FACTO PRINCIPAL
FACTO INSTRUMENTAL
RELEVÂNCIA
Sumário

Sumário:
I.Constituindo os factos instrumentais um meio necessário para se atingir um fim - a prova do facto principal (facto de que depende o reconhecimento do direito ou da exceção) -, obviamente só relevarão caso esse facto principal seja passível de integrar a matéria de facto dada como provada, o que pressupõe que este último tenha sido alegado.
II.Efetivamente, o art. 5º nº 1 do CPC refere expressamente que:” Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas.”
III.Quando o facto principal não tenha sido alegado, os factos instrumentais não assumem relevância, por não ser possível a prova daquele.

Texto Integral

Acordam neste Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório:
AA, melhor identificado nos autos, propôs ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB pedindo a condenação da Ré a entregar o imóvel ao cabeça-de-casal, ora A; Para o efeito, pede que seja declarada a nulidade do contrato dos autos ao abrigo, entre outros, dos artºs 220º, 286º, 289º do CCivil; Se assim não se entender, pede que seja declarado anulado o contrato dos autos, face ao disposto, entre outros, nos artºs. 257º, 287º e 289º, todos do CCivil; Se assim, também, não se entender, pede que seja declarado resolvido o contrato dos autos, nos termos, entre outros, dos artºs 1072º e 1083º nº 2, al. d), ambos do CCivil.
Em qualquer uma das situações, ao abrigo das normas contidas, entre outros, no artº 483º do CCivil, e subsidiariamente, sob pena de enriquecimento sem causa que o justifique, nos termos do artº 473º e ss. do CCivil, pede igualmente a condenação da Ré ao pagamento de uma indemnização pelo período em que ocupou o imóvel indevidamente até à sua entrega, devendo o montante ser calculado, muito por defeito, no valor mensal de €1.750,00 correspondente ao rendimento do imóvel ocupado que os herdeiros não auferiram, liquidando desde Maio de 2015 até à data de interposição da ação, a quantia a pagar pela Ré a favor da herança em €70.000,00 (€1.750,00 x 40 meses) a favor da herança, a que deverá acrescer a quantia calculada com base no valor mensal de €1.750,00 desde a propositura da ação até à entrega do imóvel, tudo com juros à taxa legal, desde a propositura da ação até integral pagamento do valor em dívida até à entrega do imóvel. - cf p.i. ora dada por reproduzida.
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Citada a Ré veio a mesma apresentar contestação alegando ser arrendatária do imóvel cuja entrega lhe é pedida, desde 1983, nele exercendo a sua atividade profissional ao abrigo do contrato de arrendamento celebrado com CC que ainda hoje se mantém, tendo a Ré sucedido na posição contratual da anterior arrendatária, por via do negócio de trespasse. Mais alega que o contrato de arrendamento de 2014 foi celebrado para reforçar a sua posição e certificar que não seria prejudicada no futuro. -cf. contestação ora dada por reproduzida.
Não foi apresentada resposta.
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Em 24.04.2019 foi realizada audiência previa onde se proferiu despacho saneador, e se fixou o objeto do litígio nos seguintes termos:
“O objeto do presente litígio prende-se com saber se a R deverá ser condenada na entrega do imóvel ao A e no pagamento de uma indemnização por lucros cessantes aos AA por ocupação ilícita do imóvel (…)” – cf. ata de 24.04.2019, aqui dada por reproduzida.
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Após realização da audiência de julgamento, foi em 23.11.2023 proferida sentença (com Referência: 428177334), a qual se dá aqui por reproduzida, e que contém o seguinte dispositivo:
Pelo exposto, julgo a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolvo a Ré do pedido.
Custas pelo Autor
Valor da acção: 167.240,00 euros
Registe e Notifique.”
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Tal sentença foi notificada ao autor em 27.11.2023.
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Por requerimento de 25.01.2024 com REFª: 47780376, veio o autor interpor recurso de apelação da sentença, “invocando contradição entre a prova produzida (factual e documental), a matéria dada como provada e a decisão proferida; entendendo-se que, na apreciação da prova o Tribunal a quo não a confinou, apenas, ao objecto da acção delimitado pelo Recorrente; ao decidir como decidiu o tribunal a quo decidiu em oposição aos fundamentos invocados e delimitadores do objecto da acção”.
