LIBERDADE CONDICIONAL
DESPACHO
VÍCIOS
JUIZO DE PROGNOSE
Sumário

Sumário: (da responsabilidade da Relatora)
I. O artigo 177º do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade utiliza a expressão decisão de juiz para se referir à decisão que conceda ou recuse a liberdade condicional, expressão que não se confunde com sentença, porquanto não só um despacho é, também, uma decisão de juiz como basta atentar na construção legal do incidente em causa para facilmente se concluir que tal expressão visa identificar a reserva de juiz, ou seja, que a decisão cabe a juiz no final do incidente de execução da pena em que se traduz a apreciação da concessão ou recusa de liberdade condicional.
II. Com efeito, tal apreciação ocorre no decurso da execução de uma pena de prisão e o seu regime do ponto de vista substantivo é delimitado pelos artigos 61º a 64º do Código Penal e do ponto de vista processual pelos artigos 173º e seguintes do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade compreendendo uma fase técnico-administrativa e uma fase judicial.
III. A decisão não conhece a final da execução da pena e não é definitiva, posto que se for concedida fica sujeita a um período de prova e ao cumprimento de regras de conduta sempre com a possibilidade de ser revogada caso haja incumprimento com a consequente execução da parte remanesceste da pena de prisão e se recusada não impede a ulterior apreciação da situação do recluso como decorre do artigo 180º do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade.
IV. Assim, a decisão recorrida é uma decisão judicial, mas não é uma sentença e, nessa medida, não lhe são assacáveis os vícios próprios da sentença previstos, designadamente, no artigo 379º nº1 al. c) do Código de Processo Penal.
V. Denotando o recorrente um fraco sentido crítico relativamente à prática dos factos que subjazem à condenação em pena de prisão efetiva que cumpre bem como às consequências desvaliosas que tal prática gerou para os lesados pelas mesmas há que concluir que tal ausência de ressonância crítica é um claro exacerbador das exigências de prevenção especial, posto que indício evidente que o comportamento ilícito já adotado anteriormente pode ser facilmente reiterado.
VI. Se a tal ausência de ressonância crítica acresce um percurso prisional involutivo as exigências de prevenção especial impedem a formulação de um juízo de prognose favorável quanto à conduta futura do condenado recorrente, o que impede a concessão da liberdade condicional.

Texto Integral

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1-RELATÓRIO:
No Juiz 1 do Tribunal de Execução de Penas de Lisboa, em ... de ... de 2025, foi decidido não conceder liberdade condicional a AA.
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Inconformado recorreu o referido condenado extraindo da motivação as conclusões cujo teor a seguir se transcreve:
1-Sobre a “Fundamentação de Facto” que foi entendida como a mais relevante para a decisão/sentença em causa, concretamente: o cumprimento da pena e os antecedentes criminais, listou o Tribunal “A Quo” uma série de factos, - os quais se fez a sua transcrição acima no ponto 2- e que nestas alegações pretendemos questionar alguns dos pontos elencados, como sejam os pontos 3, 5, 6 , assim:
2-Desde logo, o ponto n.°3 - “Tem outras condenações averbadas no seu registo criminal pela prática de crimes de detenção ilegal de arma, roubo, condução sem habilitação legal, uso de documento alheio, falsificação de documento e resistência e coação sobre funcionário que relata sobre antecedentes criminais do Recluso constantes do Boletim de Registo Criminal datado de ...-...-2025, feita a respetiva análise -cabalmente exposto, acima, em todo o ponto 3 da presente motivação- há a concluir que dos 15 Boletins, são reduzidos a 5 Boletins, já que há repetições várias e desses 5 Boletins, 3 deles - ou seja, o Boletim 1 e 2, o Boletim 4, 5, 10 e 11 e o Boletim 8,9,14 e 15 - são boletins com condenações averbadas, que nos termos do artigo 11.° da Lei 37/2015 de 5 de maio, deveriam estar cancelados com carácter definitivo, porque decorreram os prazos previstos na referida lei, sem que o ora Recorrente tenha delinquído novamente.
3-Do cancelamento com carácter definitivo, nos termos do artigo 11.° da Lei 37/2015 de 5 de maio, decorrem efeitos que a jurisprudência elege claramente (arestos transcritos acima no ponto 3-2-3-2 ), assim:
Decorridos os prazos previstos no artigo 11° da Lei n.°37/2015, de 5 de maio, contados nos termos ali expressamente referidos, o condenado tem de ser considerado integralmente reabilitado e os seus antecedentes criminais, ainda que permaneçam (indevidamente) visíveis (acessíveis) no registo criminal, deverão considerar-se inexistentes, na medida em que deles se não poderá retirar nenhum efeito.”.
4-Assim se dirá que a sentença do Tribunal “A Quo” ao relevar antecedentes criminais que já não deveriam constar do Boletim do Registo Criminal de ...-...-2025, ao abrigo do artigo 11.° da Lei n.°37/2015, de 5 de maio, incorre em excesso de pronúncia, porque conheceu de questão que não podia conhecer, geradora da nulidade prevista pelo artigo 379.°. n.°1. alínea c) do C.P.P.
5-De tudo quanto vem exposto - (concretamente se remete para toda a motivação constante do ponto 3-) - se concluí que o Boletim de Registo Criminal datado de ...-...-2025 que foi uma das ferramentas para formar a convicção do Tribunal “A Quo” para decidir não conceder a liberdade condicional ao Recluso/Recorrente no marco de 2/3 da pena, terá de ser reformado, podendo apenas nele constar o Boletim 3 que se refere ao crime dos presentes autos e o Boletim 7 ( ou qualquer um dos Boletins 6,12 e 13, iguais ao Boletim 7, como cabalmente já demonstrado); no entanto, dá-se preferência ao Boletim 7, pois contem informação mais completa e mais recente, nomeadamente que o motivo da extinção da pena, deu-se pela prescrição.
6-No entanto quanto ao Boletim 7 em que estão averbados os crimes de condução sem habilitação legal, de uso de documento de identificação alheia e de falsificação de documento, todos praticados em ...0...-04, portanto há mais de 24 anos e amplamente demonstrado que a pena de multa aplicada em ...0...-06, encontra-se extinta desde ...2...-09; sempre se dirá que a omissão, na sentença do Tribunal “A Quo” da data da extinção de tal pena de multa, por se tratar de um elemento decisivo para aquilatar se a referida condenação anteriormente sofrida pelo ora Recorrente pode ou não ser considerada e valorada, atento o disposto no artigo 11° da Lei n.°37/2015, de 5 de Maio, bem como a consideração dos efeitos jurídicos que resultam da extinção da pena por prescrição, integra o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no artigo 410°, n.°2, al. a), do CPP, que é de conhecimento oficioso e pode ser sanado pelo Tribunal “Ad Quem”, dado que dispõe dos elementos necessários para o efeito (cf. artigos 426°, n.°1 e 431°, n.°1, al. a), ambos do CPP), na medida em que a data da extinção daquela pena consta do Boletim do Registo Criminal de ...-...-2025, junto aos autos.
7- Consequentemente, por se tratar de uma verdadeira proibição de prova, está o Tribunal “A Quo” impedido de ter em conta as referidas condenações, pelo que tais factos devem ser retirados dos factos provados.
8-Quanto ao ponto n.°5 “Beneficiou de duas licenças de saída jurisdicionais (com revogação da última de quatro dias que lhe foi concedida, por ter desrespeitado as obrigações estabelecidas, o que determinou a sua saída de RAI) que se refere ao segmento do “cumprimento da pena” concretamente às licenças de saída do Estabelecimento Prisional, há a salientar que a referida “factualidade” é incompleta, é omissa, quer na dimensão de “quantidade” quer na dimensão de “avaliação” das licenças de saída do estabelecimento prisional.
