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IMPUTABILIDADE DIMINUIDA
REGIME PENAL ESPECIAL PARA JOVENS
Sumário
Sumário: (da responsabilidade do Relator) I. "Imputabilidade sensivelmente diminuída" não é um conceito legal autónomo mas sim uma avaliação feita pelo tribunal, baseada numa perícia psiquiátrica, para determinar se um arguido possui uma capacidade alterada ou deficiente para avaliar a ilicitude do facto e/ou de se determinar de acordo com essa avaliação, sem que isso implique necessariamente a sua inimputabilidade ou uma atenuação obrigatória da pena. II. Esta apenas existirá se a capacidade que se mostra diminuída tiver uma relação directa com a acção de molde a se poder dizer que a acção não teria sido a mesma se a diminuição na capacidade não existisse. III. Quando o agente dos factos tem menos de 21 anos à data da comissão do crime deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artigos 73.° e 74.° [72.° e 73.°] do Código Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado. IV. Estas vantagens clamam a existência de “sérias razões” para se acreditar que elas existam não se bastando com generalidades comuns a todos os jovens.
Texto Integral
Acordam os juízes que compõem a 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I. Relatório
O arguido AA, filho de BB e de CC, natural do ..., nascido a ...-...-2003, solteiro, empregado de limpeza, residente na ..., actualmente recluso no ..., apresenta-se a recorrer perante este Tribunal da Relação do acórdão proferido pelo Tribunal da Comarca de Lisboa, Juízo Central Criminal de Almada - Juiz 1 – em e mediante o qual foi condenado como autor material de um crime de homicídio p. e p. pelo artº 131º do Código Penal na pena de 10 anos de prisão.
Para o efeito e após alegações formulou as seguintes conclusões recursais:
“I- (…)Dos Factos:
A. Factos dados como provados pelo Tribunal A quo: (…)
(transcrição)
4. Por motivos não concretamente apurados, o arguido apanhou DD por trás e agarrou-lhe os braços, arremessando-a contra o braço do sofá que ali existia, tendo a mesma embatido com a parte frontal do pescoço naquele local.
5. Aproveitando que DD se encontrava em tal posição, o arguido colocou-se em cima daquela e exerceu pressão no pescoço da mesma de forma contínua, comprimindo-o na zona da garganta, contra o braço do referido sofá.
6. Acto esse que resultou na asfixia mecânica por compressão extrínseca do pescoço de DD, que foi causa directa da sua morte, que ocorreu no próprio dia, entre as 07h20m e as 08h32m. (…)
9. O arguido agiu com o propósito, alcançado, de comprimir o pescoço de DD contra uma superfície de forma contínua, impedindo-a de respirar e, dessa forma, pretendeu tirar a vida da mesma, bem sabendo que se tratava da sua irmã e que os actos que praticou no corpo dela eram perfeitamente aptos a alcançar o resultado que visava, nomeadamente, que o facto de pressionar o pescoço de forma contínua, colocando-se em cima desta, nos sobreditos moldes, provocaria falta de oxigénio, que a levaria à morte.
10. O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente.
11. O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
12. À data dos factos, o arguido padecia de perturbação do espectro do autismo, sem perturbação do desenvolvimento intelectual e sem alteração da capacidade de linguagem funcional, que, no caso do arguido, se caracteriza pela persistência de défices em iniciar ou manter interacções sociais recíprocas, que se podem manifestar em dificuldades na comunicação interpessoal, nos componentes verbais e não verbais; dificuldades na cognição social, com ocorrência de comportamentos que não são modulados de forma adequada tendo em conta o contexto social; dificuldades em fazer e manter relacionamentos com os pares e em partilhar interesses; ou a défices empáticos, com dificuldades na capacidade de imaginar ou responder aos sentimentos, estados emocionais ou atitudes de outros.
13. No caso, o arguido era capaz de avaliar a ilicitude da sua conduta e de se determinar de acordo com essa avaliação, embora a sua capacidade de se autodeterminar apresentasse alguma limitação resultante da perturbação neuro desenvolvimento de que padecia, tal como resulta das características descritas no facto anterior.
II
-O Tribunal a quo assentou a formação da sua convicção
(transcrição)
nas declarações tomadas pelo arguido, nos depoimentos de testemunhas, mormente os prestados pelo militar da ..., EE e pela Inspetora da Polícia Judiciária, FF (Cfr. 3.º parágrafo, pág. 8 do douto acórdão), acolhendo ainda o teor da prova pericial - relatórios periciais de criminalística biológica constantes de fls. 327 a 332, de fls. 533 a 536, de fls. 693 a 696, de fls. 725 a 730; de fls. 1323 a 1330; de fls. 1407 a 1411; de fls. 1412 a 1416; e de fls. 1769 a 1772v.; Relatório preliminar da autópsia médico-legal junta a fls. 429 a 431v.; Relatório final da autópsia médico-legal constante de fls. 528 a 532v.; Relatório pericial ao telemóvel de DD, a vítima de fls. 645 a 674; Relatório final do serviço de química e toxicologia forenses de fls. 801; Relatório pericial de física de fls. 220 e de fls. 805 a 808; Relatório da perícia psiquiátrica forense de fls. 1418 a 1424, complementada pelo teor dos esclarecimentos prestado pelo Perito subscritor (Cfr. ata de audiência de julgamento de .../.../2025)), - conjugando-a com a prova documental junto aos autos.
III
Resulta da prova, com particular destaque para as declarações do próprio arguido, prestadas de forma coerente, espontânea e isenta de contradições relevantes que, em momento anterior aos factos, AA foi abordado por dois indivíduos do sexo masculino, que não conseguiu identificar, os quais lhe dirigiram exigências insistentes no sentido de os conduzir até DD, sua irmã.
IV
Parte do depoimento do arguido com interesse para a causa:
Com efeito, transcreve-se a tomada de declarações do arguido, na Audiência de Julgamento de ...-...-2015:
[00:00:01] AA: […] Antes de mais, eu gostaria de dizer que… pronto, não fui eu que matei a minha irmã, foi sim uns homens que estavam comigo. Disseram que iam lá à casa falar com ela para ela lhes pagar uma dívida que tinha de droga, mas não lhe iam fazer mal. E pronto, e nessa altura, pronto, eu sabia que a minha irmã, já me tinham avisado que a minha irmã devia dinheiro e eu acreditei, então, que fossem só lá mesmo buscar o dinheiro deles, das dívidas dela, que não lhe fossem fazer nada.
E acabaram por matá-la. Mas tinham-me garantido que não o iam fazer.
[00:01:09] Juiz Presidente: Olhe, o senhor sabia que a sua irmã vendia droga, era?
[00:01:14] AA: Sim, sabia.
[00:01:15] Juiz Presidente: Sabia. E conhecia esses senhores?
[00:01:18] AA: Não.
[00:01:19] Juiz Presidente: Que lhe forneciam a droga?
[00:01:20] AA: Não, não conhecia.
[00:01:22] Juiz Presidente: Não conhecia. Então, não me sabe dizer quem são?
[00:01:25] AA: Não.
[00:01:27] Juiz Presidente: E quantos eram?
[00:01:30] AA: Foram lá comigo dois, mas depois apareceram outros.
[00:01:36] Juiz Presidente: Então, foram consigo dois, onde?
[00:01:39] AA: Lá a casa.
[00:01:42] Juiz Presidente: E onde é que se encontraram?
[00:01:44] AA: Ao pé da ponte, de uma ponte lá perto.
[00:01:51] Juiz Presidente: Olhe, e como é que os senhores se deram o encontro na ponte?
[00:01:55] AA: Foi já quase um mês atrás antes disso. Umas semanas atrás, eles apanharam-me ao pé da escola, a sair da escola.
[00:02:06] Juiz Presidente: Apanharam quem? Quem é que o apanhou?
[00:02:09] AA: Abordaram-me umas pessoas, eu não os conheço.
[00:02:12] Juiz Presidente: Mas quem?
[00:02:15] AA: Pois, eu não conheço as pessoas.
[00:02:16] Juiz Presidente: E quantas eram nessa altura?
[00:02:18] AA: Aí umas cinco ou seis.
[00:02:19] Juiz Presidente: Aí já eram cinco ou seis?
[00:02:21] AA: Para aí, acho eu, acho que foi isso. Era assim um grupinho.
[00:02:27] Juiz Presidente: Então, e nesta data, foi mais ou menos quando?
[00:02:32] AA: Pois, pá, sei que foi umas semanas atrás, para aí quase um mês antes disso acontecer.
[00:02:40] Juiz Presidente: Quase um mês? E o que é que lhe disseram, então, nesta ocasião?
[00:02:47] AA: O que me disseram foi… avisaram que a minha irmã, que lhes devia dinheiro de droga, que lhes tinha comprado. E que…
[00:02:58] Juiz Presidente: Disseram o valor?
[00:03:00] AA: Não, não me disseram o valor.
[00:03:03] Juiz Presidente: Disseram quando é que tinham adquirido essa droga?
[00:03:07] AA: Não, também não.
[00:03:08] Juiz Presidente: Também não. Só lhe disseram, então, “olha, a tua irmã deve dinheiro, relacionada com droga”, e mais?
[00:03:15] AA: Pronto, e que queriam ir lá buscar, que sabiam que ela tinha o dinheiro.
[00:03:21] Juiz Presidente: Então, e porque é que não foram ter directamente com ela? Para ir buscar o dinheiro? Porque é que o abordaram a si, um mês antes, na escola?
[00:03:29] AA: Pois, não sei.
[00:03:30] Juiz Presidente: Só lhe disseram isso? “A tua irmã deve dinheiro e quero ir buscar o dinheiro à tua irmã”, é isso?
[00:03:37] AA: É.
[00:03:38] Juiz Presidente: É isso?
[00:03:38] AA: Sim, pronto, senão que ela ia pagar com sangue, vá.
[00:03:45] Juiz Presidente: Ia pagar com…?
[00:03:46] AA: Com sangue. Foi o que me disseram.
[00:03:47] Juiz Presidente: Ah, então nessa altura já lhe disseram que ela ia pagar com sangue?
[00:03:50] AA: Sim, mas eu nunca pensei que fossem fazer o que fizeram. Eles disseram que só queriam o dinheiro, que iam lá buscar o dinheiro.
(...)
[00:04:44] Juiz Presidente: Que havia estas questões? Não disse à irmã?
[00:04:48] AA: Não, que eles ameaçaram que se eu fosse contar que me matavam a mim também, e à minha família.
(...)
[00:05:11] Juiz Presidente: Portanto, o senhor foi abordado por estas pessoas que lhes disseram isto, guardou para si durante um mês. E depois, o que é que aconteceu?
[00:05:17] AA: É assim, eu cheguei a comentar com os meus pais, sim, sobre… que ela devia dinheiro, mas não lhes cheguei a comentar que me tinham ameaçado, nem que a ameaçaram se não pagasse que, pronto, pagava dessa forma.
(...)
[00:06:36] AA: A gente combinou, então, encontrarmo-nos depois na ponte no dia 2.
[00:06:41] Juiz Presidente: Ah, então naquele dia, dessa primeira abordagem, já combinaram para o dia ..., é isso?
[00:06:46] AA: Sim, para irem lá a casa buscar o dinheiro.
[00:06:52] Juiz Presidente: Então, também lhe disseram que iam ter consigo à ponte, a que horas?
[00:06:58] AA: Às 06h00.
[00:07:10] Juiz Presidente: Às 06h00 da manhã, certo? Do dia ...?
[00:07:13] AA: Certo, exacto.
[00:07:16] Juiz Presidente: E estava combinado para quê? Para irem lá à casa?
[00:07:21] AA: É, para irem lá a casa.
[00:07:21] Juiz Presidente: Os cinco ou seis? Ou só alguns? O que é que ficou combinado, Sr.
AA?
[00:07:26] AA: Pois, isso não foi combinado, se eram dois, se eram seis se era… pronto, foi só combinado eles irem lá.
[00:07:34] Juiz Presidente: Portanto, encontraram-se consigo na ponte, às 06h00 da manhã e os senhores dali partirem para a casa, é isso?
[00:07:39] AA: Sim.
(...)[00:08:12] Juiz Presidente: Alguma vez os tinha encontrado também por ali?
[00:08:14] AA: Não.
[00:08:16] Juiz Presidente: E, então, o senhor ficou combinado isso, para irem lá a casa. E o senhor ia a casa com eles ou como é que faziam para eles irem lá a casa?
[00:08:27] AA: Sim, eu fui com eles, sim.
[00:08:29] Juiz Presidente: O que é que ficou combinado? Combinaram a forma como eles iriam lá a casa buscar o dinheiro?
[00:08:35] AA: Não, isso não.
[00:08:36] Juiz Presidente: Não ficou combinado. Ficou só, olha, daqui a um mês, dia 2, às 06h00 da manhã, é isso?
[00:08:42] AA: Sim. Não me disseram daqui a um mês, disseram que no dia 2, para ir lá…
(...)[00:08:59] Juiz Presidente: Mas porque é que não falavam directamente com ela?
[00:09:03] AA: Acredito que tenham falado, mas ela, se calhar, não ligou.
(...)
[00:09:39] Juiz Presidente: Então, no dia ..., o senhor levantou-se de manhã, é isso? De madrugada, praticamente. A que horas é que o senhor se levantou nesse dia?
[00:09:47] AA: Aí por volta das 05h00.
[00:09:53] Juiz Presidente: E o que é que fez? Conte-me, como se o senhor estivesse a reviver esse momento, Sr. AA.
[00:10:03] AA: Tomei o pequeno-almoço, tomei banho, despachei-me, vesti-me, depois saí de casa, fui até ao banco, levantar um dinheiro que era para dar à minha mãe, e depois quando estava a voltar, já me encontrei ali com eles na ponte, e foi aí que me abordaram.
[00:10:28] Juiz Presidente: E então, o que é que lhe disseram quando o abordaram?
[00:10:31] AA: Disseram para a gente ir lá a casa, para eles irem falar com a minha irmã para ir buscar o dinheiro.
[00:10:39] Juiz Presidente: Então, e quantos é que eram nesse dia?
[00:10:41] AA: Só estavam ali comigo dois.
[00:10:46] Juiz Presidente: E mais?
[00:10:47] AA: Então eu fui lá com eles, até lá a casa, e, pelo caminho, eu contei-lhes que o meu pai também devia estar lá em casa ainda, e eles disseram que, “então, pronto para esperar que é para ele sair”, que eles só queriam falar com a minha irmã. Então, eu depois fui lá a casa e, pronto, troquei os ténis, meti já os ténis de trabalho, porque eu, à espera que eles fossem só lá buscar o dinheiro,e depois ia logo para o trabalho. E pronto, depois…
(...)[00:12:18] Juiz Presidente: Então como é que o senhor descreveria essas duas pessoas que foram consigo a casa?
[00:12:35] AA: Ah, eram magros, acho eu, eram assim, pronto, eram mais ou menos como eu. Um pouco mais altos que eu.
[00:12:45] AA: Acho que eles eram os dois, é assim, não lhes vi as caras, que eles estavam encapuzados, mas…
[00:12:54] Juiz Presidente: Ah, não viu as caras. Estavam encapuçados?
[00:12:55] AA: Sim.
[00:12:56] Juiz Presidente: Então, e o que é que viu? Os olhos? Viu os olhos?
[00:13:00] AA: Sim, eles vieram comigo encapuzados.