Termina com as seguintes conclusões:
“1) O imóvel dos autos faz parte do acervo de bens da herança aberta por óbito de DD (Mãe das partes), tendo sido adquirido por ela em Janeiro de 2014.
2) A Recorrida ocupou indevidamente o imóvel a partir da ocorrência do óbito da Mãe (desde 29/04/2015).
3) A Recorrida recusou-se a entregá-lo, justificando que tem um novo contrato de arrendamento datado de Julho de 2014;
4) O Recorrente, veio a Juizo requerer: A falsidade do contrato de arrendamento, a restituição do imóvel e uma indemnização pela ocupação ilícita.
5) O Tribunal a quo entende, e bem, que assiste razão ao Recorrente, o contrato de arrendamento é falso.
6) No entanto, o Tribunal a quo decide pela improcedência total da acção, com base na manutenção do contrato anterior (de 1983), sem se ter provado, de todo, que o mesmo se mantém.
7) No fundo, o Tribunal a quo ao decidir, fundamenta a decisão no facto de se desconhecer se o anterior contrato (1956/1983) ainda se mantém. Ou seja, alicerça a sua decisão num facto não provado,
8) Pelos depoimentos prestados e pela prestação de declarações do Recorrente (consignados nos pontos 4, 5 e 6) fica bem claro que tal contrato já não existe há pelo menos desde finais de 2013. Mais,
9) Pelos depoimentos prestados e pelas declarações do Recorrente, pela unanimidade de todas as respostas, ficou mais que provado que aquando da compra do imóvel dos autos (Janeiro de 2014), o contrato anterior já não existia; Tanto que a Recorrida tentou que a Mãe celebrasse um novo contrato de arrendamento, pelo menos, desde janeiro de 2014, tendo deixado de falar à Mãe pela recusa desta (facto que toda a família assisti);
10) Encontra-se, também provado que a Recorrida só se volta a introduzir no andar R/C, após o falecimento da Mãe. Tanto que,
11) Nesse período de tempo, ficou provado que nunca se viu movimento no R/C, nunca se havia equacionado um despejo porque a Recorrida não era ali inquilina (se existisse um contrato de arrendamento seria bem mais fácil, optar pelo despejo no respectivo balcão para o efeito).
12) Após a referida compra do andar a Mãe, informando os outros, entregou as chaves ao filho mais novo. Não faria se a Recorrida ali se mantivesse.
13) As chaves após o falecimento da Mãe desapareceram. Pelo que, ninguém tem acesso ao andar.
14) Toda esta panóplia de acontecimentos prova que o contrato anterior já não existia, e ainda mais se encontra provada esta situação se, juntarmos dois factos, o primeiro consiste em que, durante, pelo menos um ano ( parte de 2013 e parte de 2014), a Recorrida tentou que a Mãe lhe arrendasse o andar (deixando de falar à Mãe, por esta ter recusado;
15) O segundo facto prende-se com a decisão da Recorrida ter forjado um novo contrato falso.
Aliás, é bom de ver, à luz do bom senso comum, que não tem qualquer cabimento a Recorrida ter vindo a invocar a celebração de um novo contrato de arrendamento, arriscando um processo criminal por falsidade de documento, se o anterior contrato se mantivesse.
16) Como é bem visível, de forma alguma, se logrou provar que o contrato de arrendamento anterior, ainda se mantinha (matéria de facto não provada).
17) De facto, era sobre a Recorrida que recaía o ónus da prova, não logrou provar tal facto; Com efeito,
18) Nos termos do artº 342º do CCivil, o ónus da prova corresponde à situação jurídica passiva, no contexto processual, na qual alguém tem de demonstrar os factos que invoca.
19) Não ficaram provados nos autos tais factos, ou seja, mesmo os documentos alusivos ao anterior contrato, junto aos autos pela Recorrida (docs. 1, 2, 3 e 4 da contestação, datados de 1956, de 1983 e de 1987) são totalmente irrelevantes, em termos de não serem conducentes, de forma alguma, à prova necessária, que mais não é, a de se saber se tal contrato se mantinha aquando da compra do imóvel dos autos.