9-Concretizando ao longo da reclusão o Recluso/Recorrente beneficiou de uma licença de saída jurisdicional de .../.../2024 a .../.../2024, conforme Processo 1326/23.0TXLSB-E, com avaliação positiva; e de uma saída de curta duração de .../.../2024 a .../.../2024, com avaliação positiva, realidades que podem ser verificadas quer na Ficha Biográfica de 11-03-..., quer no Relatório dos Serviços Prisionais referente à Liberdade Condicional no marco dos 2/3 da pena, datado de ...-...-2025
10-No que respeita aos Regimes de Cumprimento da Pena entrou no regime comum a .../.../2023 e saiu a .../.../2024; entrou no Regime Aberto Interno (RAI) a .../.../2024 e saiu a .../.../2025, em virtude de ter cometido infração disciplinar em ...-...-2024 e ter sofrido punição de internamento de 4 dias em cela disciplinar. Entrou novamente em .../.../2025 em regime comum, até à presente data;
11-A Sentença do Tribunal “A Quo” que negou a liberdade condicional no marco dos 2/3 da pena, ao aqui Recluso/Recorrente, ao deixar de listar corretamente e avaliar as Licenças de Saídas do Estabelecimento Prisional, bem como a identificação exata dos regimes de cumprimento da pena, incorreu, em nulidade por omissão de pronúncia sobre matéria de facto essencial, constituindo uma causa de nulidade atípica, prevista no n.°1, da alínea c) do artigo 379.°, do Código do Processo Penal. Esta nulidade ocorre porque a decisão deixou de considerar um elemento crucial para a avaliação do comportamento do recluso e da sua aptidão para a liberdade condicional, o que prejudicou a decisão final, em desfavor do Recluso/Recorrente.
12-Mais se alega, que referente aos “elementos” que foram omissos na sentença do Tribunal “A Quo”, sendo todos passíveis de conhecimento pelo Tribunal “Ad Quem”, pois, constam de documentação junto aos autos, é viável o Tribunal Superior sanar a referida “omissão”, conforme artigos 426°, n.°1 e 431°, n.°1, al. a) todos do Código de Processo Penal.
13-Quanto ao ponto n.°6: “Regista duas infrações disciplinares graves no EP, a última das quais datada ... e punida com internamento em cela disciplinar“ que se refere ao segmento do “cumprimento da pena” concretamente às infrações disciplinares, há a salientar que a referida “factualidade disciplinar” está incorretamente elencada, já que no registo disciplinar do Recluso, apenas consta uma infração disciplinar grave, praticada a ...-...-2024, sendo a data da punição a ...-...-2025, culminando no cumprimento de 4 dias de internamento em cela disciplinar.
A outra infração disciplinar é simples infração praticada a ..., sendo a data da punição a ...-...-2024, com a medida disciplinar de repreensão escrita.
14-Ora esta inexatidão na apreciação da prova, constante ponto n.° 6: “Regista duas infrações disciplinares graves no EP, a última das quais datada ... e punida com internamento em cela disciplinar“ é geradora do vício de “erro notório na apreciação da prova", previsto na alínea c) do n° 2 do artigo 410.° do Código de Processo Penal.
15-Assim o que se retira desta “fundamentação de direito” constante da decisão ora recorrida é que o Tribunal “A Quo” começou por elaborar um enquadramento jurídico de forma genérica, enunciando os requisitos formais e materiais de todas as modalidades de “Liberdade Condicional”, sem nunca especificar, a situação em análise, ou seja o requisito material previsto na alínea a-) do n.°2 do artigo 61 ° do CR referente, portanto, à concessão da Liberdade Condicional no marco dos 2/3 da pena, sendo que sobre os requisitos formais (artigo 61.° n.°1 e n.°2 do CP), nada a esclarecer já que se encontram devidamente preenchidos.
16-APÓS ter explanado sobre o referido enquadramento jurídico de forma genérica, enunciando os requisitos formais e materiais de todas as modalidades de “Liberdade Condicional”, sem nunca se debruçar sobre o “requisito material” constante da Liberdade Condicional no marco dos 2/3 da pena, -que é a situação dos autos- vem elucidar que quanto aos requisitos formais estão, os mesmos, verificados, já no que respeita aos requisitos materiais elucida que não estão preenchidos.
17-O Tribunal invoca como único fundamento para sustentar a decisão de não concessão da Liberdade Condicional no marco de 2/3 da pena, a existência de “duas infrações disciplinares averbadas na sua ficha biográfica, a última das quais recente e grave, punida com medida disciplinar de internamento em cela disciplinar, que determinou a sua saída do RAI
18-É ilegal, injusto, incongruente que se decida desta forma, utilizando apenas a infração disciplinar grave - 4 dias de internamento em cela disciplinar- para servir de fundamento único e bastante para concluir que o juízo de prognose sobre o comportamento futuro do condenado é desfavorável, no sentido de que após colocado em situação de liberdade, não é garantido que conduza a sua vida de acordo com o direito, sem voltar a praticar novos crimes.
19-O Tribunal recorrido só pensa dessa perspetiva tão só porque não fez uma análise atenta a toda a factualidade patente na biografia do Recluso/Recorrente; pois que a sua vida desde a prática do crime de roubo agravado, datado de ...0...-2002, tem sido altamente positiva e estimulante; nunca mais cometeu crimes e já lá vão, portanto 22 anos; entretanto estabeleceu-se em ..., desde de ..., onde permaneceu até ser preso em ...-...-2023 e onde constitui família que sempre foi sustentada pelo Recluso , e como refere o ponto 8 dos factos provados: “Em ..., o recluso refere que era empresário no ramo comercial de automóveis e eventos, referindo ter um passado naquele país de integração laborai de forma regular e formal, pretendendo gerir o negócio à distância desde ... enquanto permanecer no território nacional.”.
20-Esta pequena resenha biográfica é bastante para sustentar um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do Recluso, que uma vez posto em liberdade irá conduzir a sua vida de acordo com o direito, sem voltar a praticar novos crimes.
21-Impunha-se ao Tribunal “A Quo” que formulasse um juízo sobre o futuro do Recluso em liberdade; e para formulação desse juízo, estabelece a lei, artigo 61°, n° 2, alínea a) do C Penal, um conjunto de elementos a ser observados pelo Tribunal: 1) as circunstâncias do caso. 2) a vida anterior do agente, a 3) sua personalidade e 4) a evolução desta durante a execução da pena de prisão. Assim, só, partindo da análise desses elementos é que é possível concluir que uma vez em liberdade, o recluso conduzirá a sua de modo socialmente responsável sem cometer crimes.
22-Analisada a fundamentação de direito contida no ponto “2) De Direito”, sempre se dirá que o texto da decisão recorrida que sustentou a não concessão da Liberdade Condicional no marco dos 2/3 da pena, está ferida de nulidade, por se subsumir à previsão das alíneas a) e c) do n.°1 do artigo 379.° e das alíneas do n.°2 do artigo 410.° do C.P.P.
23-Nos termos do disposto no artigo 61°, n° 2, alínea a), e n° 3, do Código Penal, o tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo seis meses se for fundadamente de esperar, atentas: 1) as circunstâncias do caso. 2) a vida anterior do agente, a 3) sua personalidade e 4) a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.
24-Analisada atentamente toda a factualidade patente na biografia do Recluso/Recorrente, impõe-se concluir que o conjunto de elementos, como seja: 1) as circunstâncias do caso. 2) a vida anterior do agente, a 3) sua personalidade e 4) a evolução desta durante a execução da pena de prisão, é possível concluir que uma vez em liberdade, o recluso conduzirá a sua de modo socialmente responsável sem cometer crimes. Pois que a sua vida desde a prática do crime de roubo agravado, datado de ...0...-2002, tem sido altamente positiva e estimulante; nunca mais cometeu crimes e já lá vão, portanto 22 anos; entretanto estabeleceu-se em ..., desde de ..., onde permaneceu até ser preso em ...-...-2023 e onde constitui família que sempre foi sustentada pelo Recluso , e como refere O ponto 8 dos factos provados: “Em ..., o recluso refere que era empresário no ramo comercial de automóveis e eventos, referindo ter um passado naquele país de integração laborai de forma regular e formal, pretendendo gerir o negócio à distância desde ... enquanto permanecer no território nacional.”.