[(...)
[00:15:32] AA: Ah, depois eu abri a porta, chamei a minha irmã, ela já estava levantada. E eu chamei-a, disse-lhe, pronto, que queriam, vinham aqui estes senhores para buscar o dinheiro da droga, que ela devia. E ela perguntou qual dinheiro, que não sabia, e depois aí eles começaram a ameaçar.
[00:16:01] Juiz Presidente: O que é que ameaçaram? Como é que ameaçaram, Sr. AA?
[00:16:05] AA: Com umas navalhas que eles tinham.
[00:16:13] Juiz Presidente: Os dois?
[00:16:14] AA: Sim.
[00:16:15] Juiz Presidente: Tinha cada um a sua navalha?
[00:16:16] AA: Sim.
[00:16:17] Juiz Presidente: E o que é que diziam?
[00:16:21] AA: Disseram que tinha que pagar o dinheiro que lhes devia. Ela tinha dito que não tinha dinheiro nenhum. E pronto, depois, entretanto, ela começou a ficar descontrolada, assim, apavorada. Então, pediram-me para segurar nela que é para ela não ter que fazer nada.
[00:16:48] Juiz Presidente: Portanto, pediram-lhe a si, para o senhor agarrar na DD?
[00:16:51] AA: Sim.
[00:16:52] Juiz Presidente: Para eles não terem que fazer nada à DD?
[00:16:54] AA: Sim.
[00:16:56] Juiz Presidente: E depois?
[00:16:59] AA: Depois, disseram que se não agarrasse, também levava. E, então, eu agarrei nela e, pronto, eles estiveram outra vez a ameaçar, a perguntar do dinheiro. Ela continuou a dizer que não tinha lá dinheiro nenhum. E depois eu também… pronto, aí, depois, eu vi, falei que não, que ela se calhar estaria a dizer a verdade, senão, não estaria assim, não é? Porque ela não deveria ter dinheiro. E eles, então, depois, mandaram-me esperar, então, ali ao pé da porta. Já lá estavam depois outras pessoas ali à porta que, entretanto, chegaram. Também estavam encapuzadas, portanto, estavam com eles, de certeza. E pronto, e aí ficaram eles os dois ali com ela. E acho que foi depois que lhe fizeram aquilo.
[00:18:03] Juiz Presidente: Então, vamos ver se eu compreendi bem. Portanto, pediram-lhe para agarrar a sua irmã?
[00:18:07] AA: Sim.
[00:18:07] Juiz Presidente: E onde é que os senhores estavam?
[00:18:10] AA: Os senhores estavam comigo.
[00:18:12] Juiz Presidente: Certo, onde?
[00:18:14] AA: Dentro de casa.
[00:18:15] Juiz Presidente: Onde?
[00:18:16] AA: Na sala.
[00:19:37] Juiz Presidente: Portanto, quando os senhores chegaram, quando o senhor chegou com aquelas duas outras pessoas, onde é que a DD estava?
(...)
[00:19:52] AA: Estávamos já na sala.
[00:19:58] Juiz Presidente: E ao chegar à sala, é que começaram então a conversar. A DD estava onde na sala?
[00:20:04] AA: Estava ao pé do sofá.
(...)
[00:21:32] Juiz Presidente: O senhor teria mais força que a sua irmã ou a DD é que teria mais força que o senhor?
[00:21:37] AA: Acho, acredito que a minha irmã tivesse mais força que eu.
[00:21:41] Juiz Presidente: Então, ela deixou, quando o senhor a agarrou, deixou-se ficar?
[00:21:44] AA: Sim, ela deixou.
[00:21:45] Juiz Presidente: Não ofereceu resistência?
[00:21:45] AA: Não, não. Não foi a agarrar, tipo, para ela se acalmar. Não foi… foi só para ela se acalmar, para meter a calma, que os senhores só queriam o dinheiro deles e que depois iam embora.
[00:22:03] Juiz Presidente: E quando é que largou a sua irmã?
[00:22:06] AA: Quando eles me disseram depois para largar e ir ter com os outros ali à porta.
[00:22:12] Juiz Presidente: O senhor largou-a e foi-se embora. E ficou à porta da sala ou à porta da casa?
[00:22:18] AA: À porta da casa, onde estavam os outros.
[00:22:20] Juiz Presidente: Os outros também estavam lá?
[00:22:21] AA: Sim.
[00:22:21] Juiz Presidente: E quantos é que eram os outros?
[00:22:25] AA: Depois apareceram mais uns quatro, para aí, três ou quatro.
(...)
[00:23:34] Juiz Presidente: E a DD ficou lá então com os outros dois indivíduos?
[00:23:36] AA: Sim.
[00:23:38] Juiz Presidente: E o que é que ouviu? E o que é que disseram? E o que é que fizeram então?
[00:23:41] AA: Eu depois ouvi ela a gritar. Depois é que eu me apercebi que lhe iam fazer mal. Ainda pedi ao que estava comigo para me deixar esperar ao pé das escadas, que era para ver se conseguia fugir, para ver se não faziam mal a mim também, mas não me deixou. Pronto… depois, pronto, deixei de a ouvir. E vieram ter comigo e ameaçaram-me, a dizer que, pronto, para não contar a ninguém, senão eu era o próximo.
(...)[00:25:00] AA: Eu primeiro fui ver a minha irmã, que eu pensei que ela tivesse desmaiado. Depois é que vi que não, que não respirava, que estava morta. Pronto, depois fui ver se a tinham violado ou se a tinham esfaqueado, mas também não. Pronto, e depois, aí é que eu depois fui ver a casa, se tinham roubado alguma coisa.
[00:25:24] Juiz Presidente: E onde é que foi ver se tinham roubado alguma coisa?
[00:25:28] AA: Olhei ali para a sala, fui à cozinha, fui ao quarto, aos quartos.
[00:25:32] Juiz Presidente: Mas eles não tinham entrado nos quartos, pois não?
(...)[00:25:51] Juiz Presidente: Não. E as navalhas, levavam?
[00:25:52] AA: Sim, as navalhas, sim. Ameaçaram-me com uma e tudo.
[00:26:00] Juiz Presidente: Portanto, foram-se embora os seis, ou as cinco, seis pessoas que estavam lá na casa consigo?
[00:26:05] AA: É para aí, sim.
[00:26:07] Juiz Presidente: O senhor deslocou-se, então, a ver a sua irmã, e o que é que fez?
[00:26:12] AA: Eu tentei virá-la, porque ela estava de cabeça para baixo.
[00:26:17] Juiz Presidente: Então, como é que a encontrou?
[00:26:19] AA: Encontrei-a, assim, de cabeça para baixo. Assim, esticada assim no chão.
[00:26:31] Juiz Presidente: E mais?
[00:26:33] AA: Assim, de barriga para baixo. Vi que tinha sangue ao pé da cara.
[00:26:38] Juiz Presidente: Já tinha sangue, nessa altura, ao pé da cara?
(...)[00:27:07] AA: Eu virei-a. Ela estava de barriga para baixo.
[00:27:10] Juiz Presidente: Agarrou-a como? Como é que a agarrou?
[00:27:12] AA: Agarrei-a, assim, pelo ombro e virei-a assim. Não a virei totalmente. Deixei estar na posição que estava. Foi só mesmo para ver se a tinham esfaqueado ou não. Depois fui ver se estava molhada atrás, ver se a tinham violado, mas também não.
[00:27:38] Juiz Presidente: Portanto, depois de ouvir gritos e depois de todo esse aparato, o senhor vê a sua irmã daquela maneira, tenta virá-la para ver se a esfaquearam, tenta virá-la para ver se a violaram e mais?
[00:27:52] AA: Eu primeiro, estava a ver se estava com… fui ver como é que ela estava, porque eu pensei que ela tivesse desmaiado. Depois como vi que estava morta é que vi.
[00:27:59] Juiz Presidente: Então, mas não viu logo o sangue?
[00:28:02] AA: Vi, mas era pouco, e era à volta da cara. Eu até pensei que fosse só a cair, como ela estava assim com a cara no chão. Pensei que fosse uma queda que ela tivesse dado, talvez foi.
(...)
[00:28:55] AA: Pronto, é assim, eu depois fiquei um bocado nervoso com aquilo, não estava a espera que, pronto, que a fossem matar. Pensei que só iam lá buscar o dinheiro deles. Supostamente deles. Eu já não sei se ela devia realmente alguma coisa ou não. Eles a mim disseram-me que sim, mas… Portanto, eu depois, eu fiquei sem saber o que fazer. E então, antes, fui trabalhar, e esperei acabar o trabalho, que era para depois ir a casa e falar depois com o meu pai. O meu pai, entretanto, chegava também. Que era para lhe contar o que se tinha passado.
[00:29:38] Juiz Presidente: Portanto, o senhor deixou a sua irmã ali?
[00:29:41] AA: Hum-hum.
[00:29:43] Juiz Presidente: E foi-se embora trabalhar?
[00:29:43] AA: Sim.
[00:29:45] Juiz Presidente: Então, e isso tudo aconteceu a que horas?
[00:29:48] AA: Deviam ser para aí umas 07h00 e tal, se calhar. 07h00 e tal, ou 08h00, e tal. Não sei.
(...)[02:00:57] Juiz Adjunta: Como é que o senhor geriu a morte da sua irmã?
[02:01:06] AA: Eu senti-me muito mal.
[02:01:09] Juiz Adjunta: E isso traduziu-se em quê?
[02:01:12] AA: Andei muito triste, andei muito triste, pronto, por causa do que lhe tinha acontecido, e também, depois, pelos meus pais, também o meu irmão, que também gostava muito dela.
[02:01:27] Juiz Adjunta: Olhe, e o senhor gostava muito dela?
[02:01:31] AA: Sim, também gostava dela. Apesar de…
[02:01:34] Juiz Adjunta: O senhor manifesta muita tristeza pelos outros que gostavam dela.
[02:01:39] AA: É.
[02:01:39] Juiz Adjunta: Mas não se inclui, percebe?
[02:01:41] AA: Não, incluo-me, claro que sim, mas, pronto, não sou só eu que sofri com isso, também foi a minha família e tudo.
[02:01:50] Juiz Adjunta: E a sua irmã?
[02:01:52] AA: E a minha irmã, claro, foi a que mais sofreu, infelizmente.
[02:01:59] Juiz Presidente: Senhores doutores, vamos só interromper dois minutos, porque a senhora doutora tem que se ausentar.
V
De acordo com a narrativa prestada pelo recorrente – e nunca cabalmente infirmada – esses indivíduos alegavam que DD lhes devia uma quantia pecuniária relacionada com o tráfico de estupefacientes, montante esse que o Recorrente desconhecia.
Temendo represálias e perante a postura intimidatória daqueles, o Recorrente acedeu em permitir a entrada dos mesmos na residência que partilhava com a irmã.
Uma vez no interior da habitação, o comportamento dos indivíduos revelou-se imediatamente ameaçador, tendo os mesmos exibido armas brancas e dirigido ameaças directas ao ora Recorrente, exigindo-lhe que controlasse e "acalmasse" DD, a qual, ao reconhecer os agressores e antecipando o desfecho violento, entrou em estado de manifesta agitação e histeria.
VI
É neste preciso quadro de coacção iminente e de manifesta desigualdade de forças que AA, temendo pela vida da irmã e pela sua própria integridade física, segura DD por trás, tentando conter a sua agitação. Daí resultaram vestígios hemáticos no vestuário da vítima, o que, longe de constituir indício de qualquer conduta homicida, é antes revelador de uma tentativa de impedir uma escalada de violência, que, lamentavelmente, viria a consumar-se por mão dos terceiros intervenientes.
VII
De notar que o recorrente nega de forma categórica ter exercido qualquer acto violento ou lesivo sobre a vítima que tenha concorrido causalmente para a sua morte, a qual imputa, de forma firme e coerente, à actuação directa dos indivíduos que se encontravam em cobrança violenta da dívida.
VIII
A condenação do Recorrente assenta, pois, numa inaceitável inversão da realidade dos factos e numa valoração subjectiva e enviesada da prova, desprovida do indispensável exercício de dúvida razoável que se impõe em processo penal, em obediência ao princípio in dúbio pro Reo. impõe-se a reapreciação da matéria de facto à luz dos meios de prova constantes dos autos, com a consequente alteração da decisão condenatória na parte em que imputa ao Recorrente a prática de factos que não cometeu.
IX
Assim, reconhece-se que o recorrente se encontrava na habitação onde ocorreu a morte da vítima e que foram detectados vestígios do seu perfil genético. Contudo, a omissão da existência de outros vestígios genéticos não identificados revelados pela prova pericial que, de forma objectiva, demonstra a presença de perfis mistos em roupa e vestígios biológicos, não compatíveis exclusivamente com o arguido, denota que o Tribunal não analisou devidamente a possibilidade de intervenção de terceiros, desvalorizando provas com implicações evidentes sobre a autoria, conforme as declarações tomadas pelo arguido, que apresentou explicação alternativa para os vestígios, não tendo sido demonstrado que exerceu qualquer domínio funcional sobre os actos que causaram a morte, além de presunções e especulações aquém da verdade material exteriorizada por AA, concretizando um excesso acusatório e mesmo um desvio à finalidade do mecanismo processual criminal, conforme se explanará infra (Cfr. Acórdão, pp. 16-17 e 22)
X
Da Alteração da Qualificação Jurídica da Acusação.
O Tribunal a Quo procedeu à alteração da qualificação jurídica dos factos, afastando as agravantes previstas no libelo acusatório, para subsumir os mesmos à figura do homicídio qualificado, mas com base em fundamentos distintos, concretamente nas alíneas e) (meio insidioso) e j) (vítima com relação familiar) do n.º 2 do artigo 132.º do CP.
Contudo, essa alteração, longe de representar uma neutral reconfiguração jurídica dos factos provados, traduz, na prática, o reconhecimento pelo tribunal de que a acusação pública excedeu os limites do que a prova permitia concluir.
O afastamento das agravantes iniciais, ademais, também consta da acusação, sem qualquer fundamento real e probatório que o arguido teria motivações religiosas para o cometimento do crime, sendo que o mesmo passou a frequentar instituições religiosas apenas e tão somente em ... e a responsável pelo inquérito revelou que essa informação lhe foi facultada informalmente.
(Vide para tanto a transcrição de um excerto do depoimento a ...-...-2025:
[00:47:14] Juiz Presidente: Olhe, há pouco a senhora inspectora disse que tinha conhecimento que o AA já frequentava a igreja em momento anterior. Como é que tomou conhecimento disso?
[00:47:26] FF (Inspectora): Sim.
[00:47:26] Juiz Presidente: …e por que forma? Ou seja, como é que…
[00:47:29] FF (Inspectora): Foi uma conversa informal, senhora doutora.
[00:47:30] Juiz Presidente: Ah, certo. Pronto.)
Ora, o tribunal, ao substituir os fundamentos agravantes sem reflectir sobre a fragilidade estrutural da imputação penal formulada, falhou no dever de garantir um processo equitativo e equilibrado, incorrendo numa violação do princípio do acusatório (artigo 32.º, n.º 5 da CRP), bem como do princípio do contraditório (artigo 61.º, n.º 1, al. b) do CPP), porquanto a nova qualificação jurídica não foi objecto de contraditório efectivo em audiência paz pública.”
