EFEITOS DA INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA
REMESSA DO PROCESSO
OPOSIÇÃO JUSTIFICADA
Sumário

Sumário:
I- O art.99.º n.º2 do CPC tem subjacente princípios de aproveitamento dos atos e de economia processual que justificam que se permita que a ação transite do tribunal que se declarou incompetente para o tribunal materialmente competente e tem como requisitos legais o pedido tempestivo do autor e a não oposição justificada do réu.
II- A exigência de pedido do autor visa salvaguardar os interesses deste porque será ao mesmo que compete aferir se, declarando-se o tribunal onde erradamente introduziu o litígio, incompetente, ainda assim, a petição inicial está em condições de satisfazer a sua pretensão no tribunal materialmente competente; no reverso da medalha haverão de ser acautelados os interesses do réu, posto que este, tendo já contestado a ação, pode ter razões para entender que o aproveitamento da sua defesa no tribunal competente não salvaguarda os seus interesses;
III - O equilíbrio de interesses de autor e réu é encontrado na exigência de uma oposição justificada ao pedido de remessa.
IV- Não deve ser deferido o pedido de remessa se o réu a ele se opôs invocando os motivos da discordância e os mesmos não se apresentam - nas concretas circunstâncias em que nenhuma das partes equacionou a incompetência material do tribunal - irrazoáveis, impertinentes ou completamente destituídos de fundamento, assumindo suficiente relevância a manifestada intenção de alargar os meios de defesa à luz de normas de direito da propriedade intelectual e deduzir reconvenção.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

I-Relatório 
1-Partilha Cortesia, Lda., instaurou contra A…, B… e Youcork, Lda., ação declarativa, no juízo central cível de Almada, na qual pede que os réus sejam condenados:
-no pagamento da quantia de €246.000,00 (duzentos e quarenta e seis mil euros) respeitante à fatura FT M/.., acrescido de juros vencidos e vincendos até integral pagamento;
- no pagamento da €35.000,00, respeitantes à proporção da Autora nos proveitos recebidos pelo desenvolvimento da patente.
- no pagamento dos juros pelo atraso no pagamento da fatura FT20../…, que se cifram em €10.852,70 (dez mil oitocentos e cinquenta e dois euros e setenta cêntimos).
2-Os réus contestaram, sem excecionar a incompetência do tribunal em razão da matéria.
3-No prosseguimento da ação, após ter sido suscitada oficiosamente a questão da incompetência material do tribunal e ouvidas as partes a respeito, veio a ser proferida decisão, em 26.4.2024, da qual consta:
“(…)Consequentemente, a apreciação do eventual incumprimento do Acordo de Participação nos Lucros Resultantes de Alienação de Patente em causa nos presentes autos é, necessariamente, do Tribunal da Propriedade Intelectual.
A incompetência absoluta do Tribunal é de conhecimento oficioso, deve ser suscitada enquanto não for proferida sentença com trânsito em julgado e implica a absolvição do réu da instância – art. 96.º, al. a), 97.º, n.º 1, e 99.º, n.º 1, do CPC.
Pelo exposto, julgo verificada a exceção dilatória de incompetência absoluta deste Juízo Central Cível de Almada – Juiz 2, em razão da matéria, e, consequentemente, absolvo os Réus A…, B… e Youcork, Lda., da instância.
4- A autora recorreu dessa decisão, recurso que veio a ser julgado improcedente, confirmando-se a decisão recorrida por acórdão datado de 24.10.2024, notificado às partes por comunicação expedida a 25.10.2024.
5-Por requerimento de 9.12.2024, a autora requereu, nos termos do art.99.º n.º2 do CPC, a remessa do processo ao Tribunal da Propriedade Intelectual, com aproveitamento dos articulados.
6-Os réus pronunciaram-se sobre tal requerimento dizendo que o requerimento da autora não foi feito dentro do prazo legal de dez dias, defendendo que o acórdão transitou em 7.11.2024, terminando o prazo de que a autora dispunha em 18.11.2024, e, no mais, opõem-se à pretensão, dizendo “na medida em que não invocou nesta acção meios de defesa, que apenas se justificariam se acaso tivesse sido demandado no Tribunal materialmente competente.” “… o facto de a ação ter sido instaurada em Tribunal Judicial que foi declarado materialmente incompetente, os RR: deixaram de deduzir meios de defesa, atento o disposto no art.573º/1 do CPC, sustentados em normas de direito público e de propriedade intelectual, pareceres, que suscitaria se acaso a ação tivesse sido instaurada desde logo junto do Tribunal competente da propriedade Intelectual.”, “Na nova acção, pretendem assim os RR. alargar os seus meios de defesa – mediante a dedução de nova matéria de excepção e deduzir reconvenção, fazer intervenção provocada de mais entidades, requisitar a tantas outros meios probatórios, a caber na esfera de competência do tribunal onde correrá termos a nova acção, o que lhe seria vedado, por preclusão, em caso de aproveitamento da contestação deduzida nesta acção extinta”.
