Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO JUNTO DA RELAÇÃO
CONTRADITÓRIO
Sumário
Sumário: (da responsabilidade da Relatora) Não se verifica qualquer violação dos princípios constitucionais quando, no despacho a que alude o artº 417º, nº 1 do Cód. Proc. Penal, verificando que no Parecer emitido o Ministério Público se limita a remeter conclusões para a resposta ao recurso em primeira instância, o Tribunal da Relação dispensa o cumprimento do nº 2 desse preceito legal, pela simples circunstância de que nada há a contraditar que seja novo nos autos, não ficando os direitos de defesa do arguido afectados por qualquer forma.
Texto Integral
Acordam os juízes da 3ª Sec. Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa.
Relatório
Foi a sessão no passado dia ........2025 o acórdão deste Tribunal da Relação que, conhecendo do recurso interposto pelo arguido da decisão de primeira instância, o julgou improcedente.
Na sequência desse nosso acórdão, veio agora o arguido juntar a presente Reclamação com o seguinte teor: (…) Questão prévia: Violação do direito ao contraditório (artigo 32.º n.º 5 da Constituição) I. Interposto o recurso, o Digno Magistrado do M.P. na primeira instância apresentou a competente resposta; II. Nesta instância, o Ex.mo Sr. Procurador-Geral Adjunto (PGA) emitiu parecer, conforme consta da Referência Citius 23312743 e que aqui se dá por integralmente por reproduzido; III. Nesta instância, foi proferido o seguinte despacho (Ref.ª 23328770) “Atento a que no Parecer o Exmo. Procurador-Geral Adjunto se limitou a reafirmas as conclusões da resposta ao recurso em primeira instância, prescinde-se do cumprimento do disposto pelo artº 417º, nº 2 do Cód. Proc. Penal.”, sendo certo que o Digno Magistrado não se limitou a apor o seu Visto; IV. Não foi ordenada a notificação do rec.te para responder, o que viola frontalmente o disposto no art. 417.º n.º 2 do CPP; V. Refere o douto Ac. do TRL de 2-04-2009, CJ, 2009, T2, pág.156: A omissão da notificação a que se refere o artº 417º, nº2 do CPP, constitui irregularidade que afecta a validade dos actos subsequentes, incluindo o próprio acórdão, mesmo que este já tenha sido publicado. VI. O entendimento vertido no despacho com a Ref.ª 23328770, ou seja, quando no parecer emitido pelo MP se reafirmem as conclusões da resposta do MP ao recurso em 1.ª instância, e por essa razão não sendo dado cumprimento ao disposto no n.º 2 do artigo 417.º do CPP, viola frontalmente o principio do contraditório, consagrado no n.º 5 do artigo 32.º da CRP; VII. Inconstitucionalidade que agora se invoca para os devidos e legais efeitos. DAS NULIDADES DO ACÓRDÃO 1. O exponente foi notificado, na pessoa do seu mandatário, por ofício datado de ........2025, do douto acórdão proferido por este tribunal da relação de Lisboa; 2. A fls. 21 do douto acórdão consta a seguinte descrição factual: “Para além disto, temos o auto de notícia que localiza os factos no hall de entrada do 2º piso do pavilhão B, portanto, não no wc, e temos as imagens de CCTV cujo auto de visualização, junto a fls. 5, é muito claro a afirmar que o arguido já se deslocou para aquele local ocultando na roupa (debaixo do casaco) algo, sendo isso perceptível nas imagens.” 3. E mais à frente, quanto ao indeferimento da peticionada “legitima defesa” foi escrito: “É que o auto de visionamento de imagens deixa claro que o arguido ocultaria já na roupa o referido pau quando foi para o local onde se verificou a agressão, pelo que, em rigor, toda a prova aponta no sentido de que o arguido era efectivamente o agressor, que ia munido de instrumento de agressão preparado parasse mesmo efeito.” - Vd. 1.º § de fls. 24 4. Na sentença recorrida consta, como Factos não provados Resultou como não provado o seguinte facto com relevância para a decisão do mérito da presente causa: A. O objecto descrito no ponto 1 encontrava-se dissimulado no interior do casaco que o arguido trajava. (…) - Vd. fls. 11 do douto acórdão desta relação de Lisboa; 5. Salvo melhor entendimento em contrário os dois argumentos colidem frontalmente, ou seja, não se provou na sentença recorrida que o arguido se deslocou para aquele local levando algo oculto na sua roupa, e muito menos que esse “algo” fosse o objeto apreendido e descrito no ponto 1; 6. Não obstante, V. Ex.as relevaram e mencionaram expressamente tal facto, tendo este sido dado como não provado na sentença, o que constitui violação do disposto no artigo 410.