Desta forma, ao corrigir a qualificação jurídica proposta pelo Ministério Público, o tribunal deveria ter também afastado a acusação em bloco, ou pelo menos reponderado o mérito da imputação penal, à luz da insuficiência das circunstâncias agravantes.
Ao não o fazer, reconfigurou a imputação material sem contraditório efectivo e sem reconhecer a gravidade do desvio acusatório cometido, o que compromete a integridade do processo.
Nestes termos, a alteração da qualificação jurídica, longe de sanar representa a validação de uma actuação do Ministério Público.
Ao invés, o arguido vê-se condenado com base em fundamentos que não foram objecto de acusação, nem de contraditório adequado, em violação do princípio do processo justo.
Ademais, a alteração da qualificação jurídica para homicídio simples, operada pelo Tribunal a quo, não reflecte adequadamente a verdadeira natureza da conduta do arguido, que, segundo as suas declarações, se limitou a um comportamento acessório, consistente em abrir a porta da sua residência aos verdadeiros autores do crime.
Tal conduta, à luz do artigo 27.º do CP, deve ser enquadrada como cumplicidade, e não como autoria, uma vez que o arguido não teve qualquer intervenção directa na execução do facto típico que culminou na morte de DD.
Assim, a requalificação da conduta do arguido como cumplicidade, ao invés de autoria, é a única solução juridicamente adequada e conforme aos princípios estruturantes do processo penal democrático.
Ora, a autoria pressupõe domínio do facto – o que não se verificou, pelo que a conduta descrita pelo arguido, de abertura da porta da residência, configura antes uma colaboração acessória – subsumível ao regime da cumplicidade, nos termos do artigo 27.º do CP
Este é a correcta interpretação sendo a interpretação do Tribunal A quo incorrecta no que tange ao artigo 26 do CP
XI
Requerimento para a renovação da prova artigo 412 nº 3 alínea c) do CPP
– A tarefa de apreciação da prova, ainda que vinculada ao principio de apreciação da prova, configura-se, contudo, de diferente graduação e intensidade entre a 1.ª instância e o tribunal de recurso, dado o beneficio que aquela dispõe da imediação e da oralidade e por estar, este, limitado à prova documental e ao registo de declarações e depoimentos, não podendo, de acordo com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04-07-2007 (processo 07P2304, em www.dgsi.pt) “o reexame da matéria de facto pelo tribunal de recurso (…) constitui[r], salvo os casos de renovação da prova (art. 430.º do CPP), uma nova ou suplementar audiência, de e para produção e apreciação de prova, sendo antes uma actividade de fiscalização e de controlo da decisão proferida sobre a matéria de facto, rigorosamente delimitada pela lei aos pontos de facto que o recorrente entende erradamente julgados e ao reexame das provas que sustentam esse entendimento – art. 412.º, n.º 2, als. a) e b), do CPP.
Uma nova e suplementar uma nova ou suplementar audiência, de e para produção e apreciação de prova.
Requer-se audição do arguido por ter sido um depoimento crucial 4 a 11 da matéria dada como factos provados e que o recorrente requer que sejam dados como não provados respeitando o principio da imediação e da oralidade e por estar, este, limitado à prova documental e ao registo de declarações e depoimentos Tal renovação também evita o reenvio para o Tribunal de primeira instância conforme 430 nº 1 CPP
É de referir que no caso vertido , existe um erro notório da apreciação da prova artigo Existe neste caso concreto nos termos do artigo 410 nº 2 alínea C) um vicio do Erro notório da apreciação da prova.
Nos termos do artigo 430 nº1 do CPP deve o Tribunal Ad quem admitir a renovação da prova,
Requer-se que o Tribunal Ad Quem oiça o arguido para tenha a imediação e da oralidade à prova documental e ao registo de declarações e depoimentos
Pois crê-se que alterando a matéria de facto como pretendido neste recurso que o Tribunal Ad quem evitaria o reenvio do processo.
O depoimento do arguido como prova e porque foi valorado é crucial para a alteração fáctica pretendida e terá o principio Ad quem , como o Tribunal A quo o principio da imediação e da à prova documental e ao registo de declarações e depoimentos.
XIII.
Pedido subsidiário em caso de não renovação da prova
Caso o tribunal não defira a renovação da prova, requer-se desde já um pedido subsidiário de reenvio do processo para a primeira instância, para reapreciação da matéria de facto.
XIV.
Da Imputabilidade e Perturbação do Espectro do Autismo
Erro de direito na determinação da medida da culpa,
Erro notório na apreciação da prova artigo 410 nº2 alínea C) CPP
A ponderação da atenuação especial da pena,
Conforme resulta da matéria de facto dada como provada na decisão recorrida, designadamente nos pontos 12 e 13, ficou demonstrado que o arguido é portador de Perturbação do Espectro do Autismo, apresentando limitações significativas ao nível da empatia, dificuldades na cognição social e défices de interacção interpessoal.
Não obstante o tribunal a quo ter afastado a inimputabilidade, reconheceu expressamente a existência de uma limitação relevante da capacidade de autodeterminação do arguido. Alias alicerçada numa perícia junto aos autos e que mais o respectivo perito prestou depoimento em audiência em julgamento.
Ora, perante tal quadro, impunha-se a aplicação do regime previsto no artigo 20.º, n.º 2, do CP, relativo à imputabilidade diminuída.
A omissão dessa aplicação, como foi no caso do Acórdão recorrido consubstancia erro de direito na determinação da medida da culpa, traduzindo-se, ainda, em violação flagrante do princípio da individualização da pena, consagrado no artigo 71.º do CP.
A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem afirmado, de forma reiterada, que o diagnóstico de perturbações do foro neuropsiquiátrico, ainda que não determine a inimputabilidade, impõe a ponderação da atenuação especial da pena, nos termos do artigo 71.º do CP, sempre que se verifique uma diminuição sensível da capacidade de autodeterminação do agente.
Nos termos do artigo 163.º, n.º 2, do CPP, impende sobre o tribunal o dever de fundamentar expressamente qualquer divergência face às conclusões periciais, especialmente quando estas apontam para limitações volitivas relevantes para a imputabilidade penal. A omissão de fundamentação adequada constitui nulidade da sentença por omissão de pronúncia e erro de direito na apreciação da prova pericial.
O Tribunal a quo deu-se por inteiramente convencido do conteúdo do relatório pericial médico-psiquiátrico que atesta a condição do arguido como pessoa diagnosticada com perturbação do espetro do autismo. Todavia, não retirou dessa prova pericial a devida consequência jurídico-penal quanto à imputabilidade criminal, tendo desconsiderado a aplicação do regime da imputabilidade diminuída previsto no artigo 20.º, n.º 2, do CP. (cfr. Aresto, pág. 36- 37)
Com efeito, o perito nomeado pelo Tribunal foi claro ao afirmar que, não obstante o arguido possuir capacidade cognitiva preservada no que respeita à distinção entre o lícito e o ilícito, se verifica uma perturbação da sua esfera volitiva, concretamente no domínio do autocontrolo e da capacidade de conformação da sua conduta à norma jurídica
Vejamos uma parte da transcrição do depoimento com interesse
Cfr. Transcrição Perito GG da diligência de ...-...-2025:
[00:03:27] Juiz Presidente: Pronto. E estas relações interpessoais, este défice, implica o quê em concreto?
[00:03:34] GG: Para aquilo que interessa no processo, isso é, na capacidade de regulação do comportamento numa situação…
[00:03:39] Juiz Presidente: Sim.
[00:03:40] GG: …pronto, que envolva eventualmente violência interpessoal, o meu entendimento na altura, que mantenho, face aos dados…
[00:03:48] Juiz Presidente: Certo.
[00:03:49] GG: …é que, embora o examinando tenha a capacidade cognitivamente de perceber as consequências de comportamentos daquela natureza, tem uma limitação… existia uma limitação na capacidade de modelar ou de regular o comportamento.
[00:04:11] Juiz Presidente: Portanto, ele percebe o comportamento ilícito…
[00:04:14] GG: Exactamente.
[00:04:15] Juiz Presidente: …contudo, não é capaz de autorregular-se parar…
[00:04:17] GG: Existe uma limitação, que não é total, mas uma limitação que eu considerei parcial, mas significativa, digamos assim, isto…), o que se traduz precisamente no tipo de perturbação funcional que a lei prevê como fundamento da responsabilidade penal atenuada.
Assim, embora o Tribunal tenha acolhido o diagnóstico pericial (Cfr. Ponto 12 da factualidade provada – pp. 3 in fine e 4), como suprarreferido no arte. 52º, omite qualquer justificação substancial para afastar o efeito jurídico-penal da imputabilidade diminuída previsto no art. 20.º, n.º 2 do CP (Cfr. Pp. 36-37 do douto aresto).
Tal omissão de ponderação jurídica deste aspecto revela uma desconexão entre a prova pericial produzida e o juízo de imputabilidade formulado no aresto recorrido, comprometendo a correcta aplicação do direito aos factos provados.
A prova pericial representa em processo penal um desvio ao princípio da livre apreciação da prova plasmado no art. 127º do C.P.P. Essa prova de apreciação vinculada, como é a prova pericial, “tem lugar quando a percepção ou a apreciação dos factos exigirem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos” arte. 151º do C.P.P.
Tratando-se de exame pericial o resultado obtido no mesmo apenas pode ser colocado em crise por outro meio de prova idêntico e nunca pela análise das testemunhas, ou pelas declarações dos arguidos.
O artigo 71.º do CP consagra o princípio da individualização da pena, impondo ao tribunal a obrigação de atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente, nomeadamente as suas condições pessoais, incluindo perturbações do foro psíquico que afectem a sua capacidade de autodeterminação. A omissão de ponderação destas circunstâncias constitui violação do princípio da culpa e da justiça material da decisão penal.
Nesta senda e face ao que se tem vindo a expor, resulta manifesto que o tribunal recorrido:
a) Reconheceu a existência de perturbação do espectro do autismo, com limitações volitivas relevantes;
b) Não aplicou o regime de imputabilidade diminuída, nem atenuou a pena em conformidade com a diminuição da capacidade de autodeterminação do arguido;
c) Não fundamentou adequadamente a divergência face à prova pericial produzida;
d) Violou o princípio da individualização da pena e o princípio da culpa.
A aplicação do regime de imputabilidade diminuída, nos termos do artigo 20.º, n.º 2, do CP, e a atenuação especial da pena, Tribunal de Justiça, devendo ser fixada uma pena que reflicta a efectiva medida da culpa do arguido, ponderando as suas limitações volitivas e a sua vulnerabilidade neuropsiquiátrica.
Existe erro notório na apreciação da prova, quando não existindo fundamentos válidos que permitam divergir da prova pericial, se decide pela aplicação do princípio da livre apreciação do artigo 127º do C.P.P., o que aconteceu no caso vertido
XV
C. Do Regime Penal Especial para Jovens
O Regime Penal Especial para Jovens encontra-se consagrado no Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, em cumprimento do artigo 9.º do CP, que determina a aplicação de normas especiais aos maiores de 16 e menores de 21 anos.
O artigo 1.º do diploma define como jovem, para estes efeitos, o agente que, à data da prática do crime, tiver completado 16 anos sem ter ainda atingido os 21 anos.
O artigo 4.º do mesmo diploma estabelece que, se for aplicável pena de prisão, o juiz deve atenuar especialmente a pena, nos termos dos artigos 72.º e 73.º do CP, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado.
Os pressupostos materiais exigem um juízo de prognose favorável quanto à vantagem da atenuação para a reinserção social do jovem.
Este juízo deve ser fundado em elementos concretos, como a personalidade do arguido, a sua conduta anterior e posterior ao crime, o contexto familiar, social e profissional, e não apenas na gravidade do crime ou no grau de culpa.
In casu, o arguido tinha 20 anos à data dos factos, não possuía antecedentes criminais, encontrava-se integrado no seio familiar, era trabalhador e estudante. Estes elementos preenchem, de forma clara, os requisitos para a aplicação do regime especial, sendo expectável que a aposta na reinserção social produza benefícios concretos, em linha com a orientação dominante do STJ, em conformidade com o aresto do STJ, 27-09-2023, Proc. N.º 179/22.0PSLSB.S1.
Destarte, o Tribunal a quo ao afastar o regime incorre em violação do princípio da proporcionalidade e da reinserção social, consagrados nos artigos 40.º e 71.º do CP, pelo que deverá ser alterada pelo Tribunal ad quem.
XVI
Erro de Julgamento
Conclui-se, assim, que a decisão recorrida padece de erro julgamento ao presumir a culpa do arguido com base exclusiva na presença do seu sangue sobre a vítima, desconsiderando a explicação plausível e não infirmada apresentada pelo próprio, e violando os princípios da presunção de inocência, da livre apreciação da prova e do in dúbio pro reo.
Impõe-se, por conseguinte, a revogação do acórdão recorrido no que tange à decisão recorrida, com a consequente absolvição do arguido ou, pelo menos, a reapreciação da matéria de facto à luz dos princípios e critérios supra expostos. do in dúbio pro reo Isto, por que o tribunal a quo ao concluir que a presença de vestígios biológicos do arguido no subungueal da vítima, conjugada com o facto de a vítima sofrer de onicofagia (vício de roer as unhas), implica necessariamente que o arguido foi a última pessoa com quem a vítima teve contacto, enferma de vícios de valoração da prova e de insuficiência instrutória, violando princípios fundamentais do processo penal.
A constatação de que a vítima sofria de onicofagia, apresentando unhas roídas, inviabiliza, do ponto de vista físico, a possibilidade de ter arranhado o arguido de forma a recolher vestígios biológicos subungueais e com isso tê-lo feito sangrar.
A ausência de unhas em comprimento suficiente para provocar arranhões ou recolher material biológico é um dado objectivo que enfraquece substancialmente a valoração dos vestígios encontrados sob as unhas da vítima, pelo que, a narrativa de contacto físico violento, sustentada apenas na presença desses vestígios correlacionados ao arguido, carece de suporte factual e científico, refutando a conclusão de que o ADN sob as unhas prova uma agressão directa, como alude o douto acórdão (página 16, último parágrafo com continuação no primeiro parágrafo da pág. 17)
Jurisprudencialmente afirma-se que a prova de ADN não pode ser interpretada de forma isolada ou absoluta, devendo ser contextualizada no quadro global da prova e das circunstâncias do caso.
O Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 14-04-2020, Proc. n.º 243/18.0JAFAR.E1, sublinha que “os vestígios biológicos não podem ser interpretados como indicadores da actividade criminal, não tomando em consideração [...] as circunstâncias interpretativas que os relatórios periciais permitem” e que “a narrativa criminal acerca de um crime perpetrado pelo arguido foi estabelecida sem que houvesse sustentação probatória”.
Mais, a prova de ADN assenta em juízos de racionalidade probabilística e não permite uma leitura totalitária, devendo ser ponderada à luz de outros elementos de prova e das regras da experiência comum, em consonância com a decisão do TRE suprarreferido.
Requer-se a aplicação de princípio in dúbio com todas as consequências legais
XVII
D. Da Medida da Pena exarada no Douto Acórdão
A decisão que ora se recorre fixou a pena em 10 anos de prisão revelando-se manifestamente excessiva, desproporcional e desajustada às concretas circunstâncias do processo, não observando os critérios legais e jurisprudenciais que devem presidir à determinação da medida concreta da pena.
Nos termos do artigo 71.º, n.º 1, do CP, “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”.
