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MAUS TRATOS
PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA
Sumário
Sumário: (da responsabilidade da Relatora) O direito penal está, por sua própria natureza, vinculado ao princípio da intervenção mínima, o que faz com que apenas os mais graves dos actos violadores da paz social e segurança, seja a vida ou integridade física e patrimonial do Estado ou cidadãos, sejam puníveis pelo direito penal. O que significa, por outro lado, que o comportamento humano pode ser censurável, socialmente ou mesmo moralmente, mas não corresponder sempre essa censurabilidade a uma previsão e punição de natureza penal. Os factos provados demonstram comportamentos dos arguidos criticáveis, do ponto de vista social, até do ponto de vista da básica pedagogia social e humana. Mas também do ponto de vista criminal. Do ponto de vista social, como tal, havia sempre como resolver todas estas questões – assegurando os cuidados de saúde necessários tantas vezes quantas necessárias, depois fazendo intervir meios especializados de tratamento, como bem sabiam os arguidos ser necessário que fizessem, não apenas pela qualificação técnica que tinham, mas também por inerência das funções que tinham na instituição (Lar), aliás, sendo elas o único motivo mesmo por que ali estavam. A intervenção do Tribunal criminal é, por isso, sempre uma intervenção residual, de último recurso, ou seja, para censurar comportamentos criminalmente relevantes e não simplesmente desajustados. E os factos provados são de molde a impor tal intervenção.
Texto Integral
Acordam os juízes da 3ª Sec. Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa.
Relatório
Pelo Juízo Local Criminal de ... foi proferida Sentença que decidiu do seguinte modo: (…) Em face do exposto, o tribunal julga a acusação totalmente procedente e em conformidade decide: 1) condenar a arguida, AA, pela prática de um crime de maus tratos, previsto e punido pelo artigo 152º-A, nº 1, alínea a) do Código Penal, numa pena de 2 (dois) ano e 1 (um) mês de prisão; 2) suspender a pena de prisão indicada pelo período de 2 (dois) anos e 1 (um) mês; 3) sujeitar a suspensão da pena de prisão: 3.1) ao dever de apresentar um pedido de desculpas, por escrito, à família de BB, pelo sofrimento causado, cujo comprovativo deve ser junto aos autos; 3.2) ao dever de entregar uma quantia de € 1.000,00 à Liga Portuguesa contra o Cancro; 3.3) cada um dos arguidos deve entregar uma quantia de € 1.000,00, a uma instituição de solidariedade social, por si selecionada, que preste apoio a pessoas idosas. 4) condenar o arguido, CC, pela prática de um crime de maus tratos, previsto e punido pelo artigo 152º-A, nº 1, alínea a) do Código Penal, numa pena de 2 (dois) ano e 1 (um) mês de prisão; 5) suspender a pena de prisão indicada pelo período de 2 (dois) anos e 1 (um) mês; 6) sujeitar a suspensão da pena de prisão: 6.1) ao dever de apresentar um pedido de desculpas, por escrito, à família de BB, pelo sofrimento causado, cujo comprovativo deve ser junto aos autos; 6.2) ao dever de entregar uma quantia de € 1.000,00 à Liga Portuguesa contra o Cancro; 6.3) cada um dos arguidos deve entregar uma quantia de € 1.000,00, a uma instituição de solidariedade social, por si selecionada, que preste apoio a pessoas idosas. (…)
Inconformado com a decisão, o arguido interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões: (…) A) A sentença recorrida enferma de erro notório na apreciação da prova, ao violar o disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal, nomeadamente no que respeita à valoração dos depoimentos das testemunhas DD, EE e FF. B) O Tribunal a quo valorou de forma contraditória e arbitrária o depoimento da testemunha DD, desconsiderando-o parcialmente por alegadas contradições, ao mesmo tempo que o utilizou como fundamento de vários factos dados como provados (pontos 3, 4, 5 e 9). C) A referida testemunha declarou expressamente (minuto 11:27 a 11:39 da gravação da Diligência_100-17....2...-02-05_11-42-39): "Eu comuniquei à filha, mas a filha não quis fazer. Acharam que era um exame muito invasivo e doloroso para a mãe. E também não havia mais sinais de alarme em relação a nada." D) Igualmente, a testemunha EE confirmou tal recusa (minuto 6:17 a 6:32 da gravação da Diligencia_100-17....2...-02): "Entretanto, sei que depois disso, a doutora GG falou com a filha da dona BB, para se poder proceder à organização desse exame, mas depois, acho que a senhora recusou." E) Esses excertos provam de forma inequívoca que a realização da colonoscopia foi recusada pela filha da utente, facto com relevo direto para os pontos 17.º, 18.º, 19.º e 20.º da matéria de facto dada como provada, os quais devem ser dados como não provados. F) O ponto 17.º, que dá como provado que o Recorrente registou "pedido de colonoscopia total", não traduz qualquer urgência clínica, sendo um ato de precaução, e não consubstanciando omissão. G) O ponto 18.º, ao afirmar que a colonoscopia não foi realizada, omite a razão determinante: recusa expressa da filha da utente. A sua omissão na fundamentação deturpa o nexo causal da alegada omissão médica. H) O ponto 19.º, que conclui que não foi comunicada a necessidade do exame aos familiares, é frontalmente contradito pelas transcrições supra, devendo ser dado como não provado. I) O ponto 20.º, que imputa ao Recorrente o dever de certificar-se da realização do exame, é incompatível com o funcionamento da ..., conforme reconhecido na sentença (pág. 14): "a enfermeira era responsável por comunicar com a família e dar conta da necessidade de realização dos referidos exames, o que sucedia verbalmente." J) Também DD esclareceu em audiência (pág. 15 da sentença) que tais comunicações eram feitas "por ela ou pelas enfermeiras", nunca pelo médico. K) Os pontos 21.º e 27.º, ao dar como provado que a utente apresentava sintomas contínuos e que o tratamento prescrito foi insuficiente, devem ser dados como não provados. L) A testemunha EE declarou: Minuto 6:43 a 7:29, conforme se pode confirmar pela gravação de depoimento da Diligencia_100-17....2...-02 vem alegar o seguinte: “Depois, mais tarde, passado uns meses, lembro-me perfeitamente, já estava a dona BB no piso zero, em que a irmã pediu para o doutor HH observar a dona BB, nós fomos à casa de banho observar a dona BB, e aí verificamos que a dona BB tinha uma crise de hemorroidas, mas isto é em ..., já em .... Na altura, o doutor dedicou-me com um Daflon, uma pomada, para ser aplicado para ela fazer. Ao fim de uma semana, voltamos a verificar e a ver as hemorroidas da dona BB, e vimos que havia uma melhoria da crise.” M) Tal prova demonstra que o tratamento teve sucesso e que a utente não foi novamente sinalizada, o que o próprio Tribunal reconhece no ponto 28 dos factos provados: "não sinalizou a referida utente para ser observada pelo arguido CC." N) Quanto aos pontos 31.º e 32.º, que afirmam que a filha foi chamada à casa de banho pela auxiliar FF para observar o estado do ânus da utente, a própria auxiliar negou essa situação, senão vejamos: Questionada para tanto, no minuto 6:50 a 6:57, conforme resulta da gravação de depoimento da Diligencia_100-17....2...-02 “Olhe, em algum momento disse a dona II, olhe, vá à casa de banho de ver a sua mãe, vá ver o ânus da sua mãe? Respondeu FF no minuto 6:59 a 7:04, conforme se pode confirmar pela gravação de depoimento da Diligencia_100- 17....2...-02: “Não, não me lembro de ela dizer isso, nem de ela ir ver.” O) A testemunha FF também declarou: Questionada para tanto, no minuto 7:35 a 6:43, conforme resulta da gravação de depoimento da Diligencia_100-17....2...-02 “Pergunto-lhe se estava presente quando a dona II chamou o INEM para levar a mãe no hospital?” FF no minuto 7:43 a 7:56, conforme se pode confirmar pela gravação de depoimento da Diligencia_100-17....2...-02- ..._...-07 vem alegar o seguinte: “Não. Eu acho que já tinha saído. Eu não me lembro bem agora, sabe? Já há muitos anos. Não sei se estava lá.” P) Tais pontos carecem de credibilidade e devem ser dados como não provados. Q) O ponto 44.º, que imputa ao Recorrente conhecimento de dor e sofrimento da utente desde pelo menos .../.../2016, é incompatível com os pontos 28.º e deve ser considerado não provado, por inexistência de qualquer comunicação ou sinalização clínica nesse período. R) O ponto 45.º, que afirma que o Recorrente era responsável pelo acompanhamento permanente da utente, colide com o ponto 4.º dos factos provados, que descreve um sistema de comunicação hierarquizado na .... Tal ponto deve ser dado como não provado. S) Os pontos 46.º a 52.º, relativos à omissão do toque retal e à imputação de culpa na não deteção precoce da neoplasia, ignoram a inexistência de sintomatologia compatível na data da última observação (...) e devem ser considerados não provados. T) A testemunha EE atesta que se tratava de crise hemorroidária resolvida com tratamento não havendo indício que justificasse exame invasivo em utente com Alzheimer. U) A sentença recorrida acolhe, como fundamento decisivo para a formação da convicção sobre a responsabilidade penal do Recorrente, o parecer técnicocientífico emitido pelo Conselho Médico-Legal da Ordem dos Médicos, constante dos autos a fls. 200-203, 320-323 e 465-467. V) Todavia, esse parecer não pode ser valorado como meio de prova idóneo, fiável ou suficiente, atento o facto de assentar numa base fáctica incompleta, distorcida e, por conseguinte, juridicamente inaceitável. W) Com efeito, o parecer foi elaborado sem que os peritos tivessem tido acesso a informações clínicas essenciais para a adequada análise técnico-científica da atuação do Recorrente, nomeadamente. X) A inexistência, aquando da primeira observação da utente em ..., de sintomas compatíveis com doença oncológica, tendo sido detetado apenas sangue na urina, posteriormente diagnosticado como infeção urinária. Y) A melhoria clínica da utente após tratamento prescrito em ..., indicativa de patologia benigna (síndrome hemorroidal), com ausência de sinais de agravamento. Z) A colonoscopia foi sugerida por mera cautela, sem base em sintomatologia sugestiva de neoplasia. A recusa desse exame pela filha da utente, corroborada por prova testemunhal (EE e DD), revela que não havia fundamento clínico imperativo que exigisse tal exame. AA) Acresce que, desde ... de ... de 2016 até ..., não houve qualquer novo contacto clínico com o Recorrente nem comunicação de sinais de agravamento. Esta ausência de sinalização clínica rompe com qualquer nexo de causalidade direto entre a atuação do Recorrente e a evolução da patologia posteriormente detetada. BB) A exigência, formulada no parecer, da realização de exames invasivos (como o toque retal), carece de justificação clínica à luz dos dados disponíveis na altura, revelando uma apreciação descontextualizada e teórica, que ignora os padrões de atuação médica fundados na evidência sintomática. CC) A jurisprudência tem reiteradamente afirmado que os pareceres periciais não vinculam o julgador e devem ser valorados com critério crítico, máxime quando se demonstre que assentam em pressupostos erróneos ou omissos (cf. Ac. TRL de 06.10.2022, Proc. 368/19.3T9FAR.L1-5). DD) Assim, o parecer do Conselho Médico-Legal está viciado na sua base, porquanto: 1. Ignora elementos clínicos objetivos existentes nos autos; 2. Omite a ausência de queixas por vários meses; 3. Baseia-se numa narrativa incompleta e distorcida da atuação do Recorrente. EE) Tal vício compromete irremediavelmente a sua validade probatória, tornando-o inidóneo para sustentar qualquer juízo de censura penal. FF) Ao manter-se a valoração deste parecer, estar-se-á a admitir uma condenação penal fundada num juízo técnico formado à margem dos factos reais do caso, o que viola frontalmente o princípio da culpa consagrado no artigo 13.º do Código Penal. GG) Em face do exposto, impõe-se a exclusão do referido parecer enquanto meio de prova apto à formação da convicção judicial, devendo ser reapreciada a matéria de facto à luz da prova testemunhal, documental e clínica produzida em audiência. HH) Tal reapreciação deverá conduzir, necessariamente, à conclusão de que: 1. A atuação do Recorrente foi clinicamente adequada; 2. Não existiam dados que impusessem atuação diversa; 3. Não se pode imputar ao Recorrente qualquer nexo causal ou culpa penal pela evolução clínica da utente. II) O crime de maus-tratos exige conduta dolosa ou cruel, nos termos do artigo 152.º-A do Código Penal. A atuação do Recorrente foi diligente, tendo prescrito medicação e exames, sem qualquer intenção de causar dano. JJ) A sua eventual omissão não é punível, por ausência de dolo (art. 14.º do Código Penal), de nexo causal, de posição de garante (art. 10.º) e de imputação objetiva (art. 13.º e 29.º da CRP). KK) A imputação de responsabilidade penal ao Recorrente configura uma extrapolação ilícita e violadora do princípio da legalidade (art. 1.º do Código Penal e 29.º da CRP), por aplicação extensiva in malam partem do tipo penal. LL) Todos os factos acima dados como não provados são essenciais à subsunção ao tipo penal, e a sua retirada impede o preenchimento dos elementos objetivos e subjetivos do crime. MM) Em consequência, deve ser declarada a absolvição do Recorrente por inexistência de prova bastante da prática do crime de maus-tratos. Assim, nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. reverendíssimas douta e sapientemente suprirão, deverá o presente Recurso ser admitido e declarado procedente e, consequentemente ser revogada a decisão colocada em crise, com as legais consequências daí advenientes, fazendo-se assim, a tão costumeira JUSTIÇA! (…)
O Ministério Público na primeira instância respondeu ao recurso, sem apresentar conclusões, finalizando do seguinte modo: (…) Deve negar-se provimento ao recurso, não tendo sido violados os preceitos legais referidos a esse propósito no recurso e confirmar-se a douta sentença condenatória nos seus precisos termos. (…)
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O recurso foi admitido, com forma, modo e efeito devidos.
Uma vez remetido a este Tribunal, o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, remetendo para a resposta em primeira instância, no sentido da improcedência do recurso.
Proferido despacho liminar e colhidos os vistos, veio o processo à Conferência.
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Objecto do recurso
Resulta do disposto conjugadamente nos arts. 402º, 403º e 412º nº 1 do Cód. Proc. Penal que o poder de cognição do Tribunal de recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, já que é nelas que sintetiza as razões da sua discordância com a decisão recorrida, expostas na motivação.
Além destas, o Tribunal está ainda obrigado a decidir todas as questões que sejam de conhecimento oficioso, como é o caso das nulidades insanáveis que afectem a decisão, nos termos dos arts. 379º nº 2 e 410º nº 3 daquele diploma, e dos vícios previstos no artº 410º nº 2 do mesmo Cód. Proc. Penal, que obstam à apreciação do mérito do recurso, mesmo que este se encontre limitado à matéria de direito, tal como se assentou no Acórdão do Plenário das Secções do STJ nº 7/95 de 19.10.1995 [DR, Iª Série - A de 28.12.1995] e no Acórdão para Uniformização de Jurisprudência nº 10/2005, de 20.10.2005 [DR, Iª Série - A de 07.12.2005].
Das disposições conjugadas dos arts. 368º e 369º, por remissão do artº 424º, nº 2, ambos do mesmo Cód. Proc. Penal, resulta ainda que o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso pela seguinte ordem preferencial:
Em primeiro lugar, das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão (artº 379º do citado diploma legal);
Em segundo lugar, das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pela chamada impugnação alargada, se deduzida [artº 412º], a que se segue o conhecimento dos vícios enumerados no artº 410º nº 2 sempre do mesmo diploma legal.
Finalmente, as questões relativas à matéria de direito.
Tendo em vista este princípio, averigue-se o caso.
O arguido, nas conclusões do recurso, fixa o objecto de apreciação requerida nas seguintes questões:
- erro notório na apreciação da prova;
- a imputação de responsabilidade penal ao Recorrente configura uma extrapolação ilícita e violadora do princípio da legalidade (art. 1.º do Código Penal e 29.º da CRP), por aplicação extensiva in malam partem do tipo penal;
- não havendo verificação típica, impõe-se a absolvição do arguido.