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7- Veio, então, a ser proferido despacho sobre o pedido de remessa formulado pela autora, do qual consta:
“(…) Vejamos se o A. cumpriu este prazo. O douto Acórdão da Relação de Lisboa data de 24/10/2024. Foi notificado às partes a 25/12/2024. Nos termos do art. 248º CPC, a notificação presume-se feita no 3º dia após a certificação da expedição, ou seja, é operante a 28/10/2024. Segundo os RR., acrescem 10 dias, para trânsito, os quais findaram a 7/11/2024. De facto, estamos perante um caso de dupla conforme, ou seja, em que a decisão de 1ª instância e a da Relação são similares, não havendo recurso ordinário, em princípio. Porém, sempre existiria a possibilidade legal de o A., como parte vencida, vir a interpor, dessa decisão e no prazo de 30 dias contados da notificação da mesma, recurso de revista excecional para o STJ que, como se sabe, é um recurso ordinário (cfr. disposições conjugadas dos artºs. 627º, nº. 2, 629º, nº. 1, 638º, nº. 1, e 671º, nº. 3 – fine – e 672º, nº. 1, do CPC). Não se cura aqui de saber se, no caso concreto, se verificariam ou não os concretos pressupostos elencados para tal nas als. a), b) e c) do nº1 do artº. 672º, o que caberia ao STJ apreciar (nº 3 do artº. 672º). Contando-se com a possibilidade de vir a ser interposto esse recurso de revista excecional, os autos aguardariam 30 dias, que terminariam a 27/11/2024. Depois seguiam-se 10 dias para a parte requerer a remessa ao tribunal competente. Ou seja, a 7/12/2024 terminariam os 10 dias e sendo um sábado, o ato podia ser praticado ainda na segunda-feira, dia 9/12/2024. Ora a remessa foi requerida a 9/12, portanto, é tempestivo o requerimento.
Quanto ao segundo argumento, não concretizam os RR. que concreto prejuízo lhes poderá causar a remessa. Nem se vislumbra à luz do Código da Propriedade Industrial e da concreta questão em causa nestes autos, em que medida os meios de defesa dos mesmos possam ter sido postos em causa.
Nestes termos, defere-se o pedido de remessa dos autos ao Tribunal da Propriedade Intelectual formulado pelo A.”
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8-Os réus vieram recorrer desse despacho, apresentando as seguintes conclusões:
A. Por Sentença proferida em 1ª instância em 24.06.2024, foram os RR. absolvidos da instância, tendo o Tribunal se julgado incompetente em razão da matéria, Decisão que foi confirmada pelo Acordão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido a 24.10.2024, quanto à verificada excepção dilatória de incompetência absoluta, julgando o tribunal por competente, o Tribunal da Propriedade Intelectual.
B. Diz-nos o art.99º/2 do CPC, que “se a incompetência for decretada depois de findos os articulados, o que se registou, podem estes aproveitar-se, desde que o A. o requeira no prazo de 10 dias, a contar do trânsito em julgado da decisão, a remessa do processo ao Tribunal em que a acção deveria ter sido proposta, não oferecendo o réu oposição justificada”.
C. Ora não só a Apelada requereu a remessa dos autos ao Tribunal competente de forma extemporânea, como os RR em sede do seu contraditório, também se opuseram a essa remessa , o que fizeram de forma fundamentada.
D. Quanto à primeira questão que se levanta, a da extemporaneidade, se dirá que, o referido Acordão da RL, foi notificado às partes em 25.10.2024, sendo que a Apelada, só em 09.12.2024, requereu “a remessa do processo ao Tribunal competente, pelo que dispondo a A. de um prazo de 10 dias, após o trânsito para requerer a remessa dos autos ao Tribunal competente, o exercício de tal direito, mostra-se prejudicado, uma vez que o trânsito em julgado ocorreu em 07.11.2024, tendo o prazo de 10 dias, após o trânsito, ocorrido em 18.11.2024
E. Pelo que, a A./Apelada, tendo descuidado estes prazos, quando apresenta o seu requerimento em 09.12.2024, fá-lo à margem da lei, de forma completamente extemporânea!
F. Não perfilhamos assim o entendimento do Tribunal a quo, que considerou o pedido de remessa tempestivo, por ter entendido que, sempre existiria a possibilidade legal da A., como parte vencida, vir a interpor dessa decisão, recurso de revista excepcional, no prazo de 30 dias para o STJ à luz das disposições conjugadas dos artºs. 627º, nº. 2, 629º, nº. 1, 638º, nº. 1, e 671º, nº. 3 – fine – e 672º, nº. 1, do CPC, o que terminaria a 27/11/2024 e que os 10 dias para a parte requerer a remessa ao tribunal competente, ocorreu a 7/12/2024 , que sendo um sábado, o acto podia ser praticado ainda na segunda-feira, dia 9/12/2024, data em que o mesmo foi requerido.
G. Os Apelantes discordam desta decisão, porquanto existindo “dupla conforme” não havendo divergência na fundamentação, o trânsito ordinário, ocorre no prazo geral de 10 dias, atento o disposto no art.149º CPC, não tendo o transito em julgado que aguardar, a possibilidade recurso de uma revista excepcional para o STJ.
H. No nosso entendimento, há que distinguir duas situações: a) se a decisão admitir recurso transita em julgado decorrido o prazo de recurso; b) se a decisão não admitir recurso, transita em julgado, depois de decorrido o prazo normal e legal da respectiva possibilidade de reclamação.
I. Existem, assim, duas formas processuais que visam a reapreciação/reparação da sentença impugnada: o recurso e a reclamação (cf. artigo 628º, do Código de Processo Civil.
J. No caso de “dupla conforme”, a decisão transita a partir do momento em que já não é possível reagir processualmente, estabilizando-se o decidido, pelo que, no caso de decisões que não admitam recurso de revista normal, o trânsito verifica-se findo o prazo para arguição de nulidades ou apresentação de pedido de correcção/reforma ou seja, o prazo-regra de 10 dias fixado no art.149.º do CPC.
