CIRE, designadamente, com exclusão do rendimento correspondente a 1 salário mínimo nacional x 12 meses.

Do relatório anual apresentado pelo Sr. Fiduciário em 13.4.2023 consta o seguinte:

“2.1. Atividade desenvolvida pelo fiduciário

Decorrido o primeiro ano de cessão de rendimentos, o signatário solicitou ao insolvente, através da sua mandatária, a entrega dos comprovativos dos rendimentos recebidos ou da sua inexistência, ao longo do referido período (doc. 1).

Acontece que, até ao momento, o insolvente não disponibilizou os documentos solicitados, não permitindo o apuramento dos rendimentos recebidos ao longo do ano, incumprindo com o estipulado na alínea a) do n.º 4 do artigo 239º do C.I.R.E.

O signatário procedeu à consulta das bases de dados públicas da Caixa Geral de Aposentações e da Segurança Social e Fundo de Garantia Salarial (docs. 2 e 3), tendo resultado desta última que o insolvente se encontra a trabalhar por conta de outrem desde 10-12-2020, tendo auferido de última remuneração o valor de 647,95 euros em fevereiro de 2023.

2.2. Cessão do rendimento disponível

Acresce que, o insolvente não procedeu a qualquer entrega de rendimentos disponíveis ao fiduciário e, consequentemente, não existe qualquer valor disponível para afetação nos termos do artigo 241º do C.I.R.E.

(…).

Em 5.5.2023 foi proferido o seguinte despacho:

“Aguardem os autos pelo próximo relatório anual (2.º ano de três anos de cessão, face à Lei n.º 9/2022, de 11 de janeiro), devendo o Sr. Fiduciário comprovar a sua notificação aos credores.”

Em 17.4.2024 o Sr. Fiduciário apresentou o segundo relatório anual, do qual consta o seguinte:

“2.1. Atividade desenvolvida pelo fiduciário

Decorrido o segundo ano de cessão de rendimentos, o signatário solicitou ao insolvente, através da sua mandatária, a entrega dos comprovativos dos rendimentos recebidos ou da sua inexistência, ao longo do referido período (doc. 1).

Acontece que, até ao momento, o insolvente não disponibilizou os documentos solicitados, não permitindo o apuramento dos rendimentos recebidos ao longo do ano, incumprindo com o estipulado na alínea a) do n.º 4 do argo 239º do C.I.R.E.

O signatário procedeu à consulta das bases de dados públicas da Caixa Geral de Aposentações e da Segurança Social e Fundo de Garantia Salarial (docs. 2 e 3), tendo resultado desta última que o insolvente se encontra a trabalhar por conta de outrem desde 10-12-2020, tendo auferido de última remuneração o valor de 888,33 euros em fevereiro de 2024.

2.2. Cessão do rendimento disponível

Acresce que, o insolvente não procedeu a qualquer entrega de rendimentos disponíveis ao fiduciário e, consequentemente, não existe qualquer valor disponível para afetação nos termos do argo 241º do C.I.R.E.

(…)”

Em 7.5.2024 foi proferido o seguinte despacho:

“Aguardem os autos pelo próximo relatório anual (3.º ano de três anos de cessão, face à Lei n.º 9/2022, de 11 de janeiro), devendo o Sr. Fiduciário comprovar a sua notificação aos credores.”

No dia 8.4.2025 o Sr. Fiduciário apresentou o terceiro relatório anual, dele constando o seguinte:

“2.1. Atividade desenvolvida pelo fiduciário

Com a entrada em vigor da Lei n.º 9/2022, de 11 de janeiro, que procedeu à alteração do CIRE, sendo imediatamente aplicável aos processos pendentes (cfr. artigo 10º, n.º 1), nos processos de insolvência onde haja sido liminarmente deferido o pedido de exoneração do passivo restante, o período de cessão de rendimentos passará a ter uma duração de três anos (cfr. artigo 235º do CIRE na sua nova redação).