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Fundamentação
O Tribunal recorrido fixou a matéria de facto do seguinte modo: (…) • Factos provados Dão-se como provados os seguintes factos que têm interesse para a decisão da presente causa: 1. O lar da ..., sito na ..., é uma Estrutura Residencial para Idosos. 2. Na prossecução da sua actividade, a referida ... acolhe idosos, de forma temporária ou permanente, dispondo do fornecimento de alimentação, cuidados de higiene, saúde e conforto. 3. Por forma a garantir o fornecimento de cuidados de saúde, a referida ... dispõe de uma equipa composta por médicos e enfermeiros, os quais prestam assistência médica semanal e assistência de enfermagem em permanência. 4. No que concerne ao modo de funcionamento e organização dos cuidados de saúde, mostrava-se instituído naquela ..., à data dos factos, que as auxiliares que mantinham o contacto diário com os utentes reportavam as queixas às enfermeiras, designadamente à chefe de piso. 5. Posteriormente, a enfermeira chefe de piso, caso se verificasse necessidade, sinalizava o utente para ser visto pelo médico, efectuando marcação para o próprio dia ou accionando os meios de emergência médica, consoante a necessidade. 6. Ainda no que diz respeito ao modo de funcionamento e organização dos cuidados de saúde, o médico, após observação dos utentes, procedia à inscrição no diário clínico de todos os elementos relevantes e relacionados com os cuidados prestados aos utentes. 7. Assim como, e caso verificasse a necessidade de realizar um exame, procedia à inscrição de tal no diário clínico. 8. Assim como as enfermeiras e auxiliares, por orientação e direcção das chefes de piso, diariamente procediam à inscrição, em folhas próprias, de factos relevantes ocorridos com os utentes da referida .... 9. Competia, ainda, à enfermeira chefe comunicar aos familiares dos utentes todas as solicitações de exames que fossem apostas nos referidos diários clínicos pelo médico, uma vez que este não conseguia proceder à prescrição dos mesmos através do Serviço Nacional de Saúde. 10. Em data não concretamente apurada do mês de ..., BB, nascida a .../.../1937, integrou a referida ..., ficando a residir no piso 3. 11. Posteriormente, em data não concretamente apurada, mas anterior a ..., passou a residir no piso 0, o que sucedeu em virtude de se encontrar acamada por força dos problemas de saúde de que padecia, designadamente síndrome demencial. 12. À data dos factos, a arguida AA era a enfermeira responsável pelo piso 0, local onde se encontrava BB. 13. Sendo médico na referida ..., em regime de prestação de serviços, o arguido CC. 14. Em data não concretamente apurada, mas anterior a .../.../2015, as auxiliares em exercício de funções no piso 3, comunicaram à enfermeira responsável que BB apresentava sangue na urina. 15. Nessa conformidade e atentos os sinais e sintomas que BB apresentava, no dia .../.../2015, o arguido CC observou a zona do ânus de BB. 16. E visualizou que a mesma apresentava hemorroidas exteriores. 17. Mais fez constar no diário clínico daquela, em sequência da observação efectuada, “pedido colonoscopia total”. 18. Apesar de o arguido CC ter feito a menção à necessidade de realização de colonoscopia total, tal exame não foi efectuado a BB. 19. Por um lado, não foi comunicado, como era devido, aos familiares de BB a necessidade de realizar tal exame. 20. E, por outro lado, nem o arguido se certificou da comunicação de tal necessidade aos familiares desta e, bem assim, da sua realização. 21. Nessa conformidade, e não obstante a observação efectuada, BB, após essa data, mostrou queixas e apresentou sintomas, nomeadamente dificuldade em se manter sentada, dor, hemorroidas, desconforto e, uma vez, sangramento na urina. 22. Assim, em data não concretamente apurada, mas anterior a .../.../2016, as enfermeiras em exercício de funções no referido piso, comunicaram à arguida AA que BB apresentava queixas de dor no ânus. 23. Em sequência de tal informação, no dia .../.../2016, a arguida AA solicitou ao arguido CC que observasse o ânus de BB, perante as queixas de dor. 24. Nessa conformidade, e atentos os sinais e sintomas que BB apresentava, designadamente dor, o arguido CC efectuou o diagnóstico de crise hemorroidal e prescreveu comprimidos Daflon 500mg, pomada Scheriproct e saquetas Laevolac. 25. Mais fez o arguido CC constar no diário clínico a observação efectuada e respectivo diagnóstico, mais fazendo constar a necessidade de avaliação na semana seguinte. 26. No dia .../.../2016, o arguido CC voltou a observar BB e manteve a sobredita prescrição, reduzindo a quantidade de comprimidos Daflon 500mg para um por dia. 27. Porém, e não obstante a observação efectuada e a prescrição dos referidos medicamentos, tal tratamento não foi suficiente porquanto BB continuou a apresentar as sobreditas queixas e sintomas, nomeadamente dificuldade em se manter sentada, dor, hemorróidas e desconforto. 28. Desde .../.../2016 que a arguida AA, não obstante as queixas de BB, não sinalizou a referida utente para ser observada pelo arguido CC. 29. Nem o arguido CC diligenciou pela observação daquela, não obstante saber dos problemas de saúde de que a mesma padecia. 30. O arguido CC apenas voltou a observar BB em data posterior à ida daquela ao .... 31. Com efeito, no dia .../.../2016, na sequência de uma visita de II, filha de BB, aquela levou a mãe à casa de banho após ter sido alertada por FF, auxiliar da referida ..., que o devia fazer. 32. Nessa ocasião, II apercebeu-se que BB tinha uma ferida de grandes dimensões no ânus, pelo que decidiu levá-la à urgência do .... 33. No hospital, e após ter sido efectuada a biopsia, obteve-se o seguinte diagnóstico: “dois fragmentos de tecido fibroso, um deles, com revestimento focal, por mucosa anal. Com inflamação activa, desmoplasia ligeira e infiltração por adenocarcinoma, de tipo cólico, moderadamente diferenciado e sem angioinvasão, na amostra”. 34. Na sequência de tal diagnóstico, e por não apresentar indicação para tratamento cirúrgico, por se encontrar em fase avançada e, como tal, insusceptível de tratamento, foi encaminhada para a equipa de cuidados paliativos daquele Hospital, com vista à administração de medidas de conforto. 35. Mais foi determinada a administração de creme anestésico e morfina em caso de dores e, bem assim, a lavagem com compressas de algodão e água tépida. 36. No dia .../.../2016, BB foi levada ao ... por apresentar rectorragias abundantes, tendo sido determinada a aplicação local de pensos de alginato de cálcio e pomada de lidocaína. 37. Em dia posterior, não determinado, II compareceu no lar e constatou que BB se apresentava com a roupa suja de comida e com a fralda suja de dejectos. 38. Assim como a visualizou sentada numa cadeira, em estado de dor e sofrimento, porquanto tal se mostrava desadequado face ao seu estado de saúde. 39. No dia .../.../2018, BB foi levada ao ... pela filha por apresentar erupções cutâneas pruriginosas dispersas por todo o corpo, ocasião em que foi diagnosticada escabiose, vulgarmente conhecida por sarna. 40. No dia .../.../2018, BB apresentava a unha do dedo grande do pé direito encravada, com sangue, e o pé apresentava uma coloração negra. 41. Em consequência de tal, no dia .../.../2018, BB foi levada ao ... por apresentar alterações na temperatura do pé direito, sendo que à observação apresentava sinais de isquémia. 42. Devido aos antecedentes, foi medicada com enoxaparina. 43. No dia seguinte, por agravamento das queixas álgicas, BB voltou a comparecer no ..., local onde ficou internada e onde faleceu no dia .../.../2018. 44. Desde, pelo menos, .../.../2016 até ao dia do seu falecimento, BB sentiu dores e tristeza e, apesar da demência de que padecia, conseguiu sempre verbalizar que se sentia desconfortável, chorosa e com dores, o que os arguidos sabiam. 45. Os arguidos CC e AA sabiam e não podiam ignorar que BB se encontrava acolhida naquele lar e que se encontrava aos seus cuidados de saúde, sendo os mesmos responsáveis por avaliar as suas necessidades de saúde e providenciar pelos tratamentos e acompanhamento necessário. 46. Em concreto, o arguido CC, como técnico de saúde, podia e devia, perante as queixas que BB apresentava, ter efectuado a inspecção da região anal e um toque rectal e, dessa forma, efectuar o diagnóstico precoce da lesão neoplásica de que a doente padecia e, por conseguinte, prescrever um tratamento mais adequado da mesma, o que não fez. 47. Com efeito, a doença de que BB padecia, em concreto, neoplasia do recto com invasão do canal em progressão, era visível a olho nu, não só pelo seu tamanho, mas, também, pela inflamação activa e, como tal, não poderia ser ignorada, como foi, pelos arguidos. 48. Mais, o arguido CC podia e devia, enquanto técnico de saúde, ter prescrito a realização de biópsias à lesão, de uma colonoscopia, de uma TC toraco-abdominal-pélvica e de uma ressonância pélvica para estadiamento local e eventual metastização do carcinoma, o que não fez. 49. Mais deviam os arguidos assegurar que BB tinha acesso aos exames, isto é, que os familiares eram informados da necessidade de os mesmos serem realizados e que aquela, efectivamente, os realizava. 50. Por seu turno, a arguida AA, enquanto enfermeira responsável pelo piso em que BB se encontrava, agiu bem sabendo que devia ter adequado os cuidados de enfermagem a prestar àquela, providenciando pelo seu conforto e bem-estar, o que não logrou fazer. 51. Agiram os arguidos bem sabendo que as suas condutas eram idóneas a provocar, como provocaram, danos físicos e psicológicos à ofendida e que, ao agirem daquela forma, punham em perigo a saúde, a integridade física e mesmo a vida da ofendida, bem sabendo que causavam nesta dor e intranquilidade, o que aconteceu, tendo se conformado com o resultado alcançado. 52. Mais agiram os arguidos de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. * 53. Os arguidos não têm antecedentes criminais registados. * 54. O arguido CC recebe uma pensão de reforma no valor de € 1.400,00. 55. Reside com a esposa em casa própria. 56. Ajuda no pagamento das despesas universitárias dos netos. 57. A arguida AA é freira, vive assim em comunidade e recebe uma pensão de velhice no valor de € 900,00. • Factos não provados Com relevância para a decisão da presente causa, não resultaram provados os seguintes factos: A) A comunicação referida no ponto 14 foi efectuada à enfermeira aqui arguida AA. B) Na data descrita no ponto 14, .../.../2015, as auxiliares transmitiram a existência de queixas de dor no ânus e presença de sangue nas fezes. C) No que se refere ao ponto 15, foi a arguida AA que solicitou ao arguido que observasse BB, perante as queixas de dor e a presença de sangue nas fezes. D) Os sintomas indicados no ponto 16 eram dor e sangue nas fezes E) Era a arguida AA a responsável pela comunicação descrita no ponto 19. F) A arguida AA sabia que tinha que comunicar aos familiares de BB a necessidade de esta realizar exames, o que não fez. G) A ofendida BB apresentava sangue nas fezes. H) Na sequência dos factos descritos nos pontos 34 a 36, as referidas indicações médicas não foram cumpridas na íntegra e o estado de BB agravou-se. I) No decorrer das visitas efectuadas por familiares, nomeadamente por II, BB apresentava-se com muitas dores, o que sucedia por não lhe ser administrada dose de morfina para as dores quando necessário ou após o decurso da hora para a sua toma. J) Após a descoberta da doença, a enfermeira AA deveria ter agido de acordo com as prescrições médicas efectuadas em função da doença de que padecia, quer transmitindo às enfermeiras quais os cuidados que deviam ter com aquela, quer assegurando que os mesmos eram prestados, visando evitar que aquela sentisse dores, o que não logrou fazer. *** Não se dispõem como provados ou não provados os restantes factos presentes na acusação ou nas contestações, por corresponderem a factos sem relevância para a decisão da presente causa, juízos conclusivos ou a matéria de direito. (…)
O Tribunal recorrido fundamentou a decisão de facto do seguinte modo: (…) Para formar a convicção do Tribunal, no que respeita aos factos dados como provados e não provados, procedeu-se a uma análise crítica e conjugada de toda a prova produzida em sede de audiência de julgamento. Foi ainda considerada a restante prova constante dos autos, tendo o Tribunal apreciado toda a prova, atendendo às regras da experiência comum, tendo sempre em consideração o princípio da livre apreciação da prova, previsto no artigo 127º do Código de Processo Penal. Designadamente, foi tida em consideração a prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento, tendo sido valorado o depoimento que foi prestado pelas testemunhas II, FF, DD, EE, JJ e KK, indicados na acusação e LL, MM, NN, OO e PP, indicadas na constestação da arguida AA. De seguida, foi tida em considerada a prova pericial junta nos autos, designadamente consulta técnico científica do Conselho Médico-Legal da Ordem dos Médicos (fls. 200 a 203 e 320 a 323, 465 a 467). Foi igualmente alvo de valoração a prova documental presente nos autos, nomeadamente, queixa e respectivos documentos (fls. 3 e 4), assento de óbito (fl. 193), fotografias (fls. 42 a 45, 51, 52, 59, 180 e 185), comunicação interna (fls. 46 a 50), diário clínico e elementos clínicos de enfermagem (fls. 67 a 122 e 237 a 289), elementos clínicos do Hospital (fls. 123 a 174 e 496 a 509), relatório de acompanhamento elaborado pela Segurança Social (fls. 301 a 314), documentação interna do lar - diário clínico (apenso A), e o certificado de registo criminal da arguida, devidamente junto aos autos, bem ainda como o documento junto na contestação da arguida AA. Por fim, foram valoradas as declarações dos arguidos prestadas perante magistrado do Ministério Público, lidas em sede de audiência de julgamento. * Concretizando. Os factos vertidos nos pontos 1 e 2 além de serem de conhecimento notório, decorrem da explicação de todas as testemunhas que foram ouvidas, designadamente a filha da ofendida e auxiliares colaboradoras com aquela Estrutura Residencial para Idosos. O facto vertido no ponto 3 resultou também do depoimento de diversas testemunhas, nomeadamente a testemunha QQ, filha da ofendida, depoimento do qual foi percetível a existência de assistência médica e de enfermagem; a testemunha DD, psicóloga e que exercia funções de directora naquela Estrutura nos anos que mediaram ... e ..., descreveu que existia um médico residente, o aqui arguido, que se deslocava à mesma todas as quintas feiras, sendo que “podia ir mais alguns dias se fosse necessário”, mais referindo existir em permanência uma enfermeira por piso; tal realidade foi também corroborada pelos demais depoimentos prestados por auxiliares que exerciam funções no Lar em questão. Também o funcionamento plasmado no facto indicado no ponto 4 foi explicado pela testemunha DD; ainda a testemunha FF, que era auxiliar do Lar referiu que se vissem alguma coisa, “transmitiam à irmã EE” (a aqui arguida, AA); também a testemunha EE, igualmente enfermeira no Lar nas datas dos factos, referiu que sinalizava os doentes que precisavam de cuidados e acompanhava também o arguido CC nas visitas, confirmando também este auxílio médico; este esquema de acompanhamento foi também confirmado pela testemunha JJ, igualmente enfermeira que trabalhou um ano no Lar. Destes depoimentos resulta também como provado a parte do facto aposto no ponto 5, onde se descreve que “a enfermeira chefe de piso, caso se verificasse necessidade, sinalizava o utente para ser visto pelo médico”, bem ainda do depoimento de DD que, se fosse necessário o médico responsável deslocava-se outros dias que não a quinta-feira. O facto de poderem ser accionados os meios de emergência médica, caso existisse essa necessidade, resulta das regras da lógica e da experiência comum, podendo ser esses meios accionados por qualquer cidadão, sendo comum esse acionamento na realidade dos lares de acolhimento de idosos. De seguida, os factos vertidos nos pontos 6 e 7 resultam do próprio diário clínico que se encontra junto nos autos como prova documental, bem como do depoimento do arguido CC prestado perante magistrado do Ministério Público lido em sede de audiência de julgamento. O facto vertido no ponto 8 resulta também da prova documental junta nos autos, designadamente elementos clínicos e de enfermagem. Prosseguindo para o facto vertido no ponto 9 e já tendo sido descrito supra que existia uma enfermeira chefe por cada piso, foi descrito pelo arguido CC, no seu depoimento já referido que foi lido em audiência de julgamento que “não conseguia passar exames susceptíveis de serem realizados no ...; a sua prescrição era válida apenas para o privado. Por essa razão, comunicava às enfermeiras que, posteriormente, informavam os familiares dos idosos que deviam diligenciar junto do médico de família pela obtenção da credencial válida no .... Esclarece que a enfermeira era responsável por comunicar com a família e dar conta da necessidade de realização dos referidos exames, o que sucedia verbalmente”. No mesmo sentido explicou II, filha da ofendida que se deslocava diariamente ao Lar e foi notório a sua proximidade da realidade daquela Estrutura, atenta a proximidade durante vários anos que, diga-se desde, já, apresentou um discurso que mereceu credibilidade do presente Tribunal. Ainda que se tratasse da sua mãe e fosse notória a sua revolta, denotou-se também a inexistência de tentativas de extrapolação daquilo que viveu, referindo designadamente que não sabia quando assim era ao invés de tentar extrapolar, veja-se, por exemplo, que responde não saber se a arguida se encontrava ou não no Lar quando ocorreu a ida ao hospital. Ademais, e atendendo a este ponto em concreto, a mesma descreveu que quando era preciso ir ao Hospital, “era a irmã EE” - aqui arguida AA - “que informava”. Por sua vez, a testemunha DD, psicóloga e directora daquela Estrutura entre ... e ..., referiu que essas comunicações eram feitas por ela ou pelas enfermeiras. No entanto, este depoimento foi desprovido de credibilidade, sendo notória a tentativa de desresponsabilização, mais entrando em incongruências dentro do seu próprio discurso, bem como do teor do depoimento de outras testemunhas. A mesma refere inicialmente que, quando foi efectuado o pedido de uma colonoscopia, em ..., “não havia sinais de alarme”, “não havia hemorroidas”, e que seria apenas “por segurança”, por rotina; mais tarde, no seu próprio discurso e já a instâncias do Ilustre Mandatário da arguida AA, refere quem em ... a mesma já sofria de hemorroidal, entrando em contradição consigo própria. Referiu também no seu discurso que costumava andar pelo Lar, tendo contacto com os pacientes e que “ninguém lhe transmitiu que ela sofria a sentar-se”, referindo-se à ofendida, que a mesma “andava bem” e que já antes da existência deste problema a mesma chorava e gemia, que era normal dela. No entanto, a testemunha FF, que à data era auxiliar naquele Lar, que mostrou um depoimento desinteressado, referiu que já havia reparado que a ofendida não se conseguia sentar e que nos tempos antes de ir ao Hospital “andava sempre a gemer, chorava…”, acrescentando que “não era bom de se ver”, sendo notório deste discurso que mesmo que aquela fosse já uma pessoa de choro fácil, houve um agravamento, descredibilizando uma vez mais o depoimento desta testemunha DD. Ainda no seu discurso, numa clara tentativa de desresponsabilizar a enfermeira e aqui arguida, AA, esta testemunha DD que na altura da ida ao Hospital da ofendida, em ..., “a irmã EE tido ido de férias” há já “uma semana/quinze dias”. No entanto, ouvida a testemunha EE, igualmente enfermeira naquela Estrutura, a mesma respondeu espontaneamente que estava de férias “na altura que D. BB foi para o hospital”. Questionada se a arguida AA também estaria de férias, respondeu que não, que se ausentou apenas dois dias, contrariando totalmente o depoimento da testemunha DD, e que quando EE foi de férias, foi a arguida que lhe contou que a ofendida havia ido ao hospital. Veja-se que ouvida a testemunha JJ que também era enfermeira naquela altura (sendo estas as três enfermeiras), esta referiu que “nunca saíram duas pessoas ao mesmo tempo” e que “nunca ficou sozinha”, referindo depois que se tal aconteceu, não se recorda. Face ao exposto, não mereceu qualquer credibilidade do Tribunal o depoimento da testemunha DD. A enfermeira EE no seu depoimento enquanto testemunha, referiu que quando havia necessidade de exames externos, falava ou a D. GG com as famílias ou as enfermeiras directamente, contrariando também o que foi referido pelo arguido e pela testemunha II, ao qual se atribuiu credibilidade. Além disso, uma vez que esta apresentou também um discurso de suavização dos factos constante e desresponsabilização, atribuiu-se mais credibilidade aos já descritos depoimentos, sendo certo que, de qualquer forma, se assim fosse, existia responsabilidade por parte das enfermeiras chefes da comunicação festes exames às famílias, conforme consta deste facto 9. O facto vertido no ponto 10 resulta do facto do termo de responsabilidade constante a fl. 289 ter sido assinado pela filha da utente nesse mês de ..., mais tendo sido unânime pelas diversas colaboradoras do Lar presentes enquanto testemunha que, inicialmente, BB - cuja data de nascimento consta do assento de óbito e dos vários elementos clínicos - inicialmente se encontrava no piso 3. Prosseguindo para o facto vertido no ponto 11, descreveu desde logo também II, filha da ofendida, que houve uma altura em que lhe foi dito que a mãe ia ser transferida para o piso 0, não concretizando o dia em que tal ocorreu. A testemunha FF, auxiliar no Lar durante dois anos, não conseguindo precisar quais, referiu que trabalhou tanto no piso 3 como no piso 0, sendo que “conheceu mais a D. BB no piso 0”. DD referiu que tal mudança ocorreu entre ...1.../2016, encontrando-se o diário clínico confuso quanto aos andares e impossível de descortinar, sendo que por exemplo a .../.../2015 dá a entender que a mesma já estaria no piso 0 mas depois em datas posteriores já parece o contrário e assim sucessivamente. Assim, não se consegue descortinar ao certo em que data existiu esta mudança do piso 3 para o piso 0. No entanto, a testemunha EE, quando descreve a situação, referiu que em ..., encontrando-se a ofendida no piso 0, foram ver D. BB que se encontrava “com uma crise hemorroidal”, sendo certo que, pelo menos nesta data, a mesma já se encontrava naquele piso 0. Após, ouvida a testemunha JJ, enfermeira, a mesma afirmou com certeza, atendendo a que se tratou de um ano certo, que apenas trabalhou no ... a ... e que nunca prestou cuidados à ofendida BB, sendo que quando ali chegou, a mesma já se encontrava no piso 0, dando-se assim como provado que essa mudança se terá dado antes de ..., sendo possível concretizar melhor este facto que constava da acusação (veja-se que, conforme descreve o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de .../.../2023, relatora: RR, processo nº 791/16.7... , “ão existe