K. Acresce que, entendemos ainda que, no caso de dupla conforme, em que há fundamentação igual, como in casu, não estão verificados os concretos pressupostos elencados para uma revista excepcional, à luz das als. a), b) e c) do nº1 do artº.672º CPC, por forma a ser submetido ao STJ. Vide também Acordão STJ de 24.05.2022 I. Em razão da natureza unitária da revista, a admissibilidade da revista por via excepcional depende do preenchimento dos pressupostos gerais de recorribilidade, com excepção da existência de dupla conforme entre as decisões das instâncias. II. Tendo o despacho reclamado concluído não ser o recurso de revista admissível por via normal, por razão diversa da existência de dupla conforme, o recurso não é igualmente admissível por via excepcional, ficando, por isso, prejudicada a apreciação dos fundamentos do n.º 1 do art. 672.º do CPC pela Formação prevista no n.º 3 do mesmo preceito legal.
L. Quanto à segunda questão, a da oposição justificada manifestada pelos RR/Apelantes à remessa dos autos ao Tribunal competente, a mesma foi fundamentada
M. O art.99º/2 do CPC, impõe ainda um outro requisito cumulativo, para a inverificada remessa dos autos ao Tribunal competente, em caso de oposição justificada dos RR.
N. Ora a este propósito o Tribunal a quo entendeu em suma : -“Quanto ao segundo argumento, não concretizam os RR. que concreto prejuízo lhes poderá causar a remessa. Nem se vislumbra à luz do Código da Propriedade Industrial (??) e da concreta questão em causa nestes autos, em que medida os meios de defesa dos mesmos possam ter sido postos em causa.”
O. Decisão que os RR/Apelantes não se conformam, porquanto os RR. opuseram-se veemente à remessa dos autos para o Tribunal competente, tendo fundamentado a sua recusa que “Não invocaram nesta acção meios de defesa, que apenas se justificariam se acaso tivesse sido demandado no Tribunal materialmente competente”
P. Mais alegaram que : -  “o facto de a acção ter sido instaurada em Tribunal Judicial que foi declarado materialmente incompetente, os RR, deixaram de deduzir meios de defesa, atento o disposto no art.573º/1 do CPC, sustentados em normas de direito público e de propriedade intelectual, pareceres, que suscitaria se acaso a ação tivesse sido instaurada desde logo junto do Tribunal competente da propriedade Intelectual.
Q. Por fim sustentaram ainda os RR que : - “Na nova acção, pretendem assim os RR. alargar os seus meios de defesa – mediante a dedução de nova matéria de excepção e deduzir reconvenção, fazer intervenção provocada de mais entidades, requisitar a tantas outros meios probatórios, a caber na esfera de competência do tribunal onde correrá termos a nova acção, o que lhe seria vedado, por preclusão, em caso de aproveitamento da contestação deduzida nesta acção extinta
R. Portanto, não é verdade que os RR/Apelantes não tenham fundamentado o prejuízo da sua remessa para o Tribunal competente, quando alegaram motivos de aplicação de direito díspares, possibilidade de produção de outros meios de prova, que não se compaginam com a acção declarativa comum!
S. Os ramos de direito são diferentes, direito público e de propriedade intelectual (e não industrial como invocado pela m. Juiz a quo), que não foram objecto dos factos essenciais invocados nesta acção cível, cujos procedimentos em termos de lei processual, também obedece a diplomas próprios.
T. Portanto, os RR. precisam de adaptar a sua defesa, por excepção, impugnação e reconvenção, assim como os seus meios probatórios, em conformidade com os diplomas do Tribunal competente, sobre o qual vão estar sob jurisdição e não podem ver as suas garantias de defesa diminuídas, por culpa da A/Apelada, que deveria ter colocado a acção no Tribunal competente e não o fez!
U. Apoiamos este nosso entendimento, em jurisprudência, cujos sumários seleccionámos e que também colocámos à melhor consideração do Tribunal a quo e aqui se deixam também à melhor consideração do Tribunal ad quem, supra transcritos: Ac. STJ 15.01.2019 - 1021/16.7T8GRD-A.C1.S1 Ac. RC 25-10-2022, Proc. Nº 1044/21.4T8LRA-B.C Ac. RL 15.11.2018 – Proc. 266/16.4T8VIS.L1-6
Normas violadas: Art. 99º, 149º, a), b) e c) do nº1 do artº. 672º CPC e 678º do CPC
Princípios violados : Garantia Acesso aos tribunais e o do contraditório ( art. 2, 3º CPC)”
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A autora não alegou no recurso.
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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir
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Objecto do recurso/questões a decidir:
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões apresentadas, nos termos conjugados dos arts.635.º n.º4 e 639.º n.º1 do CPC, sem prejuízo das questões de que o tribunal possa conhecer oficiosamente (art.608.º, n.º 2, in fine, em conjugação com o art. 663.º, n.º 2, parte final, ambos do CPC), prefigura-se no presente caso a seguinte questão a decidir:
- se deve ser deferido o pedido de remessa do processo para o tribunal em que a ação devia ter sido proposta, nos termos do art.99.º n.º2 do CPC.
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II- Fundamentação
2.1- Fundamentação de facto
Os factos que importam à decisão são os acima referidos no relatório precedente.
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2.2-Fundamentação de direito:
Os réus/recorrentes discordam do despacho recorrido por entenderem, como já haviam alegado no seu requerimento de resposta ao pedido da autora, que o requerimento desta a pedir a remessa da ação para o tribunal competente na sequência do acórdão que confirmou o julgado quanto à incompetência em razão da matéria do Juízo Central Civil, era extemporâneo e manifestaram oposição fundamentada.