Desta forma, e tendo em atenção tudo o que vem exposto e considerando que a efetiva imagem global do Recorrente retratada a partir do acervo fáctico apurado é amplamente positiva e, por isso, permite suportar o estatuído juízo de prognose favorável, assim impondo o dever de determinar a libertação condicional do Recorrente, o tribunal a quo ao decidir como decidiu violou flagrantemente o estatuído no artigo 61.°, n.°2, alíneas a) do Código Penal, devendo tal decisão ser revogada e substituída por outra que lhe conceda a liberdade condicional, como expressamente se requer e é da mais elementar Justiça!
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Admitido o recurso no tribunal recorrido o Ministério Público apresentou a sua resposta extraindo da mesma as conclusões que a seguir se transcrevem:
a)A decisão recorrida, apreciando a liberdade condicional com referência ao marco dos dois terços do cumprimento da pena, concluiu no sentido de um ajuizamento de prognose desfavorável sobre o comportamento futuro do ora recorrente (prevenção especial positiva ou de ressocialização) tendo, para o efeito, o Mm.° Juiz que a prolatou ponderado, de forma concreta, as circunstâncias fácticas que se lhe depararam.
b) O Tribunal a quo baseou-se em elementos fácticos/probatórios para decidir pela não concessão da liberdade condicional, sendo que a sua convicção se mostra motivada, alicerçando-se em razões objetivas, impregnadas de lógica e racionalidade e destituídas de quaisquer presunções.
c)O processo de formação da sua convicção está nitidamente apontado na sentença, baseando-se, fundamentalmente, quanto à inexistência de um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do recluso, na incerteza de que este vai, em liberdade, comportar-se fiel ao direito, já que subsistem a nível pessoal necessidades de reinserção social relacionadas com apreciações mais egocêntricas acerca da causalidade e consequência dos seus comportamentos criminais, que potenciam a legitimação dos mesmos, remetendo, caso não se alterem, para a probabilidade de reincidência criminal. Donde considerar que não se mostra concluído o trabalho a efetuar em ambiente prisional havendo que assegurar que o recluso melhore a sua capacidade crítica sobre a gravidade das suas ações e o dano e impacto para as vítimas prováveis e para a sociedade em geral.
d)O recorrente pretende fazer valer a sua própria apreciação da prova, desprezando, nitidamente, o princípio da livre apreciação da prova, que tem consagração expressa no artigo 127.° do Código de Processo Penal.
e) Não se descortina qualquer violação do disposto no artigo 61.°, n.°2, alínea a) do Código Penal, ou de qualquer outro preceito legal, já que não se verificam ainda as necessárias condições excecionais suscetíveis de revelar patentemente a compatibilidade da medida com a aptidão do recluso a conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.
f) Assim, a sentença que denegou a liberdade condicional é de manter, nos seus precisos termos, negando-se provimento ao presente recurso.
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Remetido o recurso a este Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora Geral-Adjunta emitiu parecer em que com maior relevo refere o que a seguir se transcreve:
Subscrevemos na íntegra a posição do Ministério Público em 1ª. Instância.
Em seu reforço, e focados nos argumentos expressos pelo recorrente no que tange à valoração de prova proibida, designadamente, de condenações averbadas no CRC cuja vigência já deveria ter cessado em observância do disposto no artº. 11º da Lei 37/2015 de 5-5, sempre se dirá:
Concorda-se com o recorrente quando realça os argumentos conducentes ao entendimento de que, caso as condenações averbadas no CRC já devessem ter sido canceladas nos termos previstos nessa norma, as mesmas não podem ser valoradas na decisão sob recurso, por constituírem prova proibida.
Analisada a sentença sob recurso verifica-se, contudo que, embora tenham sido descritas no facto provado sob o nº. 3, não foram tomadas em consideração na motivação da decisão.
A pertinência dos argumentos expostos pelo recorrente, apenas releva assim quanto à exaração do facto provado sob o nº.3 impondo-se como tal apreciar se o mesmo deve ou não ser expurgado do elenco dos factos provados.
Dispõe o artº. 11º da Lei 37/2015 de 5-5:
1 - As decisões inscritas cessam a sua vigência no registo criminal nos seguintes prazos:
a) Decisões que tenham aplicado pena de prisão ou medida de segurança, com ressalva dos prazos de cancelamento previstos na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, decorridos 5, 7 ou 10 anos sobre a extinção da pena ou medida de segurança, se a sua duração tiver sido inferior a 5 anos, entre 5 e 8 anos ou superior a 8 anos, respetivamente, e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza;
b) Decisões que tenham aplicado pena de multa principal a pessoa singular, com ressalva dos prazos de cancelamento previstos na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, decorridos 5 anos sobre a extinção da pena e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza;
c) Decisões que tenham aplicado pena de multa a pessoa coletiva ou entidade equiparada, com ressalva dos prazos de cancelamento previstos na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, decorridos 5, 7 ou 10 anos sobre a extinção da pena, consoante a multa tenha sido fixada em menos de 600 dias, entre 600 e 900 dias ou em mais de 900 dias, respetivamente, e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza;
d) Decisões que tenham aplicado pena de dissolução a pessoa coletiva ou entidade equiparada, decorridos 10 anos sobre o trânsito em julgado;
e) Decisões que tenham aplicado pena substitutiva da pena principal, com ressalva daquelas que respeitem aos crimes previstos no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, decorridos 5 anos sobre a extinção da pena e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza;
f) Decisões de dispensa de pena ou que apliquem pena de admoestação, decorridos 5 anos sobre o trânsito em julgado ou sobre a execução, respetivamente;
g) Decisões que tenham aplicado pena acessória, após o decurso do prazo para esta fixado na respetiva sentença condenatória ou, tratando-se de pena acessória sem prazo, após a decisão de reabilitação.
2 - Quando a decisão tenha aplicado pena principal e pena acessória, os prazos previstos no número anterior contam-se a partir da extinção da pena de maior duração.
3 - Tratando-se de decisões que tenham aplicado pena de prisão suspensa na sua execução os prazos previstos na alínea e) do n.º 1 contam-se, uma vez ocorrida a respetiva extinção, do termo do período da suspensão.
4 - Cessam também a sua vigência no registo criminal:
a) As decisões que sejam consequência, complemento ou execução de decisões cuja vigência haja cessado nos termos do n.º 1;
b) As decisões respeitantes a pessoa singular, após o seu falecimento;
c) As decisões respeitantes a pessoa coletiva ou entidade equiparada, após a sua extinção, exceto quando esta tenha resultado de fusão ou cisão, caso em que as decisões passam a integrar o registo criminal das pessoas coletivas ou equiparadas que tiverem resultado da cisão ou em que a fusão se tiver efetivado;
d) As decisões consideradas sem efeito por disposição legal.
5 - A cessação da vigência das decisões não aproveita ao condenado quanto às perdas definitivas que lhe resultarem da condenação, não prejudica os direitos que desta advierem para o ofendido ou para terceiros nem sana, por si só, a nulidade dos atos praticados pelo condenado durante a incapacidade.
6 - As decisões cuja vigência haja cessado são mantidas em ficheiro informático próprio durante um período máximo de 3 anos, o qual apenas pode ser acedido pelos serviços de identificação criminal para efeito de reposição de registo indevidamente cancelado ou retirado, e findo aquele prazo máximo são canceladas de forma irrevogável.
