COMPETÊNCIA MATERIAL DO TRIBUNAL
ESTACIONAMENTO AUTOMÓVEL
PARQUÍMETROS
TAXA
Sumário

Sumário:
O Juízo Local Cível é materialmente incompetente para julgar ação, instaurada por empresa privada, a quem o município atribuiu a concessão de exploração de parcelas de solo, integradas no domínio público, para instalação, exploração e conservação dos parquímetros das zonas de estacionamento de duração limitada, em que se pretende obter a condenação da requerida no pagamento das taxas devidas pelo parqueamento automóvel, cabendo a competência aos tribunais administrativos e fiscais (art.4.º n.º1 al. o) do ETAF).

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

I-Relatório
1- Data Rede S.A., instaurou procedimento de injunção contra A…, com vista a obter o pagamento da quantia total de €2618,93, alegando que “1.A Requerente é uma sociedade que se dedica, além do mais, à exploração e prestação de serviços na área do parqueamento automóvel. 2.No âmbito da referida exploração, a Requerente adquiriu e colocou, em vários locais da cidade de ANGRA DO HEROÍSMO, máquinas para pagamento de estacionamento automóvel, com a indicação dos preços e condições de utilização dos mesmos. 3.A Requerida é proprietária do veículo automóvel com a matrícula …. 4.Enquanto utilizadora do referido veículo, a Requerida estacionou o referido veículo, nos vários parques de estacionamento que a Requerente explora na cidade de ANGRA DO HEROÍSMO, sem se dignar a proceder ao pagamento do tempo de utilização, conforme regras devidamente publicitadas no local. 5.Assim sucedeu, nomeadamente nos seguintes locais, que se discriminam: (…).”
2- A requerida deduziu oposição na qual suscitou a exceção de incompetência em razão da matéria do tribunal cível, defendendo que são competentes os tribunais administrativos.
3- Foi concedida à requerente a possibilidade de se pronunciar sobre a exceção nada tendo dito.
4-Após foi proferida decisão que culminou no seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, ao abrigo do disposto nos art.os 64.º, 96.º, al. a), 97.º, n.º 1, 99.º, n.º 1, 576.º, n.os 1 e 2 e 577.º, al. a), todos do Código de Processo Civil, no art. 40.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26/08, nos art.os 211.º, n.º 1 e 213.º, n.º 3, ambos da Constituição da República Portuguesa, e nos art.os 1.º, n.º 1 e 4.º, n.º 1, al. e), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais declara-se o Juízo Local Cível de Angra do Heroísmo, do Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, incompetente em razão da matéria, para apreciar a presente ação e, em conformidade, absolve-se a ré da instância.”
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5- E desta decisão que vem interposto, pela requerente, o presente recurso, que termina com as seguintes conclusões:
a) Vem o presente recurso apresentado contra a Douta Sentença A Quo, que decidiu julgar a incompetência material do Juízo Local Cível de Angra do Heroísmo, para cobrança dos créditos da Autora.
b) No âmbito da sua atividade, a Autora celebrou contrato com a Câmara Municipal de Angra do Heroísmo, através do qual lhe foi cedida a exploração particular de zonas de estacionamento automóvel na cidade sem cedência de quaisquer poderes de autoridade, ou de disciplina.
c) No seguimento deste contrato, a Data Rede adquiriu e instalou em vários locais da cidade, máquinas para pagamento dos tempos de estacionamento automóvel, para as quais desenvolveu o necessário software informático.
d) Enquanto utilizadora do veículo automóvel …, a Ré estacionou o mesmo em diversos Parques de Estacionamento que a Autora explora comercialmente na cidade, sem proceder ao pagamento do tempo de utilização, num total em dívida de € 2.558,40 que aquela se recusa pagar.
e) Para cobrança deste valor, a Autora viu-se obrigada a recorrer aos tribunais comuns, peticionando o seu pagamento, pois a sua nota de cobrança está desprovida de força executiva, não podendo, portanto, dar lugar a um imediato processo de execução, seja administrativo ou fiscal.
f) A natureza jurídica da quantia paga pelos utentes em contrapartida da prestação do serviço de parqueamento é a de um preço e não a de uma taxa.
g) Sendo as Taxas verdadeiros tributos (Art.3º Nr.2 da LGT), que visam a satisfação das necessidades financeiras do Estado e demais entidades públicas e sendo a receita da utilização dos parqueamentos, propriedade da Data Rede, tal contrapartida escapa por definição ao conceito de taxa.
h) As ações intentadas pela Autora contra os proprietários de veículos automóveis, que não tenham procedido ao pagamento dos montantes devidos, não se inserem em prorrogativas de autoridade pública munida de ius imperii, mas sim no âmbito da gestão enquanto entidade privada.
i) A Recorrente ao atuar perante terceiros, não se encontra munida de poderes de entidade pública, agindo como mera entidade privada, pelo que, o contrato estabelecido com o automobilista, relativo à utilização dos parqueamentos, é de natureza privada, cuja violação é suscetível de fazer o utilizador incorrer em responsabilidade civil contratual por incumprimento.
j) A doutrina qualifica este tipo de contrato como uma relação contratual de facto, assente em puras atuações de facto, em que se verifica uma subordinação da situação criada pelo comportamento do utente ao regime jurídico das relações contratuais.
k) O estacionamento remunerado, apresenta-se como uma afloração clara da relevância das relações contratuais de facto e a relação entre a concessionária e o utente resulta de um comportamento típico de confiança.
l) Comportamento de confiança, que não envolve nenhuma declaração de vontade expressa, e sim uma proposta tácita temporária de um espaço de estacionamento, mediante retribuição.
m) Proposta temporária, que se transforma num verdadeiro contrato obrigacional, mediante aceitação pura e simples do automobilista, o qual, ao estacionar o seu automóvel nos parques explorados pela Autora, concorda com os termos de utilização propostos e amplamente publicitados no local.
n) O conceito de relação jurídica administrativa pode ser tomado em diversos sentidos, seja numa aceção subjetiva, objetiva, ou funcional, sendo certo que nenhuma das acessões permite englobar a presente situação.
o) A DATA REDE SA., não efetua, tão pouco, atos de fiscalização, não tendo poderes para autuar coimas ou multas por incumprimento das regras estradais, tarefa que está exclusivamente atribuída às autoridades públicas de fiscalização do espaço rodoviário da cidade.
p) Nos termos do disposto no artigo 2º do DL 146/2014 de 09 de outubro, a atividade de fiscalização incide exclusivamente na aplicação das contraordenações previstas no artigo 71º do Código da Estrada, o qual estabelece as coimas aplicáveis às infrações rodoviárias ali identificadas.
q) Os montantes cobrados pela Data Rede SA., também não consubstanciam a aplicação de quaisquer coimas, nem a empresa processa quaisquer infrações praticadas pelos utentes dos parqueamentos.
r) Quaisquer infrações ou coimas que devam ser aplicadas aos automobilistas prevaricadores de regras estradais, ficam a cargo da Autarquia, sem qualquer intervenção ou conexão com a atividade da empresa concessionária.
s) A Data Rede, ao contrário o que vem referido na douta sentença, nunca atuou
nem quis atuar, em substituição da autarquia, munida de poderes públicos.