º n.º 2 do CPP que dispõe: “2 - Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: Alínea b): “A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;” 7. Por mera hipótese académica, mesmo que tais asserções proferidas no douto acórdão não violassem o citado preceito legal, sempre se encontrariam a violar o disposto nos arts 374.º n.º 2, 379.º n.º 1 al. a) e 380.º n.º 1 al. b), com referência ao disposto no art. 425.º n.º 4, todos do CPP; 8. Ao exposto ainda acresce a seguinte consideração tecida no acórdão proferido para a não aplicabilidade do regime de suspensão da execução da pena: “Como resulta do que acaba de se expor, e sem que se evidencie, para além daquela simples constatação grande necessidade de outras considerações, o arguido tem antecedentes criminais consideráveis, maioria deles por crimes de gravidade considerável, não sendo esta a primeira reclusão. ”; 9. No entanto, e na sentença da 1.ª instância é expressamente referido que o arguido é primário quanto ao crime e à violação do bem jurídico protegido pela incriminação dos presentes autos; 10. Concretamente na escolha e determinação da pena, fundamentou: (...) Assim, dever-se-á ter em conta, em primeiro lugar, as exigências de prevenção geral positiva, determinando assim se uma pena não privativa da liberdade é suficiente para não pôr em causa a tutela dos bens jurídicos e obter, nas palavras do Professor Figueiredo Dias, o "restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime". - Vd. fls. 13 do acórdão desta relação de Lisboa; 11. Quanto a este desiderato, relevam duas circunstâncias não ponderadas por V. Ex.as: o arguido foi colocado em liberdade condicional no passado dia ... – vd. Doc 1_comunicação do EP enviada para o tribunal de 1.ª instância; 12. O crime pelo qual foi condenado (que consistiu na detenção de uma ripa de madeira com 58 cm) foi praticado dentro do E.P., daqui resultando que caso o rec.te não regresse a um estabelecimento prisional não existe qualquer exigência de prevenção geral positiva, pois em liberdade não será confrontado com os constantes ataques que sofria dentro de um EP de Alta Segurança, in casu, sobrelotado com delinquentes perigosos e violentos, tal como o AA que se apropriou abusivamente da tv do recorrente tendo este entrado em confronto para reaver o que era seu por direito; 13. Ou seja, tal exigência só se verifica unicamente no caso do retorno do rec.te para meio prisional; 14. Não se tecendo qualquer considerando no douto acórdão quanto ao relevante facto de em ... próximo perfazer 4 (quatro) anos desde a data da prática dos factos, sem que o rec.te tivesse voltado a prevaricar! 15. Nem que a detenção da ripa de madeira em causa justifique, seja a que título for, a nova reclusão do rec.te por mais 2 (dois) anos, prisão esta que se afigura excessiva e extemporânea, quando o rec.te está já em liberdade, contando com o apoio de familiares para reconstruir a sua vida e, por outro lado, quando a data dos factos remontam a data já algo longínqua, a .../.../2021. Atento o supra exposto requer-se a V. Ex.as: I. Que seja relevada a irregularidade verificada, consubstanciada na inexistência do cumprimento do disposto no n.º 2 do art. 417.º do CPP, anulando-se o douto acórdão e dando-se cumprimento ao mesmo; II. Entendimento do tribunal esse que constitui, ademais, frontal violação do principio geral do contraditório, consagrado no n.º 5 do art. 32.º da CRP (Garantias do processo criminal); Se assim não se vier a decidir, o que ora se refere por dever de patrocínio, III. Que o douto acórdão seja considerado nulo, por violação dos arts 374.º n.º 2, 379.º n.º 1 al. a) e 380.º n.º 1 al. b), com referência ao disposto no art. 425.º n.º 4, todos do CPP; E, se ainda assim não se obtiver provimento no que supra se requer, IV. Que seja concedida uma última oportunidade, mediante a concessão do regime de suspensão da pena, ao rec.te, que se encontra em liberdade há quase 3 meses, para se manter afastado do crime, sendo ainda um elementos útil à sociedade. Junta: 1 documento. (…)
O Ministério Público, notificado para se pronunciar sobre o teor da reclamação, nada veio dizer.