Analisado o CRC do recluso emitido em ...-...-2025, verifica-se que no mesmo estão averbadas as condenações e penas proferidas nos seguintes processos:
- 1281/02.0... (um crime de detenção ilegal de arma, com condenação em pena de multa transitada em julgado em ...-...-2017, pena extinta em ...-...-2017)
- 370/02. 6 PI AMD (um crime de roubo, com condenação em pena de 3 anos e 4 meses de prisão efetiva transitada em julgado em ...-...-2021, pena que cumpre atualmente)
- 291/01.0... (um crime de roubo, com condenação em pena de 3 anos de prisão suspensa por 4 anos transitada em julgado em ...-...-2015, pena extinta em ...-...-2019)
- 47/01.0... (um crime de condução sem habilitação legal, um crime de uso de documento de identificação ou de viagem alheio e um crime de falsificação ou contrafação de documento, com condenação em pena de multa transitada em julgado em ...-...-2017, pena extinta em ...-...-2021
- 35/03. 1 PIAMD (um crime de condução sem habilitação legal e um de resistência e coação sobre funcionário com condenação em 1 ano e 5 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período, transitada em julgado em ...-...-2017, extinta em ...-...-2019).
Revertendo aos prazos previstos no artº. 11º da Lei 37/2015 , cremos ser manifesto impor concluir-se que sobre a data de extinção de cada uma das penas já extinta, não chegou a decorrer o prazo de 5 anos para a declaração da cessação da sua vigência sem que tenha ocorrido nova condenação, aqui se seguindo a interpretação jurisprudencial expressa no Acórdão da Relação do Porto de ...-...-2022(-processo 107/12.1...-AV.P1) ao referir:
(…) Ora o art.11ºda citada lei ao impor como condição de cancelamento do CRC que entretanto não tenha ocorrido nova condenação por crime da mesma natureza e não exigindo que não tenha ocorrido a prática de novo crime abrange na sua previsão a efetivação de cúmulo jurídico das penas parcelares que transforma a condenação em pena única, pois apenas esta pena pode vir a ser declarada cumprida ou extinta e não qualquer uma das penas parcelares, e é a partir da data desse cumprimento da pena que se conta o prazo de 5, 7 ou 10 anos para o cancelamento do registo criminal.(…)
Assim considerando, de concluir é pela improcedência dos argumentos neste tocante aduzidos pelo recorrente, devendo assim manter-se nos seus precisos termos o facto dado como provado sob o nº. 3 da sentença.
O tipo e circunstâncias de cometimento do crime cometido pelo recluso, constituem elementos que por si só denotam a existência de acrescidas exigências de prevenção especial a acautelar.
Revelando o recluso retrocesso na evolução que apresentava no seu percurso prisional, somos do parecer dever concluir-se não estarem reunidos os requisitos materiais de concessão de liberdade condicional e, como na sentença sob recurso, que não é viável formular o desejado juízo de prognose indiciador de que, se colocado em liberdade, se reintegrará na sociedade pautando a sua vida em sintonia com o direito.
Em consonância com todo o exposto e em concordância com a resposta a recurso apresentada em 1ª. Instância pelo M.ºP.º emitimos parecer no sentido da manutenção da sentença , pugnando pela improcedência do recurso.
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Cumprido o artigo 417.º n.º 2 do Código Processo Penal veio o recorrente exercer o contraditório concluindo com relevo o que a seguir se transcreve:
Assim, e analisada atentamente toda a factualidade patente na biografia do Recluso/Recorrente, impõe-se concluir que do conjunto de elementos, ao abrigo do artigo 61°, n° 2, alínea a), e n° 3, do Código Penal, como sejam: 1) as circunstâncias do caso. 2) a vida anterior do agente, a 3) sua personalidade e 4) a evolução desta durante a execução da pena de prisão, é possível concluir que uma vez em liberdade, o recluso conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável sem cometer crimes. Pois que a sua vida desde a prática do último crime, datado de ..., tem sido altamente positiva e estimulante; nunca mais cometeu crimes e já lá vão, portanto, mais 22 anos; entretanto estabeleceu- se em ..., desde de setembro desde 2003, onde permaneceu até ser preso em 17-03-2023 e onde constitui família que sempre foi sustentada pelo Recluso, e como refere o ponto 8 dos factos provados: “Em Inglaterra, o recluso refere que era empresário no ramo comercial de automóveis e eventos, referindo ter um passado naquele país de integração laborai de forma regular e formal, pretendendo gerir o negócio à distância desde Portugal enquanto permanecer no território nacional.”.
Donde o Tribunal invoca como único fundamento para sustentar a decisão de não concessão da Liberdade Condicional no marco de 2/3 da pena, a existência de “duas infrações disciplinares averbadas na sua ficha biográfica, a última das quais recente e grave, punida com medida disciplinar de internamento em cela disciplinar, que determinou a sua saída do RAI
É, pois, ilegal, injusto, incongruente que se decida desta forma, utilizando apenas a infração disciplinar grave - 4 dias de internamento em cela disciplinar - para servir de fundamento único e bastante para concluir que o juízo de prognose sobre o comportamento futuro do condenado é desfavorável, no sentido de que após colocado em situação de liberdade, não é garantido que conduza a sua vida de acordo com o direito, sem voltar a praticar novos crimes.
Desta forma, e tendo em atenção tudo o que vem exposto e considerando que a efetiva imagem global do Recorrente retratada a partir do acervo fáctico apurado é amplamente positiva e, por isso, permite suportar o estatuído juízo de prognose favorável, assim impondo o dever de determinar a libertação condicional do Recorrente, o tribunal a quo ao decidir como decidiu violou flagrantemente o estatuído no artigo 61.°, n.°2, alíneas a) do Código Penal, devendo tal decisão ser revogada e substituída por outra que lhe conceda a liberdade condicional, como expressamente se requer e é da mais elementar Justiça!
Neste segundo momento, impõe-se analisar a argumentação do parecer “sub judice”, que nega a alegação do ora Recorrente/Recluso de que: “dos 5 crimes inscritos no respetivo Boletim do ora Recorrente, 3 deles são inscrições que, muito embora estejam nele averbadas, já estão, à data de ...-...-2025, abrangidas pelas alíneas a) e b) do n.°1 do artigo 11.° da Lei 37/2015, de 5 de maio, ou seja, são inscrições que legalmente estão canceladas com carácter definitivo, não podendo, pois, vir inscritas no respetivo Boletim.”.
Ora, sobre a análise que o parecer “sub judice” efetuou, temos a esclarecer que defendemos, claramente, uma posição diametralmente oposta, sendo que as alegações exibidas no recurso, ora interposto, se mantêm integralmente; examinemos, no entanto, novamente a defesa, então, produzida, assim:
O Boletim de Registo Criminal datado de ...-...-2025, que foi utilizado como uma das ferramentas para sustentar a não concessão da liberdade Condicional a 2/3 da pena, é constituído por 15 registos, 15 boletins, sendo que das 15 inscrições, são reduzidas a 5 inscrições, pois, há repetições várias; para além de que, dos 5 crimes inscritos no respetivo Boletim do ora Recorrente, 3 deles são inscrições que, muito embora estejam nele averbadas, já estão, à data de ...-...-2025, abrangidas pelas alíneas a) e b) do n.°1 do artigo 11.° da Lei 37/2015, de 5 de maio, ou seja, são inscrições que legalmente estão canceladas com carácter definitivo, não podendo, pois, vir inscritas no respetivo Boletim.
A atuação do Tribunal “A Quo” ao utilizar, indevidamente, informações sobre crimes constantes do Boletim de Registo Criminal datado de ...-...-2025 que já deveriam estar cancelados com carácter definitivo, nos termos das alíneas a) e b) do artigo 11.° da Lei 37/2015 de 5 de maio, Lei de Identificação Criminal, que consagra que decorrido o prazo de 5 anos sobre a data de extinção das penas, sem que o arguido volte a delinquir. tais inscrições no registo criminal cessam a sua vigência, mais propriamente, impõe-se o seu cancelamento no registo criminal e, se este não tiver sido efetivado, em conformidade com a lei, não podem tais registos ser considerados contra o arguido; que é caso dos autos, como cabalmente foi demonstrado: Tal atuação configura uma nulidade por “excesso de pronúncia”, que desde já se evoca.