alteração dos factos integradora do artigo 358º quando a factualidade dada como provada no acórdão condenatório consiste numa mera redução daquela que foi indicada na acusação ou na pronúncia, por não se terem dado como assentes todos os factos aí descritos, quando na sentença são descritos os mesmos factos da acusação ou da pronúncia com uma formulação distinta, ou quando se explicitam, pormenorizam ou concretizam factos, já narrados sinteticamente na acusação ou na pronúncia, que não sejam relevantes para a tipificação ou para a verificação de qualquer agravante qualificativa”. Os factos vertidos nos pontos 12 e 13 foram consentâneos entre todas as testemunhas ouvidas, colaboradoras daquela Estrutura. Prosseguindo para o facto vertido no ponto 14 resulta, desde logo, do facto do facto do diário clínico, no que se refere ao dia .../.../2015 resultar que BB foi vista pelo arguido CC o que, de acordo com o em cima exposto e relatado pelas testemunhas, acontecia quando as auxiliares transmitiam problemas às enfermeiras, sendo que estas, após, em caso de necessidade, sinalizavam o utente para ser visto pelo médico, aqui arguido. Ademais, foi descrito pela testemunha e enfermeira EE, que explicou ser a responsável pelo piso 3 e que em ..., auxiliares chamaram-na a atenção para o facto de existir sangue na sanita, o que foi comunicado ao arguido e médico responsável, CC. Embora esta testemunha também tenha apresentado um discurso onde se denotou uma tentativa de suavização do ocorrido, foi também confirmado pela testemunha SS, auxiliar no Lar que em ..., a utente em causa se encontrava no piso 3, onde era responsável a enfermeira EE. Quanto ao facto de o sangue ser na urina naquela data, consta do diário clínico, a fl. 69, no dia .../.../2015, “hematúria”, que, facilmente por uma breve pesquisa é perceptível tratar-se da presença de sangue na urina. O facto vertido no ponto 15 é perceptível dos documentos juntos, nomeadamente dos registos no diário clínico, bem ainda como os factos vertidos nos pontos 16 e 17, que foram também esclarecidos pelo arguido CC quando prestou declarações perante magistrado do Ministério Público. O facto vertido no ponto 18 foi unânime entre todas as testemunhas ouvidas com conhecimento directo na situação. De seguida, o facto vertido no ponto 19 resultou do depoimento foi referido pela testemunha e filha da ofendida BB, II, que descreveu, nesse depoimento que já se indicou como credível que nunca a informaram que era preciso fazer uma colonoscopia. Por outro lado, DD que apresentou um depoimento que não mereceu qualquer credibilidade por parte do presente Tribunal pelos motivos já expostos, referiu que foi a própria que transmitiu à filha, D. II que era necessário, tendo aquela retorquido que não o faria por ser um exame muito evasivo, o que além de não ser crível atendendo ao teor do depoimento desta testemunha, é até contrário a todo o comportamento de II que levou a mãe e aqui ofendida ao hospital quando sentiu essa necessidade, permitiu que fosse feito uma biópsia que descreveu como tendo sido doloroso para a mãe, mais constando, por exemplo, a fl. 79, um relatório clínico de ..., do ..., no qual se refere “a pedido dos familiares, venho por este meio disponibilizar o apoio para eventual necessidade de colocação de entubação naso-gástrica nesta intuição”, não se verificando qualquer atitude de recusa perante procedimentos mais invasivos. Veja-se até do diário clínico, na data .../.../2015, próxima destes acontecimentos, onde consta que “D. BB amanhã vai fazer um exame deve estar pronta às 10h00”, demonstrando a diligência em realizar exames exteriores. Além de tudo isto, a comunicação interna (junta a fls. 46 a 50), proferido após um pedido de esclarecimento por II, datado de .../.../2016 e efectuado por DD nunca é referida essa alegada recusa por parte de II, não podendo deixar de se considerar, atento todo o teor do depoimento de DD que essa afirmação não se tratou mais do que uma tentativa de desresponsabilização, uma vez que tal nunca foi referido anteriormente, além de ser contrário ao indicado pela testemunha II a cujo depoimento já se disse ter-se atribuído credibilidade. Uma vez que resultou provado que esse exame não foi realizado - em virtude de também não ter sido comunicado - e embora não fosse do arguido a responsabilidade da comunicação, é certo também que o arguido CC também não se certificou de que o mesmo tenha sido realizado. Este arguido CC, nas suas declarações prestadas perante magistrado do Ministério Público referiu que “pensa que não pediu qualquer outra colonoscopia, ficou a aguardar o resultado do exame que tinha sido solicitado a .../.../2015”, mesmo após decorrerem vários meses, confirmando-se que não se certificou por saber se o mesmo havia sido ou não efectuado. Prosseguindo para o facto vertido no ponto 21, quanto ao sangramento na urina, consta do diário clínico, na parte referente ao dia .../.../2015, “D. BB urinou sangue”. Quanto ao demais, manutenção das hemorroidas, dor, desconforto e dificuldade em se manter sentada, foi desde logo tal descrito pela sua filha e aqui testemunha II que, num discurso espontâneo, descreveu que quando a ia visitar ao Lar a mesma apresentava manifestas dificuldades em se manter sentada, pondo-se constantemente de pé e que a mesma, apesar de sofrer Alzheimer e algumas dificuldades de expressão, conseguia expressar que tinha dores. Além disso, também a testemunha FF, auxiliar no Lar, que apresentou um discurso espontâneo, sereno e desinteressado, que mereceu credibilidade por parte do presente tribunal, referiu que “reparava que ela não se conseguia sentar nem fazer necessidades”, mais acrescentando que “houve uma altura que não se sentava, chorava o dia todo”, referindo que no período antes de ir ao hospital “via o sofrimento da senhora”, “andava sempre a gemer… chorava”, “não era bom de se ver”. Descreveu que antes de ir ao Hospital, a ofendida “estava com muitas dores, não se sentava”. Mais foi consentâneo entre as auxiliares que cuidavam da higiene das utentes que a mesma apresentava hemorroidas (que, perante uma breve pesquisa, se conclui tratarem-se de veias de volta do ânus que inflamam ou dilatam). Destes depoimentos resulta também como provado o facto vertido no ponto 27, uma vez que por exemplo a testemunha FF referiu que tal ocorreu dois meses antes da mesma se deslocar ao Hospital, em .... Prosseguindo assim para os factos vertidos nos pontos 22 e 23, resultam os mesmos, desde logo, do que já foi em cima exposto relativamente ao funcionamento no Lar, que eram as auxiliares quem comunicavam as queixas e problemas às enfermeiras responsáveis pelo piso - neste caso a arguida AA, uma vez que resultou provado que BB se encontrava no piso 0 pelo menos desde ... - que depois sinalizava os utentes para serem examinadas pelo arguido CC, o que ocorreu no dia .../.../2016, conforme consta do diário clínico. De seguida, os factos vertidos nos pontos 24 a 26 constam dos documentos clínicos juntos, designadamente a fl. 69. O facto 28 resulta no seguimento de se ter dado como provado, no ponto 27, que a mesma continuou a apresentar as queixas, o que era do conhecimento da arguida AA, uma vez que, conforme foi informado, designadamente pelas testemunhas NN e LL, aquela arguida todos os dias passava por todas as utentes. Ora, foi referido por FF, enquanto testemunha que era visível o sofrimento da senhora, pelo que AA, uma vez que a observada todos os dias, também se terá apercebido desse mesmo sofrimento; mais tendo sido referido pela testemunha FF que transmitiu várias vezes a situação “à irmã EE”; ou ainda a testemunha TT, que foi apercebendo que aquela saliência se encontrava a aumentar e que comunicava esse aumento à arguida; também a testemunha II referiu que depois falou com FF (sendo este depoimento indirecto relevável atendendo a que foi esta testemunha também ouvida) e outras auxiliares, que lhe transmitiram que já haviam relatado a situação a esta arguida; e, ainda assim, a mesma não sinalizou a utente para ser observada pelo arguido CC que não a voltou a examinar desde aquela data, conforme se retira do diário clínico, dando-se também como provado o facto vertido no ponto 29. Deste diário resulta também o facto vertido no ponto 30. O facto 31 foi relatado pela testemunha II, filha de BB, que descreveu, logo no início das suas declarações, num depoimento espontâneo que, um dia, que seria Sábado ou Domingo, “UU disse para ir ver”, foi à casa de banho e “ficou sem chão”, tendo de imediato levado a mãe ao Hospital. Tal é corroborado pelo descrito no diário clínico, referente a este dia, onde se escreveu “D. BB foi às urgências do ... por exigência da filha” - dando-se também como provado o facto vertido no ponto 32, que foi também descrito por II e consta do relatório de urgência constante dos documentos clínicos, e de onde constam também como provados os factos vertidos nos pontos 33 a 35. Ainda que a testemunha FF, que expressou o “sofrimento” em que estava D. BB tenha referido não se recordar de ter dito a II para ir ver, não retira credibilidade ao depoimento desta última, por ter sido um episódio que ocorreu já há 9 anos, por não ter sido tão marcante para aquela - que se recordava do mais marcante, o estado em que se encontrava aquela senhora - como foi para a filha e porque as pessoas não sabem quando estão a viver um acontecimento que vão ter que o testemunhar em sede de um julgamento, não retendo tudo da mesma forma. Ainda assim, a forma como descreveu a situação, claramente tendo ficado impressionada na altura, corrobora a versão de que terá avisado II, filha da utente. Também não retira a credibilidade da testemunha II, quanto a esta situação, o facto, salientado pela defesa dos arguidos, desta ter afirmado que FF se encontrava com a mãe na casa de banho quando foi abrir a porta a II, tendo depois chamado a atenção, uma vez que não deixaria BB sozinha na casa de banho, uma vez que se trata de um pormenor que pode ter falhado na memória passados 9 anos, tendo a mesma fixado o relevante, naquele dia viu o estado em que se encontrava o ânus da sua mãe. O facto vertido no ponto 36 resulta do relatório constante da informação clínica junta. O facto vertido no ponto 37 foi também relatado pela testemunha II, a quem se atribuiu credibilidade, bem ainda como o facto indicado no ponto 38, tendo ainda junto aos autos fotografia desse momento. O facto vertido no ponto 39 resulta dos elementos clínicos juntos nos autos, mais tendo sido relatado pela testemunha II. De seguida, o facto vertido no ponto 40 foi também relatado por esta testemunha e corroborado por fotografias juntas, mais sendo confirmado pelos documentos clínicos, dos quais resultam também os factos vertidos nos pontos 41 a 43. De seguida, prosseguindo para o facto vertido no ponto 44, não há dúvidas, perante o que foi sendo descrito pelas testemunhas referidas até aqui, bem como dos elementos clínicos que demonstram a doença de que a ofendida padecia, que levou a que lhe fosse receitada a aplicação de morfina quando finalmente se deslocou ao Hospital, de que a mesma sentiu dores e tristeza naquele período. Mais resultou do depoimento das testemunhas já identificadas, como II e FF, que era notório o seu desconforto, a sua conduta chorosa e as dores que sentia, que a mesma conseguia verbalizar. Não tem também o Tribunal dúvidas de que a arguida AA tinha conhecimento destes factos uma vez que, conforme foi já explanado em cima, foi referido, designadamente pelas testemunhas NN e LL, que aquela arguida todos os dias passava por todas as utentes, pelo que se aperceberia deste estado da senhora, tal como se apercebiam as funcionárias que o expressaram e que aqui testemunharam; mais tendo sido referido pela testemunha FF que transmitiu várias vezes a situação “à irmã EE”; ou ainda a testemunha TT, que foi apercebendo que aquela saliência se encontrava a aumentar e que comunicava esse aumento à arguida. Também o arguido CC tinha conhecimento deste estado em que VV se encontrava porque, apesar de ter contacto com a mesma com menos frequência, consta do diário clínico que BB (“D. BB”), foi observada por este arguido no dia .../.../2016 (embora conste 15, é perceptível pelo seguimento do diário que se trata de ...), no dia .../.../2016 onde ouviria as queixas da mesma e, finalmente, no dia .../.../2016, onde observou aquilo que descreveu como “crise hemorroidal”, tendo assim conhecimento do estado em que aquela se encontrava e das queixas que expressava. Veja-se, além disso, que já seria suficiente para esta conclusão, que a testemunha TT, auxiliar do Lar, referiu que o “Dr. HH foi várias vezes ver”, referindo-se à saliência no ânus da ofendida, uma vez que tinha que ajudar a segurar, conforme explicou e a colocar a senhora do lado, isto quando já “estava numa flor”. O facto vertido no ponto 45 resulta dos demais factos dados como provados, uma vez que sendo o arguido CC o médico responsável pela observação dos utentes daquele Lar e a arguida AA a enfermeira responsável pelo piso em que, pelo menos a partir de ..., BB se encontrava, sabiam, como não podiam ignorar, que eram os mesmos responsáveis por avaliar as suas necessidades de saúde e providenciar pelos tratamentos e acompanhamento necessário àquela utente que se encontrava acolhida no Lar. Em concreto, e prosseguindo para o facto vertido no ponto 46, resulta da prova pericial junta, a consulta técnico científica do Conselho Médico-Legal da Ordem dos Médicos (fls. 200 a 203 e 320 a 323, 465 a 467), onde se respondeu, ao quesito “Atendendo aos elementos clínicos juntos e ao teor dos depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas, a actuação dos médicos e enfermeiros que atenderam e assistiram BB, na ..., a partir de ... e conforme à leges artis?”, “Atendendo aos elementos clínicos do processo a que tivemos acesso a condita dos médicos e enfermeiros que assistiram a doente BB não foi conforme com a leges artes. A doente padecia de uma neoplasia do recto que invadia o canal anal que era visível à inspecção da região perianal. Por outro lado não foi realizado um toque rectal que também permitia fazer o diagnóstico de uma neoplasia do canal anal ou do recto. Um diagnóstico mais precoce poderia ter permitido um tratamento mais adequado da lesão neoplásica que a doente padecia”, conclusão que não foi alterada nos esclarecimentos seguintes. Neste seguimento, conforme resulta do exposto elemento pericial, resulta também como provado o facto vertido no ponto 47, nos termos do qual a neoplasia “era visível à inspecção da região perianal”, mais constando dos elementos clínicos, nomeadamente a fl. 146, relativo a informação clínica do ..., que aqueles fragmentos se encontravam “com inflamação activa” - inflamação esta que não foi assim causada pela biópsia conforme indica a defesa, uma vez que a descrição é independente prévia à biópsia e, apesar de a testemunha II ter descrito em audiência de julgamento que a mesma foi bastante dolorosa para a sua mãe, uma “biópsia incisional”, a que foi feita neste caso, segundo os elementos clínicos, trata-se, segundo uma breve pesquisa, de “(…) obter uma pequena porção da lesão, mas suficiente para estabelecer o diagnóstico. Normalmente tem a forma de cunha, e deve contar tecido da lesão e de tecido são adjacente. Normalmente não é necessária a sutura (…)”2 . É ainda observável o descrito pelas fotografias tiradas por II e juntas ao processo, que a mesma descreveu, no seu discurso que já se descreveu como credível, que foram retiradas no dia da ida ao Hospital, ... de ... de 2016. Consta também do documento clínico a fl. 33, datado de .../.../2016, na informação clínica relativa à utente “ao toque tumor do recto com invasão do canal anal” e, também no relatório de alta a fl.77 onde se diz que à “observação foi observado pólipo sesil do canal anal com invasão da anoderme”. O facto 48 resulta também da prova pericial, mais concretamente, da consulta técnico científica do Conselho Médico-Legal da Ordem dos Médicos, onde são descritos aqueles exames que deveriam ter sido efectuados e cuja prescrição não foi efectuada conforme se retira do diário clínico, dando-se assim também como provado o facto vertido no ponto 49. Note-se que, ainda que o arguido tenha, em ..., apontado no diário clínico a necessidade de realizar uma colonoscopia, segundo a testemunha e enfermeira EE, responsável pelo piso em que se encontrava anteriormente BB, nessa altura as auxiliares chamaram a atenção para o facto de existir sangue na sanita, sendo que “não tinham bem a certeza de onde vinha o sangue”, tendo sido então sugerido pelo arguido a realização de uma colonoscopia para “ver o que estava por trás”, ou seja, não sendo ainda em específico relativamente à existência de uma saliência. Por isso, meses depois, em ..., quando o arguido voltou a observar esta utente, o mesmo deveria, conforme consta da prova pericial, ter voltado a pedir este exame, o que não fez - não podendo vir invocar que se encontrava a aguardar os resultados de um exame que tinha referido quase há um ano atras - bem como pedir os demais exames descritos naquele elemento de prova pericial. O facto vertido no ponto 50 resulta no seguimento do que já foi referido anteriormente, designadamente que esta arguida todos os dias via todos os pacientes, pelo que se apercebeu das queixas de BB, mais tendo ficado também demonstrado que a mesma foi avisada dessa situação e, ainda assim, não só não providenciou por cuidados diferentes de saúde à ofendida como não a voltou a sinalizar para ser vista pelo médico responsável, como não foi, conforme consta do diário clínico e conforme era o seu dever - conforme constou provado no facto indicado no ponto 5. Poderia ainda, além disso, ter accionado os serviços de emergência médica ou diligenciar pelo seu transporte ao Hospital, como, conforme já se referiu é normal acontecer nestas estruturas de acolhimento de idosos. O facto de constar no documento junto por esta arguida, no obituário, junto da fotografia da utente WW que “seus filhos, nora, genro e netos agradecem reconhecidamente a todas as pessoas que acompanharam aquela ente querida até à sua última morada, ou que, de qualquer outro modo, lhes manifestaram o seu pesar”, não tem qualquer relevância na mitigação dos factos em apreço, uma vez que é possível verificar pela leitura de tal obituário que tal é assim exactamente escrito junto de todos os falecidos. Diga-se ainda que é também irrelevante para esta factualidade em concreto a descrição das testemunhas que indicaram o cuidado que esta, bem como o arguido, tinham para com os pacientes, uma vez que, conforme resulta da factualidade provada, neste caso em concreto, não foram dados os cuidados médicos devidos. Veja-se ainda, relativamente a esta arguida, a comunicação interna onde se refere que “interrogada a irmã EE (…) refere que, no final de ... reparara numa alteração das mucosas do ânus da doente quando lhe estão a fazer a higiene diária, mas que, fica a aguardar pela cheada do dr. HH que se encontrava de férias e viria no dia ... de ... de 2016. Decide aguardar por a doente não apresentar sintomas de risco de vida que obrigassem a deslocar-se imediatamente ao serviço de urgência hospitalar. Nestes primeiros dias de ..., tem a irmã de se deslocar para fora da instituição por assuntos familiares e não transmite a informação ao médico nem à equipa de saúde. Quando regressa tem a intenção de comunicar à filha de D. BB que seria melhor que se deslocasse ao hospital para averiguar a situação da mãe mas acaba por se desencontrar com a D. II nas suas visitas à mãe”, não tendo também, diga-se, quando regressou, sinalizado a doente para ser vista pelo médico, reforçando aqui a convicção do Tribunal quanto a este facto dado como provado. Ainda que se tratasse “apenas” de hemorroidas, conforme, nomeadamente a testemunha FF referiu que esta arguida lhes transmitia que seria, ao se aperceber daquele aumento e inflamação activa, nada fez para tentar providenciar melhorias nesse sentido. No seguimento também destes anteriores factos dados como não provados, resultam também necessariamente como provados os factos vertidos nos pontos 51 e 52, pois os arguidos ao não providenciarem pelos cuidados de saúde adequados à utente BB, não podiam ignorar que tal continuava a provocar sofrimento físico e psicológico à mesma, pondo em período a saúde, a integridade física e mesmo a vida da ofendida, causando-lhe dor e intranquilidade, com o que se conformaram, mais não podendo ignorar que tal é contrário às exigências legais. O facto vertido no ponto 53 resulta dos certificados de registo criminal dos arguidos. Por fim, os factos vertidos nos pontos 54 a 57 resultam das declarações dos arguidos quanto às suas condições socioecónomicas, complementadas com as informações constantes na base de dados da Segurança Social. * Passando aos factos dados como não provados, resultam os mesmos da falta de prova nesse sentido. Designadamente, no que concerne ao ponto A) que constava da acusação, resultou o mesmo desta forma por ter resultado como provado que, naquela data, a arguida AA se encontrar responsável pelo piso 0, quando a ofendida BB se encontrava no piso 0, não se sabendo e não se podendo dar assim como provado que tal facto, naquele dia as auxiliares também comunicaram aquela informação à arguida AA. Neste seguimento, dão-se também como não provados os factos vertidos nos pontos C), D), E) e F). No que se refere ao facto indicado no ponto B), não foi produzida prova daqueles elementos, designadamente não consta de qualquer elemento a presença de fezes naquela data ou queixas de dor. Não foi produzida prova relativamente ao ponto G). Relativamente aos factos vertidos nos pontos H) a J), considerou-se não existir elementos para se dar tal como provado, uma vez que as diversas auxiliares do Lar que prestaram depoimento e que tratavam da higiene da utente, referiram que passaram a ter que colocar uma pomada e depois um penso (cuidados que constam como prescritos a fl. 170), considerando-se que lhes foram transmitidos os cuidados a ter, mais constando dos diários clínicos (designadamente a fl. 70), alguns cuidados que foram tidos, não conseguindo o Tribunal afirmar, sem qualquer dúvida - ainda que tal tenha sido referido pela testemunha II, afectada naturalmente pelo sofrimento que a mãe passava naquela altura - que os cuidados não foram cumpridos ou que o estado de saúde tenha piorado em virtude de falta de cuidados, atenta a ausência de prova nesse sentido ou, mesmo que não fossem cumpridos, se tal se deveu à falta de acção e comunicação da aqui arguida, designadamente relativamente ao facto da mesma ter sido encontrada sentada num dia em que a filha ali chegou. Relativamente à situação da perna e ao episódio da escabiose, face aos elementos clínicos existentes nos autos, também não foi produzida prova suficiente que o seu aparecimento ou agravamento seja imputável à falta de cuidados dos aqui arguidos. (…)
Vejamos, então, na perspectiva desta Relação se merece acolhimento a pretensão do recorrente.