t) Interpretar que os tribunais competentes são os administrativos e de entre estes os fiscais, sendo inconstitucional, corresponde a esvaziar de utilidade o Contrato de Concessão de Exploração dos Parqueamentos, por retirar à concessionária o poder de reclamar judicialmente os seus créditos, por falta de legitimidade processual ativa (Artigo 152º CPPT), em direta violação do direito constitucional de acesso à tutela jurisdicional efetiva, previsto pelo Artigo 20º Nr.1 da Constituição da República Portuguesa.
u) Institucionalizar este entendimento, fomenta o incumprimento das obrigações
dos automobilistas, que cientes da impossibilidade de cobrança coerciva dos valores devidos pelo estacionamento dos seus veículos, deixam de pagar deliberadamente, em claro incentivo ao incumprimento.
v) Não estando em causa a natureza pública do contrato celebrado entre a Câmara Municipal e a Data Rede SA., não pode, contudo, este primeiro contrato, contagiar ou ser equiparado, aos posteriores contratos tacitamente celebrados entre a Data Rede e os utentes, pois tais contratos têm natureza privada, até pela forma como os seus intervenientes atuam.
w) Refira-se finalmente que, ainda que se entenda estarmos perante a prestação de serviços de interesse público, o que apenas se concebe para mero efeito de raciocínio, as competências dos tribunais administrativos e fiscais estão hoje definidas no artigo 4.º do ETAF (Lei 13/2002, de 19 de fevereiro, aplicável nestes autos com a redação introduzida pelo DL 214-G/2015, de 2 de outubro que alterou as alíneas e) e f) do Nr.1 do Art.4º do ETAF e posteriormente pela L 114/2019, de 12 de setembro, que introduziu a alínea e) ao Nr.4 do Art.4º do E.T.A.F).
x) Da alteração introduzida pelo DL 214-G/2015, resultou que a matéria que antes se encontrava na alínea f) do Nr.1 do Art.4º do ETAF, passou para a alínea e) do mesmo número, mas com conteúdo muito diferente, que não alude às circunstâncias acima referidas, que antes colocavam situações como a dos autos na esfera de jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais.
y) Sendo certo que o contrato de utilização temporária de espaço público para estacionamento em causa nos autos, celebrado entre a empresa privada, ora apelante, e a utilizadora privada ora apelada, não é um contrato administrativo, não é um contrato celebrado nos termos da legislação sobre contratação pública, não é celebrado por pessoa coletiva de direito público, e não é celebrado por qualquer entidade adjudicante – Vide Artigo 280º do CCP, aprovado pelo DL 18/2008 de 29 de janeiro que define os contratos
administrativos como aqueles em que pelo menos uma das partes é um contraente público.
z) Da alteração introduzida pela Lei 114/2019, por sua vez, resulta que nos termos da alínea e) do Nr.4 do Art.4º, “estão… excluídas do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios emergentes das relações de consumo relativas à prestação de serviços públicos essenciais, incluindo a respetiva cobrança coerciva”.
aa) Da Lei dos Serviços Públicos (Lei n.º 23/96, de 26 de julho) resulta claramente que a matéria atinente à prestação e fornecimento dos serviços públicos aí elencados constitui uma relação de consumo típica, não se justificando que fossem submetidos à jurisdição administrativa e tributária; concomitantemente, fica agora clara a competência dos tribunais judiciais para a apreciação destes litígios de consumo.”
bb) O serviço de estacionamento não é um dos serviços elencados no Art.1º nº 2 da L 23/96, mas, tal como ocorre nos serviços públicos essenciais, a relação entre o prestador do serviço e o utente é uma relação de direito privado.
6- A requerida/recorrida não apresentou contra-alegações.
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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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Objeto do recurso/questões a decidir:
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões apresentadas, nos termos conjugados dos arts.635.º n.º4 e 639.º n.º1 do CPC, sem prejuízo das questões de que o tribunal possa conhecer oficiosamente (art.608.º, n.º 2, in fine, em conjugação com o art. 663.º, n.º 2, parte final, ambos do CPC), prefigura-se no presente caso a questão de saber se a competência para julgar a presente ação cabe ao tribunal recorrido, juízo cível, devendo ser revogada a decisão.
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II- Fundamentação
2.1- Fundamentação de facto:
Os factos com interesse para a decisão são os que constam do relatório supra e ainda os seguintes, que se colhem da decisão recorrida e tendo em conta os documentos juntos aos autos com o oficio de 27.3.2025:
1. Em 22/10/2012, o Município de Angra do Heroísmo celebrou com a autora um contrato que tem por objeto a concessão de exploração de parcelas de solo, as quais se encontram integradas no domínio público do Município, para instalação, exploração e conservação dos parquímetros das zonas de estacionamento de duração limitada da cidade de Angra do Heroísmo, pelo período de dez anos (cfr. cláusulas 1.º e 9.º do contrato de 22/10/2022 junto com a ref.ª 6218859), tendo, para o efeito, sido promovido o competente concurso público (cfr. preâmbulo do contrato de 22/10/2022 junto com a ref.ª 6218859).
2. Em 10/05/2023, entre o Município de Angra do Heroísmo e a autora foi celebrado um contrato que tem por objeto de concessão de exploração de parcelas de solo, as quais se encontram integradas no domínio público do Município, para instalação, exploração e conservação dos parquímetros das zonas de estacionamento de duração limitada da cidade de Angra do Heroísmo, pelo período de dez anos (cfr. cláusulas 1.º e 9.º do contrato de 10/05/2023 junto com a ref.ª 6218859), tendo, para o efeito, sido promovido o competente concurso público (cfr. preâmbulo do contrato de 10/05/2023 junto com a ref.ª 6218859).
2.2-Fundamentação de direito:
A questão a apreciar prende-se com a atribuição da competência material para julgar a presente ação, ou seja, se a causa pertence ao âmbito da jurisdição administrativa ou ao âmbito da jurisdição comum. O tribunal de 1.ª instância, na decisão recorrida, entendeu que a competência para apreciar a causa cabe aos tribunais administrativos; ao invés, a recorrente vem pugnar pela revogação da decisão, juntando em abono da sua pretensão duas decisões singulares do tribunal da Relação de Lisboa nas quais se entendeu serem os tribunais comuns competentes para apreciar a matéria, idêntica à que se discute nesta ação. Tais divergências encerram de antemão, podemos dizê-lo, a conclusão de que a questão não se apresenta consensual.
Como é sabido a competência em razão da matéria dos tribunais judiciais é estabelecida no art.64.º do CPC nos seguintes termos: São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional. Trata-se da consagração na lei processual do que estabelecido está no art.211º nº1 da CRP, “Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais”. Assim, por via de tais normativos, a competência afere-se em função do que esteja estabelecido quanto à competência de outra ordem jurisdicional, se a causa estiver atribuída à competência de outros tribunais que não os tribunais judiciais, estes são materialmente incompetentes. Os tribunais judiciais são competentes, digamos, “por defeito”, julgam as causas que a lei não atribui a ordem jurisdicional distinta. Donde, no caso, o percurso a empreender para dar resposta à questão que nos ocupa impõe que se atente na competência dos tribunais administrativos, posto que, se a eles caber julgar a causa, é indubitável que o Juízo Cível, é materialmente incompetente. A questão da competência tribunais administrativos versus tribunais judiciais é antiga e recorrente, com inúmeras pronuncias dos tribunais e do tribunal de conflitos,  inexistindo uma linha mestra a seguir em todo e qualquer caso, embora se tenha que atender a princípios enformadores nesta matéria que apontarão o sentido da decisão.