E, na verdade,
20) Como bem se apura da prova produzida, não resultou provado nos autos que o contrato anterior ainda se mantinha.
Resulta da prova gravada precisamente o contrário.
Mais,
21) O próprio Tribunal a quo é quem expressa, em audiência de julgamento, que não se iria pronunciar pela manutenção, ou não, do contrato anterior.
Referindo que não se iria pronunciar sobre o contrato anterior, por não fazer parte do objecto da acção,
22) Referindo que o que havia ali para decidir era sobre, se o contrato de arrendamento dos autos era nulo ou era válido. Em que data foi celebrado e, qual o valor da fracção no mercado de arrendamento. Delimitando, por isso, o objecto da acção a estes factos.
23) Destarte, o Tribunal a quo nunca deveria ter fundamentado a sua decisão em factos desconhecidos pelo próprio Tribunal, sem prova produzida atinente à manutenção do contrato anterior,
Antes deveria ter proferido decisão alicerçada na prova produzida e gravada concernente aos factos relevantes, conducentes ao facto “principal” neste caso, de que o contrato anterior não se mantinha.
Assim,
24) Como se verifica (passagens da prova gravada, supra mencionadas, nomeadamente no ponto 5), em bom rigor, apenas estavam ali em causa 3 (três) factos delineados pelo Tribunal a quo em sede de julgamento para decidir:
- Se o novo contrato de arrendamento é nulo ou é válido,
- Em que data foi celebrado e,
- Qual o valor da fracção no mercado de arrendamento.
25) Mas mesmo assim, sempre se dirá, por relevante, que o Recorrente logrou provar o peticionado e, ainda, um facto importante:
Que o anterior contrato não se mantinha.
26) Já a Recorrida, não logrou provar, de todo, que o anterior contrato se mantinha.
A Recorrida não juntou, entre outros documentos, recibos de renda ou IRS/contribuição industrial (etc.), mais actuais, que pudessem provar que aquele se mantinha.
27) Os documentos juntos pela Recorrida, e supra referidos, distam, sensível e respectivamente, 37 e 25 anos da presente data.
28) E, de todo, lhes assiste factualmente, ou não, força para contradizerem a prova produzida, onde se prova que o contrato de arrendamento anterior não se mantinha aquando da compra do imóvel dos autos pela Mãe (autora da herança) em 27 de Janeiro de 2014).
29) A recorrida não produziu prova em sede de julgamento (apesar de se considerar que nada acrescentaria ali, a mais do o que invocou na contestação) por falta de pagamento de taxa de justiça.
30) Assim, terá que se concluir, essencialmente, que a sentença dos autos enferma de vícios:
- Ao decidir pela total improcedência da acção fundando a decisão num facto não provado e desconhecido pelo Tribunal a quo, a existência do contrato anterior após a compra do imóvel dos autos;
- Ao não apreciar devidamente, e, simultaneamente não levar em conta a prova produzida em sede de julgamento pelo Recorrente, a qual conduz à cabal inexistência do contrato de arrendamento anterior, após a compra do imóvel dos autos. E,
- Ao tomar a posição de balizar em sede de julgamento o objecto da acção, enquanto se provava a inexistência do contrato anterior, salvo o devido respeito, ficou no entendimento do Recorrente que o Tribunal a quo não pretendia deixar alcançar a descoberta da verdade.
31) Face ao alegado em sede de conclusões, verifica-se que o Tribunal a quo veio a condenar em objecto diverso do pedido, violando as normas contidas no artº 615º, nº1 al.) e) do CPC, ao extrapolar o objecto do lítigio delineado pelo próprio Tribunal; Neste sentido, Acórdão do TRE, processo nº 60/16.8T8OLH-K.E1, de 25-06-2020.
32) O Tribunal a quo fundamentou a sentença proferida, com base nos documentos juntos com a contestação, os quais em nada relevam, para o litígio.
33) Conhecendo, assim, para fundamentar a decisão, de questões de que não podia tomar conhecimento, violando o estatuído no artº 615º nº 1 al. d) do CCivel.
Na definição de Castro Mendes, uma sentença nula “não contém tudo o que devia, ou contém mais do que devia”.