O n.º 2 do artigo supra impõe que, na determinação concreta da pena, o tribunal atenda a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente, considerando, nomeadamente, o grau de ilicitude do facto, a intensidade do dolo, as condições pessoais do agente, a sua situação económica, a conduta anterior e posterior ao facto, entre outras. Logo, a ausência total de antecedentes criminais do arguido constitui circunstância atenuante relevante, expressamente reconhecida pela jurisprudência como factor que deve ser valorado na determinação da medida da pena, por revelar menor perigosidade e menor necessidade de prevenção especial. A não valoração adequada desta circunstância constitui violação do dever de fundamentação e do princípio da proporcionalidade
A existência de perturbação do espectro do autismo, com reflexo na capacidade volitiva do arguido, constitui circunstância pessoal de relevo, que deve ser especialmente considerada, podendo justificar, nos termos do artigo 72.º, n.º 2, do CP, a atenuação especial da pena, por se tratar de condição que diminui acentuadamente a culpa do agente.
Pelo que a jurisprudência tem reconhecido que perturbações psíquicas, ainda que não excluam a imputabilidade, devem ser ponderadas na medida da pena, podendo justificar a sua redução substancial )Cfr. Ac. TRC,31-08-2022, Proc. N.º 441/20.7PBLRA.C1), concatenado o comportamento colaborante do arguido, que nunca negou os factos essenciais e sempre manteve uma postura de cooperação com as autoridades, constitui circunstância atenuante relevante, devendo ser valorada nos termos do artigo 71.º, n.º 2, alínea e), do CP, e do artigo 72.º, n.º 2, alínea c), enquanto acto demonstrativo de arrependimento e colaboração com a justiça.
Portanto, a fixação de uma pena de 10 anos de prisão, sem que se evidencie fundamentação agravada que a justifique, viola o princípio da proporcionalidade e o dever de fundamentação da sentença, exigido pelo artigo 374.º, n.º 2, do CPP. A jurisprudência é clara ao afirmar que a pena deve situar-se o mais próximo possível do limite mínimo legal, sempre que as circunstâncias do caso o permitam, nomeadamente quando, como no caso dos autos, se verificam múltiplas circunstâncias atenuantes e não se demonstram especiais exigências de prevenção geral ou especial.
Assim, impunha-se ao tribunal a quo a fixação de uma pena próxima do limite mínimo legal, o que não é o caso.”
Ao recorrido respondeu o Ministério Público pugnando pela improcedência do recurso.
Subidos os autos a este Tribunal preliminarmente foi indeferida a realização de audiência não tendo existido reacção a tal decisão.
Neste Tribunal o Ministério Público lavrou parecer secundando a posição assumida em primeira instância.
Ainda assim foi o recorrente notificado para responder não o tendo feito.
Os autos foram a vistos e à conferência. * II – Do âmbito do recurso e da decisão recorrida
O âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, só sendo lícito ao Tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410º, nº2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (cfr. Ac. do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19/10/1995, DR I-A Série, de 28/12/1995 e artigos 403º, nº1 e 412º, nºs 1 e 2, ambos do Código do Processo Penal).
No caso concreto, analisadas as conclusões recursais as questões a decidir são:
a. A questão da impugnação da matéria de facto;
b. A questão do in dubio pro reu (conclusão XVI);
c. A questão da imputabilidade e da imputabilidade diminuída e a existência de erro notório;
d. A questão da alteração da qualificação jurídica;
e. A questão da aplicação do regime penal para jovens;
f. A medida da pena.
A fim de conhecermos estas questões recordemos a matéria provada, a não provada e a respectiva fundamentação:
Assim:
“Apreciada a prova produzida e discutida em audiência, resultaram provados os seguintes factos, com interesse para a decisão de mérito:
1. O arguido e DD, nascida a .../.../2006, são filhos de BB e CC.
2. O arguido e DD residiam com o pai de ambos, na ....
3. No dia ...-...-2023, após o pai de ambos ter saído de casa para ir trabalhar, o arguido encontrava-se sozinho em casa com a sua irmã, DD e, em hora não concretamente apurada, mas compreendida entre as 07h20m e as 08h32m, abordou-a na sala do imóvel.
4. Por motivos não concretamente apurados, o arguido apanhou DD por trás e agarrou-lhe os braços, arremessando-a contra o braço do sofá que ali existia, tendo a mesma embatido com a parte frontal do pescoço naquele local.
5. Aproveitando que DD se encontrava em tal posição, o arguido colocou-se em cima daquela e exerceu pressão no pescoço da mesma de forma contínua, comprimindo-o na zona da garganta, contra o braço do referido sofá.
6. Acto esse que resultou na asfixia mecânica por compressão extrínseca do pescoço de DD, que foi causa directa da sua morte, que ocorreu no próprio dia, entre as 07h20m e as 08h32m.
7. Em consequência, DD apresentava:
i. na zona da cabeça: uma área apergaminhada/escoriada, de coloração avermelhada, medindo 11 x 3 cm de maiores dimensões, ao nível da região mentoniana; edema do couro cabeludo, infiltração sanguínea escassa do músculo temporal direito; áreas focais arredondadas com 1 cm de diâmetro máximo, dispersas pela região parietal direita; nas partes moles: congestão sanguínea marcada dos planos musculares à direita da linha média; áreas focais de infiltração sanguínea com diâmetro máximo de 1 cm dispersas pelos planos musculares (esternohioideu e omohioideu) bilateralmente; nos vasos e nervos: artérias carótidas comuns com íntima lisa e brilhante; coloração vermelho-vinosa da íntima; no osso hioide: sem fracturas, com infiltração sanguínea dos tecidos moles em torno do grande corno à direita; nas estruturas cartilagíneas: sem fracturas, com infiltração sanguínea dos tecidos moles em torno do corno superior à direita;
ii. na sequência do que ocorreu uma exteriorização de sangue pelas narinas;
iii. na zona do pescoço, uma equimose arroxeada, com 5 x 2 cm de maiores dimensões, ao nível da metade superior da face anterior do pescoço; e uma equimose avermelhada, com petéquias circundantes, medindo 5 x 4 cm de maiores dimensões, ao nível da metade inferior da face anterior do pescoço;
iv. no membro superior esquerdo: várias equimoses arroxeadas, com 1 cm de diâmetro máximo, interessando uma área de 7 x 7 cm de maiores dimensões, na face interna do terço proximal do braço;
v. no membro inferior direito: escoriação com 4 x 1,5 cm de maiores dimensões, no terço distal da face anterior da coxa; membro inferior esquerdo: equimose arroxada com 5 x 2 cm de maiores dimensões, ao nível da crista ilíaca antero-superior; escoriação infracentimétrica, na face anterior do terço distal da perna.
8. Acto contínuo, o arguido abandonou a casa e dirigiu-se para o seu trabalho, na loja ..., onde chegou cerca das 09h51, embora devesse ter iniciado pelas 08h30, não tendo dito nada do que havia feito aos seus familiares.
9. O arguido agiu com o propósito, alcançado, de comprimir o pescoço de DD contra uma superfície de forma contínua, impedindo-a de respirar e, dessa forma, pretendeu tirar a vida da mesma, bem sabendo que se tratava da sua irmã e que os actos que praticou no corpo dela eram perfeitamente aptos a alcançar o resultado que visava, nomeadamente, que o facto de pressionar o pescoço de forma contínua, colocando-se em cima desta, nos sobreditos moldes, provocaria falta de oxigénio, que a levaria à morte.
10. O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente.
11. O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
12. À data dos factos, o arguido padecia de perturbação do espectro do autismo, sem perturbação do desenvolvimento intelectual e sem alteração da capacidade de linguagem funcional, que, no caso do arguido, se caracteriza pela persistência de défices em iniciar ou manter interacções sociais recíprocas, que se podem manifestar em dificuldades na comunicação interpessoal, nos componentes verbais e não verbais; dificuldades na cognição social, com ocorrência de comportamentos que não são modulados de forma adequada tendo em conta o contexto social; dificuldades em fazer e manter relacionamentos com os pares e em partilhar interesses; ou a défices empáticos, com dificuldades na capacidade de imaginar ou responder aos sentimentos, estados emocionais ou atitudes de outros.
13. No caso, o arguido era capaz de avaliar a ilicitude da sua conduta e de se determinar de acordo com essa avaliação, embora a sua capacidade de se autodeterminar apresentasse alguma limitação resultante da perturbação neurodesenvolvimental de que padecia, tal como resulta das características descritas no facto anterior.
14. O arguido não tem antecedentes criminais.
15. À data, o arguido estava integrado no agregado familiar de seu pai (49 anos de idade), técnico de painéis solares e a irmã DD (vítima), estudante.
16. O arguido é o mais velho de uma fratria de 2 irmãos germanos, tem ainda um irmão uterino mais novo.
17. Os pais do arguido mantiveram relação marital durante cerca de 14 anos, tendo a separação do casal ocorrido quando o arguido contava 10 anos de idade.
18. Em ..., o pai do arguido foi preso tendo sido libertado em ....
19. O arguido e a irmã mantiveram-se junto do agregado materno, convivendo regularmente com o pai, com quem o arguido mantem uma relação afectivamente privilegiada.
20. Quando o arguido contava 14 anos de idade, a mãe encetou nova relação marital, que já terminou. A relação do arguido com o irmão mais novo é próxima e gratificante.
21. Quando completou 18 anos (aos 17 anos, já tinha estado um período junto do pai), o arguido foi residir definitivamente para junto deste, local para onde se mudou também a irmã, em .... Não obstante, AA foi mantendo visitas regulares à mãe.
22. O agregado que integrava à data da sua reclusão reside em habitação própria, apartamento de tipologia 3, que apresenta adequadas condições de habitabilidade. A casa localiza-se num bairro conotado com alguns problemas sociais e problemáticas criminais associadas.
23. A nível escolar e formativo o percurso apresenta com alguns constrangimentos, especialmente no 5º ano de escolaridade, devido a situações de bullying físico e psicológico de que foi alvo. Estes acontecimentos foram potenciadores de alguma instabilidade emocional e determinaram quatro retenções naquele ano de escolaridade, segundo referiu. Depois mudou de escola e passou a ter um percurso académico adaptado até ao ano 9º escolaridade.
24. O arguido frequentava a escola ..., em regime nocturno, com vista à conclusão do 12º ano de escolaridade, o que não alcançou em virtude de ter sido preso preventivamente.
25. Em termos laborais, o arguido desempenhava alguns trabalhos em limpezas, em períodos em que substituía funcionários efectivos, em empresas situadas em grandes superfícies comerciais, localizadas na zona da .... Enquanto manteve actividade laboral, o arguido auferia proventos variáveis, dependendo das horas efectivamente trabalhadas.
26. O progenitor aufere, da sua actividade laboral, como trabalhador por conta própria na área dos painéis solares, vencimento médio mensal de €1.300,00. As despesas elencadas relacionam-se com os consumos domésticos (água, luz e gás) num valor médio mensal de €120,00, bem como o pagamento da amortização pelo valor mensal de €110,00 de uma outra habitação que, entretanto, adquiriu.
27. O arguido tinha como hobbies frequentar o ginásio, onde fazia treinos de musculação. O arguido mantinha um pequeno círculo de amigos.
28. Decorrente da atitude de introversão e de dificuldade no estabelecimento de relações sociais, que identificaram no decorrer da infância do arguido, os progenitores diligenciaram no sentido de o mesmo frequentar consultas de psicologia. Foi então orientado para consultas de pedopsiquiatria e diagnosticado com a síndrome referida e passou a fazer toma de medicação para esta problemática.
29. Com cerca de 16 ou 17 anos, AA terá deixado a medicação, recusando a sua toma, passando depois a recusar também as consultas.
30. Presentemente, em contexto prisional, o arguido mantem acompanhamento psicológico e psiquiátrico e por se encontra estável a nível emocional não faz qualquer tipo de medicação.
31. Os pais do arguido visitam o arguido regularmente no Estabelecimento Prisional.
32. Em contexto prisional o arguido apresenta um comportamento consentâneo com as normas institucionais e mantem uma postura de algum isolamento, preferindo ficar sozinho na sua cela de habitação, evitando convívio com os demais reclusos.
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B. Factos não provados:
Da audiência de discussão e julgamento, não resultaram provados, com interesse para a decisão da causa, os seguintes factos;
a. Ao longo da convivência com a sua irmã DD, AA foi desenvolvendo uma aversão ao comportamento desta, que considerava e problemático, indo ao arrepio da sua fé cristã e que o foram fazendo afastar-se da mesma.
b. Por força dessa aversão, em data não concretamente apurada, mas alguns meses antes do dia ...-...-2023, formulado a intenção de tirar a vida à sua irmã DD.
c. A perturbação do espectro do autismo de que o arguido padecia originou uma incapacidade em grau substancial, na avaliação das consequências do seu comportamento.
d. A capacidade de AA se determinar de acordo com a avaliação a ilicitude das suas condutas encontrava-se sensivelmente diminuída.
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A restante matéria alegada não foi considerada provada ou não provada, por não ter relevância ou interesse para a decisão da causa, consubstanciar matéria de direito ou matéria conclusiva ou estar em contradição ou ter ficado prejudicado com a matéria de facto dada por assente e não assente.
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C. Motivação:
A decisão do tribunal tem de assentar na convicção da verdade dos factos apurados em audiência de julgamento, convicção essa formada apenas com os elementos probatórios de que é lícito recorrer-se (cfr. artigos 125º, 126º e 355º do Código de Processo Penal).
(…)
o Tribunal Colectivo analisou e examinou a prova produzida em audiência de julgamento e assentou a sua convicção:
Nas declarações tomadas ao arguido e nos depoimentos prestados pelo militar da ..., EE, e na Inspectora da Polícia Judiciária, FF, que se deslocaram ao local, no exercício de funções e competências, e pelas testemunhas, HH, II e BB, respectivamente, avó e progenitores do arguido e da vítima, bem assim JJ, colega de trabalho da progenitora, KK, namorado da vítima, LL, amiga da vítima, MM, padrasto da vítima, NN, amigo do arguido, OO, gerente da ... situada na ...; bem assim as testemunhas PP, QQ e RR (dispensa-se a reprodução do teor, por se encontrarem registados pelo sistema de gravação sonoro);
Acolheu-se o teor da prova pericial, de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 163º do Código de Processo Penal, nos seguintes termos:
Relatórios periciais de criminalística biológica constantes de fls. 327 a 332, de fls. 533 a 536, de fls. 693 a 696, de fls. 725 a 730; de fls. 1323 a 1330; de fls. 1407 a 1411; de fls. 1412 a 1416; e de fls. 1769 a 1772v.;
- Relatório preliminar da autópsia médico-legal junta a fls. 429 a 431v.;
- Relatório final da autópsia médico-legal constante de fls. 528 a 532v.;
- Relatório pericial ao telemóvel de DD, a vítima de fls. 645 a 674;
- Relatório final do serviço de química e toxicologia forenses de fls. 801;
- Relatório pericial de física de fls. 220 e de fls. 805 a 808;
- Relatório da perícia psiquiátrica forense de fls. 1418 a 1424, complementada pelo teor dos esclarecimentos prestado pelo Ex.mo Perito subscritor (cfr. acta de audiência de julgamento de .../.../2025);
Em conjugação com o teor da prova documental, designadamente:
- Auto de notícia, de fls. 8 e 9;
- Verificação de óbito com o nº 121388, de fls. 10;
- Relatório de inspecção judiciária, de fls. 33 a 75;
- Auto de apreensão, de fls. 75 e fls. 847;
- Mensagens de fls. 80 a 81, de fls. 213, de fls. 250 a 260;
- Auto de Triagem de fls. 85;
- Fotografias da realização da autópsia de fls. 177 a 194;
- Informação da entidade patronal do arguido, na ..., de fls. 287 e 288 com imagens de fls. 289;
- Informação ... / ... de fls. 311 e ss., contendo cópia da cronologia de ocorrência do ... (...) e cd a fls. 319;
- Análise dos registos telefónicos do telemóvel de DD de fls. 571 e ss.;
- Análise dos registos telefónicos do telemóvel do arguido de fls. 596 e ss.;
- Auto de diligência de fls. 1016 a 1018;
- Auto de visionamento de conteúdo informático de fls. 1349 a 1350;
- Intercepções telefónicas, designadamente as sessões 34, 265, 271, 593, 962 e 1076, com as respectivas transcrições juntas de fls. 1335 a 1348;
- Certificado de registo criminal do arguido de fls. 1680v.; e
- Relatório social referente à situação pessoal e social do arguido de fls. 1689 a 1691v..