Por seu turno, a competência material dos tribunais administrativos está prevista, também, em sede constitucional, no art.212.º n.º 3 da CRP onde se diz que “Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.”. Comando que o art.4.º do ETAF (Lei 13/2002 de 19.2), densifica nos seguintes termos:
1 - Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a:
a) Tutela de direitos fundamentais e outros direitos e interesses legalmente protegidos, no âmbito de relações jurídicas administrativas e fiscais;
b) Fiscalização da legalidade das normas e demais atos jurídicos emanados por órgãos da Administração Pública, ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal;
c) Fiscalização da legalidade de atos administrativos praticados por quaisquer órgãos do Estado ou das Regiões Autónomas não integrados na Administração Pública;
d) Fiscalização da legalidade das normas e demais atos jurídicos praticados por quaisquer entidades, independentemente da sua natureza, no exercício de poderes públicos;
e) Validade de atos pré-contratuais e interpretação, validade e execução de contratos administrativos ou de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública, por pessoas coletivas de direito público ou outras entidades adjudicantes;
f) Responsabilidade civil extracontratual das pessoas coletivas de direito público, incluindo por danos resultantes do exercício das funções política, legislativa e jurisdicional, sem prejuízo do disposto na alínea a) do n.º 4 do presente artigo;
g) Responsabilidade civil extracontratual dos titulares de órgãos, funcionários, agentes, trabalhadores e demais servidores públicos, incluindo ações de regresso;
h) Responsabilidade civil extracontratual dos demais sujeitos aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas coletivas de direito público;
i) Condenação à remoção de situações constituídas em via de facto, sem título que as legitime;
j) Relações jurídicas entre pessoas coletivas de direito público ou entre órgãos públicos, reguladas por disposições de direito administrativo ou fiscal;
k) Prevenção, cessação e reparação de violações a valores e bens constitucionalmente protegidos, em matéria de saúde pública, habitação, educação, ambiente, ordenamento do território, urbanismo, qualidade de vida, património cultural e bens do Estado, quando cometidas por entidades públicas;
l) Impugnações judiciais de decisões da Administração Pública que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo e do ilícito de mera ordenação social por violação de normas tributárias;
m) Contencioso eleitoral relativo a órgãos de pessoas coletivas de direito público para que não seja competente outro tribunal;
n) Execução da satisfação de obrigações ou respeito por limitações decorrentes de atos administrativos que não possam ser impostos coercivamente pela Administração;
o) Relações jurídicas administrativas e fiscais que não digam respeito às matérias previstas nas alíneas anteriores.
2 - Pertence à jurisdição administrativa e fiscal a competência para dirimir os litígios nos quais devam ser conjuntamente demandadas entidades públicas e particulares entre si ligados por vínculos jurídicos de solidariedade, designadamente por terem concorrido em conjunto para a produção dos mesmos danos ou por terem celebrado entre si contrato de seguro de responsabilidade.
3 - Está nomeadamente excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto a impugnação de:
a) Atos praticados no exercício da função política e legislativa;
b) Decisões jurisdicionais proferidas por tribunais não integrados na jurisdição administrativa e fiscal;
c) Atos relativos ao inquérito e instrução criminais, ao exercício da ação penal e à execução das respetivas decisões.
4 - Estão igualmente excluídas do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal:
a) A apreciação das ações de responsabilidade por erro judiciário cometido por tribunais pertencentes a outras ordens de jurisdição, assim como das correspondentes ações de regresso;
b) A apreciação de litígios decorrentes de contratos de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa coletiva de direito público, com exceção dos litígios emergentes do vínculo de emprego público;
c) A apreciação de atos materialmente administrativos praticados pelo Conselho Superior da Magistratura e seu Presidente;
d) A fiscalização de atos materialmente administrativos praticados pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça;
e) A apreciação de litígios emergentes das relações de consumo relativas à prestação de serviços públicos essenciais, incluindo a respetiva cobrança coerciva.
 Como se vê a competência dos tribunais administrativos é delimitada positivamente nas diversas alíneas do n.º1 e no n.º2, mas, também, de forma negativa no n.º3 e n.º4, excluindo-se aqui certos litígios que, não fora essa expressa exclusão, tenderiam a ser integrados naquela competência positiva. Por outro lado, a dita competência está referenciada às questões objeto do litígio. Tendo o litígio trazido a juízo subjacente questão que integre alguma das alíneas do n.º1 a competência material deve ser atribuída à jurisdição administrativa.
Cumpre ainda deixar notado, introdutoriamente, com apelo ao Ac. TRL de 18.4.2023 (rel. Luís Filipe Pires de Sousa), que “Conforme constitui jurisprudência do STJ, o pressuposto processual da competência material deve ser aferido em função da pretensão deduzida, tanto na vertente objetiva, conglobando o pedido e a causa de pedir, como na vertente subjetiva, respeitante às partes, tomando-se por base a relação material controvertida tal como vem configurada pelo autor.” (acessível em www.dgsi.pt).
Vejamos:
Na decisão recorrida a 1.ª instância, com abundante fundamentação, empreendeu o seguinte raciocínio, que conduziu à declaração de incompetência:  
Assim, essencial para se determinar a competência dos tribunais administrativos é a existência de uma relação jurídica administrativa. A relação jurídico-administrativa pode ser definida como aquela em que um dos sujeitos, pelo menos, é uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, atuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido.
O art. 4.º, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais enumera, de forma exemplificativa, os litígios cuja competência se defere à jurisdição administrativa (enumeração positiva – n.os 1 e 2 do citado art. 4.º), e os que dela se mostram excluídos (enumeração negativa – n.os 3 e 4 do citado art. 4.º). O art. 4.º, n.º 1, al. e), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, estatui que: compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a: e) validade de atos pré-contratuais e interpretação, validade e execução de contratos administrativos ou de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública, por pessoas coletivas de direito público ou outras entidades adjudicantes.
Nos termos do disposto no art.200.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo, são contratos administrativos os que como tal são classificados no Código dos Contratos Públicos ou em legislação especial. Por sua vez, o Código dos Contratos Públicos adota uma noção ampla de contrato público, que delimita em função dos sujeitos outorgantes, para efeitos da aplicação de um determinado regime procedimental de formação de contratos (regulado na Parte II do Código). Este conceito legal de contrato público (cfr. art. 1.º, n.º 2, do Código dos Contratos Públicos) abrange, à primeira vista, todos os contratos celebrados no âmbito da função administrativa, independentemente da sua designação e da sua natureza (isto é, mesmo que sejam de direito privado), desde que sejam outorgados pelas entidades adjudicantes referidas na lei (cfr. art.2.º, do Código dos Contratos Públicos). No entanto, o regime de contratação estabelecido no Código dos Contratos Públicos não se aplica a todos os contratos celebrados pelas entidades adjudicantes, mas apenas àqueles cujas prestações suscitem, pelo menos potencialmente, a concorrência no mercado (cfr. art.os 5.º, n.º 1, e 16.º, n.º 2, ambos do Código dos Contratos Públicos). Por outro lado, o Código dos Contratos Públicos estabelece um outro conceito, tendencialmente mais restrito: o de contrato administrativo, celebrado por contraentes públicos (entre si ou com “co-contratantes privados”), para efeitos de aplicação do regime substantivo dos contratos de natureza administrativa – regime de execução, modificação e extinção das relações jurídicas administrativas (cfr. art.1.º, n.º 5, referido à Parte III).