***
Fundamentação
• Da invocada inconstitucionalidade por falta de notificação do arguido para os termos do nº 2 do artº 417º do Cód. Proc. Penal
Vem o arguido dizer que este Tribunal, quando, por despacho em que fundamentou tal decisão, prescindiu do cumprimento da notificação a que alude o artº 417º, nº 2 do Cód. Proc. Penal, violou a Constituição da República Portuguesa, no seu artº 32º, nº 5, coartando o direito ao contraditório por parte do arguido.
Vejamos.
O artº 417º, nº 2 do Cód. Proc. Penal diz que, quando na vista a que alude o artº 416º desse mesmo diploma o Ministério Público não se limite a apor visto, o arguido é notificado para, querendo, responder em dez dias.
Ora, muito embora estejamos certos de que o Legislador deixou escrito bem mais do que tinha intenção de dizer, conseguimos perceber que a norma não pode, em nenhuma circunstância, ter o alcance que o arguido Reclamante lhe pretende dar.
O que o artº 417º nº 2 visa assegurar, como ali mesmo se diz, é um direito de resposta, de defesa, como tal.
Por outro lado, se nada se diz de novo, a nada se pode responder, pois que o que se diga vem apenas resultar na redundância do que lá está o que, por outro lado, é proibido directamente pelo artº 130º do Cód. Proc. Civil, aqui aplicável por forma do disposto no artº 4º do Cód. Proc. Penal, ou seja, atenta a proibição legal da prática de actos no processo que sejam inúteis.
E são inúteis todos os actos que, nada deles se podendo retirar, servem apenas para entorpecer o andamento regular e normal do processo.
E é exactamente isso que está em causa.
O arguido usou do direito a recorrer e sobre esse recurso manifestou o Ministério Público em primeira instância a sua posição, neste caso, de oposição. Pelo que, quando o arguido, no recurso que interpôs, invocando os fundamentos que entendeu, foi notificado da resposta ao recurso por parte do Ministério Público, não apenas teve conhecimento do seu teor como da circunstância de este pugnar pela improcedência do recurso.
Não existindo, como não existe e nem sequer faria sentido, réplica em matéria recursiva no nosso processo penal, os direitos de defesa do arguido que foram salvaguardados até então são os mesmos que se mostram agora assegurados.
Querendo com isto dizer-se que, nada inovando o Ministério Público nesta instância, nada há a responder por parte do arguido.
Isto compreende-se quer lendo as normas legais aplicáveis – o dispositivo diz que a notificação ao arguido se destina a responder -, mas também se depreende da semântica. De facto, «responder» neste contexto significa «rebater», fundamentalmente.
Se o direito a responder nasce do que o Ministério Público diga no seu Parecer, nada se dizendo a nada se pode responder. Parece de elementar linearidade que assim seja.
Aliás, tendo em vista que a reforma do processo penal visou sobretudo, nesta matéria de recursos, permitir à Justiça uma resposta mais ágil às pretensões recursivas, eliminando-se vários dos nós que prendiam o processo ao tempo excessivo de apreciação, nem se compreenderia que o Legislador quisesse, não admitindo as réplicas e tréplicas e o demais que viesse depois, estar a abrir essa porta neste concreto dispositivo, permitindo responder [sabe-se lá a quê], desde logo ao que não era dito.