*
Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
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Nada obsta ao conhecimento do mérito do recurso cumprindo, assim, apreciar e decidir.
2-FUNDAMENTAÇÃO:
2.1- DO OBJETO DO RECURSO:
É consabido, em face do preceituado nos artigos 402º, 403º e 412º nº1 todos do Código de Processo Penal, que o objeto e o limite de um recurso penal são definidos pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, devendo, assim, a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas –, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por serem obstativas da apreciação do seu mérito, nomeadamente, nulidades insanáveis que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase e previstas no Código de Processo Penal, vícios previstos nos artigos 379º e 410º nº2 ambos do referido diploma legal e mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito.1
Destarte e com a ressalva das questões adjetivas referidas são só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões, da respetiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar2.
A este respeito, e no mesmo sentido, ensina Germano Marques da Silva3, “Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objeto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões”.
Assim à luz do que o recorrente condenado invoca nas suas conclusões as questões a decidir são:
- se a decisão recorrida padece de nulidade por excesso e por omissão de pronúncia.
-se a decisão recorrida padece de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão e de erro notório na apreciação da prova.
-se no caso se impunha a prolação de decisão que concedesse ao condenado a liberdade condicional.
2.2-APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO:
Exara a decisão recorrida o que a seguir se transcreve na parte relevante para este recurso:
(…)
Identificação do recluso: AA.
Objeto do processo: apreciação da liberdade condicional (arts. 155.° n.°1 e 173.° e ss., todos do C.E.P.M.P.L.) em sede de renovação da instância (cfr. artigo 180.°, n.°1 do mesmo diploma legal).
Foram elaborados e juntos aos autos os relatórios previstos no art. 173.° n.° 1 als. a) e b) do CEPMPL.
O conselho técnico emitiu, por unanimidade, parecer desfavorável (com voto contra dos serviços do IRS) à concessão da liberdade condicional (art. 175.° do CEPMPL).
Ouvido o recluso este, entre outros esclarecimentos, deu o seu consentimento à concessão da liberdade condicional (art. 176.° do CEPMPL).
O M.P. emitiu parecer desfavorável (art. 177.° n.° 1 do CEPMPL).
*
II. Fundamentação:
1) De facto:
1.1. Factos mais relevantes:
Cumprimento da pena e antecedentes criminais:
1) Encontra-se a cumprir a pena de três anos e quatro meses de prisão, à ordem do processo n° 370/02.6..., Juiz 13, do Juízo Central Criminal de Lisboa, pela prática de um crime de roubo agravado, conforme acórdão proferido em ........2004, mas apenas transitado em julgado em ........2021, em que esteve em causa a entrada do recluso juntamente com outro arguido na residência da vítima, em ........2002, após o que empunhando o recluso uma metralhadora e o outro arguido uma arma de fogo tipo revólver, daí retiraram e fizeram seus objetos no valor global de 1.796,00€.
2)Iniciou cumprimento da pena em ........2023, com o meio da pena a operar em ........2024, os dois terços em ........2025 e termo em ........2026.
3)Tem outras condenações averbadas no seu registo criminal pela prática de crimes de detenção ilegal de arma, roubo, condução sem habilitação legal, uso de documento alheio, falsificação de documento e resistência e coação sobre funcionário.
4)Cumpre pena pela primeira vez.
5)Beneficiou de duas licenças de saída jurisdicionais (com revogação da última de quatro dias que lhe foi concedida, por ter desrespeitado as obrigações estabelecidas, o que determinou a sua saída de RAI).
6)Regista duas infrações disciplinares graves no EP, a última das quais datada ... e punida com internamento em cela disciplinar.
7)O recluso pretende fixar residência junto dos pais e mais tarde perspetiva regressar a ..., para integrar o agregado da família constituído pela companheira, a filha de ambos, com seis anos, e sua enteada, com 13 anos de idade.
8)Em ..., o recluso refere que era empresário no ramo comercial de automóveis e eventos, referindo ter um passado naquele país de integração laborai de forma regular e formal, pretendendo gerir o negócio à distância desde ... enquanto permanecer no território nacional.
9)Está em cumprimento de pena em regime comum desde quando foi retirado do RAI em .../.../2025.
10)Em relação à sua conduta criminógena, o recluso declara-se arrependido dizendo que a sua prática se deveu à sua imaturidade à data dos factos.
A convicção do tribunal no que respeita a matéria de facto resultou da decisão condenatória junta aos autos, da ficha biográfica e certificado de registo criminal do recluso, dos relatórios juntos aos autos, elaborados pelos serviços prisionais e pela reinserção social, dos esclarecimentos prestados em conselho técnico e das declarações do recluso.
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2) De Direito:
A liberdade condicional traduz-se numa fase de transição entre a reclusão e a liberdade, correspondendo, desejavelmente, à última fase de execução da pena. A finalidade subjacente à sua existência prende-se com a necessidade de ressocialização do recluso (cfr. artigo 42.°, n.°1 do Código Penal) e ocorre num momento do seu percurso penitencial em que se justifica, mediante a verificação dos respetivos pressupostos formais e materiais, o fim da reclusão em estabelecimento prisional.
Assim, a liberdade condicional tem como objetivo “criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão” (in O Código Penal, de Leal-Henriques e Simas Santos, Vol. I, págs. 336 e 337).
Pelo exposto, o legislador concebeu este instituto jurídico não como uma recompensa por boa conduta prisional, mas sim como um auxílio e incentivo ao condenado que lhe permita uma adaptação gradual à nova realidade e a consequente adequação da sua conduta aos padrões sociais vigentes (vd. nomeadamente o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 21/02/2018, proc.0 300/11.4TXCBR-J.C1, Rei. Vasques Osório).
A liberdade condicional requer um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do recluso em liberdade, sendo esse juízo efetuado com base nos seguintes pressupostos cumulativos.
- Pressupostos de natureza formal:
i)O consentimento do condenado (cfr. artigo 61.°, n.°1 do Código Penal);
ii) O cumprimento metade da pena com o mínimo absoluto de seis meses;
iii) O cumprimento de 1/2, 2/3 ou 5/6 da pena de prisão ou da soma das penas de prisão que se encontram a ser executadas;
- Pressupostos de natureza material:
i)O juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do condenado quando colocado em liberdade, fazendo-se apelo às perspetivas de ressocialização e consciencialização para a não reincidência sob o prisma da prevenção especial de acordo com as circunstâncias do caso em concreto, nomeadamente os antecedentes, percurso evolutivo durante a execução da pena em contexto prisional e a personalidade (cfr. artigo 61.°, n.° 2, al. a) do Código Penal);
ii)O juízo de prognose favorável sobre o reflexo da libertação do condenado na sociedade (prevenção geral positiva), dito de outro modo, sobre o seu impacto nas exigências de ordem e paz social (cfr. artigo 61.°, n.° 2, al. b) do Código Penal), sendo este pressuposto apenas aplicável na apreciação da concessão da liberdade condicional a meio da pena (cfr. artigo 61.°, n.°3 do Código Penal a contrario sensu).
Cumpre ainda referir que, nos casos em que a pena de prisão seja superior a seis anos, o condenado é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena (cfr. artigo 61.°, n.°4 do Código Penal).
A liberdade condicional tem uma duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, até ao máximo de cinco anos, considerando-se então extinto o excedente da pena (cfr. artigo 61.°, n.°5 do Código Penal).
Feito o devido enquadramento, volvendo ao caso em apreço verifica-se que os requisitos formais estão preenchidos, porquanto o recluso está preso há mais de seis meses e já superou o marco do meio da pena, mais tendo declarado que consente na concessão da liberdade condicional.
Por sua vez, na aferição dos pressupostos materiais, não é possível ao tribunal formular um juízo de prognose favorável no sentido de que o condenado irá, de futuro, após colocado em situação de liberdade, nortear a sua vida de acordo com o direito, sem voltar a praticar novos crimes.
Vejamos.