Decorrido o terceiro ano de cessão de rendimentos, o signatário solicitou ao insolvente, através da sua mandatária, a entrega dos comprovativos dos rendimentos recebidos ou da sua inexistência, ao longo do referido período (doc. 1).

Acontece que, até ao momento, o insolvente não disponibilizou os documentos solicitados, não permitindo o apuramento dos rendimentos recebidos ao longo do terceiro ano de cessão, incumprindo com o estipulado na alínea a) do n.º 4 do artigo 239º do C.I.R.E.

Ainda, o signatário procedeu à consulta das bases de dados públicas da Caixa Geral de Aposentações e da Segurança Social e Fundo de Garantia Salarial (docs. 2 e 3), tendo resultado desta última que o insolvente se encontra a trabalhar por conta de outrem desde 10-12-2020, na empresa A..., Lda. (NIPC ...), tendo auferido de última remuneração o valor de 854,38 euros em fevereiro de 2024.

2.2. Cessão do rendimento disponível

Acresce que, o insolvente não procedeu a qualquer entrega de rendimentos disponíveis ao fiduciário e, consequentemente, não existe qualquer valor disponível para afetação nos termos do artigo 241º do C.I.R.E.

3. Decisão final da exoneração

Prevê o n.º 1 do artigo 244.º do CIRE que, não tendo havido lugar a cessação antecipada, o juiz decide nos 10 dias subsequentes ao termo do período da cessão sobre a concessão ou não da exoneração do passivo restante do devedor, ouvido este, o fiduciário e os credores da insolvência.

Das informações prestadas pelo signatário resulta que, ao longo dos três anos de cessão decorridos, o insolvente nunca prestou quaisquer informações ou disponibilização dos documentos comprovativos dos seus rendimentos.

Consequentemente, o signatário entende que a exoneração do passivo restante do devedor deverá ser recusada.

(…)”.

Em 30.4.2025 foi proferido o seguinte despacho:

“Considerando a nova redação dada ao art.º 239.º, n.º 2 do CIRE pela Lei n.º 9/2022 de 11 de janeiro, atento o regime transitório a que alude o n.º 3 e 4 do art.º 10.º da mencionada lei, decorridos que se mostram mais de 3 anos desde o início da cessão, sem o conhecimento de incidentes/questões pendentes relativas ao incidente de exoneração do passivo restante, cumpra-se o disposto no art.º 244.º/1 do CIRE (sem prejuízo do parecer já apresentado pelo Sr. Fiduciário).

Prazo: cinco dias.

Junte CRC atualizado do devedor.”

Este despacho nesse mesmo dia foi notificado à Sr.ª Dr.ª BB, patrona nomeada ao insolvente, ao Sr. Fiduciário e aos credores da insolvência.

Nada foi dito.

Em 19.5.2025 foi proferido despacho cuja parte decisória tem a seguinte redação:

“Em face do exposto e atento o comportamento culposo do requerente AA, visto o disposto nos arts. 239.º, n.º 4 a), 243.º, n.º 1 a) e 244.º, n.º 2 do CIRE impõe-se recusar a exoneração do passivo restante, declarando encerrado o correspondente incidente.”

Em 9.6.2025 o insolvente, inconformado com o decidido, interpôs recurso, tendo finalizado as suas alegações com as seguintes conclusões:

1.º - O Recorrente apresentou-se à insolvência, peticionando que lhe fosse concedida a exoneração do passivo restante, nos termos do artigo 236.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (doravante C.I.R.E.).

2.º - Para tal, declarou que preenchia todos os requisitos e que se dispunha a observar todas as condições necessárias para que lhe fosse concedida a citada exoneração, tendo-lhe sido diferido o pedido de exoneração do passivo restante, tendo-lhe sido atribuído, em 08/11/2016, como rendimento indisponível o valor correspondente a 1 RMN.

3.º - Porém, vem agora, através de Despacho do qual se recorre, o Tribunal a quo decidir da cessão antecipada da exoneração do passivo restante, por alegada violação do disposto no artigo 243.º e 244.º do CIRE.