Tal citação parece-nos, s.m.o., ser adequada à douta sentença proferida pelo Tribunal a quo.
34) O Tribunal a quo ao decidir como decidiu violou, ainda, o disposto nos artºs, entre outros, 2079º e 2088º, ambos do CCivil, por não ter condenado a Recorrida a restituir o imóvel dos autos ao Recorrente. Violou, também, o normativo contido no artº483º, por não ter condenado a Recorrida a pagar uma indemnização ao Recorrente.
35) O Tribunal a quo deveria ter proferido decisão diversa, atendendo, apenas, à falsidade do contrato de arrendamento objecto da acção, deveria ter restituído o andar ao Recorrente, ao abrigo dos artºs, entre outros, 2079º e 2088º, ambos do CCivil, e ter atribuído a indemnização nos termos do artº 483º, também do CCivil.
Face ao alegado, deverá Julgar-se procedente o presente recurso de Apelação.
Revogar-se a sentença da 1ª instância parcialmente por violação dos artºs, entre outros, 2079º, 2088º, 483º e subsidiariamente 473º e ss., todos do CCivil, e consequentemente proceder o pedido principal peticionado na petição inicial (no sentido em que se atenda ao facto de que não foi, apenas, apreciada, e deveria ter sido, a prova produzida pelo Recorrente, na qual se provou que o anterior contrato não se mantinha.) e,
Se assim não se entender,
Deverá, proceder parcialmente a decisão da 1ª instância relativamente à falsidade do contrato de arrendamento dos autos e, Ordenar-se a revogação/anulação parcial da decisão de 1ª instância por violação do disposto no artº. 615º nº 1 al. d) e e), de modo ser atendido o pedido principal peticionado na petição inicial.
Nestes termos e nos melhores de Direito e, sobretudo, pelo que Vossas Excelências não deixarão de suprir, deverá, Julgar-se procedente o Recurso de apelação Revogar-se a sentença da 1ª instância parcialmente por violação dos artºs, entre outros, 2079º, 2088º, 483º e subsidiariamente 473º e ss., todos do CCivil, e consequentemente proceder o pedido principal peticionado na petição inicial,
Se assim não se entender,
Deverá, proceder parcialmente a decisão da 1ª instância relativamente à falsidade do contrato de arrendamento dos autos
E,
Deverá proceder o pedido, ora formulado pelo Recorrente da revogação/anulação parcial da decisão de 1ª instância por violação do artº. 615º nº 1 al. d) e e), de modo ser atendido o pedido principal peticionado na petição inicial.”
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A parte contrária não apresentou contra-alegações.
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Em 16.04.2024 foi proferido despacho com Referência: 434643964 que não admitiu o recurso por extemporaneidade.
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Por req. de 29.04.2024 com a REFª48754602 o autor veio apresentar reclamação desse despacho, tendo no âmbito da referida reclamação sido revogado o despacho reclamado e recebido o recurso interposto pelo Autor como apelação, com subida imediata nos próprios autos, e com efeito devolutivo, conforme Acórdão proferido no apenso, ora dado por reproduzido.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II – Objeto do recurso:
Segundo as conclusões do recurso, as quais delimitam o respetivo objeto, as questões a apreciar são as seguintes:
- Nulidades da Sentença;
-Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
-Erro de Direito.
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III – Fundamentação de Facto:
A 1ª instância considerou provada a seguinte factualidade:
1. Em 28 de abril de 2015 faleceu DD.
2. Em 07 de outubro de 2015 foi realizada a Habilitação de Herdeiros por óbito de DD, tendo sido habilitados, como herdeiros legitimários, AA (ora A.), BB (ora R.), EE, FF e GG.
3. O processo de inventário para partilha dos bens deixados por DD corre termos no Cartório Notarial de Dr. HH sob o n.º ..., tendo o ora A sido nomeado cabeça-de-casal em 07/11/2016.
4. Consta da relação de bens apresentada no processo de inventário referido supra o imóvel sito na R. ..., correspondente à fracção autónoma designada pela letra “A”, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º ... da freguesia de ... e inscrito na respetiva matriz sob o art. ... da freguesia de ..., cuja aquisição por DD a terceiros, foi registada em 27 de janeiro de 2014.