Com a nova redação conferida ao art.4.º, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais foi abandonada a distinção tradicional entre atos de gestão pública e atos de gestão privada, de tal modo que, em concreto, a alínea e) do n.º 1 desse normativo legal, abstrai da natureza das normas que materialmente regulam o contrato, passando a integrar no âmbito de jurisdição dos tribunais administrativos a apreciação de questões de validade, interpretação e execução de contratos que tenham sido submetidos a um procedimento pré-contratual de direito público ou relativamente aos quais a lei preveja a possibilidade da sua submissão a esse procedimento, de modo que a natureza administrativa da relação jurídica litigiosa decorre, não do conteúdo do contrato ou da qualidade das partes, mas das regras de procedimento pré-contratuais aplicadas ou aplicáveis (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 06/07/2021, proc. n.º 1297/20.5T8PDL-A.L1-7, disponível em www.dgsi.pt).
No caso em apreço, no requerimento de injunção consta que a ré, na qualidade de proprietária e utilizadora do veículo automóvel com a matrícula …., estacionou, nos vários parques que a autora explora na cidade de Angra do Heroísmo, sem proceder ao pagamento do tempo de utilização, entre os dias 30/03/2023 e 29/12/2023.
 In casu, em 22/10/2012, o Município de Angra do Heroísmo celebrou com a autora um contrato que tem por objeto de concessão de exploração de parcelas de solo, as quais se encontram integradas no domínio público do Município, para instalação, exploração e conservação dos parquímetros das zonas de estacionamento de duração limitada da cidade de Angra do Heroísmo, pelo período de dez anos (cfr. cláusulas 1.º e 9.º do contrato de 22/10/2022 junto com a ref.ª 6218859), tendo, para o efeito, sido promovido o competente concurso público (cfr. preâmbulo do contrato de 22/10/2022 junto com a ref.ª 6218859). Por seu turno, em 10/05/2023, entre o Município de Angra do Heroísmo e a autora foi celebrado um contrato que tem por objeto de concessão de exploração de parcelas de solo, as quais se encontram integradas no domínio público do Município, para instalação, exploração e conservação dos parquímetros das zonas de estacionamento de duração limitada da cidade de Angra do Heroísmo, pelo período de dez anos (cfr. cláusulas 1.º e 9.º do contrato de 10/05/2023 junto com a ref.ª6218859), tendo, para o efeito, sido promovido o competente concurso público (cfr. preâmbulo do contrato de 10/05/2023 junto com a ref.ª6218859).
Assim, à luz das considerações supra explanadas, temos que os contratos celebrados entre o Município de Angra do Heroísmo e a autora podem ser qualificados como contrato administrativo. Do conteúdo do referido contrato resulta que a exequente/embargada, na qualidade de concessionária, no âmbito da exploração das zonas de estacionamento de duração limitada e em contrapartida da utilização das mesmas pelos utentes, deve aplicar e cobrar a estes, através dos parquímetros, as taxas constantes no Regulamento Municipal de Taxas de Angra do Heroísmo que esteja em vigor, as quais tem o direito a receber (cfr. cláusulas 19.º e 28.º dos contratos de 22/10/2022 e de 10/05/2023, juntos com a ref.ª 6218859). Nos termos do disposto no Regulamento das Zonas de Estacionamento Tarifado na Cidade de Angra do Heroísmo datado de 27/02/2012 e do Regulamento das Zonas de Estacionamento Tarifado na Cidade de Angra do Heroísmo datado de 29/04/2022, a fiscalização do cumprimento das disposições do presente regulamento será exercida por agentes de fiscalização devidamente identificados, nos termos previstos na lei, competindo-lhes, além do mais, zelar pelo cumprimento do regulamento, desencadear as ações necessárias à eventual remoção dos veículos em transgressão, emitir os avisos de liquidação, cumprir os planos de fiscalização que venham a ser aprovados pelo concessionário ou pela Câmara Municipal para as zonas de estacionamento tarifado (cfr. art.os 19.º e 20.º, do Regulamento datado de 27/02/2012; e art.os 18.º e 19.º, do Regulamento de 29/04/2022 (cfr. regulamentos juntos com a ref.ª 6184011). Ademais, é a concessionária, ou seja, à autora, que compete encetar os mecanismos legais conducentes à execução da taxa em dívida (cfr. art.23.º, do Regulamento de 29/04/2022). Ora, o contrato de concessão outorgado entre o Município de Angra do Heroísmo e a autora, precedido por concurso público, rege-se pelo conteúdo das suas disposições e pelas disposições constantes dos aludidos Regulamentos, no qual se encontram previstos, designadamente, as taxas devidas pelo estacionamento, bem como a fiscalização do regime previsto nos aludidos Regulamentos. Tendo em conta que no âmbito do referido contrato de concessão, a autora se vinculou expressamente ao cumprimento dos aludidos Regulamentos Municipais, recai sobre esta o ónus de conformar a sua atuação com o disposto naqueles diplomas e agir no âmbito dos poderes que os mesmos lhe confere, nomeadamente na sua relação com os terceiros particulares que usufruem do estacionamento concessionado e como tal passam a estar sujeitos às suas respetivas regras e condições. Assim, contrariamente ao que sucede no âmbito de relações contratuais entre particulares, as quais se regem pelo princípio da liberdade contratual e que dizem respeito a atividades de direito privado suscetíveis de ser desenvolvidas por particulares, no caso em apreço, a autora, na relação jurídica que estabelece com a ré, surge investida de prorrogativas próprias de um sujeito público, revestido de jus imperii, podendo cobrar-lhe uma taxa pelo estacionamento nas zonas concessionadas. Neste sentido, conforme tem vindo a ser entendido pela jurisprudência dos Tribunais Superiores, é da competência dos Tribunais Administrativos e Fiscais «conhecer de ação intentada por empresa a quem o Município adjudicou a concessão da exploração e gestão de zonas de estacionamento de duração limitada, para haver de particular utilizador daquelas a importância de tarifas devidas pela falta de pagamento da taxa correspondente à utilização da zona de estacionamento» (vide Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 22/04/2010, proc. n.º 1950/09.4TBPDL.L12. No mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 06/05/2010, proc. n.º 1984/09.9TBPDL.L1-8, ambos disponíveis em www.dgs.pt).
Assim sendo, nos termos do disposto no art. 40.º, n.º 1, da Lei da Organização do Sistema Judiciário, nos art.os 64.º a contrario, 97.º e 99.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e no art. 4.º, n.º 1, al. e), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, este juízo Local Cível de Angra do Heroísmos, do Tribunal Judicial da Comarca dos Açores é materialmente incompetente para apreciar a matéria em causa nos presentes autos. A incompetência em razão da matéria configura uma incompetência absoluta (cfr. art. 96.º, al. a), do Código de Processo Civil), sendo uma exceção dilatória (cfr. art.os 576.º, n.os 1 e 2 e 577.º, al. a), ambos do Código de Processo Civil), de conhecimento oficioso (cfr. art. 97.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), que acarreta a absolvição do réu da instância (cfr. art.99.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).” Concordamos, no essencial, com a argumentação da primeira instância plasmada na decisão acima transcrita e, por isso, com a conclusão a que chegou, embora se entenda que a situação sub judice deve ser integrada na competência dos tribunais administrativos prevista no art.4.º n.º1 al. o) do ETAF.