Apreciados estes elementos probatórios entre si, temos que, no dia ...-...-2023, o cadáver de DD foi encontrado no interior da habitação, sita na ..., pela testemunha HH, avó paterna, tendo sido accionados os meios de socorro pelas 11h13, conforme decorre com precisão da informação SNS / INEM de fls. 311 e ss., que contém cópia da cronologia de ocorrência do Centro de Orientação de Doentes Urgentes (...), por referência ao cd de fls. 319, de onde se extrai igualmente que, logo após 8 (oito) minutos, a VMER chegou ao local.
Ficou igualmente provado, como decorre do depoimento prestado pelo militar da Guarda Nacional Republicana de ..., EE, que redigiu e subscreveu o auto de notícia de fls. 8 e 9 (cópia), cujo original foi junto a fls. 22 a 23v., que o médico de serviço presente na ... logo declarou o óbito de DD, pelas 11 horas e 30 minutos, conforme verificação de óbito com o nº 121388 (cfr. fls. 10).
Concatenados os supra elencados elementos probatórios, temos que a vítima foi encontrada na sala da habitação, em posição de decúbito ventral com ambos os braços abertos, com os pés à entrada da cozinha, cabeça em direcção à janela da sala, junto à extremidade do sofá (cerca de 40 centímetros), já com rigidez cadavérica e livores, bem assim alguns cabelos nas suas mãos e uma a mancha de sangue à volta da sua cabeça, tal como resulta da observação das fotografias do relatório de inspecção judiciária de fls. 51 e ss., nomeadamente de fls. 54 e 58.
Outrossim, temos que não existiam sinais de arrombamento, violência ou entrada forçada, da porta da habitação (cfr. fotografias do relatório de inspecção judiciária de fls. 42 e ss.).
Da prova produzida em audiência de julgamento ficou demonstrado que, ao ser encontrado o corpo de DD, foram accionados os meios de socorro e o local foi sido preservado pelos militares da Guarda Nacional Republicana até à chegada da Polícia Judiciária, tal como confirmado pelo militar EE e pela Inspectora FF, tendo todas as autoridades ali presentes usado os equipamentos adequados e necessários, nomeadamente as luvas.
Deste modo, não subsiste dúvida que foram adoptados pelas autoridades presentes os protocolos específicos relativamente à recolha de prova, vestígios ou provas físicas, no local do crime, tendo sido garantida a preservação da integridade da mesma, designadamente a sua autenticidade, rastreabilidade e confiabilidade.
Da prova produzida em audiência de julgamento, destacando-se o teor do relatório de inspecção ao local e o depoimento da Inspectora da Polícia Judiciária, a testemunha FF, ficou demonstrado que a mancha hemática em torno da face de DD é única e não existiam marcas de arrastamento. Como é consabido, o que foi igualmente esclarecido pela Inspectora da Polícia Judiciária, a verificação de sinais vitais não implica mexer no corpo de um cadáver.
No caso, não sendo a descrita mancha hemática à volta da cabeça de DD por transferência, fica necessariamente afastada como decorrência lógica e natural a circunstância de alguém, seja o arguido, seja a avó paterna ou outrem, ter mexido no cadáver, ao deparar-se com o corpo de DD, a fim de verificar os sinais vitais, tanto mais considerando que já apresentava rigidez cadavérica e livores, conforme supra mencionado.
Da prova produzida em audiência de julgamento, destacando-se o relatório da autópsia médico-legal, temos que a vítima não apresentava qualquer fractura, hematoma ou lesão contundente na zona da cabeça correspondente ao evento sangrante (mancha hemática à volta da cabeça).
Com efeito, de acordo com o relatório de autópsia médico legal constante de fls. 528 e ss., temos que DD apresentava:
Como sinais gerais: conjuntivas oculares congestionadas e com petéquias dispersas;
Na zona da cabeça: área apergaminhada /escoriada, de coloração avermelhada, medindo 11 x 3 cm de maiores dimensões, ao nível da região mentoniana; edema do couro cabeludo, infiltração sanguínea escassa do músculo temporal direito; áreas focais arredondadas com 1 cm de diâmetro máximo, dispersas pela região parietal direita; e ainda,
Nas partes moles: congestão sanguínea marcada dos planos musculares à direita da linha média; áreas focais de infiltração sanguínea com diâmetro máximo de 1 cm dispersas pelos planos musculares (esternohioideu e omohioideu) bilateralmente; nos vasos e nervos: artérias carótidas comuns com íntima lisa e brilhante; coloração vermelho-vinosa da íntima; no osso hioide: sem fraturas, com infiltração sanguínea dos tecidos moles em torno do grande corno à direita; nas estruturas cartilagíneas: sem fraturas, com infiltração sanguínea dos tecidos moles em torno do corno superior à direita;
Na sequência do que ocorreu uma exteriorização de sangue pelas narinas.
Na zona do pescoço: equimose arroxeada com 5 x 2 cm de maiores dimensões, ao nível da metade superior da face anterior do pescoço e equimose avermelhada, com petéquias circundantes, medindo 5 x 4 de maiores dimensões, ao nível da metade inferior da face anterior do pescoço.
Como lesões antemortem, verificou-se que o membro superior esquerdo da vítima apresentava várias equimoses arroxeadas, com 1 cm de diâmetro máximo, interessando uma área de 7 x 7 cm de maiores dimensões, na face interna do terço proximal do braço, o que evidencia que DD foi imobilizada e controlada pelo agressor com muita força, tendo sido agarrada e manietada pelo braço, junto à zona da axila e no lado interno.
Também como lesões antemortem, temos que o membro inferior direito da vítima ostentava escoriação com 4 x 1,5 cm de maiores dimensões, no terço distal da face anterior da coxa (sendo que a face anterior da coxa é a região frontal da coxa, que vai do quadril ao joelho, sendo o terço distal a parte inferior ou mais próxima do joelho).
Como se extrai das conclusões, quer do relatório preliminar da autópsia médico-legal, quer do relatório final de autópsia médico-legal, constantes respectivamente de fls. 429 a 431v. e de fls. 528 a 532, as lesões traumáticas encontradas no corpo de DD ao nível da cabeça e pescoço denotam que foram produzidas por traumatismo de natureza contundente, sendo compatíveis, talqualmente consignado pelo Perito Médico, com a compressão extrínseca do pescoço, conforme decorre igualmente das fotografia de fls. 63 e ss. e de fls. 177 e ss., bem assim, em concreto, das fotografias de fls. 191 e 193, onde se visualizam as petéquias extensas e intensas na zona do pescoço e do peito.
Além das petéquias existentes no pescoço e no peito, ficou demonstrado que DD apresentava também petéquias em ambos os olhos, que se apresentavam muito inchados e muito vermelhos, sendo de forma mais exuberante no olho esquerdo, que tal como evidenciado a fls. 179 e 190, ainda apresentava evento sangrante no momento da autópsia, o que igualmente foi mencionado ao longo do depoimento prestado pela Inspectora da Polícia Judiciária. As petéquias surgem, como é consabido, quando existe uma obstrução ou constrição muito forte duma zona do corpo humano num determinado objecto, não conseguindo consequentemente o sangue passar e sair daquele local, pelo que acaba por derramar e vazar aqueles vasos capilares. Assim, a quantidade e dispersão das petéquias na zona comprimida e áreas circundantes são determinadas pela natureza e dimensão do objecto sobre o qual a zona do corpo é empurrada, bem assim o lapso temporal da compressão e a força exercida sobre o mesmo. Daqui decorre necessariamente que, no caso concreto, atento o número de petéquias e a extensão do corpo em que as mesmas surgiram, temos que o pescoço da vítima foi necessariamente comprimido pelo agressor com muita força contra um objecto de natureza contundente extenso, o que implicou mais violência e sofrimento para DD.
Atentas as lesões antemortem descritas, o único objecto sólido compatível em termos de tamanho, altura, rugosidade e textura é o braço do sofá existente na sala da habitação, onde DD foi surpreendida, tendo o seu corpo sido encontrado a cerca de quarenta centímetros de distância do encosto do lado direito.
Neste particular, atento o relatório pericial LPC- Física de fls. 220 e de fls. 805 a 808, conclui-se que o material de revestimento do aludido sofá terá sido utilizado com elevadíssima probabilidade para compressão extrínseca do pescoço da vítima contra o braço lateral direito, uma vez que, sendo composto por dois materiais sobrepostos, embora o primeiro apresente uma rugosidade mínima (0,4mm de napa), verifica-se que o segundo, situado abaixo destoutro mais superficial, apresenta elevado padrão de rugosidade (1,0mm compostos de algodão, acetato e poliéster), sendo capaz de provocar a lesão presente no pescoço da vítima, ou seja, o abrasão que esta apresentava naquela zona (cfr. fotografias de fls. 63 e ss. e de fls. 177 e ss.).
No relatório final de autópsia médico-legal de fls. 528 a 532, conclui-se que a morte de DD deve-se a asfixia mecânica por compressão extrínseca do pescoço, sendo causa de morte violenta, relacionada com as lesões traumáticas cervicais descritas, designadamente a lesão evidente no pescoço e a quantidade e extensão das petéquias encontradas no pescoço, no peito e nos olhos, nos sobreditos moldes.
Ademais, as lesões existentes no membro superior esquerdo são compatíveis com a situação de controlo e manietação efectuada pelo agressor mediante a pressão de dedos na parte interna do braço da vítima.
Também as lesões existentes no membro inferior direito são conciliáveis com a circunstância da vítima encontrar-se ajoelhada no chão, encontrando-se o seu pescoço a ser comprimido contra o braço do sofá.
Desta forma, fica demonstrado que a asfixia mecânica por compressão extrínseca do pescoço da vítima, nos sobreditos moldes, implica necessariamente que esta esteja numa posição inferior, ajoelhada no chão, presa pelos braços e com a zona do pescoço contra o braço do referido sofá, e que o agressor esteja numa posição superior e por trás daquela, exercendo sempre muita força e compressão na garganta, atenta a violência e extensão das lesões supra descritas.
Nestas circunstâncias, reagindo como qualquer pessoa por instinto de sobrevivência e debatendo-se por oxigénio, a vítima tem a tendência para tentar afastar a agressão, levando necessariamente as suas mãos na direcção dos seus órgãos primordiais, que pretende defender (no caso, o pescoço e a cabeça), ou na direcção do próprio agressor, o que implica necessariamente que o toque, puxe, agarre, arranhe e fira.
Em concreto:
No caso, conforme supra consignado, temos que, além da macha hemática à volta da sua cabeça, DD apresentava as mãos fechadas sobre si mesma, em constrição antemortem, contendo cabelos em ambas.
Do teor do relatórios periciais de criminalística biológica constante dos autos, decorre que os cabelos respeitam a DD, uma vez que, como resultado desse item, foi apenas identificado o seu perfil genético.
A circunstância de DD ter as mãos fechadas sobre si mesma, em constrição antemortem, contendo os próprios cabelos é compatível com situações de asfixia violenta (esganadura), uma vez que, na descrita circunstância, DD, como qualquer vítima a debater-se pela vida, ao tentar chegar ao agressor, que se encontrava atrás de si e numa posição superior, conforme supra mencionado, apenas logrou alcançar o seu próprio cabelo, atento o comprimento e densidade do mesmo (cfr. fotografias fls. 51 e ss. e de fls. 177 e ss.), assim fechando as mãos sobre si própria.
Da prova produzida em audiência de julgamento, temos ainda que DD tinha as unhas curtas por praticar onicofagia, tendo o hábito de roer as unhas dos dedos das mãos.
A recolha de raspado subungueal revela vestígios ali depositados, entre os quais necessariamente amostras de material genético das últimas pessoas com as quais a vítima contactou em vida, tanto mais considerando que, no caso, DD tinha o hábito de onicofagia.
Analisado o raspado subungeal, do teor do relatórios periciais de criminalística biológica juntos aos autos, temos como conclusão que:
Os raspados subungueais da mão direita (C1) e da mão esquerda (C1), revelaram ambos a presença um perfil genético de mistura (feminino e masculino, XY), compatível com os perfis da vítima e do arguido (ADN autossómico); bem assim que
Os raspados subungueais da mão direita (C1) e da mão esquerda (C1), revelaram a presença misturas de haplótipos do cromossoma Y compatíveis com os haplótipos do arguido (o ADN do cromossoma Y reforça as conclusões anteriores relativas ao ADN autossómico.)
Também do teor dos relatórios periciais criminalística biológica juntos aos autos, resulta de forma unívoca que foram identificados perfis genéticos compatíveis com o perfil do arguido, além da DD, em várias zonas da roupa que esta trazia vestida no momento da sua morte; assim:
Na t-shirt (C3) e nos calções (C3), a presença de um perfil genético masculino (XY), incompleto, coincidente nos marcadores identificados com o perfil do arguido (ADN autossómico) e a presença de um haplótipo do cromossoma Y, incompleto, coincidente com o haplótipo deste (ADN do cromossoma Y, que reforça as conclusões relativas ao ADN autossómico).
Ainda nos calções (C1, C2), a presença de perfis genéticos de mistura (XY), incompletos, compatíveis com o perfil do arguido (ADN autossómico) e a presença de um haplótipo do cromossoma Y, coincidente com o do arguido (ADN do cromossoma Y, que reforça as conclusões relativas ao ADN autossómico).
Ademais, foram encontradas manchas hemáticas circulares e gravitacionais na t-shirt vestida por DD, posicionadas no lado posterior direito, junto ao ombro desta, concluindo-se quanto a estas, conforme decorre do teor dos relatórios periciais de criminalística biológica juntos aos autos, que:
Na t-shirt (C4), identificou-se a presença um perfil genético de mistura (feminino e masculino, XY), compatível com os perfis da vítima e do arguido (ADN autossómico).
Na t-shirt (C4), a presença de mistura de haplótipos do cromossoma Y compatível com os haplótipos do arguido (ADN do cromossoma Y, que reforça as conclusões relativas ao ADN autossómico).
Concatenados estes elementos probatórios, temos que o perfil genético do arguido foi encontrado por diversas vezes e localizado no lado posterior ao longo da roupa (calções e t-shirt) que DD vestia no momento da sua morte, ressaltando a existência de manchas hemáticas do arguido - t-shirt (C4).