5. À data da propositura da presente ação, a R ocupava a fração referida supra, utilizando-a exclusivamente para aí explorar um infantário e jardim-de-infância.
6. O A enviou à R, que a recebeu, a carta constante de fls. 40v-41, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
7. Em resposta à carta referida supra, a R enviou ao A, que a recebeu, a carta constante de fls. 41v-42, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
8. A R celebrou com II e mulher, JJ e KK, LL, MM, NN e OO e mulher, PP celebraram a escritura pública constante de fls. 135-138, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
9. QQ e RR celebraram o escrito particular constante de fls. 134-134v, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, sendo que RR explorava um infantário e jardim-de-infância nessa fração.
10. Na sequência da escritura pública referida em 8, a R passou a explorar o infantário e jardim-de-infância mencionado em 9 na fração em causa nos autos.
11. A falecida DD esteve internada no serviço de medicina do ... em Lisboa entre os dias 9 e 28 de Abril de 2015, tendo sido admitida em contexto de insuficiência cardíaca congestiva, com agravamento da insuficiência respiratória, tendo-se mantido vigil, colaborante e orientada até 20 de Abril; a partir de 21 de abril, com o agravamento do quadro clínico começou a apresentar-se sonolenta, despertável pela voz, com períodos de discurso impercetível e resposta verbal escassa, desorientação progressiva quando desperta, situação que teve agravamento progressivo até ao falecimento – doc 22
12. O escrito particular que corresponde ao documento 12 da petição inicial foi apresentado no serviço de finanças respectivo para efeitos de pagamento de imposto de selo em 24/04/2015
E considerou não provada a seguinte factualidade:
1. A R e DD celebraram o escrito particular de fls. 47-48v, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
2. A assinatura com o nome DD que consta nesse escrito, foi ali aposta pelo punho da própria.
3. O escrito particular suprarreferido foi celebrado, não em 30 de julho de 2014, como dele consta, mas no mês de abril 2015, altura em que DD apresentava demência senil
4. Em face da realidade do mercado de arrendamento, a fração referida supra poderia ser arrendada por €2.500,00 mensais, o que é impossibilitado pelo facto de a R ocupar essa fração
5. O escrito particular referido supra foi celebrado entre R e DD, tendo ambas o intuito de a R aí poder continuar a exercer a atividade referida em 10 dos factos provados, apesar daquilo que dele consta quanto à finalidade do arrendamento
6. A Ré entregou à mãe a quantia de € 9.000,00 para que esta exercesse a preferência na compra da fracção correspondente ao terceiro andar, onde residia e a fracção correspondente ao rés-do-chão, onde a filha tinha o infantário tendo aquela quantia sido imputada a título de antecipação de rendas para compensar a Ré.
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IV - Fundamentação de Direito:
Das nulidades da sentença:
Conforme resulta das conclusões do recurso, designadamente das 31 a 33, o recorrente considera que a sentença padece da nulidade prevista no art 615 nº1 e) do CPC., por condenar em objeto diverso do pedido, extrapolando o objecto do litigio delineado pelo próprio Tribunal; e da nulidade prevista no art 615 nº 1 al d) do CPC por ter fundamentado a sentença nos documentos juntos com a contestação que nada relevam para o litigio, conhecendo, assim, para fundamentar a decisão, de questões de que não podia tomar conhecimento.
Conforme resulta de tais alíneas do art. 615º do CPC, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (al d)) ou quando o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido (al e)).
Comecemos pela análise da invocação desta última alínea, ou seja, pela alegada nulidade da sentença por condenar em objecto do pedido.
A norma prevista no art 615 nº1 al e) do CPC está conexa com o disposto no art 609 nº1 do CPC, que prescreve que a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir.
Está em causa o princípio do dispositivo que tem consagração legal expressa no art. 3º nº1 do CPC, onde se prevê que o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição.
Do art. 581 nº 3 do CPC resulta que o pedido é o efeito jurídico que se pretende obter.
No caso dos autos, o A, com o pedido formulado na p.i., pretende que a Ré lhe entregue um imóvel, para o efeito declarando-se a nulidade do contrato identificado nos autos, ou subsidiariamente a sua anulação, ou ainda subsidiariamente a sua resolução; bem como a condenação da Ré no pagamento de uma indemnização correspondente ao período de ocupação do imóvel.