No caso dos autos está em causa, tendo em conta o alegado pela recorrente no requerimento inicial, a cobrança dos valores alegadamente devidos pela recorrida em virtude da utilização dos parques de estacionamento para parqueamento do seu veículo automóvel, parques que são explorados pelo recorrente. A questão passa, assim, por saber em que termos é que a recorrente explora tais parques de estacionamento e ao abrigo de que normativos/contratos de modo a poder exigir o pagamento da contrapartida monetária. E como resulta da decisão recorrida e dos factos provados tal exploração ocorre por via dos contratos que a recorrente celebrou com o Município de Angra do Heroísmo, nos termos dos quais este lhe atribuiu a concessão de exploração de parcelas de solo, as quais se encontram integradas no domínio público do Município, para instalação, exploração e conservação dos parquímetros das zonas de estacionamento de duração limitada da cidade de Angra do Heroísmo, pelo período de dez anos. A recorrente é, então, concessionária dessa exploração, em resultado do concurso público promovido pela autarquia, sendo esta, naturalmente, uma entidade pública. Quer isso dizer que não fora a dita concessão, cabia a essa entidade pública fornecer os serviços inerentes à disponibilização do parqueamento automóvel através dos seus próprios meios e agentes, tanto mais que tais parques estão integrados em terrenos do domínio público daquele Município (cfr. cláusula 1.ª do contrato de concessão de 2023). Consta da cláusula 8.ª do contrato de concessão que “1-Pelo contrato, o concedente atribui à concessionária os direitos de exploração e fiscalização das parcelas de solo identificadas na planta que constitui o anexo I.”, resultando do n.º2 que a responsabilidade pela definição da quantidade, da distribuição e da área dos lugares cabe à concedente. Por outro lado,  a regulação das taxas a aplicar encontra-se prevista na clausula 19.ª do contrato nos seguintes termos “1-No âmbito da exploração das Zonas de Estacionamento de Duração Limitada e em contrapartida da utilização das mesmas pelos Utentes, a concessionária deve aplicar e cobrar aos utentes, através dos parquímetros, as taxas constantes no Regulamento Municipal de Taxas de Angra do Heroísmo que esteja em vigor. 2-A concessionária está impedida de praticar quaisquer taxas que não as que constem do Regulamento a que se refere o numero anterior.”, prevendo-se, ainda, no n.º3 da mesma cláusula a obrigação da concessionária publicitar as taxas devidas e, no n.º4, a possibilidade das taxas serem objeto de atualização anual nos termos do Regulamento Municipal de Taxas. Daqui resulta indubitável que o poder da concessionária exigir dos utentes taxas pela utilização dos parqueamentos e cobrar essas taxas, lhe foi transferido pelo contrato de concessão, sendo tal poder do Município, como a este pertence e continua a pertencer apesar da concessão o poder de definir o valor das taxas a cobrar aos utentes e sua fiscalização, taxas que são fixadas por regulamento municipal, ou seja, determinadas em função de critérios e interesse de ordem pública e no âmbito dos poderes públicos dos Municípios, fora por isso de qualquer iniciativa privada e regulamentação privatística, pese embora a empresa concessionária que as cobra ser uma entidade privada. E se o dito contrato de concessão a que nos vimos referindo é necessariamente um contrato público, as relações que a coberto dele a concessionária “estabelece” com os utentes, ou melhor dito, a cobrança das taxas cujo poder lhe foi concedido pelo Município pela utilização do parqueamento e que tem subjacente uma espécie de relação entre a concessionária e esse utente, deverão ser consideradas do estrito âmbito privado, como normais relações entre particulares, equiparadas a um contrato de natureza privada? A nosso ver não. Essa relação é conformada afinal de contas por normas públicas, desde logo o Regulamento de Taxas, posto que é deste que deriva a obrigação de pagamento pelo utente de um valor pelo tempo de parqueamento e não de qualquer encontro de vontades entre o utente e a concessionária; a concessionária pode exigir o pagamento porque este é devido por imposição de uma entidade publica, o Município. A concessionária, neste domínio, age pondo em exercício os poderes públicos que a coberto da concessão e pelo tempo de duração dela lhe foram transferidos. Razão pela qual se afigura tratar-se de relação a enquadrar, preferencialmente, nas jurídicas administrativas e fiscais previstas na já citada alínea o) do n.º1 do art.4.º do Etaf e não na al. e) do n.º1 do mesmo artigo.
A questão tem sido tratada nos tribunais, destacando-se aqui o recente Ac. TRL de 15.5.2025 (rel. Cristina Lourenço), em que a ora relatora interveio como 1.ª adjunta, do qual, face à resenha jurisprudência aí feita, ora nos socorremos e cujo entendimento se perfilha e tem aqui aplicação, não obstante, no caso, ter sido suscitada a incompetência absoluta já no âmbito da execução em que o título executivo era requerimento de injunção com aposição de fórmula executória: “(…) a exequente e ora recorrente, visa cobrar coercivamente ao executado, a título de capital, quantias monetárias concernentes à taxa diária máxima aplicável à utilização das zonas de estacionamento por si exploradas por força de cada um dos contratos de concessão acima identificados, taxa que conforme os citados Regulamentos é fixada unilateralmente por cada um dos Municípios.(…) Por via do contrato de concessão celebrado entre a sobredita empresa do Município de Ponta Delgada e a exequente, esta, no âmbito dos poderes de fiscalização que lhe foram concedidos, goza de poderes para cobrar aos utentes taxas, tarifas e preços constantes do Regulamento Municipal de Ponta Delgada e para instruir os processos de cobrança coerciva, em clara substituição da entidade administrativa, munida, indubitavelmente, de jus imperii, (…). A propósito de ação destinada à cobrança de taxa idêntica à que a exequente pretende cobrar na presente execução (ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato), o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20/10/2009 (proferido no processo nº 6149/08.4YIPRT.L1-7, publicado no sítio da internet, jurisprudência.pt) decidiu o seguinte: “Considerando a causa de pedir nesta acção, o que está indubitavelmente em causa envolve a relação jurídica existente entre o Município de.. e a recorrente, na medida em que tem, na sua génese, a cobrança de uma taxa sancionatória diária pelo estacionamento não pago pelo recorrido. A este direito de cobrança arroga-se a recorrente, no âmbito dos poderes que lhe foram conferidos pela concessão celebrada. Se bem que se possa alegar que a relação estabelecida entre a recorrente e um particular difere e dispõe de uma natureza diferente daquela existente entre a recorrente e a edilidade de , a verdade é que os actos praticados pela recorrente não revestem a natureza de actos privados susceptíveis de serem desenvolvidos por um qualquer particular, mas, ao invés, revestem-se de natureza pública, na medida em que são praticados no exercício de um poder público, isto é, na realização de funções públicas no domínio de actos de gestão pública. Com efeito, o contrato de concessão outorgado entre a recorrente e o Município de…, precedido por concurso público e celebrado por escritura pública, rege-se pelo conteúdo das suas disposições e pelas disposições constantes do Regulamento de Estacionamento de Duração Limitada daquele Município, no qual se encontram previstos, designadamente, as taxas devidas pelo estacionamento, a possibilidade daquele Município, nos termos da lei geral, concessionar o estacionamento de duração limitada a empresa pública ou privada, bem como a fiscalização do regime previsto no aludido Regulamento e ainda as situações que configuram ilícitos de mera ordenação social (arts. 16.º a 18.º) e respectivas sanções (arts. 19.º a 22.