I. A impugnação da matéria de facto
O arguido começa por dizer que o Tribunal recorrido valorou de forma contraditória e arbitrária o depoimento da testemunha DD, desconsiderando-o parcialmente por alegadas contradições, ao mesmo tempo que o utilizou como fundamento de vários factos dados como provados (pontos 3, 4, 5 e 9).
Depois de assim invocar, no entanto, passa às eventuais contradições ente depoimentos, mas sem acrescentar, como devido, conclusões àquela alegação.
A ver.
O Tribunal a quo começa por dizer, no enquadramento inicial da fundamentação, que, entre outros, esse foi um dos depoimentos que ponderou. Portanto, não o afastando como parece resultar da alegação do recorrente, mas expressamente admitindo que o ponderou.
E na fundamentação do facto provado 3, 4 e 5 explica o que ponderou desse depoimento e porquê, e o que sustentou nos outros depoimentos aí referidos.
O que faz, igualmente, quanto à fundamentação atinente ao facto 9, explicando mais pormenorizadamente que: (…) Por sua vez, a testemunha DD, psicóloga e directora daquela Estrutura entre ... e ..., referiu que essas comunicações eram feitas por ela ou pelas enfermeiras. No entanto, este depoimento foi desprovido de credibilidade, sendo notória a tentativa de desresponsabilização, mais entrando em incongruências dentro do seu próprio discurso, bem como do teor do depoimento de outras testemunhas. (…)
Ora, muito embora pareça resultar da fundamentação como conjunto que o Tribunal a quo atribuiu credibilidade a parte deste depoimento e desconsiderou outra parte, o facto é que a fundamentação deve ser muito claro no que respeita à credibilidade atribuída pelo julgador às testemunhas, tanto mais quando essa percepção, muitas vezes ligada intimamente à imediação da prova, dificilmente pode ser suprida totalmente numa apreciação de recurso quando em causa esteja uma matéria como esta em que a testemunha em causa, directora também daquela estrutura social, pode ser fundamental no sentido do estabelecimento, ou não, da culpa dos agentes.
Por outro lado, importa atender a que, não estando genericamente o Tribunal de julgamento impedido de valorar um depoimento na negativa e na positiva, ou seja, atribuindo-lhe credibilidade em determinados aspectos apenas, como se compreende, quando dele retire conclusões que reputa como idóneas e conclusões contrárias, deve explicar muito bem, não apenas porque atribui credibilidade ou não num concreto ponto, o que o Tribunal a quo faz, mas, também, porque razão, não lhe atribuindo credibilidade total, no conjunto, aceita que esse depoimento não totalmente credível apresente valor de ponderação relativamente a aspectos concretos de prova.
E esta explicação deve ficar muito clarificada na decisão, porque é a fundamentação que explica o porquê da decisão sobre a culpabilidade do agente, ou seja, é a fundamentação que evidencia todo o processo de convencimento do juiz.
Ora, depois de ter sustentado a prova dos factos 3, 4 e 5 também no depoimento desta testemunha DD, o Tribunal a quo deixa, na explicação da convicção quanto ao ponto 9 e adiante, o segmento acima transcrito que, não reduzido o âmbito dessa sua consideração, exclui, como afirmação, valor de credibilidade quanto ao mesmo depoimento, dizendo-o mesmo «(…) desprovido de credibilidade, sendo notória a tentativa de desresponsabilização, mais entrando em incongruências dentro do seu próprio discurso, bem como do teor do depoimento de outras testemunhas. (…)», o que constitui, de facto, uma aparente contradição, deixando o destinatário da decisão sem perceber concretamente o alcance de uma e outra coisas.
E, muito embora como se disse supra, seja possível que esta referência quisesse apenas circunscrever ao referido facto 9, ou a outros subsequentes, a forma como está feita a afirmação contagia todo a ponderação sobre o referido depoimento.
De facto, diz também o arguido que esta testemunha DD afirmou, no que foi corroborada por outra, que foi a filha da falecida que, contactada por causa da necessidade de realização do exame prescrito (colonoscopia), o recusou por demasiado invasivo.
Sobre este assunto, diz a decisão recorrida que1: (…) A mesma refere inicialmente que, quando foi efectuado o pedido de uma colonoscopia, em ..., “não havia sinais de alarme”, “não havia hemorroidas”, e que seria apenas “por segurança”, por rotina; mais tarde, no seu próprio discurso e já a instâncias do Ilustre Mandatário da arguida AA, refere quem em ... a mesma já sofria de hemorroidal, entrando em contradição consigo própria. Referiu também no seu discurso que costumava andar pelo Lar, tendo contacto com os pacientes e que “ninguém lhe transmitiu que ela sofria a sentar-se”, referindo-se à ofendida, que a mesma “andava bem” e que já antes da existência deste problema a mesma chorava e gemia, que era normal dela. No entanto, a testemunha FF, que à data era auxiliar naquele Lar, que mostrou um depoimento desinteressado, referiu que já havia reparado que a ofendida não se conseguia sentar e que nos tempos antes de ir ao Hospital “andava sempre a gemer, chorava…”, acrescentando que “não era bom de se ver”, sendo notório deste discurso que mesmo que aquela fosse já uma pessoa de choro fácil, houve um agravamento, descredibilizando uma vez mais o depoimento desta testemunha DD. Ainda no seu discurso, numa clara tentativa de desresponsabilizar a enfermeira e aqui arguida, AA, esta testemunha DD que na altura da ida ao Hospital da ofendida, em ..., “a irmã EE tido ido de férias” há já “uma semana/quinze dias”. No entanto, ouvida a testemunha EE, igualmente enfermeira naquela Estrutura, a mesma respondeu espontaneamente que estava de férias “na altura que D. BB foi para o hospital”. Questionada se a arguida AA também estaria de férias, respondeu que não, que se ausentou apenas dois dias, contrariando totalmente o depoimento da testemunha DD, e que quando EE foi de férias, foi a arguida que lhe contou que a ofendida havia ido ao hospital. Veja-se que ouvida a testemunha JJ que também era enfermeira naquela altura (sendo estas as três enfermeiras), esta referiu que “nunca saíram duas pessoas ao mesmo tempo” e que “nunca ficou sozinha”, referindo depois que se tal aconteceu, não se recorda. Face ao exposto, não mereceu qualquer credibilidade do Tribunal o depoimento da testemunha DD. (…)
Tal como aqui reforçou, o Tribunal a quo considerou o referido depoimento como desprovido de credibilidade para a matéria de facto genericamente atinente à concreta actuação dos arguidos, prosseguindo nesse entendimento sem, em momento algum, esclarecer porque razão, então, sustentou a prova dos factos antecedentes num depoimento que não merecia credibilidade como um todo.
Repete-se, nada impedia que o Tribunal de julgamento ponderasse apenas parcialmente o depoimento, mas tinha de dizer porque razão o fazia, sendo por isso aqui aparente essa incongruência que impõe conhecer como contradição insanável da fundamentação – artº 410º, nº 2, al. b) do Cód. Proc. Penal, nesta parte sendo de proceder o recurso.
No entanto,
E precisamente porque o Tribunal a quo não fez a referida explicação, vem agora o arguido dizer que o mesmo, tendo começado por credibilizar esse depoimento quanto aos factos 3, 4 e 5, devia ter-lhe atendido também quanto à questão de ter sido a filha da falecida a opor-se à realização da colonoscopia, já que, em face daquela credibilização inicial, esta não credibilização agora parece arbitraria e não justificada.
Muito embora assim se diga, evidencia a decisão recorrida que o Tribunal não desvalorizou a questão da colonoscopia.
Aceitando-se, embora, que o Tribunal não considerasse fundamental a autorização para esse concreto exame, no contexto da imputação criminal que vinha feita no processo, pois que não é a colonoscopia que contribui para o preenchimento, ou não, do tipo legal, ainda assim se pode dizer que, na medida em que essa questão foi aproveitada para tentar diluir a imputada responsabilidade criminal, o Tribunal a quo andou bem ao especificar as razões da sua convicção mais demoradamente quanto ao referido ponto.
Assim, e muito embora na explicação das razões de convicção quanto aos pontos 17 a 19, apenas se afirme que a convicção assentou no depoimento da filha da falecida, que sempre se mostrou credível, veio acrescentar-se mais adiante que2: (…) Por outro lado, DD que apresentou um depoimento que não mereceu qualquer credibilidade por parte do presente Tribunal pelos motivos já expostos, referiu que foi a própria que transmitiu à filha, D. II que era necessário, tendo aquela retorquido que não o faria por ser um exame muito evasivo, o que além de não ser crível atendendo ao teor do depoimento desta testemunha, é até contrário a todo o comportamento de II que levou a mãe e aqui ofendida ao hospital quando sentiu essa necessidade, permitiu que fosse feito uma biópsia que descreveu como tendo sido doloroso para a mãe, mais constando, por exemplo, a fl. 79, um relatório clínico de ..., do ..., no qual se refere “a pedido dos familiares, venho por este meio disponibilizar o apoio para eventual necessidade de colocação de entubação naso-gástrica nesta intuição”, não se verificando qualquer atitude de recusa perante procedimentos mais invasivos. Veja-se até do diário clínico, na data .../.../2015, próxima destes acontecimentos, onde consta que “D. BB amanhã vai fazer um exame deve estar pronta às 10h00”, demonstrando a diligência em realizar exames exteriores. Além de tudo isto, a comunicação interna (junta a fls. 46 a 50), proferido após um pedido de esclarecimento por II, datado de .../.../2016 e efectuado por DD nunca é referida essa alegada recusa por parte de II, não podendo deixar de se considerar, atento todo o teor do depoimento de DD que essa afirmação não se tratou mais do que uma tentativa de desresponsabilização, uma vez que tal nunca foi referido anteriormente, além de ser contrário ao indicado pela testemunha II a cujo depoimento já se disse ter-se atribuído credibilidade. Uma vez que resultou provado que esse exame não foi realizado - em virtude de também não ter sido comunicado - e embora não fosse do arguido a responsabilidade da comunicação, é certo também que o arguido CC também não se certificou de que o mesmo tenha sido realizado. Este arguido CC, nas suas declarações prestadas perante magistrado do Ministério Público referiu que “pensa que não pediu qualquer outra colonoscopia, ficou a aguardar o resultado do exame que tinha sido solicitado a .../.../2015”, mesmo após decorrerem vários meses, confirmando-se que não se certificou por saber se o mesmo havia sido ou não efectuado. (…)
O que daqui resulta é que o Tribunal a quo considerou que a prova ia no sentido das declarações da filha da falecida, como deixou muito claro, afastando também aqui o referido depoimento, no que redundou quanto à sua falta de credibilidade que já antes tinha mencionado.
Em face da explicação dada pelo Tribunal a quo, conjugando-se toda a prova que considerou para 17 a 19 e F) inclusivamente, percebe-se a lógica da sua convicção, sendo que, na liberdade com que deve tomá-la, atribuiu credibilidade a meios de prova que não as declarações da referida testemunha, ainda que nessa parte corroboradas por outras.
Ora, analisada a prova existente no processo e os depoimentos, desde logo o da filha da falecida que se mostra, como refere o Tribunal a quo, perfeitamente claro, sem contradições e desapaixonado, apesar de sofrido, percebe-se e legitima-se a conclusão a que se ali se chegou.
E também o ponto 20, ao contrario do que alega o arguido, não se mostra incompatível com o funcionamento da ..., porquanto, como saberá o arguido, a prática de acto médico, prescrito por médico, como tal, não perde a sua natureza, sendo certo que, numa instituição a que se mostra vinculado nessa qualidade, a partir do momento em que prescreve um exame numa situação de doença, devidamente diagnosticada por si, deve acompanhar a situação porque é a si que compete, naquela concreta instituição, acompanhar o estado de saúde e médico dos utentes.
Aliás, tanto assim é que o arguido fez a prescrição e não enviou a utente para a unidade local de saúde para lhe ser prescrito o exame.
Ora, estado a utente internada no lar em que lhe foi prescrito esse exame e pelo arguido, precisamente porque estava nesse lar, era dever profissional do arguido inteirar-se da situação da doente, pois que era o cumprimento de uma ordem médica sua que estava em causa e não o que a vontade da enfermeira lhe aprouvesse fazer.
Este ponto é muito claro e ficou muito claramente evidenciado na posição do Tribunal recorrido.
E isto não fica inviabilizado pelo que se disse na fundamentação do facto 9, já que não estamos a falar do mesmo plano de actuação: uma coisa é a comunicação ao arguido da necessidade de ver um doente, outra coisa é o cumprimento de uma ordem do arguido, a prescrição médica de um exame que mandou realizar a um paciente seu, internado num lar a que presta cuidados de saúde. Outra coisa, ainda distinta, é a obrigação do arguido de acompanhar a saúde de um doente que examinou e a quem prescreveu meios de reforço do seu diagnóstico, que está internado num lar cujos cuidados de saúde são atribuição do mesmo médico.
E o arguido sabe bem que assim é, tanto mais que tentou mesmo passar a ideia ao Tribunal de que não se recordava de ter feito tal prescrição precisamente por saber que, tendo-a feito, lhe competia, enquanto médico da instituição, dar-lhe atenção: (…) Além de tudo isto, a comunicação interna (junta a fls. 46 a 50), proferido após um pedido de esclarecimento por II, datado de .../.../2016 e efectuado por DD nunca é referida essa alegada recusa por parte de II, não podendo deixar de se considerar, atento todo o teor do depoimento de DD que essa afirmação não se tratou mais do que uma tentativa de desresponsabilização, uma vez que tal nunca foi referido anteriormente, além de ser contrário ao indicado pela testemunha II a cujo depoimento já se disse ter-se atribuído credibilidade. Uma vez que resultou provado que esse exame não foi realizado - em virtude de também não ter sido comunicado - e embora não fosse do arguido a responsabilidade da comunicação, é certo também que o arguido CC também não se certificou de que o mesmo tenha sido realizado. Este arguido CC, nas suas declarações prestadas perante magistrado do Ministério Público referiu que “pensa que não pediu qualquer outra colonoscopia, ficou a aguardar o resultado do exame que tinha sido solicitado a .../.../2015”, mesmo após decorrerem vários meses, confirmando-se que não se certificou por saber se o mesmo havia sido ou não efectuado. (…)
O arguido pretende também que quanto aos pontos 21 e 27, que dão como provado que a utente apresentava sintomas contínuos e que o tratamento prescrito foi insuficiente, devem ser dados como não provados, com base no depoimento da testemunha ....
No entanto, o Tribunal a quo fundamentou a sua convicção relativamente a esses factos sobretudo nas declarações da filha da falecida, e da testemunha XX, auxiliar do lar, atento o que consta documentado no diário clínico da utente que ali se cita.
Ora, o depoimento da testemunha ... de onde o arguido pretende tirar a não prova daqueles factos, limita-se a dizer que, administrada a medicação, viram que havia «uma melhoria da crise». Seja lá isso o que seja, aliás.