Conforme bem propugna o Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão de 02/07/2024, proc. 91/20.0TXPRT-L.L1-5, Rel. Sandra Oliveira Pinto, “O pressuposto dito substancial ou material, previsto na alínea a) do n° 2 do artigo 61° do Código Penal, aplicável por remissão do n° 3 do mesmo preceito legal, assegura uma finalidade de prevenção especial, de socialização. A concessão da liberdade condicional, neste caso, depende, assim, no essencial, da formulação de um juízo de prognose favorável especial-preventivamente orientado, assente na ponderação de razões de prevenção especial”.
O tribunal mantém fundadas reservas na assimilação, por parte do recluso, da sua capacidade de adequação ao direito, denotando o recluso fraco sentido crítico e manifestando propensão para incumprir com as regras estabelecidas, fator que potência e propicia a reincidência criminal.
Com efeito, tem duas infrações disciplinares averbadas na sua ficha biográfica, a última das quais recente e grave, punida com medida disciplinar de internamento em cela disciplinar, que determinou a sua saída do RAI, evidenciando o recluso dificuldade em manter comportamento normativo de acordo com as regras instituídas e incapacidade de estar à altura do voto de confiança que lhe foi concedido aquando da concessão da licença de saída jurisdicional (a qual veio a ser revogada).
É notório que o recluso desaproveitou a medida de flexibilização da pena que lhe havia sido concedida, tendo-lhe sido revogada a licença de saída jurisdicional de quatro dias, demonstrando impreparação para a reintegração antecipada em meio livre.
A adoção de medidas de flexibilização da pena e a gradual demonstração por parte do condenado de que assimilação o desvalor da sua conduta, com provas dadas no que tange à capacidade para nortear a sua vida no exterior de acordo com o direito, constitui um elemento determinante para a concessão da liberdade condicional.
Os reclusos devem trilhar um caminho lógico e sequencial no decurso da pena, ultrapassando etapas sucessivas através do cumprimento das regras instituídas e demonstrando a sua evolução, quer em relação à consciência do mal inerente à conduta anterior que conduziu à reclusão, quer na constatação fática de que são capazes de se reintegrar na sociedade sem o cometimento de novos crimes ou recaídas em cenários de toxicodependência que possam levar igualmente à reincidência criminal.
Em concreto, a circunstância de o recluso não ter cumprido satisfatoriamente as aludidas etapas de flexibilização do cumprimento da pena afigura-se como um óbice fundamental para a construção de um juízo de prognose favorável.
Veja-se a este propósito o recentíssimo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11/03/2025, proc. 869/16.7TXLSB-H. L1-5, Rel. João Grilo Amaral, que cabalmente nos elucida nos seguintes termos:
“I. A dimensão humana apenas se revela verdadeiramente quando não sente constrangimentos, como é o caso do contexto prisional, e só fora do mesmo é possível aquilatar de forma segura se existe um quadro evolucional em termos comportamentais que demonstrem a assunção pelo recluso, com carácter permanente, de uma personalidade que em contexto semelhante ao da prática dos factos pelos quais foi condenado, se irá comportar de forma socialmente responsável e não voltar a delinquir.
II. Na verdade, não basta para a concessão da liberdade condicional que o condenado tenha em reclusão bom comportamento e que aparente uma perspectiva de vida de acordo com as regras sociais, para se poder concluir pelo necessário juízo de prognose favorável.
III. As licenças de saída e o cumprimento de pena em regimes abertos constituem etapas indispensáveis para que o recluso possa ser testado através de contactos e solicitações vindas do exterior, o que no caso assume particular relevância, considerando a personalidade evidenciada pelo recluso, decorrente da prática dos factos pelos quais foi condenado. ”
Assim, em síntese, não é viável formular o desejado juízo de prognose indiciador de que, se colocado em liberdade, se reintegrará na sociedade pautando a sua vida em sintonia com o direito.
Por isso, creio ser de acompanhar o entendimento unânime do conselho técnico e o douto parecer do M.P., no sentido de que não estão reunidas condições para que seja concedida ao condenado a liberdade condicional.
III. DECISÃO
Em face do exposto, cumpre decidir:
1-Não concedo a liberdade condicional a AA.
(…)
Aqui chegados impõe-se proceder à concreta apreciação da pretensão do recorrente, o que se fará pela ordem de prevalência processual das questões suscitadas, e recordando que o mesmo se insurge relativamente à decisão recorrida por entender que a mesma padece de nulidade por excesso e por omissão de pronúncia nos termos previstos no artigo 379º nº1 al. c) do Código de Processo Penal que prevê: «É nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.»
É consabido que o excesso de pronúncia ocorre quando o Tribunal se pronuncia sobre questões não suscitadas pelos sujeitos processuais, questões que não integram o objeto do processo e que não sejam, naturalmente, de conhecimento oficioso.
Por sua vez, a omissão de pronúncia consubstancia uma ausência de posição ou decisão do Tribunal relativamente a questões que a lei imponha que o juiz tome posição expressa ou que oficiosamente deva apreciar.
No caso vertente o recorrente reporta o vício do excesso de pronúncia à circunstância da decisão recorrida indicar antecedentes criminais que, à luz do artigo 11º da Lei nº37/2015 de 15 de maio, já não poderiam ser considerados e a omissão de pronúncia à circunstância da mesma decisão não indicar adequadamente as saídas jurisdicionais.
Os vícios invocados são vícios próprios de uma sentença e apesar da decisão recorrida, assim estar identificada na verdade não assume tal qualidade ou natureza.
De facto, resulta do artigo 97º nº1 al. a) do Código de Processo Penal que: Os actos decisórios dos juízes tomam a forma de sentenças quando conhecerem a final do objeto do processo.
O artigo 177º do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade utiliza a expressão decisão de juiz para se referir à decisão que conceda ou denegue a liberdade condicional, expressão que não se confunde com sentença, porquanto não só um despacho é também uma decisão de juiz como basta atentar na construção legal do incidente em causa para facilmente se concluir que tal expressão visa identificar a reserva de juiz, ou seja, que a decisão cabe a juiz no final do incidente de execução da pena em que se traduz a apreciação da concessão ou recusa de liberdade condicional.
Com efeito, tal apreciação ocorre no decurso da execução de uma pena de prisão e o seu regime do ponto de vista substantivo é delimitado pelos artigos 61º a 64º do Código Penal e do ponto de vista processual pelos artigos 173º e seguintes do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade compreendendo uma fase técnico-administrativa e uma fase judicial.
A decisão não conhece a final da execução da pena e não é definitiva, posto que se for concedida fica sujeita a um período de prova e ao cumprimento de regras de conduta sempre com a possibilidade de ser revogada caso haja incumprimento com a consequente execução da parte remanesceste da pena de prisão e se recusada não impede a ulterior apreciação da situação do recluso como decorre do artigo 180º do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade.
Assim, a decisão recorrida é uma decisão judicial, mas não é uma sentença e nessa medida não lhe são assacáveis os vícios próprios da sentença previstos, designadamente, no artigo 379º nº1 al. c) do Código de Processo Penal, pelo que tal invocação não pode proceder.
Ademais sempre se dirá que a invocação do recorrente não integraria tais vícios reportando-se, antes, a uma impugnação dos factos contidos na decisão recorrida, mormente no que se refere aos descritos em 3, 5 e 6 que têm o seguinte teor:
3)Tem outras condenações averbadas no seu registo criminal pela prática de crimes de detenção ilegal de arma, roubo, condução sem habilitação legal, uso de documento alheio, falsificação de documento e resistência e coação sobre funcionário.
5)Beneficiou de duas licenças de saída jurisdicionais (com revogação da última de quatro dias que lhe foi concedida, por ter desrespeitado as obrigações estabelecidas, o que determinou a sua saída de RAI).
6) Regista duas infrações disciplinares graves no EP, a última das quais datada ... e punida com internamento em cela disciplinar.