Na sua contestação a Ré pediu a improcedência da ação e a sua absolvição do pedido.
A sentença julgou a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolveu a Ré do pedido.
Não se percebe, pois, como é que o apelante defende que a sentença condenou em objecto diverso do pedido, pois trata-se de uma sentença de absolvição do pedido e não de uma sentença condenatória.
E tanto basta para afastar a invocação da nulidade prevista na al. e) do nº1 do art 615º do CPC.
Analisemos agora a outra nulidade invocada.
O art. 615 nº1 al d) do CPC comina com nulidade a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Tal como referem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa in Código de Processo Civil Anotado, Vol I, 3ª ed. Almedina, pag. 794, anot. 13 ao art 615º, é pacifica a jurisprudência que o dever de decidir tem por referencia as questões suscitadas e bem assim as questões de conhecimento oficioso, mas que não obriga a que se incida sobre todos os argumentos, pois que estes não se confundem com “questões”.
Exemplificativo é o Ac. do STJ de 13.10.2022 (relator Nuno Ataíde das Neves) proferido no Proc. 9337/19.4T8LSB-B.L1.S1, do qual se reproduz o seguinte trecho:
“(…) As nulidades ínsitas no art. 615º do CPC incidem sobre causas relevantes de nulidade da sentença – além da falta da assinatura do juiz e da condenação em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido, a falta de especificação dos fundamentos, de facto e de direito, que justificam a decisão, a contradição ou oposição entre os fundamentos e a decisão ou a ocorrência de alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível e, por fim, a omissão ou excesso de pronúncia.
Sendo que a omissão ou excesso de pronúncia se verifica sempre que o julgador deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. [é o caso dos autos]
A expressão «questões» prende-se com as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal e as respetivas causas de pedir e não se confunde com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia. É em face do objeto da ação, do conteúdo da decisão impugnada e das conclusões da alegação do recorrente que se determinam as questões concretas controversas que importa resolver. Não padece de nulidade por omissão de pronúncia o acórdão reclamado que conheceu de todas as questões que devia conhecer, resolvendo-as, ainda que a descontento da recorrente.”.
Ou seja, apenas ocorre excesso de pronuncia quando o Tribunal se pronúncia sobre questões que excedem o “thema decidendum”, in casu se a Ré está ou não obrigada a entregar o imóvel ao cabeça-de-casal e a pagar a indemnização pedida (cf. objeto do litígio fixado em audiência prévia), e não quando aprecia ou valora meios de prova.
Questões que o Juiz devesse apreciar nos termos e para os efeitos do disposto na al. d) do art 615º do CPC são as situações que o Juiz tem que solucionar, e não os meios probatórios de que se socorre para esse efeito.
Não procede, pois, a invocação de nulidade, que, recorde-se, se A alicerça na alegação de que o Tribunal a quo fundamentou a sentença nos documentos juntos com a contestação que, na perspetiva do apelante, nada relevam para o litígio, conhecendo, assim, para fundamentar a decisão, de questões de que não podia tomar conhecimento.
Esta invocação confunde o conceito de questão com o conceito de meio probatório (um documento), sendo evidente a sua improcedência.
Improcede, assim, a arguição de todas as nulidades invocadas.
Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
Dispõe o art. 640º do CPC, com a epigrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, que:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”
O Acórdão Uniformizador de Jurisprudência proferido pelo STJ em 17.10.2023 no proc. 8344/17.6T8STB.E1-A.S1 uniformizou jurisprudência nos seguintes termos:
“Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações.”
Assim, embora tenha que constar nas conclusões do recurso a indicação dos concretos factos incorretamente julgados, já não tem necessariamente que constar nas mesmas a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, do corpo das alegações do recurso. E também não tem que constar nas conclusões a indicação dos meios probatórios de suporte à pretendida decisão alternativa, podendo tal indicação ser efetuada no corpo das alegações.
Para além do cumprimento dos ónus referidos no art 640º do CPC, o recurso da decisão sobre a matéria de facto pressupõe ainda a utilidade ou pertinência da pretendida alteração da matéria de facto, de acordo com a regra prevista no art 130º do CPC, aplicável a todos os atos processuais, segundo a qual “Não é lícito realizar no processo atos inúteis.”