Em face das descritas manchas hemáticas, sendo as mesmas circulares e gravitacionais, significa que a origem das mesmas está em plano superior ao local onde as gotículas caíram por impacto, pelo que o autor daquelas manchas hemáticas está necessariamente em plano superior em relação à parte posterior da t-shirt vestida pela vítima, que se encontra em baixo relativamente ao agressor.
O mesmo é afirmar que, sendo estas manchas hemáticas circulares e gravitacionais respeitante ao perfil genético do arguido, este esteve necessariamente atrás de DD, tal-qualmente demonstra o ADN e haplótipos do cromossoma Y encontrados na t-shirt e nos calções, nos moldes supra descritos, mas também em cima desta, porquanto as descritas gotículas hemáticas foram afectadas pela força da gravidade e caíram, por impacto, no lado posterior junto ao ombro direito da t-shirt vestida por DD, que se encontrava posicionada em plano inferior.
Assim, concatenados os elementos probatórios supra elencados entre si, temos que, sendo estas manchas hemáticas circulares e gravitacionais, nos moldes supra descritos, não é verosímil que as mesmas tenham surgido de uma ferida que o arguido alegou ter na mão, por praticar dermatilomania (hábito de tirar crostas de feridas).
Desde logo porque, não se tratando de manchas hemáticas por transferência (como sucede com um outro vestígio hemático encontrado na maçaneta da porta do quarto do arguido, nos termos que infra ficam expostos), a existência das gotículas supra descritas não é compatível com a dinâmica dos factos descrita pelo arguido na versão por si apresentada, ao alegar que apenas segurou e tocou por trás em DD.
Esta dinâmica descrita pelo arguido, ao longo das declarações tomadas ao próprio, não tem o mínimo de correspondência, nem se mostra compatível, com os vestígios encontrados, no corpo e na roupa de DD, nos termos supra expostos.
Por outro lado, o evento sangrante decorrente da reabertura de uma ferida que o arguido alegou ter na mão, por ter retirado a crosta recentemente, teria de ser suficientemente grande e abundante para verter gotículas – tanto mais que as gotas de sangue do arguido teriam de pingar exactamente por cima da t-shirt da vítima, conforme supra exposto; o que não se mostra plausível, em face da prova produzida em audiência de julgamento, destacando-se o depoimento da Inspectora da Polícia Judiciária, a testemunha FF, que de forma espontânea, clara e segura, relatou pormenorizadamente que, durante a realização da inspecção ao local, pediu ao arguido a chave do seu quarto, que se encontrava trancado, tendo essa entrega sido feita pelo próprio directamente em mão, não existindo, nessa ocasião, ou em qualquer outro momento, uma ferida no arguido, seja nas mãos, nos braços (encontrava-se de t-shirt preta) ou na face.
Afastada, desta forma, a circunstância do arguido, à data, se encontrar ferido na mão por ter retirado uma crosta, temos que, concatenados os supra elencados elementos probatórios entre si, não se suscita dúvida que o arguido esteve necessariamente atrás e em cima de DD, nos termos supra descritos e evidenciados.
Tão-pouco se suscita dúvida que o perfil genético do arguido foi encontrado, conforme supra descrito, no raspado subungueal de DD.
Interpretados estes elementos probatórios à luz da dinâmica dos factos, nos moldes supra descritos, temos que a vítima, reagindo como qualquer pessoa por instinto de sobrevivência e debatendo-se por oxigênio, tocou no arguido, agarrou-o e, certamente, feriu-o, certamente na única zona de fácil sangramento, por se tratar de área extremamente sensível e fortemente irrigada, mas que também se estanca facilmente, que é o nariz, tendo sangrado inadvertidamente por cima de DD, posicionando-se as gotículas na zona posterior, junto ao ombro direito, da t-shirt desta.
No que respeita à mancha hemática na maçaneta da porta do quarto do arguido, identificada como vestígio 1 com a refª V00084004 (indicador de sangue, a fls. 73), verifica-se que esta não resulta de projecção de líquido, ou seja, não respeitam a gotícula hemática gravitacional, como supra referido relativamente aos vestígios hemáticos encontrados na t-shirt de DD.
Esta mancha hemática, vestígio único e com bastante presença, encontrada na maçaneta da porta do quarto do arguido, que como decorre da prova produzida em julgamento se encontrava sempre trancada à chave (o arguido não permitia a entrada no seu quarto a ninguém), apenas é explicada naquele local específico por transferência (cfr. fotografias de fls. 53).
Do teor do relatório pericial de criminalística biológica junto aos autos, temos que esse vestígio 1 com a refª V00084004 respeita à zaragatoa limpeza 4, extrai-se que, como resultado desse item, foram identificados perfis genéticos compatíveis com o perfil do arguido e com o perfil de DD.
Concatenados estes elementos probatórios com os demais, nos moldes supra descritos, temos que o sangue da vítima encontrado naquele local específico teve de ser transferido pelo arguido, porquanto o perfil genético deste também foi ali identificado, o que ocorreu necessariamente após a morte de DD, ao posicionar o corpo desta no chão, mexendo no cadáver e no sangue que dele começou a sair.
Com efeito, em face da prova produzida em audiência de julgamento, conforme supra exposto, o corpo de DD foi encontrado na sala da habitação, em posição de decúbito ventral com ambos os braços abertos, com os pés à entrada da cozinha, cabeça em direcção à janela da sala, junto à extremidade do sofá (cerca de 40 centímetros), pelo que não se suscita dúvida que o arguido teve necessariamente de mexer no mesmo e posicioná-lo desta forma.
Assim e afastada, nos termos supra explanados, a circunstância do arguido, à data, se encontrar ferido na mão por ter retirado uma crosta, temos que, ao sangrar - atentas as manchas hemáticas circulares (por impacto) e gravitacionais (de cima para baixo) com o seu perfil genético encontradas na zona posterior da t-shirt da vítima -, o arguido teve necessariamente que levar a mão com que posteriormente descerrou a maçaneta da porta do quarto ao seu evento sangrante, que surgiu, nos moldes supra expostos, sendo tanto mais compatível com uma pancada no nariz, em face da abundância do vestígio ali encontrado.
Daqui decorre a demonstração que o arguido descerrou com a sua mão a porta do seu quarto, em momento posterior à morte de DD e ao seu evento sangrante, na sequência do que sujou a maçaneta com o seu próprio sangue e o da irmã, por transferência.
Na senda de todo o supra exposto, temos que os vestígios hemáticos encontrados nos sobreditos moldes, quer no corpo de DD, quer nas peças de vestuário desta, bem assim na maçaneta da porta do quarto do arguido, apresentavam de forma unívoca o perfil genético do arguido, irmão da vítima.
Em face da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento resulta que DD esteve ausente de casa no fim de semana que imediatamente antecedeu a sua morte, tendo regressado à habitação onde se encontrava o seu pai e o arguido na noite do dia anterior, pelas 23h52 (cfr. mensagem enviada ao namorado, a testemunha KK, constante da fotografia de fls. 252), ou seja, escassas horas antes da sua morte.
Ademais, a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento foi unânime em confirmar que o arguido não se relacionava com a irmã, DD, sendo que não só mantinha com esta uma relação de distanciamento e desapego, como de ausência de afectividade, evitando até qualquer contacto físico. Neste particular, não ficou demonstrado, em face à prova produzida em audiência de julgamento, que o arguido tivesse desenvolvido aversão à DD e ao seu comportamento, na sequência do que formulara a intenção de lhe tirar a vida. Tão-pouco ficou demonstrado que, à data, o arguido frequentasse a igreja. Daqui decorre negativamente ajuizada a matéria factual descrita como não provada em a. e b..
Outrossim, em face da prova produzida, ficou terminantemente afastada a hipótese de a vítima vestir roupa do arguido ou, inclusive, deste tratar, lavar e arrumar a roupa da irmã mais nova.
Do depoimento prestado pela testemunha BB, temos que este esteve com o arguido e a vítima DD, na habitação, da qual se ausentou para ir trabalhar, tendo deixado os filhos sozinhos em casa, após o que ligou à filha e falou com esta, pelas 07h07 (cfr. 80 e 81, sustentado pelo teor do relatório pericial ao telemóvel da vítima de fls. 645 a 674).
Neste particular, importa esclarecer que não foi encontrado o perfil genético de ADN de seu pai, a testemunha BB.
Importa, igualmente, salientar que um dos perfis genéticos também identificados nas unhas das mãos de DD e numa peça de roupa íntima desta respeita ao perfil genético do namorado, a testemunha KK, com quem a vítima se relacionava intimamente, pelo que tais vestígios não respeitam aos factos sub judice (cfr. mensagens de fls. 250 e ss., confirmado pelo teor do depoimento prestado pelo próprio).
Ainda no que respeita à multiplicidade de perfis genéticos de ADN, do teor dos relatórios periciais de criminalística biológica efectuados, na senda da investigação realizada, e constante dos autos, resulta à saciedade que foram efectuadas diversas perícias de ADN, por despiste, designadamente com os perfis genéticos de CC (mãe, fls. 103 a 104); BB (pai, fls. 114 a 115); KK (namorado, fls. 442 a 445); SS (fls. 446 a 450), TT (ex-namorado, fls. 451 a 555); UU (fls. 1094), VV (fls. 1087), WW (fls. 1089), XX (fls. 1088), YY (fls. 1090), ZZ (fls. 1091), AAA (fls. 1097), BBB (fls. 1096), CCC (fls. 1095), ZZ (fls. 1091), DDD (fls. 1092), EEE (fls. 1191) e FFF (fls. 1093).
Ora, em face das conclusões constantes dos relatórios criminalística biológica junto aos autos, todos estes perfis tiveram resultado negativo.
Assim e concatenados os elementos probatórios supra elencados, temos por seguro e claro que apenas o perfil genético do arguido (manchas hemáticas, ADN - ADN autossómico e ADN do cromossoma Y) foi encontrado quer no raspado subungueal, quer nas roupas, calções e na t-shirt, utilizados pela vítima, bem assim na maçaneta da porta do quarto, nos termos supra consignados, o que evidencia à saciedade a existência de contacto directo e a sua acção imediata sobre o corpo de DD.
Da conjugação e interpretação dos resultados e conclusões dos exames periciais juntos aos autos, fica demonstrado que além da presença do perfil genético do arguido nas unhas das mãos da vítima, foram encontrados vestígios em todo o alinhamento da zona posterior da roupa da vítima, respeitando os mesmos unicamente ao perfil genético do arguido.
Ademais, o vestígio hemático respeitante ao perfil genético do arguido encontrado especificamente na parte posterior e superior, junto ao ombro direito da vítima, é conciliável com uma posição de superioridade física do agressor de DD, uma vez que, conforme supra exposto, atenta a lesão provocada na zona frontal do pescoço desta, o agressor teve necessariamente que estar num plano superior e por trás, não sendo viável outra dinâmica dos factos, nem verosímil a versão aventada pelo arguido, ao alegar que, naquela manhã, apenas esteve a segurar na sua irmã, por trás, enquanto estava falava com pessoas, cuja identidade ou descrição tão-pouco logrou fornecer, a quem alega ter franqueado a porta da residência comum, sendo que se ausentou-se da sala quando a irmã ainda se encontrava viva, deixando-a contudo à mercê daqueles.
Concatenados os elementos probatórios supra elencados, conclui-se que o arguido esteve, mediante contacto físico directo e imediato com a parte posterior do corpo da vítima, sobre a qual necessariamente se posicionou (ficando num plano superior), momento em que pressionou e comprimiu de forma violenta e contínua a zona frontal do pescoço desta contra o braço do aludido sofá, enquanto a mesma se debateu por oxigénio e pela vida, tendo levado as mãos na direcção dos seus órgãos primordiais, que pretendeu primariamente defender (no caso, o pescoço e a cabeça), e na direcção do próprio agressor, que a impedindo de sair da situação, implicando necessariamente a existência de vestígios biológicos do arguido, com quem tem contacto físico directo e imediato.
Concatenados estes elementos probatórios entre si, não subsiste dúvida quanto à acção directa e controlo efectivo do corpo de DD pelo arguido, nos sobreditos moldes. Foi nestas concretas circunstâncias que ocorreu a morte de DD, por asfixia mecânica por compressão extrínseca do pescoço, atentas as lesões descritas no relatório final da autópsia médico-legal junto aos autos.
Em acto contínuo, nos moldes supra explanados, o arguido mexeu e posicionou o corpo de DD, após a sua morte, na sala da habitação, em posição de decúbito ventral com ambos os braços abertos, com os pés à entrada da cozinha, cabeça em direcção à janela da sala, junto à extremidade do sofá (cerca de 40 centímetros), onde foi encontrado posteriormente, com uma mancha de sangue à volta da sua cabeça, vestígio único e sem marcas de arrastamento, como decorre da prova produzida em audiência de julgamento.
A mancha hemática existente sob a cabeça de DD resulta, apenas e tão-somente, da forte constrição sanguínea que, após a morte, surgiu pelos orifícios naturais, designadamente o nariz e os olhos, tal como descrito no relatório de autópsia médico-legal de fls. 529 a 532v., seguindo o curso normal da gravidade e escorrendo para o chão onde a vítima foi colocada, a final, e deixada com a face para baixo.
Tal factualidade representa necessariamente uma manipulação do cenário e local onde os factos foram praticados pelo arguido, no momento imediatamente subsequente à morte da vítima, até ao momento em que abandonou a casa e foi trabalhar para a loja ..., onde chegou cerca das 09h51 (cfr. informação da entidade patronal do arguido, na ..., de fls. 287 e 288 com imagens de fls. 289).
Neste particular, denota-se cuidado extremo em manipular a verdadeira dinâmica dos factos, ocorrida naquela habitação, uma vez que, após a mobilização do corpo de DD, já inanimado, o arguido colocou um balde de limpeza do chão entornado junto aos pés e uma esfregona por cima do corpo, ensopando as roupas da vítima e o solo que a rodeava, em tudo se assemelhando a uma queda brusca acidental, mas fatal.
Contudo, a queda numa tal circunstância não é minimamente compatível com a posição final do corpo da vítima, que caso tivesse caído desamparado no chão, sempre apresentaria como consequência uma lesão contundente na cabeça, designadamente um
hematoma na face ou nariz fracturado, bem assim teria levado as mãos ao solo, por forma a amparar a queda, não ficando com ambos os braços abertos, posicionados ligeiramente para baixo (cfr. fotografias do relatório de inspecção judiciária de fls. 51 e ss., nomeadamente de fls. 54 e 58).
Outrossim, tão-pouco é minimamente compatível com o demais cenário, o descarte da câmara de filmar da ..., que se encontrava junto à televisão da sala, localizada em frente ao sofá.
Da conjugação do depoimento da Inspectora da Polícia Judiciária com o relatório da inspecção de fls. 33 e ss., decorre a existência de uma camada de pó resultante de acúmulo temporal no móvel da sala, encontrando-se a ... mexida, torta e mais para fora (cfr. fls. 45, 67 e 68, levando a indicar que alguém teria mexido na cablagem e retirado um objecto sobre a televisão, atenta a ausência de pó em formato de rectângulo.
A câmara de filmar da ... foi encontrada no interior do balde de lixo doméstico, existente na cozinha, estando encoberto por amontoado de desperdício (ver fotografias de fls. 48). Este objecto tem formato e dimensão que encaixa perfeito relativamente à ausência de pó desenhada sobre a televisão da sala de estar, pelo que a aludida câmara de filmar fora necessariamente removida recentemente do seu local original e descartada no lixo doméstico.