º). Por outro lado, e tendo em conta que no âmbito do contrato de concessão celebrado, a ora recorrente se vinculou expressamente ao cumprimento do aludido Regulamento de Estacionamento, recai sobre esta o ónus de conformar a sua actuação com o disposto naquele diploma e agir no âmbito dos poderes que o mesmo lhe confere, nomeadamente na sua relação com os terceiros particulares que usufruem do estacionamento concessionado e como tal passam a estar sujeitos às suas respectivas regras e condições. Assim, contrariamente ao que sucede no âmbito de relações contratuais entre particulares, as quais se regem pelo princípio da liberdade contratual e que dizem respeito a actividades de direito privado susceptíveis de ser desenvolvidas por particulares, no caso em apreço, a recorrente, na relação jurídica que estabelece com o recorrido, surge investida de prorrogativas próprias de um sujeito público, revestido de jus imperii, podendo cobrar-lhe uma taxa pelo estacionamento nas zonas concessionadas (…). Temos, assim, que a acção se reporta a um litígio no âmbito de uma relação jurídica materialmente administrativa, submetida, por convenção das partes, a um regime substantivo de direito público, pelo que, nos termos da alínea f)[1] do art.º 4.º do E.T.A.F, são competentes para conhecer da acção os tribunais administrativos”. Na sequência de oposição a processo de injunção, o Tribunal da Relação do Porto, em Acórdão proferido em 20/02/2025, no âmbito do processo nº 79555/24.5YIPRT.P1, acessível em www.dgsi.pt, decidiu que é da competência dos tribunais administrativos e fiscais o conhecimento e julgamento “(…) de ação intentada por empresa a quem o Município adjudicou a concessão da exploração e gestão de zonas de estacionamento de duração limitada, para haver de particular utilizador daquelas a importância de tarifas devidas pela falta de pagamento da taxa correspondente à utilização da zona de estacionamento.” Lê-se no Acórdão assim sumariado, que a existência de concessão relativa ao serviço de natureza pública em causa “(…) remete a dois domínios de intervenção: o externo, do concessionário e o interno e essencial, do concedente, já que se reconduz a uma autorização ou permissão de uma actividade “em vez de outrem”. Num tal contexto, o concessionário permanece obrigado pelos contornos e conteúdos do que lhe é atribuído. E, de entre estes, vários ultrapassam as meras intervenções privadas, reconduzindo-se: a interdições, ao exercício próprio de actividade sancionatória e à regulação unilateral e não negociada, antes exercida em nome da legitimidade democrática e de um poder de soberania de natureza executiva. Mais incontestável se patenteia o desequilíbrio, a natureza realmente não contratual da relação com o utente, na tese doutrinal da recorrente, que convoca uma actuação de facto geradora de uma relação que tem pouco de contratual e mais de mero enquadramento da realidade ou do evento consumado, que denomina de «relação contratual de facto». Nessa medida, o utente nem estabelece um contrato comum, sendo que antes usa o espaço de estacionamento com determinados efeitos jurídicos inerentes pré-estabelecidos em Regulamento Municipal, para mais quando a entidade cobra antes que um preço uma taxa, já que tem por detrás de si um conjunto de mecanismos e regras impositivas emanadas de um órgão da administração local e não um qualquer processo de formação da vontade negocial. Conclui-se, pois, que o objecto da presente acção se origina no quadro de uma relação jurídica materialmente administrativa, sem que a atribuição de faculdades de intervenção a empresa privada convole a relação para o domínio jus privatístico, já que o regime que regula os contornos da actividade cedida se submetem, manifestamente, a um estatuto substantivo de direito público.”
A jurisprudência vem sendo unânime em atribuir a competência para conhecer das ações destinadas à cobrança das referidas taxas aos tribunais de jurisdição administrativa e fiscal. Neste sentido, entre outros, vejam-se os seguintes acórdãos, publicados em www.dgsi.pt:
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/10/2010, proferido no processo nº 1984/09.9TBPDL.L1.S1, ainda no âmbito da vigência do art.º 4º, antes das alterações introduzidas pela sobredita Lei nº 114/2019, de 12/09, mas que mantém atualidade, agora por referência ao disposto no art.º 4º, nº 1, al. o), como anteriormente referido a propósito da citação de outro aresto (vide nota de roda pé supra), em cujo sumário lemos o seguinte: “I- Sendo a autora concessionária de um serviço reconhecidamente de interesse público, actua, nessa qualidade, em “substituição” da autarquia com os poderes inerentes que lhe foram concessionados. II - Os contratos ou acordos tácitos que se concretizam sempre que os utentes utilizam para estacionamento os espaços públicos concessionados à autora, tanto esta como os referidos utentes estão submetidos às regras do Regulamento Municipal que disciplina aqueles estacionamentos, e só por isso tem a autora direito a cobrar as taxas de utilização fixadas no dito diploma. III - Contendo tal Regulamento normas de direito público, que estabelecem o regime substantivo de tais contratos ou acordos tácitos, a execução de tais contratos cai no âmbito do disposto no art.º 4.º, al. f), do ETAF. IV - Sendo, por conseguinte, do foro administrativo a competência material para apreciar o litígio a que se refere os autos.”
- Acórdão do Tribunal de Conflitos nº 21/2010, de 25/11, assim sumariado: “I - A competência material do tribunal afere-se pela relação jurídica controvertida, tal como é configurada na petição inicial. II - Nos termos do artigo 1, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, os tribunais administrativos são os competentes para o julgamento das acções que tenham por objecto dirimir litígios emergentes de ralações jurídicas administrativas. III - Por relações jurídicas administrativas devem entender-se aquelas em que um dos sujeitos, pelo menos, seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de interesse público legalmente definido. IV - Assim, compete à jurisdição administrativa conhecer de uma acção especial para cumprimento de obrigações emergentes de contrato, na qual a autora, concessionária da exploração e manutenção de parques de estacionamento em espaços públicos, em conformidade com determinado regulamento municipal, pede a condenação da ré no pagamento de quantias, devidas pela utilização desses parques.”
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23/01/2025, processo nº,118584/24.0YIPRT.L1-6 e assim sumariado: “1- Aos litígios emergentes de serviço de parqueamento automóvel temporário em parques públicos, concessionados à requerente/apelante, pelo Município de Ponta Delgada, não é aplicável a norma de exclusão da competência dos Tribunais Administrativos prevista no art.º 4º, nº 4, al. e) do ETAF. 2- Antes se aplica a norma de atribuição de competência aos Tribunais Administrativos estabelecida no art.º 4º nº 1, al. e) do ETAF, por o litígio ter por base um contrato com génese em contrato submetido a regras de contratação pública. “3- A esta vista, os Tribunais Cíveis são materialmente incompetentes para apreciar e decidir um litígio emergente na falta de pagamento de serviços de parqueamento automóvel temporário em parques de estacionamento concessionado pelo Município à requerente.”
- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 30/01/2025, proferido no processo nº 42537/24.5YIPRT.E1, em cujo sumário se lê: “I. Colocada na posição de concessionária da exploração do estacionamento tarifado de superfície em via pública e equiparada num município, a Apelante prossegue finalidades de interesse público estando, assim, munida de poderes de autoridade para tal, o que configura a existência de uma relação jurídica administrativa/tributária. II. Os tribunais judiciais não são materialmente competentes para apreciação de procedimento de injunção com vista ao pagamento de quantias monetárias relativas ao estacionamento de viatura particular em zonas abrangidas pela concessão de exploração do estacionamento tarifado por parte de uma Câmara Municipal.”
- Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 9/10/2014, proferido no processo nº 11379/14, no qual podemos ler que: (…) Os artºs. 70º do Código da Estrada e 19º, alínea h) da Lei das Finanças Locais, aprovada pela Lei nº 42/98, de 06/08, permitem aos Municípios prever, nas vias públicas sob sua jurisdição, a existência de locais especialmente destinados a estacionamento, podendo exigir o pagamento de uma taxa pela utilização do espaço de estacionamento. Pelo que, nos termos consagrados na Constituição e na demais legislação ordinária, a par das competências de natureza administrativa as autarquias locais têm amplas competências tributárias. No caso sub judice, o fundamento da pretensão material da autora reside no facto de o contrato de concessão celebrado com o Município de Ponta Delgada lhe permitir arrecadar os montantes pagos pelos utilizadores dos estacionamentos de duração limitada.
Tais montantes, fixados pelo Município no Regulamento de Estacionamento de Duração Limitada, revestem a natureza jurídica de taxas, já que são prestações pecuniárias coactivas, cuja exigibilidade decorre ope legis e não da vontade negocial das partes, exigidas por uma entidade que exerce funções públicas, como contrapartida da utilização concreta de um bem do domínio público, in casu, o estacionamento na via pública. De resto foi também esse o nomen iuris dado a essa prestação pecuniária no “Regulamento das Zonas de Estacionamento de Duração Limitada de Ponta Delgada”.
Estamos, portanto, no âmbito de uma relação jurídico-tributária geradora da obrigação de pagamento de uma taxa ao Município de Ponta Delgada. A obrigação de os utilizadores efectuarem o pagamento da taxa em causa decorre expressamente do referido Regulamento das Zonas de Estacionamento de Duração Limitada de Ponta Delgada, sendo o seu montante fixado pelo próprio Município no mesmo diploma regulamentar. A atribuição de poderes tributários para liquidação e/ou cobrança de uma taxa por um Município a uma entidade privada, neste caso, decorrente da celebração de um contrato administrativo de concessão, não altera a natureza jurídica da relação jurídica estabelecida com o particular, simplesmente introduz uma intermediação entre o particular e o município no âmbito da liquidação e/ou cobrança da taxa, a qual é sempre fixada e liquidada nos termos definidos pela autarquia – cfr. neste sentido, Nuno de Oliveira Garcia – Contencioso de Taxas, Almedina, 2011, págs. 73 a 81. Assim, estamos perante uma relação jurídica gerada pela utilização de zonas de estacionamento de duração limitada, que gera a obrigação de o beneficiário, seu utilizador efectuar o pagamento de uma taxa, fixada nos termos dos poderes tributários conferidos pela Constituição e pela Lei ao Município, que assume a natureza de questão fiscal ou tributária e cuja questão da cobrança se encontra sob a égide da competência dos tribunais tributários. (…) Por isso, cabendo a competência jurisdicional para apreciar e decidir o litígio em presença à Jurisdição Administrativa e Fiscal, tal como decidido no Acórdão do Tribunal de Conflitos, essa competência não radica no Tribunal Administrativo de Círculo, mas antes no Tribunal Tributário, o que determina que, tal como bem decidido na sentença recorrida, se declare a incompetência absoluta dos tribunais administrativos para julgar o litígio em presença, obstando a que o Tribunal conheça do mérito da causa e dando lugar à absolvição da instância, nos termos dos art°s 494°, alínea a) e 493°, nº 2 do CPC. Conclui-se, assim, que a competência para conhecer do objecto da causa, à luz do pedido e causa de pedir enunciados pelo Autor e ora Recorrente, cabe ao Tribunal Tributário, nos exactos termos e consequências declaradas pelo Tribunal a quo, cuja sentença se confirma. (..)”
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/10/2010, proferido no âmbito do processo nº 1984/09.9TBPDL.L1.S1, de 12.10.2010, assim sumariado: “I - Sendo a autora concessionária de um serviço reconhecidamente de interesse público, actua, nessa qualidade, em “substituição” da autarquia com os poderes inerentes que lhe foram concessionados. II - Os contratos ou acordos tácitos que se concretizam sempre que os utentes utilizam para estacionamento os espaços públicos concessionados à autora, tanto esta como os referidos utentes estão submetidos às regras do Regulamento Municipal que disciplina aqueles estacionamentos, e só por isso tem a autora direito a cobrar as taxas de utilização fixadas no dito diploma. III - Contendo tal Regulamento normas de direito público, que estabelecem o regime substantivo de tais contratos ou acordos tácitos, a execução de tais contratos cai no âmbito do disposto no art.º 4.º, al. f), do ETAF. IV - Sendo, por conseguinte, do foro administrativo a competência material para apreciar o litígio a que se refere os autos.” Em face do exposto, é patente, por um lado, que o próprio procedimento de injunção a que a ora exequente recorreu para cobrança das sobreditas taxas mostra-se inquinado, por outro, que o tribunal recorrido é incompetente para a execução, como assinalado na decisão recorrida, que assim se mantém, sendo competente para a cobrança das taxas em questão a jurisdição administrativa e fiscal.” (acórdão acessível em www.dgsi.pt).
Além da jurisprudência citada no mencionado acórdão, podemos ainda convocar os Acórdãos do Tribunal de Conflitos:
-  de  9.7.2025 (rel. Nuno Gonçalves, com o seguinte sumário: “I - A concessionária da gestão e exploração do serviço público de estacionamento nas vias municipais, mediante contrato de concessão de serviços públicos, nesse âmbito, atua em substituição da autarquia, munida dos poderes que a esta são legalmente atribuídos nessa área. II - As relações que estabelece com os utilizadores do estacionamento naquelas zonas consubstancia uma relação jurídica administrativa/tributária, subsumível ao disposto nas al.ªs e) e o) do n.º 1 do art.º 4.º do ETAF. III - Compete aos tribunais da jurisdição administrativa conhecer da ação intentada pela empresa a que o Município adjudicou a gestão e exploração do estacionamento de veículos em ZEDL, requerendo de particular o pagamento da contraprestação devida pela utilização do referido estacionamento.”;  
- de 25.6.2025, Proc.079555/24.5YIPRT.P1.S1 no mesmo sentido;
- de 25.6.2025, Proc. 042537/24.5YIPRT.E1.S1, com o seguinte sumário “I - A empresa concessionária da exploração e fiscalização do estacionamento nas vias municipais prossegue os fins de interesse público conferidos ao município, estando, para tanto, munida dos inerentes poderes de autoridade.
II - As relações que nesse âmbito estabelece com os utilizadores daquele estacionamento taxado consubstancia uma relação jurídica administrativa, subsumível à previsão da al. e) do n.º 1 do art.º 4.º do ETAF. III - É aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscais que compete, em razão da matéria, conhecer da oposição ao requerimento de injunção que a concessionária municipal apresentou exigindo da requerida o cumprimento da obrigação de pagar a taxa devida pelo estacionamento da sua viatura em parqueamento à superfície, de duração limitada.”