Ou seja, a alteração pretendida deverá ser relevante para a decisão da causa.
Veja-se, a este propósito, o Ac. do STJ de 19.05.2021 proferido no Proc. 1429/18.3T8VLG.P1.S1, onde se sumaria que: “O Tribunal da Relação pode recusar-se a conhecer do recurso de impugnação da matéria de facto relativamente àqueles factos concretos objeto da impugnação, que careçam de maneira evidente de relevância jurídica à luz das diversas soluções plausíveis da questão de direito, evitando, de acordo com o artigo 130.o do CPC, a prática de um ato inútil.”
In casu, o recorrente, nas conclusões não impugna concretamente o decidido quanto a qualquer específico facto que tenha sido dado como provado ou não provado.
Está antes em causa, como se depreende da conclusão 23ª do recurso, segundo parágrafo - com a redação: “Antes deveria ter proferido decisão alicerçada na prova produzida e gravada concernente aos factos relevantes, conducentes ao facto “principal” neste caso, de que o contrato anterior não se mantinha”-, o aditamento de factos à matéria provada.
Factos esses invocados nas conclusões 2ª, 9º, 10º, e 12ª (conforme aliás o recorrente assumiu no âmbito da reclamação do art 643º do CPC apensa) alegadamente conducentes ao facto principal (“de que o contrato anterior não se mantinha”), tratando-se, pois, de factos instrumentais.
No âmbito da referida reclamação apensa o ora apelante descreveu esses factos nos seguintes termos:
“Após a referida compra do andar a Mãe, informando os outros, entregou as chaves do imóvel (que se encontrava devoluto) ao filho mais novo (conclusão 12.ª);- a Recorrida tentou que a Mãe celebrasse um novo contrato de arrendamento, pelo menos, desde janeiro de 2014, tendo deixado de falar à Mãe pela recusa desta (facto que toda a família assistiu) (conclusão 9.ª); - A ré/recorrida (re)ocupou o imóvel indevidamente (sem consentimento ou conhecimento dos demais herdeiros e designadamente do cc) a partir da ocorrência do óbito da Mãe (desde 29/04/2015) (conclusões 2.ª e 10.ª). “
Todavia, este último facto, alegadamente emergente das conclusões 2º e 10º do recurso, extravasa a invocação factual que consta nas referidas conclusões, e que é apenas a seguinte: “A Recorrida ocupou indevidamente o imóvel a partir da ocorrência do óbito da Mãe (desde 29/04/2015)”;a Recorrida só se volta a introduzir no andar R/C, após o falecimento da Mãe;”.
Pelo que apenas esta invocação, nos precisos termos das conclusões 2ª e 10ª (e não “A ré/recorrida (re)ocupou o imóvel indevidamente (sem consentimento ou conhecimento dos demais herdeiros e designadamente do cc) a partir da ocorrência do óbito da Mãe (desde 29/04/2015)”, conforme defendido na reclamação) pode ser considerada por este Tribunal no âmbito da impugnação da decisão da matéria de facto, uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas respetivas conclusões.
Cabe, contudo, previamente avaliar a pertinência do eventual aditamento da factualidade aludida nas referidas conclusões 2, 9º, 10º, 12º.
É que, como o próprio recorrente assume na conclusão 23ª, estarão em causa factos conducentes ao facto principal “de que o contrato anterior não se mantinha”.
Ou seja, factos instrumentais.
A função dos factos instrumentais é a de permitir, por indução, a demonstração dos factos principais, assumindo, pois, uma função probatória.
A este propósito veja-se o referido por António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, e Luís Filipe Pires de Sousa in CPC Anotado, Vol I, Almedina, 3ª ed, pags 32/33, Anot. 16 ao art 5º:
Quanto aos factos instrumentais (aqueles que permitem a afirmação, por indução, de outros factos que depende o reconhecimento do direito ou da exceção), não há ónus de alegação nem sequer qualquer tipo de preclusão, pelo que poderão ser livremente averiguados e discutidos na audiência final em torno da produção e valoração dos meios de prova atinentes aos temas da prova que tenham sido enunciados. Sobre os mesmos não tem de existir necessariamente uma pronuncia judicial, na medida em que apenas sirvam de apoio à formação da convicção acerca da restante factualidade, máxime quando, a partir deles, se possam inferir outros factos mediante presunções judiciais (arts 607º, nº4, e 5º, nº2, al a)) situações em que basta que sejam enunciados na motivação da sentença (cf. anot. aos arts.186º,552º e 607º).”