Melhoria da crise é tão vago quanto conclusivo, o que significa que em nenhuma circunstância afastaria a prova que foi vertida na fundamentação e a que atribuiu valor significativo o Tribunal a quo.
Assim como também não pode, ao contrário do que pretende o arguido, extrapolar-se da circunstância de não voltar a ser sinalizada a situação que ela se resolveu em benefício da saúde da utente.
Aliás, deixando o Tribunal a quo claro que: (…) O facto 28 resulta no seguimento de se ter dado como provado, no ponto 27, que a mesma continuou a apresentar as queixas, o que era do conhecimento da arguida AA, uma vez que, conforme foi informado, designadamente pelas testemunhas NN e LL, aquela arguida todos os dias passava por todas as utentes. Ora, foi referido por FF, enquanto testemunha que era visível o sofrimento da senhora, pelo que AA, uma vez que a observada todos os dias, também se terá apercebido desse mesmo sofrimento; mais tendo sido referido pela testemunha FF que transmitiu várias vezes a situação “à irmã EE”; ou ainda a testemunha TT, que foi apercebendo que aquela saliência se encontrava a aumentar e que comunicava esse aumento à arguida; também a testemunha II referiu que depois falou com FF (sendo este depoimento indirecto relevável atendendo a que foi esta testemunha também ouvida) e outras auxiliares, que lhe transmitiram que já haviam relatado a situação a esta arguida; e, ainda assim, a mesma não sinalizou a utente para ser observada pelo arguido CC que não a voltou a examinar desde aquela data, conforme se retira do diário clínico, dando-se também como provado o facto vertido no ponto 29. Deste diário resulta também o facto vertido no ponto 30. (…)
Em face do que fica dito pelo Tribunal recorrido, nada há a alterar ao decidido, como resulta fácil de concluir, sendo que a convicção se mostra estruturada e fundada em prova coerente e credível para o mesmo Tribunal.
Quanto aos factos 31 e 32 que o arguido também entende não se terem provado, mas agora porque a testemunha que foi credível para o Tribunal a quo [e para si não, anteriormente] disse que não se lembrava de a filha ter ido ver as feridas da mãe naquela ocasião, importa esclarecer.
A este respeito, diz o Tribunal recorrido que3: (…) O facto 31 foi relatado pela testemunha II, filha de BB, que descreveu, logo no início das suas declarações, num depoimento espontâneo que, um dia, que seria Sábado ou Domingo, “UU disse para ir ver”, foi à casa de banho e “ficou sem chão”, tendo de imediato levado a mãe ao Hospital. Tal é corroborado pelo descrito no diário clínico, referente a este dia, onde se escreveu “D. BB foi às urgências do ... por exigência da filha” - dando-se também como provado o facto vertido no ponto 32, que foi também descrito por II e consta do relatório de urgência constante dos documentos clínicos, e de onde constam também como provados os factos vertidos nos pontos 33 a 35. Ainda que a testemunha FF, que expressou o “sofrimento” em que estava D. BB tenha referido não se recordar de ter dito a II para ir ver, não retira credibilidade ao depoimento desta última, por ter sido um episódio que ocorreu já há 9 anos, por não ter sido tão marcante para aquela - que se recordava do mais marcante, o estado em que se encontrava aquela senhora - como foi para a filha e porque as pessoas não sabem quando estão a viver um acontecimento que vão ter que o testemunhar em sede de um julgamento, não retendo tudo da mesma forma. Ainda assim, a forma como descreveu a situação, claramente tendo ficado impressionada na altura, corrobora a versão de que terá avisado II, filha da utente. Também não retira a credibilidade da testemunha II, quanto a esta situação, o facto, salientado pela defesa dos arguidos, desta ter afirmado que FF se encontrava com a mãe na casa de banho quando foi abrir a porta a II, tendo depois chamado a atenção, uma vez que não deixaria BB sozinha na casa de banho, uma vez que se trata de um pormenor que pode ter falhado na memória passados 9 anos, tendo a mesma fixado o relevante, naquele dia viu o estado em que se encontrava o ânus da sua mãe. (…)
Não se vê com possa a falta de lembrança da testemunha competir em igualdade com isto.
De facto, e como diz o Tribunal a quo, esse episódio foi importante e fundamental para a filha da falecida, porque percebeu o estado e sofrimento da SUA mãe, quando, para a testemunha FF seria mais um episódio no lar em que trabalhava, percebendo-se da restante prova que este era já um contexto já de diversos dias de sofrimento, pois que estas situações não se agravam em horas e a prova deixa claro o tempo decorrido entre todos estes momentos fácticos.
Aliás, é a própria testemunha que explica porque razão a sua memória não será totalmente fiável, ao dizer que quando a utente foi para o hospital acha que já tinha saído.
Ora, se os registos hospitalares confirmam o episódio, o que é congruente com a versão da filha, sendo que essa questão se pacifica porque não foi suscitada a validade da documentação, nem se percebe como podia ter-se adivinhado o mal sem o ter visto, com ou sem sugestão de quem já sabia dele.
Mais uma vez, o facto fundamental não é a forma do conhecimento, mas o conhecimento e verificação do mal de saúde que estava em causa, em si mesmo.
Como tal, nada a apontar também aqui à forma como o Tribunal a quo fundamentou a sua decisão.
O recorrente vem também dizer que o ponto 44, que lhe imputa o conhecimento de dor e sofrimento da utente desde pelo menos ........2016, é incompatível com o ponto 28 e deve ser considerado não provado, por inexistência de qualquer comunicação ou sinalização clínica nesse período.
Vejamos.
O ponto 28 diz: (…) 28. Desde .../.../2016 que a arguida AA, não obstante as queixas de BB, não sinalizou a referida utente para ser observada pelo arguido CC. (…)
O ponto 44 diz: (…) 44. Desde, pelo menos, .../.../2016 até ao dia do seu falecimento, BB sentiu dores e tristeza e, apesar da demência de que padecia, conseguiu sempre verbalizar que se sentia desconfortável, chorosa e com dores, o que os arguidos sabiam. (…)
Em rigor, não há aqui qualquer incompatibilidade, sendo certo que o primeiro dos pontos se reporta a uma conduta de um agente concreto, e o segundo se reporta ao que seria o conhecimento em geral daquela situação.
O primeiro ponto coloca o termo inicial em ........2016 e deixa incerto o termo final da premissa que fixa, enquanto o segundo ponto coloca o termo inicial em ........2016 e o termo final na morte da utente.
No primeiro ponto reporta-se à não sinalização da utente pela arguida, e o segundo ponto reporta-se ao conhecimento da situação por ambos os arguidos.
Basta ler a fundamentação para perceber e distinguir as referências em causa.
Não se vê contradição, improcedendo também este fundamento.
O arguido vem também dizer que ponto 45, afirmando que o Recorrente era responsável pelo acompanhamento permanente da utente, colide com o ponto 4 dos factos provados, que descreve um sistema de comunicação hierarquizado na .... Pelo que tal ponto deve ser dado como não provado.
Analisando.
Diz o ponto 454: (…) 45. Os arguidos CC e AA sabiam e não podiam ignorar que BB se encontrava acolhida naquele lar e que se encontrava aos seus cuidados de saúde, sendo os mesmos responsáveis por avaliar as suas necessidades de saúde e providenciar pelos tratamentos e acompanhamento necessário. (…)
E o ponto 4: (…) 4. No que concerne ao modo de funcionamento e organização dos cuidados de saúde, mostrava-se instituído naquela ..., à data dos factos, que as auxiliares que mantinham o contacto diário com os utentes reportavam as queixas às enfermeiras, designadamente à chefe de piso. (…)
Mais uma vez, não se encontra contradição nisto, sendo que os pontos fazem referência a realidades diversas, de um lado o dever geral de cuidado e prestação de cuidados, do outro lado as concretas actuações dos funcionários, tendo em conta a forma como se estruturava o serviço na instituição.
Improcede, por isso, a alegação.
Vem, ainda, o arguido alegar que os pontos 46 a 52, relativos à omissão do toque retal e à imputação de culpa na não deteção precoce da neoplasia, ignoram a inexistência de sintomatologia compatível na data da última observação (...) e devem ser considerados não provados.
E é o seguinte o teor das referidas afirmações fácticas5: (…) 46. Em concreto, o arguido CC, como técnico de saúde, podia e devia, perante as queixas que BB apresentava, ter efectuado a inspecção da região anal e um toque rectal e, dessa forma, efectuar o diagnóstico precoce da lesão neoplásica de que a doente padecia e, por conseguinte, prescrever um tratamento mais adequado da mesma, o que não fez. 47. Com efeito, a doença de que BB padecia, em concreto, neoplasia do recto com invasão do canal em progressão, era visível a olho nu, não só pelo seu tamanho, mas, também, pela inflamação activa e, como tal, não poderia ser ignorada, como foi, pelos arguidos. 48. Mais, o arguido CC podia e devia, enquanto técnico de saúde, ter prescrito a realização de biópsias à lesão, de uma colonoscopia, de uma TC toraco-abdominal-pélvica e de uma ressonância pélvica para estadiamento local e eventual metastização do carcinoma, o que não fez. 49. Mais deviam os arguidos assegurar que BB tinha acesso aos exames, isto é, que os familiares eram informados da necessidade de os mesmos serem realizados e que aquela, efectivamente, os realizava. 50. Por seu turno, a arguida AA, enquanto enfermeira responsável pelo piso em que BB se encontrava, agiu bem sabendo que devia ter adequado os cuidados de enfermagem a prestar àquela, providenciando pelo seu conforto e bem-estar, o que não logrou fazer. 51. Agiram os arguidos bem sabendo que as suas condutas eram idóneas a provocar, como provocaram, danos físicos e psicológicos à ofendida e que, ao agirem daquela forma, punham em perigo a saúde, a integridade física e mesmo a vida da ofendida, bem sabendo que causavam nesta dor e intranquilidade, o que aconteceu, tendo se conformado com o resultado alcançado. 52. Mais agiram os arguidos de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. (…)
Ora, como resulta evidente da decisão, estes factos são conclusões retiradas dos demais, para integração da tipicidade subjectiva, que se limitam a concluir dos factos anteriores, concretizadores do tipo objectivo, que os arguidos descuraram as suas obrigações, actuando/omitindo actuação que se lhes impunha devido às funções e obrigações a que estavam vinculados.
Aliás, como se percebe da leitura dos factos, em consonância e decorrência do que se disse antes.
Por isso é que se fala de «diagnóstico precoce» e «inflamação activa que não podia ser ignorada», exigindo-se aqueles exames de diagnóstico e tratamento ali referidos.
A testemunha EE, aliás também enfermeira na instituição àquela data, não tinha a obrigação ou competência médica para fazer um diagnóstico. Para além de que viu melhorias na situação que se converteu em doença cancerígena, o que só por si evidencia muito sobre a pertinência do que tenha entendido então sobre o assunto.
Nenhuma contradição existe, como tal.
Quanto à fiabilidade do parecer técnico-científico emitido pelo Conselho Médico-Legal da Ordem dos Médicos, constante dos autos a fls. 200-203, 320-323 e 465-467, que o Tribunal a quo considerou e o arguido defende não merecer tal crédito, recorda-se que a decisão diz o seguinte6: (…) De seguida, foi tida em considerada a prova pericial junta nos autos, designadamente consulta técnico científica do Conselho Médico-Legal da Ordem dos Médicos (fls. 200 a 203 e 320 a 323, 465 a 467). (…) Em concreto, e prosseguindo para o facto vertido no ponto 46, resulta da prova pericial junta, a consulta técnico científica do Conselho Médico-Legal da Ordem dos Médicos (fls. 200 a 203 e 320 a 323, 465 a 467), onde se respondeu, ao quesito “Atendendo aos elementos clínicos juntos e ao teor dos depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas, a actuação dos médicos e enfermeiros que atenderam e assistiram BB, na ..., a partir de ... e conforme à leges artis?”, “Atendendo aos elementos clínicos do processo a que tivemos acesso a condita dos médicos e enfermeiros que assistiram a doente BB não foi conforme com a leges artes. A doente padecia de uma neoplasia do recto que invadia o canal anal que era visível à inspecção da região perianal. Por outro lado não foi realizado um toque rectal que também permitia fazer o diagnóstico de uma neoplasia do canal anal ou do recto. Um diagnóstico mais precoce poderia ter permitido um tratamento mais adequado da lesão neoplásica que a doente padecia”, conclusão que não foi alterada nos esclarecimentos seguintes. Neste seguimento, conforme resulta do exposto elemento pericial, resulta também como provado o facto vertido no ponto 47, nos termos do qual a neoplasia “era visível à inspecção da região perianal”, mais constando dos elementos clínicos, nomeadamente a fl. 146, relativo a informação clínica do ..., que aqueles fragmentos se encontravam “com inflamação activa” - inflamação esta que não foi assim causada pela biópsia conforme indica a defesa, uma vez que a descrição é independente prévia à biópsia e, apesar de a testemunha II ter descrito em audiência de julgamento que a mesma foi bastante dolorosa para a sua mãe, uma “biópsia incisional”, a que foi feita neste caso, segundo os elementos clínicos, trata-se, segundo uma breve pesquisa, de “(…) obter uma pequena porção da lesão, mas suficiente para estabelecer o diagnóstico. Normalmente tem a forma de cunha, e deve contar tecido da lesão e de tecido são adjacente. Normalmente não é necessária a sutura (…)”. É ainda observável o descrito pelas fotografias tiradas por II e juntas ao processo, que a mesma descreveu, no seu discurso que já se descreveu como credível, que foram retiradas no dia da ida ao Hospital, ... de ... de 2016. Consta também do documento clínico a fl. 33, datado de .../.../2016, na informação clínica relativa à utente “ao toque tumor do recto com invasão do canal anal” e, também no relatório de alta a fl.77 onde se diz que à “observação foi observado pólipo sesil do canal anal com invasão da anoderme”. O facto 48 resulta também da prova pericial, mais concretamente, da consulta técnico científica do Conselho Médico-Legal da Ordem dos Médicos, onde são descritos aqueles exames que deveriam ter sido efectuados e cuja prescrição não foi efectuada conforme se retira do diário clínico, dando-se assim também como provado o facto vertido no ponto 49. Note-se que, ainda que o arguido tenha, em ..., apontado no diário clínico a necessidade de realizar uma colonoscopia, segundo a testemunha e enfermeira EE, responsável pelo piso em que se encontrava anteriormente BB, nessa altura as auxiliares chamaram a atenção para o facto de existir sangue na sanita, sendo que “não tinham bem a certeza de onde vinha o sangue”, tendo sido então sugerido pelo arguido a realização de uma colonoscopia para “ver o que estava por trás”, ou seja, não sendo ainda em específico relativamente à existência de uma saliência. Por isso, meses depois, em ..., quando o arguido voltou a observar esta utente, o mesmo deveria, conforme consta da prova pericial, ter voltado a pedir este exame, o que não fez - não podendo vir invocar que se encontrava a aguardar os resultados de um exame que tinha referido quase há um ano atras - bem como pedir os demais exames descritos naquele elemento de prova pericial. (…)
A respeito desta questão, importa dizer, em primeiro lugar, que o Tribunal a quo, como afirma expressamente, nunca perdeu de vista que o parecer foi dado após os factos, sem observação da doente, com base nos elementos médicos que lhe foram facultados, o que significa que foi considerado como devia.
Em segundo lugar, no entanto, este parecer, e por isso prevê a lei que se peça, visa a pronuncia da autoridade médica quanto a um universo de facto que lhe é indicado, para apreciação do quadro estritamente técnico em que a actuação se desenvolveu, o que se devia ter feito de acordo com o estado das artes.
Nem o parecer foi afastado por prova que, com as mesmas características, (natureza e vocação probatória) afastasse as afirmações que faz, e nem devia ou podia ter dito coisa diversa, atenta a documentação médica que observou e que, aliás, está junta aos autos para ser vista e analisada por todos nós (veja-se, no mais, e incluindo o parecer, para melhor percepção, fls. 6 e seguintes, 68 e seguintes, fls. 200, 238 e seguintes, 320, 422 e seguintes, 465 e seguintes).
O arguido também não explica, em concreto, porque razão afirma que o dito parecer assentou numa base fáctica incompleta, distorcida e, por conseguinte, juridicamente inaceitável.
Não demonstra realmente nenhuma dessas imputações, limitando-se a dizer que concluiu do que lhe foi enviado.
Pois, diremos nós, de facto assim é. No entanto, assim tinha de ser.
Não tendo os técnicos assistido a doente e não fazendo parte do pessoal médico assistente, só mesmo dessa forma poderiam ser chamados a intervir, porque alguém lhes solicitou a intervenção e lhes enviou os elementos médicos necessários. Que, diga-se, não reputaram como insuficientes ou incompletos, antes fazendo a sua análise e concluindo se o que devia ter sido feito foi assegurado de facto.
A conclusão pela negativa, a que chegaram, muito embora não seja do agrado do recorrente, não foi, em nenhum momento, diga-se, posta em causa pela restante prova.
Finalmente, importa dizer que não é o arguido quem tem de dizer ao Tribunal se fez o que devia.
Essa declaração, faz se quiser, no sentido que quiser.
Em face da força probatória reforçada de tal elemento, o juiz só deixa de lhe atender quando tenha motivo para isso e o fundamente. E o motivo tem de provir de elemento, pelo menos, de elemento da mesma dimensão probatória, precisamente porque se trata de matéria técnica que o juiz, apenas por si, não domina.
O Tribunal deve, como fez, assegurar-se da existência de uma ponderação externa, de quem pode avaliar o desempenho de acordo com os cânones médicos aceites e necessários para o tempo dos factos.
Assim, também quanto à ponderação de tal parecer, assegurado por quem tem essa específica competência, arte e isenção/distanciamento relativamente aos factos que concretamente se discutem, bem decidiu o Tribunal a quo, improcedendo também esta questão.
Em vista de tudo quanto acaba de se expor, impõe-se concluir que a impugnação da matéria de facto é parcialmente procedente [quanto à ponderação positiva do depoimento da testemunha DD quanto aos factos 3, 4 e 5 provados], resultando essa parcial procedência, não de uma inexorável contradição, mas da falta de concretização dos exactos motivos por que o Tribunal a quo atendeu ao depoimento da testemunha indicada para a prova dos factos 3, 4 e 5, desatendendo ao mesmo quanto à restante matéria, por considerá-lo ali idóneo e, no mais, parcial ou não isento.
Tendo em conta isso mesmo, tal como acabou de anteceder, e dispondo este Tribunal de recurso de todos os meios necessários para o fazer, sem necessidade de reenvio do processo à primeira instância, entende-se ser de fazer intervenção correctiva na decisão recorrida, alterando a fundamentação da matéria de facto, que passará a ser a seguinte [acentuando-se as concretas alterações do texto original numa redacção em itálico]:
(…)
• Motivação da matéria de facto
Para formar a convicção do Tribunal, no que respeita aos factos dados como provados e não provados, procedeu-se a uma análise crítica e conjugada de toda a prova produzida em sede de audiência de julgamento. Foi ainda considerada a restante prova constante dos autos, tendo o Tribunal apreciado toda a prova, atendendo às regras da experiência comum, tendo sempre em consideração o princípio da livre apreciação da prova, previsto no artigo 127º do Código de Processo Penal.