Com efeito o recorrente insurge-se, desde logo e como evidenciam as conclusões do seu recurso, quer relativamente a condenações que já não deveriam constar do CRC em face da interpretação que faz ao artigo 11º da Lei nº37/2015 de 5 de maio quer relativamente à ausência de descrição da extinção ou prescrição de penas na matéria de facto provada quer, ainda, relativamente à não descrição adequada naquela das licenças de saídas jurisdicionais ou do registo disciplinar.
Tem sido entendimento quase unânime da Jurisprudência dos Tribunais da Relação que atento o teor do artigo 179º nº1 do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade a impugnação da matéria de facto apenas pode ter lugar no caso dos vícios previstos no artigo 410º nº2 do Código de Processo Penal que são, aliás, de conhecimento oficioso4. Não obstante o recorrente invocou os vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e o erro notório na apreciação da prova.
No que respeita ao vício traduzido na insuficiência para a decisão da matéria de facto provada a que se reporta a al. a) do nº2 do artigo 410º este verifica-se não só quando a matéria de facto provada seja exígua e, por isso, inidónea a fundamentar a decisão de direito, mas também quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para tal decisão5.
Como se exara no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça6 «A insuficiência da matéria de facto para a decisão (art. 410.º, n.º 2, al. a), do CPP), implica a falta de factos provados que autorizam a ilação jurídica tirada; é uma lacuna de factos que se revela internamente, só a expensas da própria sentença, sempre no cotejo com a decisão, mas não se confunde com a eventual falta de provas para que se pudessem dar por provados os factos que se consideraram provados».
No que respeita ao vício indicado na al. c) do nº2 do artigo 410º do Código de Processo Penal: o erro notório na apreciação da prova: este ocorre quando o homem médio em face do teor da decisão em si mesma ou conjugada com o senso comum facilmente se apercebe que o decisor levou a cabo em tal decisão uma apreciação desadequada, incorreta sustentada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios.
Tal vício, também, se manifesta quando se infringem as regras da experiência, da prova vinculada ou das leges artis ou quando sem qualquer fundamento se diverge do juízo pericial.
É, naturalmente, um vício patente na decisão aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente7.
Em ambas as situações são vícios cujo conhecimento assenta no texto da decisão recorrida por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum e, assim, sem rogativa a documentos constantes dos autos como pretende o recorrente neste caso no seu exercício impugnativo.
Ora, lida a decisão recorrida não se deteta na mesma a existência dos invocados vícios pelo que improcede neste segmento o recurso.
Insurge-se, por último, o recorrente relativamente à decisão recorrida por considerar que no caso se impunha a prolação de decisão que lhe concedesse a liberdade condicional.
Ora vejamos:
O regime do instituto da liberdade condicional tem previsão nos artigos 61º a 64º do Código Penal e decorre do artigo 61º do referido diploma que a mesma reveste duas modalidades: a facultativa e a obrigatória.
Maia Gonçalves8 refere que “a facultativa depende de requisitos formais e de requisitos de fundo e a sua aplicação está regulada nos nºs 1, 2 e 3. Verificados os requisitos formais e de fundo, é poder-dever do tribunal colocar o condenado em liberdade condicional, sendo então também de certo modo obrigatória. A liberdade condicional obrigatória, para além do consentimento do condenado, depende tão só da verificação de requisitos formais, rectius, requisito enunciado no nº 4, onde a aplicação desta modalidade de liberdade condicional se encontra estabelecida”.
A concessão facultativa da liberdade condicional está dependente da ponderação sobre a adequação de tal medida às necessidades preventivas do caso concreto, sejam necessidades de prevenção especial (artigo 61º nº2 al. a) do CPP) sejam necessidades de prevenção geral (artigo 61º nº2 al. b) do CPP), ponderação essa cujos contornos variam consoante o momento da execução da pena em que é apreciada: tendo lugar ao meio da pena poderá ser concedida quando for adequada à satisfação das necessidades de prevenção especial e geral e tendo lugar cumpridos os dois terços da pena, deverá ser concedida quando for adequada às necessidades de prevenção especial, ainda, que possa não ser em absoluto adequada às necessidades de prevenção geral.
Visando-se com a liberdade condicional atingir uma adequada reintegração social, está, também, em causa a satisfação do preceituado no artigo 40º nº1 do Código Penal, onde se prevê que “a aplicação de penas (...) visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” bem como o artigo 42º nº1 do mesmo diploma legal que estabelece que “a execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes".
No caso em apreço, a situação que se discute é a da liberdade condicional facultativa numa situação em que o recorrente e condenado já atingiu os dois terços da pena. Assim, o que se impõe apreciar e decidir é se a concessão da liberdade condicional requerida pelo recorrente é adequada à realização das necessidades de prevenção especial.
Trata-se, pois, de situação em que a liberdade condicional deve ser concedida apenas e só quando se considerar que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, não sendo prognosticável o risco de reiteração objetiva na prática de condutas criminalmente relevantes.
Como refere Figueiredo Dias9deve exigir-se uma certa medida de probabilidade de, no caso da libertação imediata do con­denado, este conduzir a sua vida em liberdade de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, essa medida deve ser a suficiente para emprestar fundamento razoável à expectativa de que o risco da libertação já possa ser comunitariamente suportado.
Tal como decorre do artigo 61º nº2 al. a) do Código Penal a liberdade condicional a que nos reportamos neste caso apenas poderá ocorrer se “For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes”.
No que tange às circunstâncias do caso, a sua apreciação envolve a valoração concreta dos crimes cometidos e pelos quais operou afinal a condenação na pena (ou penas) de prisão em execução, o que deve fazer–se mediante a apreciação quer da natureza dos ditos crimes e das realidades normativas que deram azo a efetiva determinação concreta da pena – assim se atendendo ao grau de ilicitude do facto, ao concreto modo de execução deste bem como a gravidade das suas consequências e ao grau de violação dos deveres impostos ao agente ponderando, também, a intensidade do dolo ou da negligência considerada, os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram, as condições pessoais do agente e a sua situação sócio–económica, a conduta anterior ao facto e na posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime e, ainda, a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta foi censurada através da aplicação da pena.
No que se reporta à vida anterior e personalidade do condenado a apreciação pressupõe a valoração concreta do passado criminal do condenado, traduzido nos existentes antecedentes criminais, elemento este que se pode revelar com fortemente indiciador de uma personalidade desconforme ao direito e, como tal, não merecedora da liberdade condicional, tudo com o propósito de aferir e compreender se o percurso criminoso do condenado se gerou em circunstâncias que o mesmo não controlou, ou não controlou inteiramente (a chamada culpa pela condução de vida).
No que tange à evolução da personalidade do condenado durante a execução da pena de prisão apela–se a uma valoração concreta, não só dos comportamentos assumidos institucionalmente pelo condenado no seio prisional (a vulgar esfera interna psíquica do condenado), mas essencialmente por via dos padrões comportamentais firmados de modo duradouro e que, desconsiderando aquele contexto de reclusão, indiciem um concreto e adequado processo evolutivo de preparação para a vida em meio livre.
Neste caso importa salientar que:
Na fase de instrução foram elaborados pela equipa técnica de tratamento prisional e reinserção social relatórios versando os aspetos enunciados no artigo 173º, n.°1 alíneas a) e b) do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade.
Foram colhidos os esclarecimentos no Conselho Técnico, o qual emitiu por unanimidade parecer desfavorável à concessão da liberdade condicional -artigo 175º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade.
O recorrente condenado recluso prestou declarações e deu o seu consentimento expresso à aplicação da liberdade condicional - artigo 176º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade.
O Ministério Público emitiu parecer desfavorável à concessão da liberdade condicional. A pena teve o seu início em ........2023, o meio verificou-se .../.../2024, os dois terços em ... e o termo ocorrerá em .../.../2026.
Assim, e no que se reporta aos pressupostos formais da concessão da liberdade condicional podemos concluir pelo seu preenchimento.