 Vejamos:
Estabelece o art.99.º do CPC:
1 - A verificação da incompetência absoluta implica a absolvição do réu da instância ou o indeferimento em despacho liminar, quando o processo o comportar.
2 - Se a incompetência for decretada depois de findos os articulados, podem estes aproveitar-se desde que o autor requeira, no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da decisão, a remessa do processo ao tribunal em que a ação deveria ter sido proposta, não oferecendo o réu oposição justificada.
3 - Não se aplica o disposto no número anterior nos casos de violação de pacto privativo de jurisdição e de preterição do tribunal arbitral.
Decorre do n.º2 desse artigo que o autor que viu o réu absolvido da instância por verificação da exceção de incompetência absoluta do tribunal onde instaurou a ação, por decisão proferida depois de findos os articulados, pode requerer a remessa dos autos para o tribunal materialmente competente. Assim, a remessa só pode ser ordenada a pedido do autor. Por outro lado, a lei estabelece dois requisitos dos quais depende o deferimento do pedido: 1.º- o pedido tem que ser feito no prazo de dez dias a contar do trânsito da decisão; 2.º- inexistência de oposição justificada do réu.
No caso entendem os recorrentes que não se verificava nenhum dos identificados requisitos.
Relativamente ao trânsito da decisão, tendo havido recurso da decisão de 1.ª instância, o que releva é o trânsito do acórdão que decidiu o recurso. E, quanto a este ponto, a decisão recorrida entendeu que o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa não tinha transitado em 9.12.2024 data em que a autora pediu a remessa da ação, sustentando-se para tanto na consideração de que, embora não fosse admissível o recurso de revista normal, por se verificar dupla conforme, não estava afastada a possibilidade de revista excecional, pelo que, o acórdão só transitava após o curso do respetivo prazo.
É o art.628.º do CPC que nos dá a noção de trânsito em julgado, estabelecendo que “A decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação.”. Donde, enquanto a decisão for suscetível de recurso ou reclamação não transita e, para a aferir dessa suscetibilidade, o que há é que verificar se é legalmente admissível recurso, sendo irrelevante saber se a parte tem ou não razões para recorrer.
Por outro lado, o art.629.º do CPC, inserido nas disposições gerais sobre recursos e, por isso, aplicável quer aos recursos interpostos para a Relação quer aos interpostos para o Supremo, diz-nos que:  
“1 - O recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa.
2 - Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso:
a) Com fundamento na violação das regras de competência internacional, das regras de competência em razão da matéria ou da hierarquia, ou na ofensa de caso julgado; (…)
Sobre tal normativo escrevem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, CPC anotado, 2.ª edição, pag.780, naquilo que agora releva: “Mas aquelas regras [as do n.º1] não são absolutas prevendo-se exceções que emergem dos n.º2 e 3 e de outras normas avulsas. Desde logo quando a decisão em causa seja impugnada por alegada violação das regras da competência em razão da nacionalidade, da matéria ou hierarquia ou quando seja invocada a ofensa de caso julgado (…). Em cada um desses casos, seja qual for o valor da causa ou da sucumbência é sempre admissível recurso para a Relação ou para o Supremo ainda que circunscrito ao específico fundamento (…). Aliás nestes casos, o recurso de revista, nem sequer é condicionado pela eventual verificação de uma situação de dupla conforme, nos termos do art.671.º n.º3.”. Assim, sem necessidade sequer de convocarmos a revista excecional, impõe-se concluir que o acórdão proferido pela Relação, que como se sabe versou sobre questão atinente à competência do tribunal em razão da matéria, não estava afastado da possibilidade de recurso por causa da dupla conforme. Em todo o caso, para aferir do trânsito em julgado, podia ainda equacionar-se como fez o tribunal recorrido, a possibilidade de recurso de revista excecional, pelo que, o acórdão da relação só transita quando seja insuscetível de recurso, incluindo recurso de revista excecional, previsto no art.672.º do CPC. E a revista excecional não fica arredada em situações de dupla conforme.  Donde, no caso concreto, contrariamente ao defendido pelos recorrentes, o acórdão da Relação era suscetível de recurso ordinário e por isso não transitou na data por eles indicada, afigurando-nos acertada a decisão recorrida nesta parte e que considerou tempestivo o requerimento. Note-se, aliás, que o processo só baixou do Tribunal da Relação para a 1.ª instância em 5.12.2024, aguardando o curso do prazo de 30 dias desde a notificação do acórdão às partes para eventual recurso, prazo que terminava a 27.11.2024 como consta da decisão recorrida. E os dez dias que a autora tinha para requerer a remessa, nos termos do art.99.º n.º2 do CPC, findaram justamente a 9.12.2024, já que o 10.º dia seguido era um sábado, transferindo-se o direito de praticar o ato em prazo para o dia útil seguinte.
Estava pois verificado o requisito acima enunciado relativo ao prazo do requerimento de remessa.
Cumpre então analisar se os réus deduziram oposição justificada.