Designadamente, foi tida em consideração a prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento, tendo sido valorado o depoimento que foi prestado pelas testemunhas II, FF, DD, EE, JJ e KK, indicados na acusação e LL, MM, NN, OO e PP, indicadas na constestação da arguida AA.
De seguida, foi tida em considerada a prova pericial junta nos autos, designadamente consulta técnico científica do Conselho Médico-Legal da Ordem dos Médicos (fls. 200 a 203 e 320 a 323, 465 a 467).
Foi igualmente alvo de valoração a prova documental presente nos autos, nomeadamente, queixa e respectivos documentos (fls. 3 e 4), assento de óbito (fl. 193), fotografias (fls. 42 a 45, 51, 52, 59, 180 e 185), comunicação interna (fls. 46 a 50), diário clínico e elementos clínicos de enfermagem (fls. 67 a 122 e 237 a 289), elementos clínicos do Hospital (fls. 123 a 174 e 496 a 509), relatório de acompanhamento elaborado pela Segurança Social (fls. 301 a 314), documentação interna do lar - diário clínico (apenso A), e o certificado de registo criminal da arguida, devidamente junto aos autos, bem ainda como o documento junto na contestação da arguida AA.
Por fim, foram valoradas as declarações dos arguidos prestadas perante magistrado do Ministério Público, lidas em sede de audiência de julgamento.
*
Concretizando.
Os factos vertidos nos pontos 1 e 2 além de serem de conhecimento notório, decorrem da explicação de todas as testemunhas que foram ouvidas, designadamente a filha da ofendida e auxiliares colaboradoras com aquela Estrutura Residencial para Idosos. O facto vertido no ponto 3 resultou também do depoimento de diversas testemunhas, nomeadamente a testemunha QQ, filha da ofendida, depoimento do qual foi percetível a existência de assistência médica e de enfermagem; a testemunha DD, psicóloga e que exercia funções de directora naquela Estrutura nos anos que mediaram ... e ..., descreveu que existia um médico residente, o aqui arguido, que se deslocava à mesma todas as quintas feiras, sendo que “podia ir mais alguns dias se fosse necessário”, mais referindo existir em permanência uma enfermeira por piso; tal realidade foi também corroborada pelos demais depoimentos prestados por auxiliares que exerciam funções no Lar em questão. Também o funcionamento plasmado no facto indicado no ponto 4 foi explicado pela testemunha DD; ainda a testemunha FF, que era auxiliar do Lar referiu que se vissem alguma coisa, “transmitiam à irmã EE” (a aqui arguida, AA); também a testemunha EE, igualmente enfermeira no Lar nas datas dos factos, referiu que sinalizava os doentes que precisavam de cuidados e acompanhava também o arguido CC nas visitas, confirmando também este auxílio médico; este esquema de acompanhamento foi também confirmado pela testemunha JJ, igualmente enfermeira que trabalhou um ano no Lar. Destes depoimentos resulta também como provado a parte do facto aposto no ponto 5, onde se descreve que “a enfermeira chefe de piso, caso se verificasse necessidade, sinalizava o utente para ser visto pelo médico”, bem ainda do depoimento de DD que, se fosse necessário o médico responsável deslocava-se outros dias que não a quinta-feira. O facto de poderem ser accionados os meios de emergência médica, caso existisse essa necessidade, resulta das regras da lógica e da experiência comum, podendo ser esses meios accionados por qualquer cidadão, sendo comum esse acionamento na realidade dos lares de acolhimento de idosos. Como se verá ainda adiante, o depoimento da testemunha DD, que não mereceu credibilidade ao Tribunal relativamente às circunstâncias de facto concretas relativas ao desempenho médico e técnico dos arguidos pelos motivos que também adiante se esclarecerão, não deixou de ser aqui considerado na prova destes factos 3, 4 e 5, factos estes objectivos e relativos ao funcionamento do lar em termos genéricos, já que a mesma, além da qualificação académica de que dispões, tinha, na data a que se reportam os factos, função de directora da referida instituição. Assim, e em face das funções que desempenhava na instituição, de directora, aquelas declarações consideraram-se eficazes na prova daquilo que dizia respeito ao funcionamento em termos genéricos do lar, mas já quando concretizado nas circunstâncias aqui sob censura, o mesmo depoimento não apresentou a mesma consistência e coerência, pelos motivos que adiante se consideram relevantes. Como seria expectável, à referida testemunha seria mais fácil explicar quem prestava ali funções, como, quando havia visitas médicas ou como era quando se chamava o médico, como eram prescritos exames e medicamentos, se havia como ser oposta àquela ordem médica a vontade de familiares, etc. Para estas circunstâncias que se prendem com o desempenho geral da instituição, o referido depoimento teve-se como pertinente. Sem prejuízo,
De seguida, os factos vertidos nos pontos 6 e 7 resultam do próprio diário clínico que se encontra junto nos autos como prova documental, bem como do depoimento do arguido CC prestado perante magistrado do Ministério Público lido em sede de audiência de julgamento.
O facto vertido no ponto 8 resulta também da prova documental junta nos autos, designadamente elementos clínicos e de enfermagem.
Prosseguindo para o facto vertido no ponto 9 e já tendo sido descrito supra que existia uma enfermeira chefe por cada piso, foi descrito pelo arguido CC, no seu depoimento já referido que foi lido em audiência de julgamento que “não conseguia passar exames susceptíveis de serem realizados no SNS; a sua prescrição era válida apenas para o privado. Por essa razão, comunicava às enfermeiras que, posteriormente, informavam os familiares dos idosos que deviam diligenciar junto do médico de família pela obtenção da credencial válida no SNS. Esclarece que a enfermeira era responsável por comunicar com a família e dar conta da necessidade de realização dos referidos exames, o que sucedia verbalmente”.
No mesmo sentido explicou II, filha da ofendida que se deslocava diariamente ao Lar e foi notório a sua proximidade da realidade daquela Estrutura, atenta a proximidade durante vários anos que, diga-se desde, já, apresentou um discurso que mereceu credibilidade do presente Tribunal. Ainda que se tratasse da sua mãe e fosse notória a sua revolta, denotou-se também a inexistência de tentativas de extrapolação daquilo que viveu, referindo designadamente que não sabia quando assim era ao invés de tentar extrapolar, veja-se, por exemplo, que responde não saber se a arguida se encontrava ou não no Lar quando ocorreu a ida ao hospital. Ademais, e atendendo a este ponto em concreto, a mesma descreveu que quando era preciso ir ao Hospital, “era a irmã EE” - aqui arguida AA - “que informava”.
Por sua vez, a testemunha DD, psicóloga e directora daquela Estrutura entre ... e ..., referiu que essas comunicações eram feitas por ela ou pelas enfermeiras. No entanto, sem prejuízo do que acima se considerou quanto aos factos 3, 4 e 5 e como ali se evidenciou, este depoimento foi desprovido de credibilidade, sendo notória a tentativa de desresponsabilização, mais entrando em incongruências dentro do seu próprio discurso, bem como do teor do depoimento de outras testemunhas.
A mesma refere inicialmente que, quando foi efectuado o pedido de uma colonoscopia, em ..., “não havia sinais de alarme”, “não havia hemorroidas”, e que seria apenas “por segurança”, por rotina; mais tarde, no seu próprio discurso e já a instâncias do Ilustre Mandatário da arguida AA, refere quem em ... a mesma já sofria de hemorroidal, entrando em contradição consigo própria.
Referiu também no seu discurso que costumava andar pelo Lar, tendo contacto com os pacientes e que “ninguém lhe transmitiu que ela sofria a sentar-se”, referindo-se à ofendida, que a mesma “andava bem” e que já antes da existência deste problema a mesma chorava e gemia, que era normal dela. No entanto, a testemunha FF, que à data era auxiliar naquele Lar, que mostrou um depoimento desinteressado, referiu que já havia reparado que a ofendida não se conseguia sentar e que nos tempos antes de ir ao Hospital “andava sempre a gemer, chorava…”, acrescentando que “não era bom de se ver”, sendo notório deste discurso que mesmo que aquela fosse já uma pessoa de choro fácil, houve um agravamento, descredibilizando uma vez mais o depoimento desta testemunha DD.
Ainda no seu discurso, numa clara tentativa de desresponsabilizar a enfermeira e aqui arguida, AA, esta testemunha DD que na altura da ida ao Hospital da ofendida, em ..., “a irmã EE tido ido de férias” há já “uma semana/quinze dias”. No entanto, ouvida a testemunha EE, igualmente enfermeira naquela Estrutura, a mesma respondeu espontaneamente que estava de férias “na altura que D. BB foi para o hospital”. Questionada se a arguida AA também estaria de férias, respondeu que não, que se ausentou apenas dois dias, contrariando totalmente o depoimento da testemunha DD, e que quando EE foi de férias, foi a arguida que lhe contou que a ofendida havia ido ao hospital. Veja-se que ouvida a testemunha JJ que também era enfermeira naquela altura (sendo estas as três enfermeiras), esta referiu que “nunca saíram duas pessoas ao mesmo tempo” e que “nunca ficou sozinha”, referindo depois que se tal aconteceu, não se recorda.
Face ao exposto, não mereceu qualquer credibilidade do Tribunal o depoimento da testemunha DD, sem prejuízo do que acima se considerou quanto aos factos 3, 4 e 5 e como ali se evidenciou.
A enfermeira EE no seu depoimento enquanto testemunha, referiu que quando havia necessidade de exames externos, falava ou a D. GG com as famílias ou as enfermeiras directamente, contrariando também o que foi referido pelo arguido e pela testemunha II, ao qual se atribuiu credibilidade. Além disso, uma vez que esta apresentou também um discurso de suavização dos factos constante e desresponsabilização, atribuiu-se mais credibilidade aos já descritos depoimentos, sendo certo que, de qualquer forma, se assim fosse, existia responsabilidade por parte das enfermeiras chefes da comunicação festes exames às famílias, conforme consta deste facto 9.
O facto vertido no ponto 10 resulta do facto do termo de responsabilidade constante a fl. 289 ter sido assinado pela filha da utente nesse mês de ..., mais tendo sido unânime pelas diversas colaboradoras do Lar presentes enquanto testemunha que, inicialmente, BB - cuja data de nascimento consta do assento de óbito e dos vários elementos clínicos - inicialmente se encontrava no piso 3.
Prosseguindo para o facto vertido no ponto 11, descreveu desde logo também II, filha da ofendida, que houve uma altura em que lhe foi dito que a mãe ia ser transferida para o piso 0, não concretizando o dia em que tal ocorreu.
A testemunha FF, auxiliar no Lar durante dois anos, não conseguindo precisar quais, referiu que trabalhou tanto no piso 3 como no piso 0, sendo que “conheceu mais a D. BB no piso 0”. DD referiu que tal mudança ocorreu entre ...1.../2016, encontrando-se o diário clínico confuso quanto aos andares e impossível de descortinar, sendo que por exemplo a .../.../2015 dá a entender que a mesma já estaria no piso 0 mas depois em datas posteriores já parece o contrário e assim sucessivamente.
Assim, não se consegue descortinar ao certo em que data existiu esta mudança do piso 3 para o piso 0. No entanto, a testemunha EE, quando descreve a situação, referiu que em ..., encontrando-se a ofendida no piso 0, foram ver D. BB que se encontrava “com uma crise hemorroidal”, sendo certo que, pelo menos nesta data, a mesma já se encontrava naquele piso 0.
Após, ouvida a testemunha JJ, enfermeira, a mesma afirmou com certeza, atendendo a que se tratou de um ano certo, que apenas trabalhou no ... a ... e que nunca prestou cuidados à ofendida BB, sendo que quando ali chegou, a mesma já se encontrava no piso 0, dando-se assim como provado que essa mudança se terá dado antes de ..., sendo possível concretizar melhor este facto que constava da acusação (veja-se que, conforme descreve o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 22/03/2023, relatora: Cristina Branco, processo nº 791/16.7PBLRA.C17, “não existe alteração dos factos integradora do artigo 358º quando a factualidade dada como provada no acórdão condenatório consiste numa mera redução daquela que foi indicada na acusação ou na pronúncia, por não se terem dado como assentes todos os factos aí descritos, quando na sentença são descritos os mesmos factos da acusação ou da pronúncia com uma formulação distinta, ou quando se explicitam, pormenorizam ou concretizam factos, já narrados sinteticamente na acusação ou na pronúncia, que não sejam relevantes para a tipificação ou para a verificação de qualquer agravante qualificativa”.
Os factos vertidos nos pontos 12 e 13 foram consentâneos entre todas as testemunhas ouvidas, colaboradoras daquela Estrutura.
Prosseguindo para o facto vertido no ponto 14 resulta, desde logo, do facto do facto do diário clínico, no que se refere ao dia .../.../2015 resultar que BB foi vista pelo arguido CC o que, de acordo com o em cima exposto e relatado pelas testemunhas, acontecia quando as auxiliares transmitiam problemas às enfermeiras, sendo que estas, após, em caso de necessidade, sinalizavam o utente para ser visto pelo médico, aqui arguido. Ademais, foi descrito pela testemunha e enfermeira EE, que explicou ser a responsável pelo piso 3 e que em ..., auxiliares chamaram-na a atenção para o facto de existir sangue na sanita, o que foi comunicado ao arguido e médico responsável, CC. Embora esta testemunha também tenha apresentado um discurso onde se denotou uma tentativa de suavização do ocorrido, foi também confirmado pela testemunha SS, auxiliar no Lar que em ..., a utente em causa se encontrava no piso 3, onde era responsável a enfermeira EE. Quanto ao facto de o sangue ser na urina naquela data, consta do diário clínico, a fl. 69, no dia .../.../2015, “hematúria”, que, facilmente por uma breve pesquisa é perceptível tratar-se da presença de sangue na urina.
O facto vertido no ponto 15 é perceptível dos documentos juntos, nomeadamente dos registos no diário clínico, bem ainda como os factos vertidos nos pontos 16 e 17, que foram também esclarecidos pelo arguido CC quando prestou declarações perante magistrado do Ministério Público.
O facto vertido no ponto 18 foi unânime entre todas as testemunhas ouvidas com conhecimento directo na situação.
De seguida, o facto vertido no ponto 19 resultou do depoimento foi referido pela testemunha e filha da ofendida BB, II, que descreveu, nesse depoimento que já se indicou como credível que nunca a informaram que era preciso fazer uma colonoscopia.
Por outro lado, DD que apresentou um depoimento que não mereceu qualquer credibilidade por parte do presente Tribunal pelos motivos já expostos, e sem prejuízo do que acima se considerou quanto aos factos 3, 4 e 5, como ali se evidenciou, referiu que foi a própria que transmitiu à filha, D. II que era necessário, tendo aquela retorquido que não o faria por ser um exame muito evasivo, o que além de não ser crível atendendo ao teor do depoimento desta testemunha, é até contrário a todo o comportamento de II que levou a mãe e aqui ofendida ao hospital quando sentiu essa necessidade, permitiu que fosse feito uma biópsia que descreveu como tendo sido doloroso para a mãe, mais constando, por exemplo, a fl. 79, um relatório clínico de ..., do ..., no qual se refere “a pedido dos familiares, venho por este meio disponibilizar o apoio para eventual necessidade de colocação de entubação nasogástrica nesta intuição”, não se verificando qualquer atitude de recusa perante procedimentos mais invasivos.
Veja-se até do diário clínico, na data .../.../2015, próxima destes acontecimentos, onde consta que “D. BB amanhã vai fazer um exame deve estar pronta às 10h00”, demonstrando a diligência em realizar exames exteriores.
Além de tudo isto, a comunicação interna (junta a fls. 46 a 50), proferido após um pedido de esclarecimento por II, datado de .../.../2016 e efectuado por DD nunca é referida essa alegada recusa por parte de II, não podendo deixar de se considerar, atento todo o teor do depoimento de DD que essa afirmação não se tratou mais do que uma tentativa de desresponsabilização, uma vez que tal nunca foi referido anteriormente, além de ser contrário ao indicado pela testemunha II a cujo depoimento já se disse ter-se atribuído credibilidade, novamente sem prejuízo do que acima se considerou quanto aos factos 3, 4 e 5 e como ali se evidenciou.
Uma vez que resultou provado que esse exame não foi realizado - em virtude de também não ter sido comunicado - e embora não fosse do arguido a responsabilidade da comunicação, é certo também que o arguido CC também não se certificou de que o mesmo tenha sido realizado. Este arguido CC, nas suas declarações prestadas perante magistrado do Ministério Público referiu que “pensa que não pediu qualquer outra colonoscopia, ficou a aguardar o resultado do exame que tinha sido solicitado a .../.../2015”, mesmo após decorrerem vários meses, confirmando-se que não se certificou por saber se o mesmo havia sido ou não efectuado.
Prosseguindo para o facto vertido no ponto 21, quanto ao sangramento na urina, consta do diário clínico, na parte referente ao dia .../.../2015, “D. BB urinou sangue”. Quanto ao demais, manutenção das hemorroidas, dor, desconforto e dificuldade em se manter sentada, foi desde logo tal descrito pela sua filha e aqui testemunha II que, num discurso espontâneo, descreveu que quando a ia visitar ao Lar a mesma apresentava manifestas dificuldades em se manter sentada, pondo-se constantemente de pé e que a mesma, apesar de sofrer Alzheimer e algumas dificuldades de expressão, conseguia expressar que tinha dores.
Além disso, também a testemunha FF, auxiliar no Lar, que apresentou um discurso espontâneo, sereno e desinteressado, que mereceu credibilidade por parte do presente tribunal, referiu que “reparava que ela não se conseguia sentar nem fazer necessidades”, mais acrescentando que “houve uma altura que não se sentava, chorava o dia todo”, referindo que no período antes de ir ao hospital “via o sofrimento da senhora”, “andava sempre a gemer… chorava”, “não era bom de se ver”. Descreveu que antes de ir ao Hospital, a ofendida “estava com muitas dores, não se sentava”.
Mais foi consentâneo entre as auxiliares que cuidavam da higiene das utentes que a mesma apresentava hemorroidas (que, perante uma breve pesquisa, se conclui tratarem-se de veias de volta do ânus que inflamam ou dilatam).
Destes depoimentos resulta também como provado o facto vertido no ponto 27, uma vez que por exemplo a testemunha FF referiu que tal ocorreu dois meses antes da mesma se deslocar ao Hospital, em ....
Prosseguindo assim para os factos vertidos nos pontos 22 e 23, resultam os mesmos, desde logo, do que já foi em cima exposto relativamente ao funcionamento no Lar, que eram as auxiliares quem comunicavam as queixas e problemas às enfermeiras responsáveis pelo piso - neste caso a arguida AA, uma vez que resultou provado que BB se encontrava no piso 0 pelo menos desde ... - que depois sinalizava os utentes para serem examinadas pelo arguido CC, o que ocorreu no dia .../.../2016, conforme consta do diário clínico.