4.º - Portanto, e tendo em conta a situação socioeconómica do insolvente, o montante necessário para assegurar o sustento minimamente digno da mesma foi o equivalente a um salário mínimo nacional - valor que deverá ser excluído dos rendimentos que o insolvente venha a auferir e que devem ser entregues ao fiduciário, nos termos do artigo 239.º n.º 2 e n.º 3 do C.I.R.E..

5.º - Ora, vem agora, o Tribunal a quo decidir da cessação antecipada da exoneração do passivo restante por, alegadamente, o insolvente violar o disposto no artigo 243.º e 244.º do CIRE.

6.º - Porém, e conforme resulta dos próprios autos, na verdade, o insolvente sempre colaborou com o Fiduciário, no sentido de fornecer todos os elementos necessários à elaboração dos relatórios anuais.

7.º - Na opinião da aqui recorrente, tal Despacho que agora se recorre não pode proceder,

8.º - Acrescentar ainda que, desde 01/04/2022, data em que foi concedido liminarmente a exoneração do passivo restante, o aqui insolvente sempre cumpriu com as suas obrigações, colaborando sempre com o fiduciário, entregando valores que recebera acima do rendimento que fora fixado.

9.º - Porquanto, não foi o insolvente notificado pessoalmente, e para a morada constante dos presentes autos, de qualquer solicitação de comunicação e/ou Despacho para se pronunciar da cessão antecipada da exoneração do passivo restante.

10.º - E tal é constatado através da consulta à aplicação Citius que nunca foi enviado ao aqui insolvente qualquer notificação acerca da possibilidade de lhe ser negada a exoneração do passivo restante por falta de colaboração.

11.º - Assim, não poderia o aqui insolvente ter conhecimento pessoal de tal Despacho, porquanto o mesmo não lhe fora notificado pessoalmente, não tendo, por isso, de entregar a documentação requerida, nem apresentar plano de pagamento do alegado valor em dívida.

12.º - Assim, deveria ter sido dada outra oportunidade ao aqui insolvente para entregar a documentação e o valor alegadamente em falta.

13.º - Não existindo assim, e na opinião da aqui insolvente, qualquer fundamentação para a cessação antecipada da exoneração do passivo restante.

14.º - Em face do exposto, não pode a Recorrente conformar-se com o despacho proferido pelo Tribunal a quo, por entender que o mesmo viola, para além de outros, o disposto nos artigos 239.º n.º 3, 243.º e 244.º do C.I.R.E. e 1.º da C.R.P., pretendendo assim que aquele despacho seja revogado e substituído por outro que determine a concessão da exoneração do passivo restante.

Não consta dos autos que tenham sido apresentadas contra-alegações.

O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

Cumpre então apreciar e decidir.


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FUNDAMENTAÇÃO

O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil.


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A questão a decidir é a seguinte:

Apurar se foi acertada a decisão recorrida que, ao abrigo do art. 244º, nºs 1 e 2 do CIRE, não concedeu a exoneração do passivo restante ao insolvente.


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Os elementos factuais e processuais relevantes para o conhecimento do presente recurso constam do antecedente relatório.

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Passemos à apreciação de mérito.

1. O insolvente, através da interposição do presente recurso, veio impugnar a decisão recorrida que lhe recusou a exoneração do passivo restante nos termos dos arts. 243º e 244º do CIRE, sustentando que sempre colaborou com o Fiduciário, no sentido de lhe fornecer todos os elementos necessários à elaboração dos relatórios anuais.

Acrescentou que também sempre cumpriu com as suas obrigações e, inclusive, que entregou valores que recebera acima do rendimento que fora fixado, referindo ainda que não fora notificado pessoalmente, para a morada constante dos autos, a fim de se pronunciar sobre a cessação antecipada da exoneração do passivo restante.

Vejamos então.