Nenhum direito de defesa se coartou naquele despacho porque os direitos de defesa não existem na medida da vontade do arguido, mas na medida da vontade do Legislador que, tal como se afirma no artº 9º do Cód. Civil, há-de presumir-se que legisla com inteiro domínio do sistema legal, da maneira que mais sentido faz nesse contexto.
Admitir que o arguido, sem qualquer justificação material, usufruísse de um direito formal de resposta quando assim fosse era «deixar entrar pela janela aquilo a que se fechou a porta», num claro prejuízo para o processo e mesmo para o respeito da Constituição que pugna pelo exercício do processo em tempo compatível com os do Estado de Direito, ou seja, com os princípios da legalidade e da proibição de actos dilatórios e inúteis.
Ora, nada se respondendo de inovador, a nada se pode verdadeiramente responder, dizendo-se mais do que já fora dito, pelo que, nessa circunstância, o direito de defesa do arguido não se reporta a esse momento mas ao anterior, ao direito que teve de recorrer, e nada mais.
Nada se inovando, nada se pode acrescentar que possa e deva atender-se na referida fase. E esta não é mais uma oportunidade para o arguido vir desfiar argumentos contra a decisão, num último sopro de oportunidade para completar o recurso interposto lá atrás.
Não existe direito de resposta a argumentos que em nada inovam porque não há o que responder.
Permitir que se interpretasse a norma de outra maneira seria reconhecer um direito a réplica que se multiplicaria indefinidamente, pois que haveria sempre o que responder, mesmo àquilo que realmente se não dissesse. Já que esse direito não seria, como é óbvio, de assegurar apenas aos arguidos.
Nem isso faz sentido e nem foi o que o Legislador pretendeu.
Finalmente,
Na sua Decisão Sumária nº 737/24 de 10.01.20251, a propósito de um despacho que também proferimos num outro processo, o Tribunal Constitucional teve já oportunidade de repetir o que dissera anteriormente em várias decisões, decidindo-se no sentido de que aquela nossa interpretação do artº 417º, nº 2 do Cód. Proc. Penal é compatível com a Constituição e não viola qualquer garantia de defesa do processo penal.
Decorrendo de todo o exposto que esta chamada questão prévia é de improceder.
• Da invocada contradição existente na nossa decisão:
O arguido vem também dizer que este Tribunal de recurso cometeu uma nulidade no seu acórdão, por se contradizer na respectiva fundamentação, uma vez que a primeira instância deu como não provado que o arguido dissimulasse no casaco a arma em causa, quando aqui se deu como verificado esse mesmo facto.
No entanto, também quanto a este ponto não lhe assiste razão.
De facto, e como transcrevemos para a nossa decisão, o Tribunal a quo não deu como provado que o arguido tivesse dentro do casaco a referida arma.
A matéria de facto, que não foi alterada nesta instância, tem, como tal, o limite que lhe foi imposto pela primeira instância.
E não foi, de facto, aqui alterada.
Pelo que a nossa decisão partiu sempre desse pressuposto.
O que não deixou de fazer, tal como o Tribunal de primeira instância, foi ponderar as possibilidades dos factos, as razoáveis, pelo menos, daí extraindo as conclusões necessárias para aquela conclusão de prova. Ou seja, não é pelo facto de não se ter estabelecido, em rigor, a prova de determinado facto que a sua circunstância deixa de ser relevante, desde logo para avaliar a credibilidade de quem sobre ela vem falar ao julgamento.
E foi exectamente isso que se fez.
Ao afastar-se toda a lógica, com a devida fundamentação, da versão levada a julgamento pelo arguido, afinou-se dizendo-se que essa circunstância tinha provavelmente decorrido dessa forma.