De seguida, os factos vertidos nos pontos 24 a 26 constam dos documentos clínicos juntos, designadamente a fl. 69.
O facto 28 resulta no seguimento de se ter dado como provado, no ponto 27, que a mesma continuou a apresentar as queixas, o que era do conhecimento da arguida AA, uma vez que, conforme foi informado, designadamente pelas testemunhas NN e LL, aquela arguida todos os dias passava por todas as utentes. Ora, foi referido por FF, enquanto testemunha que era visível o sofrimento da senhora, pelo que AA, uma vez que a observada todos os dias, também se terá apercebido desse mesmo sofrimento; mais tendo sido referido pela testemunha FF que transmitiu várias vezes a situação “à irmã EE”; ou ainda a testemunha TT, que foi apercebendo que aquela saliência se encontrava a aumentar e que comunicava esse aumento à arguida; também a testemunha II referiu que depois falou com FF (sendo este depoimento indirecto relevável atendendo a que foi esta testemunha também ouvida) e outras auxiliares, que lhe transmitiram que já haviam relatado a situação a esta arguida; e, ainda assim, a mesma não sinalizou a utente para ser observada pelo arguido CC que não a voltou a examinar desde aquela data, conforme se retira do diário clínico, dando-se também como provado o facto vertido no ponto 29. Deste diário resulta também o facto vertido no ponto 30.
O facto 31 foi relatado pela testemunha II, filha de BB, que descreveu, logo no início das suas declarações, num depoimento espontâneo que, um dia, que seria Sábado ou Domingo, “UU disse para ir ver”, foi à casa de banho e “ficou sem chão”, tendo de imediato levado a mãe ao Hospital. Tal é corroborado pelo descrito no diário clínico, referente a este dia, onde se escreveu “D. BB foi às urgências do ... por exigência da filha” - dando-se também como provado o facto vertido no ponto 32, que foi também descrito por II e consta do relatório de urgência constante dos documentos clínicos, e de onde constam também como provados os factos vertidos nos pontos 33 a 35. Ainda que a testemunha FF, que expressou o “sofrimento” em que estava D. BB tenha referido não se recordar de ter dito a II para ir ver, não retira credibilidade ao depoimento desta última, por ter sido um episódio que ocorreu já há 9 anos, por não ter sido tão marcante para aquela - que se recordava do mais marcante, o estado em que se encontrava aquela senhora - como foi para a filha e porque as pessoas não sabem quando estão a viver um acontecimento que vão ter que o testemunhar em sede de um julgamento, não retendo tudo da mesma forma. Ainda assim, a forma como descreveu a situação, claramente tendo ficado impressionada na altura, corrobora a versão de que terá avisado II, filha da utente.
Também não retira a credibilidade da testemunha II, quanto a esta situação, o facto, salientado pela defesa dos arguidos, desta ter afirmado que FF se encontrava com a mãe na casa de banho quando foi abrir a porta a II, tendo depois chamado a atenção, uma vez que não deixaria BB sozinha na casa de banho, uma vez que se trata de um pormenor que pode ter falhado na memória passados 9 anos, tendo a mesma fixado o relevante, naquele dia viu o estado em que se encontrava o ânus da sua mãe.
O facto vertido no ponto 36 resulta do relatório constante da informação clínica junta.
O facto vertido no ponto 37 foi também relatado pela testemunha II, a quem se atribuiu credibilidade, bem ainda como o facto indicado no ponto 38, tendo ainda junto aos autos fotografia desse momento.
O facto vertido no ponto 39 resulta dos elementos clínicos juntos nos autos, mais tendo sido relatado pela testemunha II.
De seguida, o facto vertido no ponto 40 foi também relatado por esta testemunha e corroborado por fotografias juntas, mais sendo confirmado pelos documentos clínicos, dos quais resultam também os factos vertidos nos pontos 41 a 43.
De seguida, prosseguindo para o facto vertido no ponto 44, não há dúvidas, perante o que foi sendo descrito pelas testemunhas referidas até aqui, bem como dos elementos clínicos que demonstram a doença de que a ofendida padecia, que levou a que lhe fosse receitada a aplicação de morfina quando finalmente se deslocou ao Hospital, de que a mesma sentiu dores e tristeza naquele período. Mais resultou do depoimento das testemunhas já identificadas, como II e FF, que era notório o seu desconforto, a sua conduta chorosa e as dores que sentia, que a mesma conseguia verbalizar.
Não tem também o Tribunal dúvidas de que a arguida AA tinha conhecimento destes factos uma vez que, conforme foi já explanado em cima, foi referido, designadamente pelas testemunhas NN e LL, que aquela arguida todos os dias passava por todas as utentes, pelo que se aperceberia deste estado da senhora, tal como se apercebiam as funcionárias que o expressaram e que aqui testemunharam; mais tendo sido referido pela testemunha FF que transmitiu várias vezes a situação “à irmã EE”; ou ainda a testemunha TT, que foi apercebendo que aquela saliência se encontrava a aumentar e que comunicava esse aumento à arguida.
Também o arguido CC tinha conhecimento deste estado em que VV se encontrava porque, apesar de ter contacto com a mesma com menos frequência, consta do diário clínico que BB (“D. BB”), foi observada por este arguido no dia .../.../2016 (embora conste 15, é perceptível pelo seguimento do diário que se trata de ...), no dia .../.../2016 onde ouviria as queixas da mesma e, finalmente, no dia .../.../2016, onde observou aquilo que descreveu como “crise hemorroidal”, tendo assim conhecimento do estado em que aquela se encontrava e das queixas que expressava. Veja-se, além disso, que já seria suficiente para esta conclusão, que a testemunha TT, auxiliar do Lar, referiu que o “Dr. HH foi várias vezes ver”, referindo-se à saliência no ânus da ofendida, uma vez que tinha que ajudar a segurar, conforme explicou e a colocar a senhora do lado, isto quando já “estava numa flor”.
O facto vertido no ponto 45 resulta dos demais factos dados como provados, uma vez que sendo o arguido CC o médico responsável pela observação dos utentes daquele Lar e a arguida AA a enfermeira responsável pelo piso em que, pelo menos a partir de ..., BB se encontrava, sabiam, como não podiam ignorar, que eram os mesmos responsáveis por avaliar as suas necessidades de saúde e providenciar pelos tratamentos e acompanhamento necessário àquela utente que se encontrava acolhida no Lar.
Em concreto, e prosseguindo para o facto vertido no ponto 46, resulta da prova pericial junta, a consulta técnico científica do Conselho Médico-Legal da Ordem dos Médicos (fls. 200 a 203 e 320 a 323, 465 a 467), onde se respondeu, ao quesito “Atendendo aos elementos clínicos juntos e ao teor dos depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas, a actuação dos médicos e enfermeiros que atenderam e assistiram BB, na ..., a partir de ... e conforme à leges artis?”, “Atendendo aos elementos clínicos do processo a que tivemos acesso a condita dos médicos e enfermeiros que assistiram a doente BB não foi conforme com a leges artes. A doente padecia de uma neoplasia do recto que invadia o canal anal que era visível à inspecção da região perianal. Por outro lado não foi realizado um toque rectal que também permitia fazer o diagnóstico de uma neoplasia do canal anal ou do recto. Um diagnóstico mais precoce poderia ter permitido um tratamento mais adequado da lesão neoplásica que a doente padecia”, conclusão que não foi alterada nos esclarecimentos seguintes.
Neste seguimento, conforme resulta do exposto elemento pericial, resulta também como provado o facto vertido no ponto 47, nos termos do qual a neoplasia “era visível à inspecção da região perianal”, mais constando dos elementos clínicos, nomeadamente a fl. 146, relativo a informação clínica do ..., que aqueles fragmentos se encontravam “com inflamação activa” - inflamação esta que não foi assim causada pela biópsia conforme indica a defesa, uma vez que a descrição é independente prévia à biópsia e, apesar de a testemunha II ter descrito em audiência de julgamento que a mesma foi bastante dolorosa para a sua mãe, uma “biópsia incisional”, a que foi feita neste caso, segundo os elementos clínicos, trata-se, segundo uma breve pesquisa, de “(…) obter uma pequena porção da lesão, mas suficiente para estabelecer o diagnóstico. Normalmente tem a forma de cunha, e deve contar tecido da lesão e de tecido são adjacente. Normalmente não é necessária a sutura (…)”8. É ainda observável o descrito pelas fotografias tiradas por II e juntas ao processo, que a mesma descreveu, no seu discurso que já se descreveu como credível, que foram retiradas no dia da ida ao Hospital, ... de ... de 2016. Consta também do documento clínico a fl. 33, datado de .../.../2016, na informação clínica relativa à utente “ao toque tumor do recto com invasão do canal anal” e, também no relatório de alta a fl. 77 onde se diz que à “observação foi observado pólipo sesil do canal anal com invasão da anoderme”.
O facto 48 resulta também da prova pericial, mais concretamente, da consulta técnico científica do Conselho Médico-Legal da Ordem dos Médicos, onde são descritos aqueles exames que deveriam ter sido efectuados e cuja prescrição não foi efectuada conforme se retira do diário clínico, dando-se assim também como provado o facto vertido no ponto 49.
Note-se que, ainda que o arguido tenha, em ..., apontado no diário clínico a necessidade de realizar uma colonoscopia, segundo a testemunha e enfermeira EE, responsável pelo piso em que se encontrava anteriormente BB, nessa altura as auxiliares chamaram a atenção para o facto de existir sangue na sanita, sendo que “não tinham bem a certeza de onde vinha o sangue”, tendo sido então sugerido pelo arguido a realização de uma colonoscopia para “ver o que estava por trás”, ou seja, não sendo ainda em específico relativamente à existência de uma saliência. Por isso, meses depois, em ..., quando o arguido voltou a observar esta utente, o mesmo deveria, conforme consta da prova pericial, ter voltado a pedir este exame, o que não fez - não podendo vir invocar que se encontrava a aguardar os resultados de um exame que tinha referido quase há um ano atras - bem como pedir os demais exames descritos naquele elemento de prova pericial.
O facto vertido no ponto 50 resulta no seguimento do que já foi referido anteriormente, designadamente que esta arguida todos os dias via todos os pacientes, pelo que se apercebeu das queixas de BB, mais tendo ficado também demonstrado que a mesma foi avisada dessa situação e, ainda assim, não só não providenciou por cuidados diferentes de saúde à ofendida como não a voltou a sinalizar para ser vista pelo médico responsável, como não foi, conforme consta do diário clínico e conforme era o seu dever - conforme constou provado no facto indicado no ponto 5. Poderia ainda, além disso, ter accionado os serviços de emergência médica ou diligenciar pelo seu transporte ao Hospital, como, conforme já se referiu é normal acontecer nestas estruturas de acolhimento de idosos.
O facto de constar no documento junto por esta arguida, no obituário, junto da fotografia da utente WW que “seus filhos, nora, genro e netos agradecem reconhecidamente a todas as pessoas que acompanharam aquela ente querida até à sua última morada, ou que, de qualquer outro modo, lhes manifestaram o seu pesar”, não tem qualquer relevância na mitigação dos factos em apreço, uma vez que é possível verificar pela leitura de tal obituário que tal é assim exactamente escrito junto de todos os falecidos.
Diga-se ainda que é também irrelevante para esta factualidade em concreto a descrição das testemunhas que indicaram o cuidado que esta, bem como o arguido, tinham para com os pacientes, uma vez que, conforme resulta da factualidade provada, neste caso em concreto, não foram dados os cuidados médicos devidos.
Veja-se ainda, relativamente a esta arguida, a comunicação interna onde se refere que “interrogada a irmã EE (…) refere que, no final de ... reparara numa alteração das mucosas do ânus da doente quando lhe estão a fazer a higiene diária, mas que, fica a aguardar pela cheada do dr. HH que se encontrava de férias e viria no dia ... de ... de 2016. Decide aguardar por a doente não apresentar sintomas de risco de vida que obrigassem a deslocar-se imediatamente ao serviço de urgência hospitalar. Nestes primeiros dias de ..., tem a irmã de se deslocar para fora da instituição por assuntos familiares e não transmite a informação ao médico nem à equipa de saúde. Quando regressa tem a intenção de comunicar à filha de D. BB que seria melhor que se deslocasse ao hospital para averiguar a situação da mãe mas acaba por se desencontrar com a D. II nas suas visitas à mãe”, não tendo também, diga-se, quando regressou, sinalizado a doente para ser vista pelo médico, reforçando aqui a convicção do Tribunal quanto a este facto dado como provado.
Ainda que se tratasse “apenas” de hemorroidas, conforme, nomeadamente a testemunha FF referiu que esta arguida lhes transmitia que seria, ao se aperceber daquele aumento e inflamação activa, nada fez para tentar providenciar melhorias nesse sentido.
No seguimento também destes anteriores factos dados como não provados, resultam também necessariamente como provados os factos vertidos nos pontos 51 e 52, pois os arguidos ao não providenciarem pelos cuidados de saúde adequados à utente BB, não podiam ignorar que tal continuava a provocar sofrimento físico e psicológico à mesma, pondo em período a saúde, a integridade física e mesmo a vida da ofendida, causando-lhe dor e intranquilidade, com o que se conformaram, mais não podendo ignorar que tal é contrário às exigências legais.
O facto vertido no ponto 53 resulta dos certificados de registo criminal dos arguidos.
Por fim, os factos vertidos nos pontos 54 a 57 resultam das declarações dos arguidos quanto às suas condições socioecónomicas, complementadas com as informações constantes na base de dados da Segurança Social.
*
Passando aos factos dados como não provados, resultam os mesmos da falta de prova nesse sentido.
Designadamente, no que concerne ao ponto A) que constava da acusação, resultou o mesmo desta forma por ter resultado como provado que, naquela data, a arguida AA se encontrar responsável pelo piso 0, quando a ofendida BB se encontrava no piso 0, não se sabendo e não se podendo dar assim como provado que tal facto, naquele dia as auxiliares também comunicaram aquela informação à arguida AA. Neste seguimento, dão-se também como não provados os factos vertidos nos pontos C), D), E) e F).
No que se refere ao facto indicado no ponto B), não foi produzida prova daqueles elementos, designadamente não consta de qualquer elemento a presença de fezes naquela data ou queixas de dor. Não foi produzida prova relativamente ao ponto G).
Relativamente aos factos vertidos nos pontos H) a J), considerou-se não existir elementos para se dar tal como provado, uma vez que as diversas auxiliares do Lar que prestaram depoimento e que tratavam da higiene da utente, referiram que passaram a ter que colocar uma pomada e depois um penso (cuidados que constam como prescritos a fl. 170), considerando-se que lhes foram transmitidos os cuidados a ter, mais constando dos diários clínicos (designadamente a fl. 70), alguns cuidados que foram tidos, não conseguindo o Tribunal afirmar, sem qualquer dúvida - ainda que tal tenha sido referido pela testemunha II, afectada naturalmente pelo sofrimento que a mãe passava naquela altura - que os cuidados não foram cumpridos ou que o estado de saúde tenha piorado em virtude de falta de cuidados, atenta a ausência de prova nesse sentido ou, mesmo que não fossem cumpridos, se tal se deveu à falta de acção e comunicação da aqui arguida, designadamente relativamente ao facto da mesma ter sido encontrada sentada num dia em que a filha ali chegou.
Relativamente à situação da perna e ao episódio da escabiose, face aos elementos clínicos existentes nos autos, também não foi produzida prova suficiente que o seu aparecimento ou agravamento seja imputável à falta de cuidados dos aqui arguidos.
(…)
Considerando-se assim reparado o vício, na parte em que se jugou procedente o recurso, nos termos antecedentes.
II. Quanto ao enquadramento de direito:
Muito embora este pedido venha na decorrência do necessário provimento que pretendia ver assegurado quanto ao recurso da matéria de facto, o que não logrou conseguir aqui o arguido, o facto é que invoca, como segundo e último fundamento do recurso o errado enquadramento da questão de direito feito pela decisão recorrida.
Muito embora se considere essa interdependência, no entanto, evitando omitir pronúncia sobre o referido ponto, conhecemos aqui desse fundamento, ainda que reportando-o à matéria de facto que se manteve intacta.
Veja-se, então.
A acusação e pelos quais lhes imputa, leva os arguidos a julgamento pela prática, cada um deles, em autoria material e na forma consumada, de um crime de maus tratos, previsto e punidos pelo artigo 152º-A, nº 1, alínea a) do Código Penal.
Foi essa a imputação que resultou evidenciada para o Tribunal recorrido após julgamento, tendo sido por esse exacto crime que se pronunciou na parte decisória, condenando ambos os arguidos pela sua prática.
Nesta medida, para início de apreciação, como tal, impõe-se concluir que o thema decidendum foi respeitado quanto também à imputação, não tendo sido usados qualquer dos mecanismos previstos nos arts. 358º ou 359º do Cód. Proc. Penal.
O direito penal está, por sua própria natureza, vinculado ao princípio da intervenção mínima, o que faz com que apenas os mais graves dos actos violadores da paz social e segurança, seja a vida ou integridade física e patrimonial do Estado ou cidadãos, sejam puníveis pelo direito penal.
O que significa, por outro lado, que o comportamento humano pode ser censurável, socialmente ou mesmo moralmente, mas não corresponder sempre essa censurabilidade a uma previsão e punição de natureza penal.
Os factos provados demonstram comportamentos dos arguidos criticáveis, do ponto de vista social, até do ponto de vista da básica pedagogia social e humana. Mas também do ponto de vista criminal.
Do ponto de vista social, como tal, havia sempre como resolver todas estas questões – assegurando os cuidados de saúde necessários tantas vezes quantas necessárias, depois fazendo intervir meios especializados de tratamento, como bem sabiam os arguidos ser necessário que fizessem, não apenas pela qualificação técnica que tinham, mas também por inerência das funções que tinham na instituição, aliás, sendo elas o único motivo mesmo por que ali estavam.
Tal, no entanto, não se assegurou o arguido, muito embora tivessem tido ambos, como resulta dos factos provados, o tempo suficiente para se aperceberem da necessidade e gravidade do caso, descurando ambos, com isso, os cuidados necessários, e a que estavam obrigados.
A intervenção do Tribunal criminal é, por isso, sempre uma intervenção residual, de último recurso, ou seja, para censurar comportamentos criminalmente relevantes e não simplesmente desajustados.
E os factos provados são de molde a impor tal intervenção.
Conforme tem sido entendimento doutrinário e jurisprudencial pacificado, o crime de maus tratos, p. e p. nos termos do artº 152ºA, nº 1 do Código Penal, exige uma prática de factos que constituam ofensa física ou psíquica, sendo ela com estatuto de reiteração ou não.