2. O art. 244º do CIRE, no seu nº 2, estatui que «a exoneração é recusada pelos mesmos fundamentos e com subordinação aos mesmos requisitos por que o poderia ter sido antecipadamente, nos termos do artigo anterior

Por seu turno, o art. 243º do CIRE diz-nos o seguinte:

«1. Antes ainda de ter terminado o período da cessão, deve o juiz recusar a exoneração, a requerimento fundamentado de algum credor da insolvência, do administrador da insolvência, se ainda estiver em funções, ou do fiduciário, caso este tenha sido incumbido de fiscalizar o cumprimento das obrigações do devedor, quando:

a) O devedor tiver omitido dolosamente ou com grave negligência violado alguma das obrigações que lhe são impostas pelo artigo 239º, prejudicando por esse facto a satisfação dos créditos sobre a insolvência;

b) Se apure a existência de alguma das circunstâncias referidas nas alíneas b), e) e f) do n.º 1 do artigo 238º, se apenas tiver sido conhecida pelo requerente após o despacho inicial ou for de verificação superveniente;

c) A decisão do incidente de qualificação da insolvência tiver concluído pela existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência.

(…)

3. Quando o requerimento se baseie nas alíneas a) e b) do n.º 1, o juiz deve ouvir o devedor, o fiduciário e os credores da insolvência antes de decidir a questão; a exoneração é sempre recusada se o devedor, sem motivo razoável, não fornecer no prazo que lhe seja fixado informações que comprovem o cumprimento das suas obrigações ou, devidamente convocado, faltar injustificadamente à audiência em que deveria prestá-las.

(…).”

Ora, de acordo com o art. 239º, nº 4 do CIRE, durante o período da cessão, o devedor fica obrigado a:

«a) Não ocultar ou dissimular quaisquer rendimentos que aufira, por qualquer título, e a informar o tribunal e o fiduciário sobre os seus rendimentos e património na forma e no prazo em que isso lhe seja requisitado;

b) Exercer uma profissão remunerada, não a abandonando sem motivo legítimo, e a procurar diligentemente tal profissão quando desempregado, não recusando desrazoavelmente algum emprego para que seja apto;

c) Entregar imediatamente ao fiduciário, quando por si recebida, a parte dos seus rendimentos objeto de cessão;

d) Informar o tribunal e o fiduciário de qualquer mudança de domicílio ou de condições de emprego, no prazo de 10 dias após a respetiva ocorrência, bem como, quando solicitado e dentro de igual prazo, sobre as diligências realizadas para a obtenção de emprego;

e) Não fazer quaisquer pagamentos aos credores da insolvência a não ser através do fiduciário e a não criar qualquer vantagem especial para algum desses credores

O Mmº Juiz “a quo” fundou a sua decisão na circunstância de o insolvente não ter cumprido com os deveres impostos pelo art. 239º do CIRE, em particular pela alínea a) do seu nº 4, onde se preceitua que durante o período de cessão o devedor fica obrigado a informar o tribunal e o fiduciário sobre os seus rendimentos e património na forma e no prazo em que isso lhe seja requisitado.

3. A violação por parte do insolvente da obrigação decorrente do art. 239º, nº 4, al. a) do CIRE constitui fundamento para a recusa da exoneração do passivo restante nos termos do art. 243º, nº 1, al. a) do mesmo diploma, mas para que tal ocorra essa violação terá que se recortar como dolosa ou gravemente negligente.