No entanto, como a prova não se fez e nada há a apontar ao decidido em primeira instância quanto à valoração da prova, mantém-se a conclusão de que, sendo provável esse facto, ainda assim não se fez prova directa e inequívoca sobre ele, pelo que deve permanecer como veio, não provado.
De facto, quando a fls. 21 do nosso acórdão se diz: (…) Ora, se atendermos à prova, temos que, por oposição à versão do arguido que diz que o pau lhe foi deixado no wc e foi disso avisado, tendo-o usado apenas para se defender, vem um elemento da GP dizer que tais objectos não existem tal qual no wc, além de que não passaria pela vistoria da mesma GB a presença daquele nas instalações do wc. Para além disto, temos o auto de notícia que localiza os factos no hall de entrada do 2º piso do pavilhão B, portanto, não no wc, e temos as imagens de CCTV cujo auto de visualização, junto a fls. 5, é muito claro a afirmar que o arguido já se deslocou para aquele local ocultando na roupa (debaixo do casaco) algo, sendo isso perceptível nas imagens. Ora, apesar da falha de memória do indicado AA e das declarações do arguido, a prova aponta em sentido diverso, sendo muito evidente que a versão dos factos acolhida pelo Tribunal a quo tem lógica no enquadramento resultante daquela prova, aliás é a única conclusão lógica que se retira da prova, ao contrario da versão do arguido. Aliás, não é por acaso que o arguido não traz a julgamento a suposta pessoa que lhe terá dado essa informação, é porque, de facto, a normalidade das circunstâncias da vida, mesmo aquelas que têm por referência o especial ambiente de um Estabelecimento Prisional (EP), revelam que a versão do arguido não mostra qualquer suporte em prova [excluídas as suas próprias declarações], sendo absolutamente inverosímil. Para além de que nenhum sentido faria que um outro recluso deixasse um instrumento dessa natureza num wc, nem sequer conseguindo prever que era o arguido ou outra qualquer pessoa a ir àquele, e para que este se defendesse, sendo certo que nenhum copo de água quente, por outro lado, foi apreendido ao que supostamente seria o seu agressor. Nada na versão do arguido faz sentido. E quando a essa falta de sentido se soma o sentido unívoco em que aponta a prova, o resultado é, necessariamente, mais uma vez, a comprovação da versão dos factos tal como concluiu o Tribunal a quo. (…)
Está a explicar-se porque razão a versão do arguido não faz sentido agora e não fez antes, perante o juiz a quo.
E quando se diz, mais adiante2, que: (…) Pelo que, ainda que estivesse combinado ou previsto um encontro com vista a uma agressão, nada justificava, ainda assim, a posse do referido pau. Mas, mais do que isso. É que o auto de visionamento de imagens deixa claro que o arguido ocultaria já na roupa o referido pau quando foi para o local onde se verificou a agressão, pelo que, em rigor, toda a prova aponta no sentido de que o arguido era efectivamente o agressor, que ia munido de instrumento de agressão preparado parasse mesmo efeito. Ora, nem isto prefigura uma situação de legítima defesa e nem prefigura qualquer situação em que estivesse em causa uma agressão ao arguido que implicasse o uso daquele instrumento. Aliás, nem mesmo na versão do arguido. (…)
Está apenas a dizer-se que nem nessa perspectiva – da existência de causa de justificação - a versão do arguido faz sentido, uma vez que do auto junto, de visionamento, se pode concluir pela inviabilidade dessa versão, por contraposição ao que se disse também quanto ao potencial agressor indicado pelo arguido, a quem nada foi apreendido que pudesse ser interpretado de forma diversa.
Aliás, este Tribunal, ao usar o tempo verbal condicional precisamente porque o que estava em causa não era o facto [não] provado – que o arguido ocultava de facto o instrumento no casaco -, mas uma circunstância que, não se provando, resulta precisamente na imputação ao arguido apenas de uma detenção de arma e não de ainda outro crime que implicasse a vontade determinada [ou, até, premeditada] de agredir ou tentar agredir terceiro, e por isso se diz também que a prova aponta nesse sentido, sem que se retire daí qualquer conclusão, no entanto, que vá além do que a primeira instância decidiu.