Como é referido no Comentário Conimbricense ao Código Penal9«a função deste artigo é prevenir as frequentes e, por vezes, tão subtis quão perniciosas - para a saúde física e psíquica e/ou para o desenvolvimento harmonioso da personalidade ou para o bem-estar (...). (...) A ratio do tipo não está, pois, na protecção da comunidade familiar, conjugal, educacional...., mas sim na protecção da pessoa individual da sua dignidade humana.... A ratio desse artigo 152º vai muito além dos maus tratos físicos, compreendendo os maus tratos psíquicos (por ex. humilhações, provocações, ameaças, etc.)... Portanto deve dizer-se que o bem jurídico protegido por este crime é a saúde – bem jurídico complexo que abrange a saúde física, psíquica e mental, e bem jurídico que pode ser afectado por uma multiplicidade de comportamentos que impeçam ou dificultem o normal e saudável desenvolvimento da personalidade....».
Muito embora reportado à redacção inicial do preceito que, entretanto, sofreu alteração, como decorre da norma vigente a esta data, a raiz da tutela penal mantém-se no referido âmbito.
Em regra, o crime de maus pode coincidir com alguma reiteração das condutas, de modo a inculcar um carácter de habitualidade10 como já se afirmou na jurisprudência, mas como se percebe pelo tipo legal, tal não deve ser entendido agora como requisito ou pressuposto da aplicação da norma.
As condutas que integram o tipo objectivo do crime previsto no artº 152ºA do Código Penal podem ser de várias espécies: maus tratos físicos (ofensas corporais) e maus tratos psíquicos (humilhações, provocações, ameaças, injúrias).
Contudo, não são simples actos [isolados, plúrimos ou reiterados] que caracterizam o crime de maus tratos. O que importa é que os factos, isolados ou reiterados, sejam apreciados à luz dos seus pressupostos de verificação.
O crime que foi imputado aos arguidos, ao aqui recorrente, alicerçando-se a acusação no incumprimento de um dever geral de assistência à agora falecida a que estavam contratualmente/legalmente vinculados, por assegurarem no lar a prestação de cuidados e assistência de relevância médica.
Em rigor, a questão relevante nem é saber como vieram a ocorrer as enfermidades que acabaram, adiante, por resultar no falecimento da utente do lar, mas sim, depois de detectadas as ocorrências de origem, o que é que os arguidos deveriam ter feito e não fizeram para tratar, tentar reverter as mesmas ou para evitar agravamento e sofrimento da utente consequente.
E estas questões ficam respondidas nos termos fixados pelo Tribunal recorrido.
O artº 152º-A do Cód. Penal, sob a epígrafe «maus tratos», pune com uma pena de prisão de um a cinco anos, quem, tendo ao seu cuidado, à sua guarda, sob a responsabilidade da sua direcção (…) pessoa (…) particularmente indefesa, em razão de idade, deficiência, doença (…) lhe infligir, de modo reiterado ou não, maus tratos físicos ou psíquicos, (…) ou a tratar cruelmente (a).
Como se começou por dizer, esta incriminação resulta da autonomização do crime de violência doméstica relativamente ao de maus tratos que constava antes da revisão do Cód. Penal de 2007 no artº 152º, segundo a redacção que lhe foi introduzida pelo DL nº 48/95 de 15.03, que sofreu ainda alteração pelas Leis ns. 65/98 de 02.09, e 7/2000, de 27.05.
Como explica Nuno Brandão, tal autonomização tem sentido, ainda que o bem jurídico saúde coincida com o tutelado pelo crime de ofensa à integridade física, na medida em que «em causa estará então em ambos os casos, no essencial, a proteção de um estado de completo bem-estar físico e mental.»11 Pelo que se trata de assegurar a integridade da saúde física e mental de pessoas mais vulneráveis, o seu bem-estar físico, psíquico e emocional12 .
O bem jurídico protegido pela incriminação é a saúde, entendida esta como um bem jurídico complexo, suficientemente amplo e nas suas múltiplas dimensões, precisamente para que se garanta a sua compatibilização com a chamada integridade do ser humano enquanto tal, em todas as suas dimensões, física, psíquica, mental e moral, com a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual e a honra, nos mesmos termos em que todos estes se mostram integrados naquele acervo pela protecção garantida nos termos do artº 25º da Constituição da República Portuguesa.
Tal como acentuado na exposição de motivos inserta na Proposta de Lei nº 98/X, Anteprojecto da Lei nº 59/2007 de 4 de Setembro, do qual resultou este artº 152ºA do Cód. Penal, a razão de ser desta incriminação é o fortalecimento da defesa dos bens jurídicos visados com a incriminação, especialmente, «o reforço da tutela de pessoas particularmente indefesas».
Se atendermos ao conteúdo da prescrição legal no referido enquadramento legislativo, percebemos que o referido preceito visa a prevenção, combate e repressão de frequentes e quase sempre subtis formas de violência física, psíquica e sexual dirigidas contra pessoas com menor capacidade de reacção ou defesa, tidas como mais frágeis ou vulneráveis a partir de certos índices, como a idade, doença, ou condição física ou psíquica ou gravidez e quando envolvidas num contexto relacional muito específico com o agressor: trata-se de relações de poderes/deveres de cuidado, de guarda, de direção ou educação, ou de natureza laboral que criam, pela sua própria existência, um certo ascendente natural ou posição mais privilegiada ou preponderante do agressor em relação ao agredido.
Daquela autonomização resulta também que o vínculo de dependência existencial da vítima em relação ao autor do crime se reflecte também, ou pode sê-lo, atenta uma ligação institucional, como no caso dos maus tratos praticados em escolas, lares de idosos, (…) não deixando de fora, ainda e por exemplo, as pessoas que assumam, espontânea e gratuitamente, o encargo de tomar conta de “pessoas particularmente indefesas”, nomeadamente crianças, idosos, doentes ou pessoas com deficiência13. É, aliás, essencialmente, neste vínculo que o crime de maus tratos se distingue do de violência doméstica14.
Daqui decorre, por contraposição, que a vítima deste crime é pessoa que, simultaneamente, preencha dois requisitos positivos - o de que se encontre em relação de subordinação existencial ou laboral com o agente, ou seja que a vítima esteja ao cuidado, à guarda ou sob a responsabilidade da direção ou educação do agente ou a trabalhar ao seu serviço; o de que seja menor ou particularmente indefesa em razão da idade (avançada), de deficiência, da doença ou da gravidez - e um outro negativo - o de que não exista entre o agente e a vítima uma relação de coabitação -, pois nesse caso estará em causa um crime de violência doméstica, nos termos da al. d) do nº1 do art. 152º. Os modos de acção típica são muito diversificados em sintonia com a amplitude e complexidade do bem jurídico, estando enumerados exemplificativamente os comportamentos susceptíveis de qualificação como maus tratos físicos ou psíquicos, ao invés de uma enumeração taxativa, que não esgotaria todo o espectro de actos potencialmente lesivos do bem jurídico visado proteger com a incriminação do art. 152º A do CP. O crime consuma-se tanto com as condutas integradoras de ofensas à integridade física simples (os maus tratos físicos), ou seja todas as agressões que envolvam alguma perturbação no corpo e saúde da vítima, como com os maus tratos psíquicos, incluindo humilhações, provocações, quer estas se reconduzam ou não a actos, gestos, palavras, expressões, escritos, etc., englobando quaisquer comportamentos que ofendam a integridade moral ou o sentimento de dignidade da vítima, como as injúrias, humilhações, ameaças e outros e compreendem, a par das estratégias e condutas de controlo, o abuso verbal e emocional puníveis, em si mesmas, ou não, como crimes de injúria e difamação, de ameaça ou de coacção. Como exemplos de maus tratos psíquicos são, normalmente, indicados (…) as privações injustificadas de comida, de medicamentos ou de bens e serviços de primeira necessidade, (…)», entre outros15.
Mas o crime de maus tratos proíbe também o tratamento cruel.
Este tratamento cruel, por seu lado, em termos factuais, pode traduzir-se na imposição ou produção de lesões físicas, mas pode incluir outros tipos de acções que impliquem o desgaste na vítima, desde que idóneos a provocar esse sofrimento físico ou psicológico, com uma certa tónica de reiteração ou permanência.
Quando, por outro lado, se diz que esta incriminação proíbe a sujeição da vítima a actividade desumana, perigosa ou proibida, quer-se com isto significar que esta desumanidade, perigo e proibição, devem ser vistas por referência às características e fragilidades específicas de cada vítima que, respectivamente, constituam para si uma humilhação ou degradação enquanto ser humano, entre o mais.
No caso sub juditio, estamos perante uma utente que podemos dizer ser idosa, no sentido em que nascera em ....
A Organização Mundial de Saúde define maus tratos como um acto único ou repetido, ou ainda, ausência de acção apropriada que cause dano, sofrimento ou angústia e que ocorra no contexto e desenvolvimento de um relacionamento de confiança que atenta contra a sua vida, ou é lesiva da sua integridade física ou psíquica, da sua liberdade, segurança económica ou compromete o desenvolvimento da sua personalidade16.
Ora, para além daquele que é o conteúdo comummente aceite de condutas que evidenciem maus tratos a idosos (qualquer forma de agressão física que se traduzam em espancamentos, golpes, queimaduras, fracturas, administração abusiva de fármacos ou tóxicos, relações sexuais forçadas, que se reconduzem à modalidade maus tratos físicos; os maus-tratos psicológicos ou emocionais, materializam-se em condutas que causam dano psicológico como manipulação, ameaças, humilhações, chantagem afectiva, desprezo ou privação do poder de decisão, negação do afecto, isolamento e marginalização), também estão abrangidos pelo núcleo de protecção da norma os comportamentos (actos ou omissões) que se traduzam na negligência relativa ao idoso, aqui se incluindo o não satisfazer as necessidades básicas (negação de alimentos, cuidados higiénicos, habitação, segurança e cuidados médicos, entre os mais que lhe permitam as condições de saúde e dignidade inerentes à preservação da personalidade)17.
Estes últimos, por seu lado, reconduzem-se também ao que se vem entendendo como sendo um tratamento cruel.
Enfatizando o que se referiu supra, ainda que o tipo objectivo pareça implicar a reiteração pois que a lesão do bem jurídico complexo saúde envolverá uma pluralidade de condutas da mesma ou de diferentes espécies repetidas por um período mais ou menos prolongado, tem-se entendido, como parece de acerto, que a própria literalidade, ao referir a expressão «modo reiterado ou não», admite que certas condutas isoladas, desde que dotadas de gravidade bastante, possam também operar a consumação dos maus tratos.
A imputação subjectiva do tipo, pese embora as diferentes modalidades que pode revestir18, tem o seu fundamento exclusivo no dolo em qualquer das suas modalidades que, justamente, por causa das diferentes formas que a consumação do crime de maus tratos pode revestir, tem conteúdo variável.
Implica, desde logo, sempre, o conhecimento da existência dos deveres inerentes, bem como a assunção da relação laboral, ou do vínculo de protecção-subordinação, do estado de [neste caso] velhice, doença ou debilidade.
O dolo, enquanto consciência e vontade de causar a lesão da integridade física da vítima, implica também a consciência e vontade de criar o risco de lesão da saúde da pessoa do ofendido ou do perigo de afectação do normal desenvolvimento aos cuidados do agente ou de criação de prejuízos para a saúde da vítima.
Vejamos como isto se conjuga relativamente ao comportamento que implique a privação de cuidados essenciais, sendo este um crime de resultado.
Nos termos do artº 10º do Cód. Penal equiparam-se, em geral, a omissão à acção, nos crimes de resultado, estabelecendo-se ali que, quando um tipo legal de crime compreender um certo resultado, o facto abrange não só a acção adequada a produzi-lo como também a omissão adequada a evitá-lo.
Nestes casos, estamos perante o que vem a considerar-se serem os crimes comissivos por omissão [imprópria].
Significando isto, que o evento antijurídico pertinente à consumação do crime, segundo a sua descrição típica, resulta do incumprimento do dever jurídico de evitar esse resultado.
Estes crimes comissivos por omissão, por seu lado, distinguem-se dos crimes omissivos puros, que se caracterizam pela simples abstenção de agir, e que são crimes de mera actividade.
Neste caso, a punibilidade do omitente depende da existência de um específico dever jurídico que o obrigue a agir, para evitar o resultado.
Tal como nos restantes crimes comissivos por omissão, só haverá equivalência entre o desvalor da acção e o desvalor da omissão porque o agente assume uma posição de garante da não produção do resultado, à luz de um dever jurídico de agir que constituí o fundamento da punição e sem o qual a punibilidade da omissão constituiria uma intromissão intolerável na esfera privada de cada um.
E este dever de garante está aqui verificado a partir do momento em que, ainda que de modo informal, os arguidos, neste caso o recorrente, se vincularam a tratar e providenciar cuidados para a ofendida no lar em que aceitaram desempenhar tais funções.
O facto típico materializa-se, pois, na «criação de um risco de verificação de um resultado típico» que existirá sempre que esse perigo se verifica ou é intensificado por efeito da omissão, traduzida na ausência da acção esperada e exigível por referência àquilo que segundo a descrição típica é necessário para obstar à verificação do resultado previsto no tipo legal e desde que o omitente esteja em condições de poder levar a cabo a acção devida ou necessária a evitar o resultado19. O dever jurídico de garante da não ocorrência do resultado antijurídico pode resultar directamente da Lei (dever legal especial), de um contrato, de situações de criação de perigo e/ou relações familiares íntimas de solidariedade e confiança que importem a aceitação de facto de deveres cuja execução importe ingerência/apoio entre o omitente e o titular do bem jurídico que suporte o dever de agir, numa posição de protecção ou de uma posição de controlo20.
Vejamos os factos ainda.
Entre o arguido recorrente e a já falecida existia uma relação contratual nos termos da qual, perante a instituição ele se obrigou a prestar determinadas funções e a instituição se obrigou a assegurá-las àquela. Estando os cuidados concretos omitidos incluídos na obrigação assumida pelo lar, mais vasta, de assegurar àquela esses cuidados de saúde, medicação, mas também de alimentação, higiene, vestuário e tudo o mais necessário à satisfação das necessidades quotidianas da utente, nos termos que resultem daquela contratação.
Aquelas funções, aliás, como atesta o diário de saúde que também está parcialmente no processo, configuram a posição de garante da saúde física, mental, psíquica e bem-estar emocional por parte da instituição e, como tal, dos arguidos.
Por outro lado, está também verificado o especial contexto relacional de confiança e de apoio à satisfação das necessidades a que os arguidos, neste caso o recorrente, estava obrigado e a situação de vulnerabilidade e dependência fruto da idade avançada da utente e debilidades de saúde próprias dessa condição, que integra o nº 1 do artº 152º A do CP.
Posto isto, importa concluir que os factos provados relativamente ao arguido preenchem, realmente, e a título objectivo e subjectivo, o tipo legal pelo qual vinha acusado e que a decisão recorrida considerou ser procedente.
Não se mostram verificadas, por oposição, quaisquer causas de justificação da ilicitude ou exclusão da culpa por parte do mesmo.
Pelo exposto, é de considerar improcedente nesta parte o recurso interposto.
Importa concluir resumidamente a apreciação do recurso, considerando-o apenas parcialmente procedente, procedência essa reduzida à correcção da fundamentação da decisão de facto como acima se deixou executado e para que integralmente se remete, no mais improcedendo o mesmo recurso.
Atento a que a correcção a que se limita a intervenção deste Tribunal de recurso não tem implicação mais vasta do que o curto âmbito a que se cinge, e que não altera em nada o sentido da decisão de primeira instância, será ela de manter em tudo o mais.
Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido CC, procedência essa reduzida à correcção da fundamentação da decisão de facto como acima se deixou executado e para que integralmente se remete, sendo que no mais se mantém a decisão do Tribunal a quo.
Sem custas – artº 513º, nº 1, IIª pte. do Cód. Proc. Penal.
Notifique.
Lisboa, 08 de Outubro de 2025
Hermengarda do Valle-Frias
Lara Martins
Alfredo Costa
Texto processado e revisto.
Redacção sem adesão ao AO
_____________________________________________________
1. Destaque nosso.YY
2. Destaque nosso.YY
3. Destaques nossos.YY
4. Em ambos, destaques nossos.YY
5. Destaques nossos.YY
6. Idem.YY
7. Disponível em www.dgsi.pt.YY
8. https://www.jcabral.pt/GD/Biopsia.YY
9. Tomo I, p. 329 e seguintes.YY
10. Neste sentido vide Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13 de Janeiro de 2004 – www.dgsi.pt\trl..YY
11. Nuno Brandão - A tutela penal especial reforçada da violência doméstica, Revista Julgar nº12 (especial), ASJP, Lisboa, Set.- Dez. 2010, p. 13 e ss.YY
12. Taipa de Carvalho - Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, p. 299, vendo-se, também Paulo Pinto de Albuquerque - Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2ª edição, artigos 152º e 152ºA, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2010, p. 438 e Paula Ribeiro de Faria - Comentário Conimbricense do Código Penal, Volume II, 2ª ed., artigo 143º, Coimbra Editora, Coimbra, 2012, p. 299; com refª ainda a Gomes Canotilho e Viral Moreira - Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, artigo 25º, 4ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 453
13. Taipa de Carvalho - Comentário Conimbricense do Código Penal, Volume II, artigos 152º e 152ºA, Coimbra Ed., Coimbra, 2012, p. 536.YY
14. Idem.YY
15. Nuno Brandão - A tutela penal especial reforçada da violência doméstica, Revista Julgar nº12 (especial), ASJP, Lisboa, Set.- Dez. 2010, p. 19.
No mesmo sentido, Fernando Silva, Direito Penal Especial - Os crimes contra as pessoas: crimes contra a vida, crimes contra a vida intra-uterina, crimes contra a integridade física, Quis Juris, Lisboa, 2011, p. 315 e Paulo Pinto de Albuquerque - Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2ª ed., artigos 152º e 152ºA, Universidade Católica Ed., Lisboa, 2010, p. 465.YY
16. Action on Elder Abuse (AEA, 1993) e adotada pela Organização Mundial de Saúde - WHO/INPEA. Missing voices: views of older persons on elder abuse. Geneva: WHO; 2002, https://apps.who.int/iris/handle/10665/67371.YY
17. Veja-se o Ac. TRP de 21.05.2025 – www.dgsi.pt\trp., que aqui se acompanha.YY
18. De facto, atento o alargado âmbito do tipo, podemos estar perante um crime de resultado quando a forma de acção típica são os maus tratos físicos, ou perante um crime de mera actividade quando a modalidade de execução do tipo se reconduz à imposição de trabalhos excessivos, ou perante, ainda, um crime de dano, quando dos maus tratos físicos resultam lesões corporais, ou, mesmo, perante um crime de perigo, nas formas de execução previstas nas als. b) e c) do nº 1 do art. 152º A)YY
19. Figueiredo Dias - Direito Penal, Parte Geral, I, Coimbra editora 2ª ed., p. 927 e 928.YY
20. Veja-se Johannes Wessels - Direito Penal, Parte Geral 1976, p. 157 e ss; Germano Marques da Silva - Direito Penal Português, II, verbo, p. 49 e ss; Pinto de Albuquerque - Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2ª ed., artigo 10º, p. 72-73.YY