O dolo comporta um elemento cognitivo e um elemento volitivo. O insolvente atua com dolo quando representa um facto que preenche a tipicidade dos deveres a que está adstrito durante o período da cessão, mesmo que não tenha consciência da ilicitude: o insolvente atua dolosamente desde que tenha a intenção de realizar, ainda que não diretamente, a violação de um daqueles deveres e, por isso, mesmo que não possua a consciência de que a sua conduta é contrária ao direito. O dolo é intenção – mas não é necessariamente intenção com conhecimento da antijuridicidade da conduta.
Além disso, o insolvente só atua dolosamente quando se decida pela atuação contrária ao direito. Se a violação do dever – v.g., de informar o fiduciário sobre os seus rendimentos e património – constitui intenção específica da conduta do insolvente, há dolo direto; se essa violação não é diretamente querida, mas é desejada como efeito necessário da conduta, o dolo é necessário; finalmente, se a violação não é diretamente desejada, mas é aceite como efeito eventual, mesmo que acessório, daquela conduta, há dolo eventual.[1]
No que toca à negligência grave ou grosseira, distinguindo a doutrina entre culpa grave, culpa leve e culpa levíssima, esta corresponderá à conduta do devedor que, consciente dos deveres a que se encontrava vinculado, e da possibilidade de conformar a sua conduta de acordo com esses deveres, não o faz, em circunstâncias em que a maioria das pessoas teria atuado de forma diversa.[2]
4. Porém, há que ter em atenção também o preceituado no art. 243º, nº 3, segunda parte, do CIRE, onde se estatui que «a exoneração é sempre recusada se o devedor, sem motivo razoável, não fornecer no prazo que lhe seja fixado informações que comprovem o cumprimento das suas obrigações, ou, devidamente convocado, faltar injustificadamente à audiência em que deveria prestá-las.»

Constata-se assim que este normativo, conforme referem CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA (in “CIRE Anotado, 2ª ed., Quid Juris, pág. 915), “determina que a exoneração será sempre recusada se o devedor, tendo-lhe sido determinado que preste informações sobre o cumprimento das suas obrigações, ou convocado para as prestar em audiência, não as fornecer no prazo que lhe for estabelecido, ou faltar a essa audiência, sem invocar, em qualquer dos casos, motivo razoável.

A recusa da exoneração constitui, quando se verifiquem estas situações, uma sanção para o comportamento indevido do devedor.”[3] [4]