- de 8.5.2025, Proc. 0118032/24.5YIPRT.E1.S1 (rel. Nuno Gonçalves), e do qual se extrai por pertinentes as seguintes passagens “(…) Relação jurídica administrativa é a “relação jurídica de direito administrativo”, com exclusão, nomeadamente, das relações de direito privado em que intervém a administração. (…”)É aquela que confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à Administração perante os particulares ou que atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a administração”5 Considerando-se como tal para efeitos de delimitação da competência da jurisdição as “relações jurídicas públicas (seguindo um critério estatutário, que combina sujeitos, fins e meios) (…) em que um dos sujeitos, pelo menos, seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido”. (…) A Data Rede, S. A. é uma empresa privada que tem por objeto a exploração de áreas delimitadas do espaço público, devidamente sinalizadas, para estacionamento por períodos limitados. A Câmara Municipal de Ponta Delgada, mediante contrato administrativo (art. 280.º n.º 1 do Cód. dos Contratos Públicos aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008 de 29 de janeiro) de concessão de serviços públicos (art.º 407.º n.º 2 do mesmo Cód.7), concessionou à Requerente a “gestão, exploração, manutenção, em regime de concessão de serviço público, de lugares de estacionamento pago na via pública, na cidade de Ponta Delgada”. Estacionamento que é disciplinado pelo Regulamento das Zonas de Estacionamento de Duração Limitada/ZEDL de Ponta Delgada aprovado pela Câmara e Assembleia Municipal e publicado no Diário da República, no apêndice n.º 71 — II Série — n.º 128 — 1 de junho de 2004 (Aviso n.º 4118/2004 (2.ª série) — AP, que, com alterações, continua em vigor. (…) Nos termos da lei (art.º 33º nº 1, al. rr) da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro - Regime Jurídico das Autarquias Locais), compete às Câmaras Municipais definir o regime de estacionamento de veículos nas vias públicas e demais lugares públicos do respetivo município, podendo, em contrapartida, exigir dos utentes o pagamento de uma taxa previamente determinada. No caso, como se expôs, as Câmaras Municipais de Ponta Delgada e de Ribeira Grande, mediante contrato administrativo de concessão, transferiram para a concessionária a gestão, exploração e fiscalização do estacionamento nas ZEDL do município. A Requerente, enquanto concessionária da gestão e exploração do estacionamento nas ZEDL de Ponta Delgada e de Ribeira Grande prossegue os fins de interesse público legalmente conferidos ao município, estando, para tanto, munida dos inerentes poderes de autoridade. Destarte, as relações que estabelece com os utilizadores do estacionamento naquelas zonas consubstancia uma relação jurídica administrativa/tributária, subsumível ao disposto na al. o) do n.º 1 do art.º 4.º do ETAF.” (acórdãos acessíveis em www.dgsi.pt)
Este último acórdão do Tribunal de Conflitos, antes citado, recaiu sobre recurso do Ac. TRL de Lisboa de 4.2.2025 (rel. Ana Rodrigues da Silva), em cujo sumário se escreveu “A acção proposta por entidade concessionária da exploração particular de zonas de estacionamento automóvel em espaços públicos pedindo a condenação no pagamento de quantias devidas pela utilização desses estacionamentos é da competência dos Tribunais Administrativos e Fiscais.” (também acessível em www.dgsi.pt).
Podemos, pois, concluir que a jurisprudência é largamente maioritária (não se olvidando as duas decisões sumárias juntas pela recorrente em sentido oposto) no sentido de que a competência para julgar ações em que se pretende a condenação do utente no pagamento das taxas devidas por estacionamento automóvel em parques de estacionamento cuja exploração está concessionada por entidade pública a empresa privada, como é o caso da recorrente tendo o conta o contrato de concessão que celebrou com o município, pertence aos tribunais administrativos, entendimento que como logo inicialmente avançámos, também adotamos. A mera qualidade de uma das partes, no caso a recorrente, enquanto empresa privada, não obsta, à atribuição de competência aos tribunais administrativos, posto que está a exercer, nesse domínio, poderes que lhe são conferidos, enquanto concessionária, ao abrigo de normas de interesse público, reguladoras do interesse coletivo na disponibilização e utilização de espaços do domínio público afetos a estacionamento mediante fixação, pelo Município, - e não pela concessionária a seu critério - de taxa a pagar como contrapartida daquela utilização. Não será de olvidar que compete às câmaras municipais deliberar sobre o estacionamento de veículos nas vias públicas e demais lugares públicos (art.º 33º nº 1, rr) da Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro)  e compete à assembleia municipal aprovar as taxas do município e fixar o respetivo valor (art.25.º n.º1 b) da mesma lei), matérias, por isso de natureza pública, porque prossecutoras do interesse coletivo das respetivas populações. Nestes termos o facto da recorrente ser uma empresa privada, concessionária da exploração dos parques de estacionamento, não é suficiente para afastar quanto se disse e fundamentar, nesse caso apenas com apelo à sua natureza de empresa privada, o afastamento da competência dos tribunais administrativos que em nosso entendimento resulta de quanto se deixou dito. É que, como se escreve no Ac. TRL de 8.10.2024 (Ana Rodrigues da Silva) “Não se mostrando necessário analisar o conceito de concessão administrativa, sempre se dirá que a mesma é uma forma de gestão de um serviço público, ou seja, um “acto constitutivo de uma relação jurídica administrativa pelo qual a pessoa titular de um serviço público atribui a outra pessoa o direito de esta, no seu próprio nome, organizar, explorar e gerir um serviço público” (Pedro Gonçalves in A Concessão de Serviços Públicos, pág. 130 apud Ac. STA de 21-05-2008, proc. 0862/07, relatora Angelina Domingues). Recorrendo às explicações de Joana Catarina Neto dos Anjos in Litígios entre as Concessionárias do Serviço Público de Abastecimento de Água e os Consumidores - Questão da Jurisdição Competente, Centro de Estudos de Direito Público e Regulação - Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Setembro 2014, pág. 15 acessível em https://www.fd.uc.pt/cedipre/wp-content/uploads/pdfs/co/public_24.pdf., quando existe uma concessão administrativa, “o serviço público é atribuído a uma entidade privada do sector privado (dominada por pessoas de direito privado), sendo estabelecida uma relação de colaboração entre a Administração Pública (titular do serviço) e o gestor do serviço” e, ainda, como se escreve no sumário do Ac. do Tribunal de Conflitos de 25.3.2015 (rel. Teresa de Sousa) “I – A concessão de serviços públicos a uma entidade privada não significa que as respectivas actividades percam a sua natureza pública administrativa e por essa circunstância adquiram intrinsecamente natureza de actos privados a serem regulados pelo direito privado.”. (acessíveis em www.dgsi.pt). Não colhe outrossim, por tudo quanto se disse, o argumento da recorrente segundo o qual - embora admitindo que o serviço de estacionamento não é um dos serviços elencados no art.1º nº 2 da Lei n.º23/96 - tal como ocorre nos serviços públicos essenciais, a relação entre o prestador do serviço e o utente é uma relação de direito privado. Já se viu, ao invés, que devemos considerar estar ainda no âmbito de relações jurídico-administrativas, atuando a concessionária ao abrigo de regulamentação que lhe confere e permite o exercício de poderes públicos, pelo que, a competência para a apreciação da ação cabe aos tribunais administrativos, devendo, na improcedência do recurso, ser mantida a decisão recorrida.

III- Decisão:
Pelo exposto, acordam os juízes da 8.ª Secção Cível, em julgar improcedente o recurso e confirmar a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 9.10.2025
Fátima Viegas
Rui Vultos
Carla Matos