Ora, assim com, apesar da conclusão a que aponta o auto de visionamento, o Tribunal a quo não considerou assente aquela conclusão, também aqui isso não se fez.
Caso este Tribunal tivesse concluído no sentido apontado na Reclamação, não apenas tinha alterado a matéria de facto como tinha extraído daí as decorrências inerentes em termos substantivos.
Não se verifica, como se percebe, qualquer contradição.
Improcede também nesta parte a Reclamação.
• Finalmente, os antecedentes criminais:
O arguido vem, como último ponto, dizer que este Tribunal incorreu em nulidade da decisão ao considerar que o arguido tem vários antecedentes criminais, quando a decisão recorrida considerou que o arguido é primário quanto ao crime e à violação do bem jurídico protegido pela incriminação dos presentes autos.
Como deixámos dito no acórdão, remetendo-se, aliás, para os antecedentes criminais que o arguido tem inscritos no CRC, o mesmo tem muitos antecedentes criminais.
Esse facto, objectivado nos pontos 5 a 20 da decisão recorrida, não nos parece ter qualquer contraposição possível, a menos que se viesse invocar a falsidade do registo documental respectivo.
Por outro lado, impugnada a pena e/ou a sua forma de cumprimento, o Tribunal de recurso não está sujeito ao que o Tribunal recorrido pensou ou verbalizou sobre o assunto, impondo-se-lhe, precisamente, pegar em todos os elementos que tenha à disposição para avaliar se o Tribunal recorrido ponderou adequadamente, ou não, essas circunstâncias.
Já só faltava que se pretendesse que, impugnando-se uma pena e/ou a sua forma de cumprimento, o Tribunal de recurso não pudesse fazer aquilo que lhe compete e que é, precisamente, sindicar a decisão perante os elementos constantes do processo.
Daí que tenhamos até alguma dificuldade em perceber este fundamento da Reclamação, pois que não percebemos se o arguido entende que aqui tinha de se ignorar os antecedentes para dizer o que a primeira instância disse, no que redundava em estéril a própria possibilidade de recorrer daquela decisão, ou se, pelo contrário, considera o arguido que não ter antecedentes criminais por determinado crime é o mesmo do que não os ter de todo.
De facto, os antecedentes estão na decisão e são muitos. O facto, que o Tribunal recorrido ponderou porque o entendeu fazer, foi o de o arguido não ter antecedentes por detenção de arma proibida. E, nessa medida, o que o Tribunal a quo diz vale o que vale e nada mais.
Para um cidadão comum, porém, colocado em face do CRC do arguido, a sua versatilidade se pudermos chamar assim para não sobrecarregar o juízo a que ali se chegou, pode ser um verdadeiro factor a impor uma pena efectiva e, no limite, até mais grave do que a que foi imposta. Porque a percepção do cidadão comum sobre essa versatilidade anda normalmente associada a uma maior censura, o que o Tribunal a quo não evidenciou.
No entanto, o que importa reter aqui é que este Tribunal de recurso não está preso, no interesse do arguido, aos juízos que lhe são presentes para apreciação. O seu poder de cognição implica que, para avaliar o que lhe é pedido, possa, de facto, fazer essa avaliação.
Não há nisso qualquer vício decisório, mas o exercício linear e transparente, porque devida e criteriosamente fundamentado, de poderes legais por parte deste Tribunal de recurso.
Improcede esta questão também.
Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar não provida a presente reclamação, mantendo-se a decisão.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 3 UC’s, que acrescem às fixadas na nossa decisão aqui reclamada.
Notifique.
Lisboa, 08 de Outubro de 2025
Hermengarda do Valle-Frias
Carlos Alexandre
Francisco Henriques
Texto processado e revisto.
Redacção sem adesão ao AO
_____________________________________________________
1. https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/decsumarias/20240737.html.
2. Destaque nosso.