Por conseguinte, daqui decorre que no caso de o devedor não fornecer, no prazo que lhe for fixado, e sem invocar motivo razoável, informações que comprovem o cumprimento das suas obrigações, o juiz deverá sempre recusar a exoneração, não sendo, nesta situação, necessária a prova de que essa ausência de informações se ficou a dever a um comportamento do insolvente doloso ou gravemente negligente.
5. Retornando ao caso dos autos, verifica-se que o insolvente desde o início que vêm incumprindo o seu dever de informar o tribunal e o fiduciário sobre os seus rendimentos e património na forma e prazo em que isso lhe foi requisitado.
Dos três relatórios anuais elaborados pelo Sr. Fiduciário e juntos ao processo, em 13.4.2023, 17.4.2024 e 8.4.2025, resulta que o insolvente, apesar das insistências daquele, não entregou quaisquer elementos referentes aos seus rendimentos e património.
Com efeito, de todos esses relatórios decorre que o Sr. Fiduciário solicitou ao insolvente, através da sua patrona nomeada, a entrega dos comprovativos dos rendimentos recebidos ou da sua inexistência e em todos esses três anos o insolvente nada disse, não disponibilizando assim os elementos que lhe foram pedidos, o que não permitiu o apuramento desses rendimentos.
Também nada disse no sentido de justificar a sua inação.
As únicas informações que se obtiveram resultaram da consulta por parte do Sr. Fiduciário das bases de dados públicas da Caixa Geral de Aposentações e da Segurança Social e também do Fundo de Garantia Salarial, tendo-se apurado no âmbito do último relatório apresentado que o insolvente se encontrará a trabalhar por conta de outrem desde 10.12.2020, na empresa “A..., Lda.”, onde auferiu em fevereiro de 2024 o valor de 854,38€.
Ora, a obtenção destas informações, sem qualquer colaboração havida nesse sentido por parte do insolvente, é insuficiente para que se possa considerar como cumprida a obrigação prevista no art. 239º, nº 4, al. a) do CIRE.
Aliás, o que se constata é precisamente o oposto, é o incumprimento reiterado e sucessivo dessa obrigação, bem refletido na não prestação de qualquer informação pelo insolvente, ao longo do período de cessão de três anos, quanto aos seus rendimentos e ao seu património, apesar dos pedidos feitos pelo Sr. Fiduciário.
E ordenado o cumprimento do disposto no art. 244º, nº 1 do CIRE, com o que sempre se colocaria a possibilidade de recusa da exoneração do passivo restante, o insolvente permaneceu inerte, sendo que nem tão-pouco pediu a prorrogação do período de cessão nos termos do art. 242º-A, nº 1, al. a) do mesmo diploma.
O silêncio, a inação e o alheamento são as notas que caracterizam a sua atuação, o que se projeta numa total indiferença pela tramitação do presente incidente e pela consequente satisfação dos créditos da insolvência.
Como tal, concorda-se com a posição assumida na decisão recorrida pelo Mmº Juiz “a quo” que recusou a concessão da exoneração do passivo restante ao insolvente nos termos dos arts. 239.º, n.º 4 a), 243.º, n.º 1 a) e 244.º, n.º 2 do CIRE – cfr., neste sentido, a título exemplificativo, os Acs. Rel. Porto de 12.9.2023, p. 2614/18.3T8STS.P2 (FERNANDO VILARES FERREIRA) e de 25.2.2025, p. 3691/17.0T8STS.P1 (MARIA DA LUZ SEABRA) e da Rel. Évora de 30.1.2025, p. 2549/20.0T8STR.E1 (ANA MARGARIDA LEITE), todos disponíveis in www.dgsi.pt.
6. Atendo-nos, por fim, à argumentação produzida pelo insolvente em sede recursiva, importa referir que não resulta de ponto algum do processo que este tenha fornecido os elementos necessários à elaboração dos relatórios anuais pelo fiduciário e ainda que tenha entregue quaisquer valores à fidúcia, não se compreendendo sequer a razão de ser desta alegação por manifestamente não corresponder à verdade.
Quanto à circunstância de o insolvente não ter sido notificado pessoalmente para se pronunciar sobre a eventual recusa da exoneração do passivo restante há que ter em atenção que a este foi nomeada como patrono a Sr.ª Dr.ª BB no âmbito do apoio judiciário.
Ora, do art. 247º, nº 1 do Cód. Proc. Civil decorre que as notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais, ou, sendo esse o caso, na pessoa dos seus patronos nomeados, daí fluindo que o art. 244º, nº 1 do CIRE foi adequadamente cumprido na pessoa da patrona nomeada ao insolvente.
Deste modo, há que julgar improcedente o recurso interposto.

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Sumário (da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Cód. Proc. Civil):
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DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelo insolvente AA e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Custas, pelo seu decaimento, a cargo do recorrente.

Porto, 30.9.2025
Rodrigues Pires
Rui Moreira
Pinto dos Santos
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[1] Cfr. Ac. Rel. Coimbra de 3.6.2014, proc. 747/11.6TBTNV-J.1, relator HENRIQUE ANTUNES, disponível in www.dgsi.pt.
[2] Cfr. Ac. Rel. Porto de 8.2.2018, proc. 499/13.5TJPRT.P1, relator FREITAS VIEIRA, disponível in www.dgsi.pt.
[3] Cfr. também MARIA DO ROSÁRIO EPIFÂNIO, “Manual de Direito da Insolvência”, 7ª ed., Almedina, pág. 391 e CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA, “A Exoneração do Passivo Restante na Insolvência das Pessoas Singulares”, in “Colectânea de Estudos sobre a Insolvência”, reimpressão, Quid Juris, pág. 290.
[4] LETÍCIA MARQUES COSTA (in “A Insolvência de pessoas singulares”, 2021, Almedina, Teses, pág. 148) refere estarmos aqui perante dois casos em que a cessação antecipada da exoneração [e também a sua recusa] “terá de ser obrigatória e judicialmente determinada”.