Acresce a todo o exposto acerca da manipulação do cenário que o telemóvel de DD foi localizado em perfeito alinhamento no braço esquerdo do sofá, ou seja, na lateral mais longe do cadáver, próximo de um dos dois comandos de ....
Neste particular, temos que da conjugação do depoimento da Inspector da Polícia Judiciária com a perícia realizada pela ... - PJ (fls. 173 e 645 a 674) ao telemóvel de DD resulta que foi formatado e restaurado para as configurações de origem de fábrica, processo que demorou 2 (dois) minutos e 50 (cinquenta) segundos, verificando-se o términus da intervenção às 8 horas, 34 minutos e 52 segundos. O código de acesso ao telemóvel da DD era a data de nascimento do arguido, seu irmão mais velho.
Neste particular, apreendido o telemóvel do arguido a .../.../2024 (cfr. a fls. 847), atento o teor do auto de visionamento de conteúdo informático de fls. 1349 a 1350, importa considerar que, não obstante o lapso temporal decorrido, foi possível verificar que também este dispositivo fora formatado pelo arguido, sendo possível ainda determinar que este procedeu à eliminação de conteúdos do seu equipamento telefónico entre os dias .../.../2023 e .../.../2023, ou seja, no lapso temporal que compreende a data em que ocorreram os factos sub judice.
Ademais, do aludido relatório pericial ao telemóvel de DD, constante de fls. 645 a 674, extrai-se que, embora este dispositivo tivesse sido formatado e restaurado para as configurações de origem de fábrica, foi possível efectuar a extracção de dados, conforme decorre em concreto de fls. 668, não tendo sido identificada entre os mesmos a presença mensagens de índole ameaçadora ou conflitos com terceiros, o que infirma, mais uma vez, a versão apresentada pelo arguido de que a irmã estaria a ser ameaçada por terceiros, por questões relacionadas com o consumo de produto estupefaciente, que o contactaram a fim de facilitar o acesso à sua habitação e ajustar contas com a irmã naquele dia.
Conjugado o teor deste relatório com a análise dos registos telefónicos do telemóvel de DD de fls. 571, bem assim das fotografias do ecrã de fls. 80 e 81, fica demonstrado que DD recebeu uma chamada de seu pai com quem falou pelas 07h07, conforme confirmado pela própria testemunha BB.
Outrossim, DD trocou mensagens com o namorado, a testemunha KK, tendo ficado offline das redes sociais pelas 07h20, conforme consignado no teor do relatório pericial de 645 a 674, circunstância que foi confirmada no depoimento prestado pelo próprio (cfr. mensagens de fls. 252 e ss.).
Daqui decorre a demonstração das circunstâncias de tempo em que ocorreram os factos sub judice, no lapso temporal compreendido necessariamente entre as 07h20, momento em que o telemóvel deixa de estar contactável, e as 08h32, momento em que o dispositivo passa a ser livremente manuseado e se iniciou a formatação pelo arguido.
No que respeita à convicção acerca da atitude interna do arguido, importa apreciar e analisar a acção objectivamente praticada pelo arguido considerada provada, à luz da prova produzida em audiência de julgamento, que permite, segundo as máximas da experiência comum, esclarecer a subjectividade da sua acção e revelar a verdadeira vontade.
Desde logo, concatenados os elementos probatórios supra elencados, tal como por si confirmado, resulta evidenciado que o arguido sabia que DD era sua irmã e que vivia consigo na habitação do pai de ambos.
Em face dos sucessivos actos praticados pelo arguido no corpo de DD, nos moldes supra descritos, não se suscita dúvida que agiu com o propósito de comprimir o pescoço de DD contra uma superfície de forma contínua, impedindo-a de respirar e, dessa forma, pretendeu tirar a vida da mesma, bem sabendo que os actos que praticou no corpo desta eram aptos a alcançar o resultado que visava, nomeadamente, que o facto de pressionar o pescoço de forma contínua, colocando-se em cima desta, nos sobreditos moldes, provocaria falta de oxigénio, que a levaria à morte.
O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal. Das declarações do próprio arguido, o arguido revela capacidade de entendimento e juízo crítico sobre factos de natureza idêntica aos que lhe são imputados, reconhecendo a sua ilicitude e gravidade.
Com efeito, do teor do relatório pericial de psiquiatria forense, junto de fls. 1418 a 1424 resulta que não se apuraram no momento da avaliação pericial alterações do nível da consciência nem na capacidade de orientação nas referências pessoais, temporais ou espaciais ou défices mnésicos; não se apuraram no momento da avaliação pericial alterações da vivência do eu ou alterações do curso, forma, posse ou conteúdo do pensamento com claro significado psicopatológico. Ademais, a avaliação clínica é claramente compatível com um nível de desempenho intelectual dentro de valores normativos.
Apenas foi apurada alguma limitação nos défices empáticos e dificuldades no contacto interpessoal recíproco compatíveis com a formulação do diagnóstico de ‘perturbação do espectro do autismo’.
Com efeito, ficou demonstrado que, à data, o arguido padecia de perturbação do espectro do autismo, sem perturbação do desenvolvimento intelectual e sem alteração da capacidade de linguagem funcional.
No caso do arguido e de acordo com o mencionado no aludido relatório pericial de psiquiatria forense, em concreto a fls. 1922 e 1922v., transcreve-se:
“A perturbação neurodesenvolvimental acima citada caracteriza-se pela persistência de défices em iniciar ou manter interações sociais recíprocas, que se podem manifestar em dificuldades na comunicação interpessoal, nos componentes verbais e não verbais; dificuldades na cognição social, com ocorrência de comportamentos que não são modulados de forma adequada tendo em conta o contexto social; dificuldades em fazer e manter relacionamentos com os pares e em partilhar interesses; ou a défices empáticos, com dificuldades na capacidade de imaginar ou responder aos sentimentos, estados emocionais ou atitudes de outros.”; e
“(…), o curso da perturbação do espectro do autismo geralmente é crónico, com persistência dos défices nas capacidades de comunicação e interação interpessoal, embora sejam frequentes variações ao longo do ciclo de vida do impacto funcional das limitações, nomeadamente nos quadros em que as manifestações clínicas são mais ligeiras, como é o caso do examinando”, ora, arguido.
Atentos os esclarecimentos prestados pelo Perito subscritor, em sede de audiência de julgamento, quanto ao teor do relatório da perícia psiquiátrica forense, em concreto fls. 1922v., não se suscita dúvida que, no caso, o arguido era capaz de avaliar a ilicitude da sua conduta e de se determinar de acordo com essa avaliação, embora a sua capacidade de se autodeterminar apresentasse alguma limitação resultante da perturbação neurodesenvolvimental, nos moldes supra mencionados.
Assim, considerando a natureza da perturbação diagnosticada em concreto e grau da manifestação clínica apurada (supra mencionada como ligeiras), o Perito subscritor explicou e confirmou, em audiência de julgamento, que o arguido era capaz de avaliar a ilicitude da sua conduta e de se determinar de acordo com essa avaliação, embora as características da perturbação neurodesenvolvimental de que padecia implicassem alguma limitação (não em grau substancial) da sua capacidade de se autodeterminar. Daqui decorre negativamente ajuizada a matéria descrita em c. e d. dos factos não provados.
Ainda confirmou o Perito subscritor, em sede de audiência de julgamento, que “o arguido tem capacidade para ser influenciado pelas penas”.
Assim, rectificando em parte as anteriores conclusões, o Ex.mo Perito confirmou que o arguido era capaz de avaliar a ilicitude da sua conduta e de se determinar de acordo com essa avaliação, embora a sua capacidade de se autodeterminar apresentasse alguma limitação resultante da perturbação neurodesenvolvimental de que o arguido padecia, nomeadamente défices empáticos e dificuldades no contacto interpessoal recíproco.
Assim, concatenados os elementos probatórios supra elencados, não se suscitou dúvida acerca da autoria e da dinâmica dos factos praticados pelo arguido, nos sobreditos moldes.
A ausência de antecedentes criminais do arguido decorre do certificado de registo criminal de fls. 1680v..
A situação pessoal e social do arguido resultou do teor do relatório social elaborado pela DGRSP, constante de fls. 1689 e ss.., bem assim das suas próprias declarações e dos depoimentos das testemunhas BB e II, pai e mãe respectivamente.”
* III – Da análise dos fundamentos do recurso
Como é sabido, e resulta do disposto nos artº 368º e 369º ex-vi artº 424º nº 2 , todos do Código do Processo Penal, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso pela seguinte ordem:
Em primeiro lugar das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão.
Seguidamente das que a este respeitem, começando pelas atinentes à matéria de facto, e, dentro destas, pela impugnação alargada, se tiver sido suscitada e depois dos vícios previstos no artº 410º nº 2 do Código do Processo Penal.
Por fim, das questões relativas à matéria de Direito.
Será, pois, de acordo com estas regras de precedência lógica que serão apreciadas as questões suscitadas pelo recorrente, as quais são as indicadas supra e pela ordem ali enunciada.
Quanto à impugnação da matéria de facto.
A matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: uma, através dos vícios previstos no artigo 410.°, n.º 2, do Código do Processo Penal; a outra através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412.°, n.º 3, 4 e 6, do mesmo diploma.
No segundo caso a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nº 3 e 4 do artº. 412.° do Código do Processo Penal.
Nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.
O recurso que impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto "não visa a prolação de uma segunda decisão de facto, antes e tão só a sindicação da já proferida, e o tribunal de recurso em matéria de exame crítico das provas apenas está obrigado a verificar se o tribunal recorrido valorou e apreciou correctamente as provas".(cfr. Ac STJ 7/6/06, proc. 06P763, www.dgsi.pt ).
De facto, "o Tribunal de segunda jurisdição não vai à procura de uma nova convicção, mas à procura de saber se a convicção expressa pelo Tribunal "a quo" tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova pode exibir perante si "
Assim a impugnação ampla da matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «concretos pontos de facto» que o recorrente especifique como incorrectamente julgados, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa.
Precisamente porque o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constitui um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, que o recorrente deverá expressamente indicar, impõe-se a este o ónus de proceder a uma tríplice especificação, estabelecendo o artigo 412.°, n.3, do C.P.Penal:
«3. Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.»
A especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados.
A especificação das «concretas provas» só se satisfaz com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.
Finalmente, a especificação das provas que devem ser renovadas implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1.ªinstância cuja renovação se pretenda e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cfr. artigo 430.° do C.P.P.).
Relativamente às duas últimas especificações recai ainda sobre o recorrente uma outra exigência: havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na acta, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação, pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (n.º 4 e 6 do artigo 412° do C.P.P.). (…).” ( Ac. RC de 3/10/00, CJ., ano 2000, t. IV, pág. 28).
Porque este Tribunal não opera segundos julgamentos de facto é que o primeiro passo a ter em consideração é o de analisar se a decisão recorrida é desconforme com a prova produzida.
Contudo, para proceder a tal é necessário que o recorrente indique o que é que, na sua apreciação, está errado.
Começaremos por dizer que as conclusões recursais não primam por serem sintéticas e objectivas.
No entanto, do alegado conseguimos descortinar que os factos impugnados pelo recorrente são os elencados sob os nºs 4, 5, 6, 9, 10 e 11. O recorrente menciona ainda os factos 12 e 13 mas aqui não tanto para os impugnar mas para considerar que estes foram mal avaliados o que não constitui, propriamente, uma impugnação factual.
Assim vamo-nos ater aos factos 4, 5, 6, 9, 10 e 11.
No caso concreto destes autos procedeu este Tribunal à audição da totalidade da prova produzida em audiência e gravada em sistema áudio.
Em síntese conclusiva diremos desde logo que a transcrição feita pelo recorrente corresponde ao que foi dito pelo próprio.
Da mesma forma tudo quanto consta da fundamentação da matéria de facto do acórdão recorrido corresponde á realidade, seja no que diz respeito á prova testemunhal, seja no que respeita à prova pericial e documental.
Como já tivemos ocasião de referir, entre outros, no Ac. tirado no processo 491/21.6PFLSB.L1 desta secção em que foi relator o aqui relator: “ Para que o recorrente obtenha ganho de causa neste tipo de impugnação terá de proceder em dois momentos distintos:
Num primeiro momento tem de demonstrar perante o Tribunal ad quem que a escolha probatória do tribunal a quo foi errada, contrária à lógica ou ausente de prova de suporte. Não basta dizer que para além da factualidade apreciada haveria outras versões possíveis com a mesma prova. Neste último caso haveria uma diferente apreciação da prova e esta apreciação (desde que suportada na lógica e nas regras da experiência) seria insindicável. O que o recorrente tem de fazer é demonstrar que o Tribunal a quo errou, que versão que deu como assente não é suportada, quer na lógica, quer na prova. Trata-se de desconstruir a decisão.
Num segundo momento o recorrente tem de demonstrar qual a versão factual que é suportada pelos factos e porquê, indicando quer a prova, quer o raciocínio que da é possível levar a cabo ante a mesma. Trata-se de construir a nova decisão.
Vejamos, então, a questão proposta analisando o primeiro momento recursal, o dito momento de desconstrução.
O Tribunal a quo fundamentou de forma exaustiva onde é que assentou a sua convicção bem como explicou qual o percurso lógico que o levou à afirmação de que o recorrente foi o autor dos factos. A par deste exercício o Tribunal exclui versões alternativas, designadamente a versão do arguido, esclarecendo, designadamente, que o mesmo não foi alheio, mas antes interveniente activo, nos actos que levaram à morte da sua irmã, DD.
O Tribunal, assim, não julgou críveis as declarações do arguido porquanto as julgou impossíveis de terem tido lugar ante a demais prova, incluindo a resultante dos vestígios hemáticos e prova por ADN, e explicou porquê como resulta da fundamentação da matéria de facto acima transcrita.
Assim, o que temos neste recurso é um recorrente a querer impor a este Tribunal a sua visão da prova em detrimento daquela outra que consta do acórdão recorrido sem que para tal demonstre qualquer erro na fixação de factos levada a cabo pelo Tribunal a quo. Não desconstruiu, pois, como lhe competia, a versão afirmada em primeira instância e dada como assente.
Improcede, pois, este segmento recursal não havendo, por esta via, que alterar a matéria de facto.
Outrossim, improcede a questão do in dubio pro reu vertida na conclusão XVI pois que o Tribunal a quo salienta amiúde que não teve dúvidas em dar como assente os factos que deu como assentes e, não havendo dúvidas (relevantes), a regra não se aplica.
Diga-se ainda que, da audição da prova que levamos a cabo, não resulta, de igual forma, quaisquer dúvidas quanto à dinâmica dos factos pelo mesmo ela via do erro de julgamento, a questão não se coloca.
Quanto à questão da Imputabilidade (diminuída) e Perturbação do Espectro do Autismo.
Esta questão não passou, naturalmente, ao lado do acórdão recorrido tendo o colectivo de juízes abordado a questão da seguinte forma:
“Provou-se, ainda, que o arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente e sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
Dos factos provados não se retira qualquer declaração pericial de inimputabilidade penal, que exclua categoricamente a culpa do agente, de acordo com o artigo 20º, n.º 1, do Código Penal.
Dos factos provados tão-pouco se extrai o que se convencionou chamar de “imputabilidade sensivelmente diminuída”, a que poderia ter aplicação o n.º 2 do artigo 20º do Código Penal.