O tribunal recorrido entendeu que não, dizendo o seguinte: “Quanto ao segundo argumento, não concretizam os RR. que concreto prejuízo lhes poderá causar a remessa. Nem se vislumbra à luz do Código da Propriedade Industrial e da concreta questão em causa nestes autos, em que medida os meios de defesa dos mesmos possam ter sido postos em causa.” Neste particular as razões invocadas pelo tribunal recorrido, com o devido respeito, afiguram-se-nos algo redutoras e simplistas, sendo que também desconsiderou a invocação dos réus relativa à intenção de deduzirem reconvenção na ação que corresse no tribunal da propriedade intelectual, o que se não reconduz exatamente aos meios de defesa que na decisão recorrida se entende não terem sido postos em causa. Por outro lado, a lei não erige em requisito para apreciar a questão a existência de prejuízo (aqui encarado como requisito autónomo, prejuízo material/económico) o que não quer dizer que o tribunal não possa considerar também essa perspetiva do problema, ou encarar o dito prejuízo em termos amplos de “prejuízo” processual.
Como é sabido, contrariamente o regime pretérito, constante da anterior versão do código processual civil – art.105.º- em que se exigia acordo das partes para que a remessa fosse determinada, a lei no atual art.99.º permite que o tribunal, a pedido do autor e não oficiosamente, ordene a remessa para o tribunal materialmente competente mesmo com a oposição do réu. Mister é, contudo, que essa oposição seja considerada injustificada. A lei não diz o que seja uma oposição justificada, não densificando essa “clausula geral”, pelo que, será em concreto e com apelo prévio às regras interpretativas que permitam concluir, em face da norma concreta, que interesses estão em presença quer com a possibilidade da remessa quer quando se permite a sua recusa por oposição justificada, que a resposta deve ser encontrada. Ora aquele art.99.º n.º2 do CPC tem subjacente princípios de aproveitamento dos atos e de economia processual que justificam que se permita que a ação transite do tribunal que se declarou incompetente para o tribunal materialmente competente no caso do autor – que foi a parte que instaurou a demanda e a configurou em termos de pedido e causa de pedir – nisso revelar interesse, pedindo-o. A exigência de pedido do autor compreende-se porque será ao mesmo que compete aferir se, declarando-se o tribunal onde erradamente introduziu o litigio, incompetente (para o que não pode ter deixado de indicar as razões que o impõem), ainda assim, a petição inicial está em condições de satisfazer a sua pretensão no tribunal materialmente competente. A exigência de pedido do autor visa salvaguardar os interesses deste. No reverso da medalha haverão de ser acautelados os interesses do réu, posto que este, tendo já contestado a ação (a norma aplica-se se a incompetência for decretada findos os articulados e visa o aproveitamento destes), pode por alguma razão entender que o aproveitamento da sua defesa (o mesmo é dizer do seu articulado) no tribunal competente não salvaguarda aqueles interesses. Mas, evidentemente, colocando-se a questão nestes termos - patenteando-se a necessidade de equilíbrio entre os interesses de ambas as partes - para que se logre afirmar que os interesses do réu podem ser postos em causa com a remessa, é insuficiente uma oposição deste que abdique da indicação das suas razões. A lei não se basta com uma oposição simples, sem menção de quaisquer fundamentos, caso em que se perderia de vista que interesses da parte contrária seriam conflituantes com os interesse subjacentes ao pedido, suscetíveis de arredar o interesse mais lato, também presente, da economia e celeridade processuais, logo da boa administração da justiça. E o equilíbrio encontramo-lo na exigência de uma oposição justificada do réu. Aqui chegados, como já se aflorou, saber se a aposição do réu e razões que a sustentam deve considera-se justificada, depende naturalmente das razões concretas que são invocadas, dos termos da demanda e feição desta, pelo que, inexiste uma fórmula que se aplique talqualmente às diversas situações que podem estar em causa. De todo o modo, não se olvida que a dita “oposição justificada”, pode ser encarada por uns de forma mais exigente ou mais apertada do que a feição que outros lhe conferem. Mas a decisão a tomar nos termos do art.99.º n.º2 não dispensa um juízo sobre as razões indicadas pelo réu por forma a considerar ou não que justificam a sua oposição à remessa, ou seja, que são suficientemente relevantes para impedirem que a remessa ocorra.
É esse juízo que se impõe fazer no presente caso.
Os réus opuseram-se à remessa essencialmente com fundamento em que deixaram de deduzir meios de defesa que apenas se justificariam no tribunal materialmente competente, alegando, na resposta ao requerimento da autora que “se opõem veemente à remessa dos autos para o Tribunal competente, na medida em que não invocou nesta acção meios de defesa, que apenas se justificariam se acaso tivesse sido demandado no Tribunal materialmente competente.”, “O  facto de a ação ter sido instaurada em Tribunal Judicial que foi declarado materialmente incompetente, os RR: deixaram de deduzir meios de defesa, atento o disposto no art. 573º/1 do CPC, sustentados em normas de direito público e de propriedade intelectual, pareceres, que suscitaria se acaso a ação tivesse sido instaurada desde logo junto do Tribunal competente da propriedade Intelectual.”,  Na nova acção, pretendem assim os RR. alargar os seus meios de defesa – mediante a dedução de nova matéria de excepção e deduzir reconvenção, fazer intervenção provocada de mais entidades, requisitar a tantas outros meios probatórios, a caber na esfera de competência do tribunal onde correrá termos a nova acção, o que lhe seria vedado, por preclusão, em caso de aproveitamento da contestação deduzida nesta acção”.
 Dessa alegação retiram-se duas ordens de razões: 1.º- os réus pretendem alargar os meios de defesa, o que concretizam na “dedução de nova matéria de excepção, sustentados em normas de direito público e de propriedade intelectual,”, “fazer intervenção provocada de mais entidades”,requisitar …outros meios probatórios (mencionando pareceres), a caber na esfera de competência do tribunal onde correrá termos a nova acção”; 2.º- pretendem deduzir reconvenção.