A questão reside, pois, no requisito substancial que o tribunal recorrido entendeu não estar verificado e de cujo entendimento o recorrente diverge.
Se atentarmos na decisão recorrida o que aí se refere é que:
O tribunal mantém fundadas reservas na assimilação, por parte do recluso, da sua capacidade de adequação ao direito, denotando o recluso fraco sentido crítico e manifestando propensão para incumprir com as regras estabelecidas, fator que potência e propicia a reincidência criminal.
Com efeito, tem duas infrações disciplinares averbadas na sua ficha biográfica, a última das quais recente e grave, punida com medida disciplinar de internamento em cela disciplinar, que determinou a sua saída do RAI, evidenciando o recluso dificuldade em manter comportamento normativo de acordo com as regras instituídas e incapacidade de estar à altura do voto de confiança que lhe foi concedido aquando da concessão da licença de saída jurisdicional (a qual veio a ser revogada).
É notório que o recluso desaproveitou a medida de flexibilização da pena que lhe havia sido concedida, tendo-lhe sido revogada a licença de saída jurisdicional de quatro dias, demonstrando impreparação para a reintegração antecipada em meio livre.
A adoção de medidas de flexibilização da pena e a gradual demonstração por parte do condenado de que assimilação o desvalor da sua conduta, com provas dadas no que tange à capacidade para nortear a sua vida no exterior de acordo com o direito, constitui um elemento determinante para a concessão da liberdade condicional.
Os reclusos devem trilhar um caminho lógico e sequencial no decurso da pena, ultrapassando etapas sucessivas através do cumprimento das regras instituídas e demonstrando a sua evolução, quer em relação à consciência do mal inerente à conduta anterior que conduziu à reclusão, quer na constatação fática de que são capazes de se reintegrar na sociedade sem o cometimento de novos crimes ou recaídas em cenários de toxicodependência que possam levar igualmente à reincidência criminal.
Em concreto, a circunstância de o recluso não ter cumprido satisfatoriamente as aludidas etapas de flexibilização do cumprimento da pena afigura-se como um óbice fundamental para a construção de um juízo de prognose favorável.
Veja-se a este propósito o recentíssimo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11/03/2025, proc. 869/16.7TXLSB-H.L1-5, Rel. João Grilo Amaral, que cabalmente nos elucida nos seguintes termos:
“I. A dimensão humana apenas se revela verdadeiramente quando não sente constrangimentos, como é o caso do contexto prisional, e só fora do mesmo é possível aquilatar de forma segura se existe um quadro evolucional em termos comportamentais que demonstrem a assunção pelo recluso, com carácter permanente, de uma personalidade que em contexto semelhante ao da prática dos factos pelos quais foi condenado, se irá comportar de forma socialmente responsável e não voltar a delinquir.
II. Na verdade, não basta para a concessão da liberdade condicional que o condenado tenha em reclusão bom comportamento e que aparente uma perspectiva de vida de acordo com as regras sociais, para se poder concluir pelo necessário juízo de prognose favorável.
III. As licenças de saída e o cumprimento de pena em regimes abertos constituem etapas indispensáveis para que o recluso possa ser testado através de contactos e solicitações vindas do exterior, o que no caso assume particular relevância, considerando a personalidade evidenciada pelo recluso, decorrente da prática dos factos pelos quais foi condenado. ”
Assim, em síntese, não é viável formular o desejado juízo de prognose indiciador de que, se colocado em liberdade, se reintegrará na sociedade pautando a sua vida em sintonia com o direito.
Por isso, creio ser de acompanhar o entendimento unânime do conselho técnico e o douto parecer do M.P., no sentido de que não estão reunidas condições para que seja concedida ao condenado a liberdade condicional.
Ora, pese embora, a argumentação expendida pelo recorrente entende-se que a sua pretensão não pode proceder, em face da expressividade das razões aduzidas na decisão recorrida no que às exigências de prevenção especial respeita, sendo este o fator determinante para a concessão da liberdade condicional como já afirmámos.
Com efeito, avulta desde logo o fraco sentido crítico relativamente à prática dos factos que subjazem à condenação em pena de prisão efetiva que cumpre bem como às consequências desvaliosas que tal prática gerou para os lesados pelas mesmas, sendo a ausência de ressonância crítica um claro exacerbador das exigências de prevenção especial, posto que indício evidente que o comportamento ilícito já adotado anteriormente pode ser facilmente reiterado.
A tal ausência de ressonância crítica acresce um percurso prisional involutivo pois o recorrente não cumpriu satisfatoriamente as aludidas etapas de flexibilização do cumprimento da pena.
Os fatores de risco na vertente da prevenção especial foram adequadamente ponderados na decisão recorrida.
Com efeito, considera-se como o fez a decisão recorrida que no caso concreto os vetores a ponderar nos termos legalmente previstos exacerbam as exigências de prevenção especial, sem que se revelem de forma suficiente sinais seguros de uma evolução pessoal durante a execução da pena de prisão que se sobreponham àqueles vetores e que possam justificar a concessão de liberdade condicional.
Estamos inteiramente de acordo com o entendimento pugnado pelo tribunal recorrido no sentido de que o recorrente condenado carece de evolução e consolidação quanto ao seu processo de readaptação social, pelo que a decisão recorrida considerou fundadamente subsistirem exigências de prevenção especial que impedem a formulação de um juízo de prognose favorável quanto à conduta futura do condenado recorrente, o que impede a concessão da liberdade condicional.
Há que concluir, pois, que não se mostra preenchido o requisito substancial da concessão da liberdade condicional, ao nível da alínea a) do nº 2 do artigo 61º do Código Penal.
A decisão recorrida decidiu com acerto e de acordo com os preceitos legais aplicáveis, não merecendo, por isso, qualquer censura impondo-se o não provimento do recurso.
3- DECISÓRIO:
Nestes termos e, em face do exposto, acordam os Juízes Desembargadores desta 3ª Secção em não conceder provimento ao recurso interposto por AA mantendo, consequentemente, na íntegra a decisão recorrida.
Custas da responsabilidade do arguido recorrente, fixando-se em 3 UC a taxa de justiça (art. 513º do Código de Processo Penal e 8º nº9 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa a este último).
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Nos termos do disposto no artigo 94º, nº 2, do Código do Processo Penal exara-se que o presente Acórdão foi pela 1ª signatária elaborado em processador de texto informático, tendo sido integralmente revisto pelos signatários e sendo as suas assinaturas bem como a data certificadas supra.
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Tribunal da Relação de Lisboa, 8 de outubro de 2025
Ana Rita Loja
Alfredo Costa
Mário Pedro M.A. Seixas Meireles
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1. vide Acórdão do Plenário das Secções do Supremo Tribunal de Justiça de 19/10/1995, D.R. I–A Série, de 28/12/1995.
2. – Artigos 403º, 412º e 417º do Código de Processo Penal e, entre outros, Acórdãos do S.T.J. de 29/01/2015 proferido no processo 91/14.7YFLSB.S1 e de 30/06/2016 proferido no processo 370/13.0PEVFX.L1. S1.
3. Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª edição, 2000, fls. 335
4. Vide entre outros Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 14/1/2015, proc. n.º 1855/10.6TXPRT-T.P1 e de 8/2/2017, proc. n.º 749/14.0TXPRT-E.P1, do Tribunal da Relação de Lisboa, 14/4/2016, proc. n.º 1 290/11.9TXLSB-L.L1-9, do Tribunal da Relação de Évora de 24/1/2023, proc. n.º 357/16.1TXEVR-J.E1, todos in www.dgsi.pt.
5. Neste sentido Manuel Simas Santos e Manuel Leal Henriques, em Recursos em Processo Penal, 9.ª ed., pág. 73 e ss.
6. de 6/10/2011 proferido no proc. 88/09.9PESNT.L1. S1 e relatado por Souto de Moura
7. vide Prof. Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, Vol. III, 2ª Ed., pág. 341.
8. Código Penal Português Anotado e Comentado”, 18ª ed., pág. 244
9. Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 539