A imputabilidade sensivelmente diminuída não é nenhuma forma de semi-imputabilidade, mas um caso de imputabilidade: o sujeito possui a capacidade de compreender o facto ilícito e de actuar conforme essa compreensão, sendo a capacidade de controlo um conceito gradual e que o sujeito pode estar mais ou menos susceptível de se motivar pela norma e respeitá-la.
No caso dos autos, ficou provado que o arguido padecia de perturbação do espectro do autismo, sem perturbação do desenvolvimento intelectual e sem alteração da capacidade de linguagem funcional, e que no caso do arguido se caracteriza pela persistência de défices em iniciar ou manter interações sociais recíprocas, que se podem manifestar em dificuldades na comunicação interpessoal, nos componentes verbais e não verbais; dificuldades na cognição social, com ocorrência de comportamentos que não são modulados de forma adequada tendo em conta o contexto social; dificuldades em fazer e manter relacionamentos com os pares e em partilhar interesses; ou a défices empáticos, com dificuldades na capacidade de imaginar ou responder aos sentimentos, estados emocionais ou atitudes de outros.
Provou-se que o arguido era capaz de avaliar a ilicitude da sua conduta e de se determinar de acordo com essa avaliação, embora a sua capacidade de se autodeterminar apresentasse alguma limitação resultante das características da perturbação neurodesenvolvimental de que o arguido padecia, apenas e tão-somente no plano da empatia e dificuldades no contacto interpessoal recíproco.
Assim, verificam-se os elementos objetivos e subjectivos do crime de homicídio, sem que, contudo, no que concerne às qualificativas, a factualidade provada se subsuma ao preenchimento das alíneas e) e j) do nº 2 do artigo 132º do Código Penal.”
Ora, esta avaliação por parte do Tribunal é a correcta.
Começaremos por relembrar que o arguido não é inimputável nos termos e para efeitos do artº 20º nº 1 do Código Penal. Sobre tal não existem dúvidas.
A questão poder-se-ia colocar ao nível do artº 20º nº 2 do Código Penal com um reflexo na medida abstracta da pena.
Ora, acontece que, como se refere na decisão recorrida, que a "imputabilidade sensivelmente diminuída" não é um conceito legal autónomo mas sim uma avaliação feita pelo tribunal, baseada numa perícia psiquiátrica, para determinar se um arguido possui uma capacidade alterada ou deficiente para avaliar a ilicitude do facto e/ou de se determinar de acordo com essa avaliação, sem que isso implique necessariamente a sua inimputabilidade ou uma atenuação obrigatória da pena. E aqui está a chave: não é obrigatória a diminuição da pena. Esta apenas existirá se a capacidade que se mostra diminuída tiver uma relação directa com a acção de molde a se poder dizer que a acção não teria sido a mesma se a diminuição na capacidade não existisse.
Ora, com base na prova pericial, o Tribunal concluiu que o arguido tem limitações significativas ao nível da empatia, dificuldades na cognição social e défices de interacção interpessoal.
Destas limitações, contudo, não se conclui, ipso facto, que os actos praticados hajam sido por elas afectados ou delas resultantes. Dito de outra forma: com os factos apurados, com a forma de agir do arguido, não poderia nunca o Tribunal concluir que a acção levada a cabo (asfixiar a irmã) tenha sido causada, motivada ou condicionada pelas limitações significativas ao nível da empatia, dificuldades na cognição social e défices de interacção interpessoal de que o arguido padece.
Aliás, se algo sabemos é que não existe historial de dificuldades de relacionamento entre o arguido e a vítima, que este são irmãos e habitavam a mesma casa.
Assim, bem andou o Tribunal ao considerar a existência de uma imputabibilidade sensivelmente diminuída e, consequentemente, não atenuar especialmente a pena.
Assim sendo, não se vislumbrando qualquer violação do valor e valia da prova pericial, não se pode falar na existência de um erro notório nos termos do artº 410º nº 2 al. c) do C.P.P..
Quanto à questão da alteração da qualificação jurídica.
O arguido foi acusado da prática de um crime de homicídio qualificado, na forma consumada, p. e p. pelos artsº. 131º e 132º, nº1 e nº. 2, e)- e j)- e 20º, nº.2, todos do Código Penal.
A acusação foi assim recebida (refª citius ...).
O arguido, a final, veio a ser condenado como autor material de um crime de um crime de homicídio, previsto e punido pelo artigo 131º do Código Penal, na pena de 10 anos de prisão.
Para proceder a tal subsunção entendeu o Tribunal que as qualificativas constantes da acusação não se mostravam, ante a factualidade apurada, provadas e que, outrossim, não era possível dos factos concluir pela comissão de um homicídios privilegiado como arguido pretendia.
Assim, não corresponde á verdade o que consta da conclusão “X” quando se refere que “O Tribunal a Quo procedeu à alteração da qualificação jurídica dos factos, afastando as agravantes previstas no libelo acusatório, para subsumir os mesmos à figura do homicídio qualificado, mas com base em fundamentos distintos, concretamente nas alíneas e) (meio insidioso) e j) (vítima com relação familiar) do n.º 2 do artigo 132.º do CP.”
Como consta do texto do acórdão recorrido: “verificam-se os elementos objectivos e subjectivos do crime de homicídio, sem que, contudo, no que concerne às qualificativas, a factualidade provada se subsuma ao preenchimento das alíneas e) e j) do nº 2 do artigo 132º do Código Penal.
Com efeito, atentos factos concretamente apurados e a dinâmica dos mesmos, ao agir nos moldes supra descritos, não se evidenciam circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade.
Dos factos provados decorrente da prova produzida em audiência de julgamento, decorre que o arguido abordou a vítima por motivos não concretamente apurados, pelo que não se pode reconduzir a qualquer motivo torpe ou fútil. Tão-pouco se provou que o arguido tivesse praticado os factos determinado por avidez, pelo prazer de matar ou de causar sofrimento, para excitação ou para satisfação do instinto sexual. O comportamento do arguido foi grave, mas o tribunal entende que não atinge a especial censurabilidade que faz operar a qualificativa do artigo 132.º, n.º 2, alínea e), do Código Penal.
No que respeita à qualificativa da alínea j) do n.º 2, do artigo 132.º do Código Penal, o tribunal entende que não estamos igualmente perante uma situação em que o arguido tivesse agido com frieza de ânimo, com reflexão sobre os meios empregados ou ter persistido na intenção de matar por mais de vinte e quatro horas. Não resultou provado que a arguida tenha premeditado este seu comportamento.”
Tendo o Tribunal condenado por menos do que da acusação consta e não se tendo desviado do objecto processual mas apenas procedido à qualificação de acordo com a matéria provada e sendo que esta estava contida no libelo acusatório nada de errado há a imputar ao decidido.
Improcede o recurso nesta parte.
A questão da aplicação do regime penal para jovens também não passou despercebida ao Tribunal a quo.
Considerou-se na decisão recorrida: “No que respeita as exigências de prevenção especial, importa considerar que o arguido contava com menos de 21 (vinte e um) anos de idade.
Atenta a idade do arguido à data da prática dos factos, importa apreciar a aplicabilidade do Regime Especial para Jovens (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro), operando-se nessa medida a atenuação especial das penas concretamente a aplicar, por observância do regime consignado nos artigos 73º e 74º do Código Penal (com redução dos limites mínimos e máximo da moldura abstracta nos termos ali firmados).
Como é consabido, esta atenuação especial não é de aplicação automática, porquanto o artigo 4º deste diploma refere expressamente que a pena deve ser atenuada quando houver sérias razões para crer que da atenuação especial resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado. Assim, serão razões de prevenção especial que poderão determinar o afastamento do mesmo.
Como o Supremo Tribunal de Justiça teve já ocasião de decidir, no Ac. de 21-04-2004, proc. 658/05, “a atenuação especial da pena para jovens delinquentes, prevista no art. 4º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, não se aplica apenas à criminalidade menor, antes se torna mais necessária para crimes de moldura penal mais elevada, quando a imagem global que se forma dos factos e da personalidade do agente nos aponta no sentido de uma futura ressocialização”.
Outrossim, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu, no Acórdão de 10-04-2014, proc. 368/12.6PFLRS.L1.S1, relatado pelo Conselheiro Maia Costa que “a atenuação especial não pode ser recusada com fundamento exclusivo em razões preventivas ou de culpa. A culpa pode ser intensa, ou as exigências de prevenção geral muito fortes e, ainda assim, ser possível formular um juízo favorável sobre as vantagens da atenuação da pena para a reinserção do condenado, em que o legislador aposta fortemente pelas razões já apontadas. Tudo dependerá da ponderação global das circunstâncias do caso.”
No caso, à data dos factos, o arguido não tinha antecedentes criminais, o que se mantém ainda actualmente.
Em termos pessoais, o arguido estava integrado no agregado familiar de seu pai (49 anos de idade), técnico de painéis solares, onde também estava integrada a sua irmã, vítima nos presentes autos.
A nível escolar e formativo refere ter apresentado um percurso com alguns constrangimentos, especialmente no 5º ano de escolaridade, devido a situações de bullying físico e psicológico de que foi alvo. Estes acontecimentos foram potenciadores de alguma instabilidade emocional e determinaram quatro retenções naquele ano de escolaridade, segundo referiu. Depois mudou de escola e passou a ter um percurso académico adaptado até ao ano 9º escolaridade.
O arguido frequentava a escola ..., em regime nocturno, com vista à conclusão do 12º ano de escolaridade, o que não alcançou em virtude de ter sido preso preventivamente.
Em termos laborais, o arguido desempenhava alguns trabalhos em limpezas, em períodos em que substituía funcionários efetivos, em empresas situadas em grandes superfícies comerciais, localizadas na zona da ....
O arguido padecia de perturbação do espectro do autismo, sem perturbação do desenvolvimento intelectual e sem alteração da capacidade de linguagem funcional. Orientado para consultas de pedopsiquiatria e diagnosticado, o arguido tomou medicação para esta problemática, que deixou com cerca de 16/17 anos, recusando a sua toma, passando depois a recusar também as consultas.
Presentemente, em contexto prisional, o arguido mantem acompanhamento psicológico e psiquiátrico e por se encontra estável a nível emocional não faz qualquer tipo de medicação.
Em contexto prisional o arguido apresenta um comportamento consentâneo com as normas institucionais. Mantem uma postura de algum isolamento, preferindo ficar sozinho na sua cela de habitação, evitando convívio com os demais reclusos. Recebe regularmente visitas dos pais no Estabelecimento Prisional.
Considerando o supra exposto, a factualidade evidencia-se que o arguido estava social, familiar e profissionalmente integrado, contudo, tal integração não obstou à prática do tipo de ilícito sub judice. Atenta a imagem global que se forma dos factos e da personalidade do arguido, não se vislumbram razões de prevenção especial, nem vantagens para a sua reinserção social, que sustentem a aplicação ao arguido do regime penal especial dos jovens.”
Ora, não poderíamos estar mais de acordo.
À data dos factos ora em apreço o arguido não tinha ainda completado 21 anos, pelo que se impõe ponderar a possibilidade de aplicação do Regime Penal Especial para jovens Delinquentes, decorrente do artigo 4.° do Decreto-Lei n.° 401/82, de 23 de Setembro, no qual se prevê que se ao caso for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artigos 73.° e 74.° [72.° e 73.°] do Código Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado.
Ora, estas vantagens clamam a existência de “sérias razões” para se acreditar que elas existam e, no caso concreto, não vislumbramos onde poderão estar pois que não obstante todas as condições que aparentam existir o arguido não obstante matou (e é esta a conduta a considerar) a irmã sem que exista uma explicação plausível ou, pelo menos, compreensível, e que permitiria compreender a conduta e com base na base fazer um juízo de probabilidade que permitisse afirmar que com a atenuação haveria vantagens para a reinserção do arguido.
Assim, bem andou o Tribunal a quo ao não aplicar o Regime Penal Especial para jovens Delinquentes
Quanto à medida da pena propriamente.
No que respeita à apreciação das penas fixadas pela 1ª Instância, a intervenção dos Tribunais de 2ª Instância deve ser parcimoniosa e seguir a jurisprudência exposta, quanto à intervenção do STJ, no Ac. do mesmo Tribunal Superior de 27.05.2009, relatado por Raul Borges, in www.dgsi.pt Proc. 09P0484, no qual se considera: "... A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, sendo entendido de forma uniforme e reiterada que "no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada". (No mesmo sentido, Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 197, § 255).
Assim, só em caso de desproporcionalidade na sua fixação ou necessidade de correcção dos critérios de determinação da pena concreta, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso, deverá intervir o Tribunal de 2ª Instância alterando o quantum da pena concreta. Caso contrário, isto é, mostrando-se respeitados todos os princípios e normas legais aplicáveis e respeitado o limite da culpa, não deverá o Tribunal de 2ª Instância intervir corrigindo/alterando o que não padece de qualquer vício.
De tal resulta que, se a pena fixada na decisão recorrida, em todas as suas componentes, ainda se revelar proporcionada e se mostrar determinada no quadro dos princípios e normas legais e constitucionais aplicáveis, não deverá ser objecto de qualquer correcção por parte do Tribunal da Relação.
Ora, lidos os factos assentes, cotejados estes com o disposto no artº 71º do Código Penal não vislumbramos onde é que o Tribunal a quo desrespeitou os comandos legais em termos de fixação de penas.
Na verdade, o recorrente acentua a questão do autismo mas, conquanto o Tribunal não haja atenuado especialmente a pena por via deste, não deixou de considerar tal como atenuante geral sendo, aliás, esta que justifica uma pena de 10 anos de prisão ao invés de 12 anos que o Tribunal consideraria não fosse esta atenuante. Na verde, pode ler-se no acórdão recorrido: “Sopesadas todas as circunstâncias supra enunciadas, perante a ilicitude da conduta do arguido situada acima da média, com intensidade muito relevante, e bem assim a ausência de juízo crítico e a forte intensidade do dolo com que actuou, pese embora o arguido contasse com dezanove anos de idade e estivesse social e familiarmente inserido, temos que seria adequado aplicar-lhe uma pena de prisão situada acima da metade, ou seja, 12 (doze) anos.
No caso, importa considerar que o arguido padecia de perturbação do espectro do autismo e que, face às concretas características da mesma, os défices empáticos e as dificuldades no contacto interpessoal recíproco implicavam alguma limitação na sua capacidade de se autodeterminar, pelo que o Tribunal Colectivo entende como adequada e suficiente a condenação do arguido abaixo do terço da pena, ou seja, 11 (onze) anos.
Pelo exposto, ponderando todos os factores supra elencados, decide-se por adequada a aplicação ao arguido AA da pena de 10 anos de prisão (…)”.
Improcede, assim, o recurso nesta parte.
* IV - Dispositivo
Por todo o exposto, acordam os juízes que compõem a 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo arguido que se fixam em 4,5 (quatro e meia) U.C.
Notifique.
Remeta cópia à 1ª instância para conhecimento atenta a medida de coacção imposta ao arguido.
Acórdão elaborado pelo 1º signatário em processador de texto que o reviu integralmente sendo assinado pelo próprio e pelos Venerandos Juízes Adjuntos.
Lisboa e Tribunal da Relação, 8 de Outubro de 2025
Rui Miguel Teixeira
João Bártolo
Cristina Isabel Henriques