Não avançam os réus com maior pormenor sobre a matéria de exceção que tencionam deduzir, ou, com exceção dos pareceres que logo mencionam, que meios probatórios pretendem requisitar, nem em que estribam a reconvenção que invocam pretender deduzir. Mas será de exigir para justificar a oposição à remessa uma maior pormenorização ou concretização dos meios de defesa adicionais que intentam apresentar na ação que venha a correr no tribunal da propriedade intelectual, ou a invocação dos concretos fundamentos da reconvenção? Cremos que será a resposta a esta questão que determinará a solução final. E antevemos que essa resposta possa não ser linear ou não merecer pleno consenso, posto que já o tribunal recorrido entendeu que os réus “não concretizam que concreto prejuízo lhes poderá causar a remessa”.
Antecipemos que, no caso, se nos afigura que a oposição dos réus alicerçada nessas razões, se tem por suficientemente relevante, nas circunstâncias concretas da ação. Detalhemos: vista a contestação que os réus apresentaram, constata-se que os mesmos nela não equacionaram a incompetência material do tribunal, não deduzindo tal exceção, como resulta da parte final da peça processual onde exararam – “Deverão as excepções de desconsideração da personalidade jurídica e ilegitimidades, serem procedentes por provadas e absolvidos RR. da instância atento o disposto nos art. 577º alíneas c) e e) do CPC; - Caso assim não se entenda, deverá a acção de todo improceder, por não provada;.”, nem se diga que deveriam tal antever, porquanto, tal se aplica talqualmente à autora que também não o considerou ao intentar a ação em tribunal que se veio a julgar incompetente para julgar a matéria em causa. Ou seja, ambas as partes articularam na perspetiva da competência do tribunal cível. E, de algum modo, percebe-se o alheamento das partes relativamente à questão da competência, posto que a ação – vejam -se os respetivos pedidos transcritos no relatório – visava a condenação dos réus no pagamento de quantias, devidas, é certo, por causa do acordo invocado, de comparticipação nos lucros da patente, mas que foi apresentado essencialmente na sua configuração geradora de obrigações pecuniárias assacadas aos réus, como é normal numa ação comum de condenação, sem nenhuma ênfase nas particularidades derivadas da patente, a qual se apresenta como a justificação para a existência dos acordos entre as partes e demais sujeitos indicados pela autora. A demanda não é traçada pela autora convocando específicos direitos ou normativos legais relativos à patente ou sua transmissão. Os réus defendem-se, em contestação, embora extensa, sem esgrimir também questões especificas de direito da propriedade intelectual, concretamente, no âmbito deste relativas à propriedade industrial e, por sua vez, dentro desta, de questões atinentes à patente. A questão da (in)competência foi suscitada oficiosamente por despacho de 15.3.2024, que concedeu às partes prazo para se pronunciarem. E a autora pronunciou-se no sentido de o tribunal era competente dizendo, impressivamente, “Estatuí tal artigo [artigo 111.º da LOSJ] que é da competência do tribunal da propriedade intelectual as ações em que a causa de pedir verse sobre o cumprimento ou incumprimento, validade, eficácia e interpretação de contratos e atos jurídicos que tenham por objeto a constituição, transmissão, oneração, disposição, licenciamento e autorização de utilização de direitos de autor, direitos conexos e direitos de propriedade industrial, em qualquer das modalidades previstas na lei. 3. Ora, a presente ação não versa qualquer contrato ou ato jurídico constante no referido normativo. 4. De facto, trata-se de um Acordo de Participação nos lucros resultantes de alienação de patente 5. Um acordo através do qual os Rés e os outros Inventores já identificados nos autos se comprometeram a partilhar os lucros da alienação de uma patente. 6. Mas não se trata do próprio contrato de alienação da patente. 7. Trata-se de um incumprimento contratual que em nada contende com direitos de autor, direitos conexos e direitos de propriedade intelectual.”, o que aqui se menciona porque atesta o que antes afirmámos relativamente ao traço imprimido à demanda pela autora. Os réus não se pronunciaram. Foi na decisão de 1.ª instancia que julgou o tribunal materialmente incompetente que foi apresentada a razão que a sustenta, no essencial, referenciada à apreciação da transmissão da patente, como consta da seguinte passagem: “Afigura-se-nos claro que o alegado incumprimento do Acordo de Participação nos Lucros Resultantes de Alienação de Patente celebrado entre Autora e os primeiros Réus implica a apreciação da transmissão da patente em causa, designadamente, no que concerne à natureza dos pagamentos efetuados e respetivos intervenientes. Consequentemente, a apreciação do eventual incumprimento do Acordo de Participação nos Lucros Resultantes de Alienação de Patente em causa nos presentes autos é, necessariamente, do Tribunal da Propriedade Intelectual.” Do acórdão que recaiu sobre o recurso dessa decisão, retira por seu turno “Ora, por forma a aferir do invocado incumprimento do acordo de comparticipação nos lucros resultantes de alienação de patente firmado entre as partes terá que ser apreciada a própria transmissão da patente. Há que ter em consideração que os tribunais, em apreço, são um tribunal de competência especializada e um tribunal de competência específica residual. A criação do Tribunal de Propriedade Intelectual foi orientada pelo objetivo de melhorar a administração da justiça quando os conflitos emergem de aspetos relacionados com a denominada propriedade intelectual, tal como indica a própria designação do Tribunal, designadamente quando estão causa a prática de actos de transmissão ou disposição de patentes Desta feita, atendendo a que o alegado incumprimento do Acordo de Participação nos Lucros Resultantes de Alienação de Patente celebrado entre Autora e os primeiros Réus implica a apreciação da transmissão da patente em causa, designadamente, no que concerne à natureza dos pagamentos efetuados e respetivos intervenientes, competente para apreciação da acção é o Tribunal da Propriedade Intelectual. As especificidades dos conhecimentos neste tema exigem uma especial preparação técnica, experiência e sensibilidade, suscitando a ultrapassagem de dificuldades e complexidades que podem repercutir-se na respetiva solução, pelo que, para o seu julgamento, estão vocacionados os tribunais a que foi atribuída competência especializada nessa área, em comparação com os tribunais cíveis, cuja competência é residual.”. É o próprio tribunal a reconhecer neste último parágrafo citado “As especificidades dos conhecimentos neste tema exigem uma especial preparação técnica, experiência e sensibilidade, suscitando a ultrapassagem de dificuldades e complexidades que podem repercutir-se na respetiva solução…”, ou seja, que a matéria tem especificidades e particularidades que impõem a sua apreciação pelo tribunal da propriedade intelectual.
Por via do que se acaba de expor, cremos que as razões avançadas pelos réus na sua oposição à remessa, não se apresentam destituídas de fundamento, sobretudo se tivermos em conta que, dadas as decisões citadas, é de antever que venha a ser apreciada “a própria transmissão da patente”, o que não teria sido, talqualmente, equacionado. Neste enfoque a pretendida “dedução de nova matéria de excepção, sustentados em normas de direito público e de propriedade intelectual,” não aparece destituída de fundamento, irrazoável ou inviável; ao invés não será de afastar a razoabilidade dos réus poderem sustentar na ação matéria mais específica apelando a normas de direito da propriedade intelectual. Por outro lado, não tendo sido a ação configurada como sendo do “domínio da propriedade intelectual”, também não temos por impertinente ou desprovida de sustentação a circunstância dos réus viram anunciar que pretendem deduzir reconvenção – o que a ser ordenada a remessa com aproveitamento dos articulados lhe ficaria vedado -, já que não se pode excluir que à luz da nova matéria sustentada em normas de direito da propriedade intelectual possam deduzir pedido reconvencional que não equacionaram no âmbito da ação instaurada no tribunal cível ou que nesta não teria cabimento legal, tanto mais que não estava em causa na ação questões jurídicas diretamente atinentes à discussão de direitos sobre a patente; frisando-se aqui que não temos por exigível, neste caso, que os autos patenteassem que tal reconvenção teria sido deduzida pelos réus e não o foi por causa da competência do tribunal para a apreciar (a própria reconvenção, entenda-se), posto que, como se disse antes, os réus não excecionaram a incompetência absoluta do tribunal, nem se antevê que alguma das partes a tivesse equacionado. Acompanhamos pois o trecho do sumário do Ac. TRC de 25.10.2022 (rel. Vítor Amaral), “(…)III - A remessa depende, porém, da inexistência de oposição justificada do réu, o que terá de ser aferido perante as circunstâncias do caso concreto. IV - Se o réu, na sua oposição à remessa, invoca pretender, na nova ação, alargar os seus meios de defesa – mediante a dedução de nova matéria de exceção – e deduzir reconvenção, a caber na esfera de competência do tribunal onde correrá termos a nova ação, o que lhe seria vedado, por preclusão, em caso de aproveitamento da contestação deduzida na ação extinta, então deve considerar-se haver oposição justificada, por estar em causa o exercício pleno do direito de defesa na nova ação judicial.”, e, por relevante, com pontos de contacto com o caso em apreço, como se vê na parte final, do mesmo acórdão cita-se ainda o seguinte trecho do mesmo acórdão “Também na jurisprudência podem ser encontradas diversas perspetivas sobre o tema, umas mais rigorosas que outras quanto à amplitude de análise dos argumentos do réu de oposição à remessa. Assim, para o Ac. TRG de 23/11/2017, «(…) o réu só não será prejudicado com a remessa do processo se não tiver alegado certos factos na sua defesa na acção anterior, mas puder alegá-los na nova acção; se não tiver arguido uma excepção e puder agora invocá-la ou até apresentar uma contestação diferente da anterior, se o quiser fazer. Essa faculdade mostra-se, no caso, precludida, uma vez que, mostrando-se finda a fase dos articulados, a ser o presente processo remetido para a jurisdição administrativa materialmente competente, com o consequente aproveitamento dos articulados, não disporá aquele de meio processual adequado para invocar em sua defesa as questões ou exceções supra elencadas que, tendo pertinência em sede de jurisdição administrativa, não o foram anteriormente por a acção ter sido intentada num tribunal de natureza civil.». Concluindo-se neste aresto que, «(…) como fundamento de oposição à remessa o réu carece apenas de apresentar uma razão plausível e não arbitrária, sem lhe ser exigível que a especifique em pormenor ou detalhadamente, além de que o tribunal que se declarou incompetente não deve apreciar o mérito da pretensão enunciada pelo réu e que este pretende concretizar no tribunal competente.». Por sua vez, no Ac. TRC de 29/01/2015 foi entendido que, no âmbito do disposto no art.º 99.º, n.º 2, do NCPCiv., quanto à remessa do processo ao tribunal declarado competente, «o atendimento da oposição do réu a essa remessa pressupõe que tal oposição seja de considerar justificada, o que implica basear-se ela em motivo atendível do qual resulte ter o réu feito descaso, por razões ligadas à natureza e tramitação na jurisdição considerada incompetente, de meios de defesa que lhe seriam proporcionados no quadro da jurisdição afirmada como competente», termos em que «não vale como justificação a simples afirmação de diferenças de tramitação nas duas jurisdições, quando a defesa apresentada pelo réu contra a pretensão do autor pode ser feita valer, fundamentalmente nos mesmos termos, na tramitação a observar no Tribunal declarado competente.». Ponderados estes vetores doutrinais e jurisprudenciais, concorda-se com o expendido no Ac. TRC de 12/02/2015, segundo o qual: (i) é indispensável que a oposição do réu à remessa seja justificada, não bastando uma oposição pura e simples, ou seja, imotivada; (ii) haverá fundadas razões para oposição à remessa sempre que a defesa já deduzida possa ser ampliada no novo tribunal, suscitando questões que só naquela jurisdição assumem pertinência. Analisando o caso dos autos, verifica-se que a R., demandada em ação cível, não deduziu uma defesa esgotante, mormente na perspetiva da jurisdição dos Tribunais de Comércio. Nota-se até que, na sua contestação – onde deveria ter concentrado todos os meios de defesa à pretensão do A. –, a R. nem sequer deduziu a exceção da incompetência do Tribunal Cível em razão da matéria, incompetência essa que, aliás, só viria a ser reconhecida pelo STJ. Toda essa contestação foi gizada para a deduzida ação cível, onde o pedido do A. se reportava a invocados créditos remuneratórios – pagamentos de remunerações em falta, no valor de € 102.847,94, acrescidos de juros moratórios (de € 16.771,26). (…) É certo que poderia a R. ter esgotado todos os meios de defesa possíveis e deduzido, querendo, reconvenção, se admissível, e não o fez, posto nem sequer ter excecionado na contestação a incompetência do Tribunal (o que só fez mais tarde e foi atendido por se tratar de matéria de conhecimento oficioso). Porém, é também certo que se defendeu perante a pretensão que o A. escolheu lançar e perante o tribunal que aquele escolheu acionar, sendo líquido, claramente, que a errada escolha do tribunal somente à parte demandante é imputável. Por isso, não parece exigível que, perante um erro da contraparte, a R. tivesse de esgotar os seus meios de defesa na perspetiva das matérias cometidas aos Tribunais de Comércio. Não pode a parte ser prejudicada na sua defesa por efeito de um erro da contraparte, de que esta, assim, acabaria por beneficiar. Assim sendo, se, não obstante esse erro, com a decorrente extinção/absolvição da instância (no tribunal incompetente), o autor, que cometeu o erro, poderá ser beneficiado com o aproveitamento dos articulados (com remessa para o tribunal competente), em tributo ao princípio da economia processual, tal não poderá nunca prejudicar as garantias de defesa da parte demandada, que não deu causa ao erro ocorrido, não podendo esta ficar em situação de indefesa na nova ação (a que correrá no tribunal competente). Donde que a oposição à remessa, havendo de ser motivada/justificada, tenha de ser medida à luz do direito de defesa do demandado no âmbito da nova ação. E se este invoca que pretende, nesta última, suscitar novos meios de defesa – não invocados na anterior, num diverso quadro de competências –, que sejam admissíveis e adequados perante o tribunal competente (no caso, os Tribunais de Comércio, em vez dos Cíveis), então terá de concluir-se que a remessa do processo com os articulados – finda já a fase destes – vai vedar, na nova ação, a dedução de outra matéria de exceção ou a formulação de reconvenção (com pedido caraterístico e da competência daqueles Tribunais de Comércio).” (acessível em www.dgsi.pt). Também no Ac. TRG de 11.7.2024 (rel. José Flores), em sentido que se afigura coincidente, se exarou em sumário que “Perante a declaração da incompetência absoluta do Tribunal, o réu tem fundadas razões para se opor à remessa do processo ao tribunal em que a acção devia ter sido proposta sempre que a defesa oferecida possa ser ampliada no novo tribunal, suscitando questões que só naquela jurisdição assumem pertinência e devem ser apreciadas.”, podendo citar-se ainda o Ac. TRG de 11.4.2024 (rel. Paulo Reis), em cujo sumário se exarou “II - Considera-se fundada a oposição dos réus à remessa do processo para o tribunal competente se estes alegam que a defesa já deduzida pode ser ampliada no novo tribunal, invocando questões processuais e novos meios de defesa que poderão assumir pertinência em sede de jurisdição laboral, considerada competente, não lhes sendo exigível a sua explicitação em detalhe, nem cabendo ao tribunal que se declarou incompetente a apreciação do mérito das exceções enunciadas pelos réus e que estes pretendem concretizar no tribunal competente.” (acessíveis em www.dgsi.pt).
Em decorrência, nas concretas circunstâncias, a oposição dos réus deve considerar-se justificada e, por isso, na insubsistência da decisão recorrida, determinar o indeferimento da remessa do processo ao tribunal em que a ação devia ter sido proposta.

III-Decisão:
Pelo exposto, acordam na 8.ª Secção Cível, em julgar procedente o recurso, revogar o despacho recorrido e indeferir o pedido de remessa  do processo para o tribunal em que a ação devia ter sido proposta.
Custas pela recorrida.

Lisboa, 9.10.2025
Fátima Viegas
Maria Teresa Lopes Catrola
Carla Figueiredo