Também a propósito da especifica função probatória dos factos instrumentais, veja-se o Acórdão do TRC de 22-11-2022 proferido no Processo 125/21.9T8PCV.C1 (Relator: MARIA JOÃO AREIAS), cujo sumário, na parte que aqui releva, se passa a reproduzir:
“(…)IV – Os factos instrumentais tendo uma função probatória – não constituem uma condicionante direta da decisão, sendo a sua função, antes, a de permitir a prova dos factos principais –, devendo por essa razão, em regra, integrar a motivação da matéria de facto, não deverão ser objeto de um juízo probatório especifico, a discriminar enquanto factualidade julgada provada ou não provada.”
Constituindo os factos instrumentais um meio necessário para se atingir um fim -a prova do facto principal (facto de que depende o reconhecimento do direito ou da exceção) -, obviamente só relevarão caso esse facto principal seja passível de integrar a matéria de facto dada como provada, o que pressupõe que este último tenha sido alegado.
Efetivamente, o art. 5º nº 1 do CPC refere expressamente que:” Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas.”
Quando o facto principal não tenha sido alegado, os factos instrumentais não assumem relevância, por não ser possível a prova daquele.
Ou seja, sem o facto principal - aquele de que depende o reconhecimento do direito ou da exceção-, o aditamento à matéria de facto provada de factos instrumentais mostra-se inútil.
No caso dos autos, o facto principal que o recorrente pretende demonstrar por via dos factos instrumentais, é, conforme art. 23º das conclusões, o “de que o contrato anterior não se mantinha”.
Analisada a p.i. verificamos que tal facto não foi alegado pelo ora recorrente.
Efetivamente apenas foi alegado que a Ré “Informa ter sido titular de um contrato de arrendamento daquela fracção desde do ano de 1983 até 2014 (data em que aquele cessou) e, refere que actualmente é titular de um novo contrato de arrendamento outorgado em 30 de Julho de 2014 para o mesmo efeito – exercer a sua actividade profissional – concluindo que tem todo o direito a ocupar o local.” – cf. art 10º da p.i..
E que “a R. foi arrendatária no referido imóvel desde 1983 até, segundo ela, Dezembro de 2013.”- cf. art 12º da p.i..
Ou seja, o que se alegou foi o mero teor de uma informação transmitida pela Ré no sentido de que o contrato em causa se teria mantido até Dezembro de 2013, tendo então cessado, o que é coisa diferente de se alegar o facto concreto da efetiva cessação do contrato, por que forma, e com que fundamento.
Não podemos olvidar que estamos a falar de um contrato de arrendamento, cuja cessação ocorre pelas formas e com os fundamentos previstos na lei, o que carece de específica alegação.
A causa de pedir assenta na ocupação ilícita do imóvel por parte da Ré, com base na invalidade (nulidade ou, supletivamente, anulação) ou, subsidiariamente, resolução de um contrato de arrendamento de 2014.
E na contestação (cf. designadamente os artigos 7º e 8º) a Ré invoca a seu favor um outro contrato de arrendamento - contrato de arrendamento identificado no art 4º e nos documentos aí aludidos -, sem que o Autor tenha sequer respondido a tal exceção; não alegou, portanto, o Autor, em qualquer momento, que esse primeiro contrato já havia cessado, e, muito menos, como, e com que fundamento legal.
Sem essa alegação da efetiva cessação do contrato de arrendamento anterior, não pode obviamente dar-se como assente o facto principal “de que o contrato anterior não se mantinha”, sendo, assim, manifestamente inútil o eventual aditamento dos respetivos factos instrumentais que é pretendido pelo recorrente.
Assim sendo, rejeita-se a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Do Erro de Direito:
Vem o recorrente invocar que de forma alguma se logrou provar que o contrato de arrendamento anterior ainda se mantinha e era sobre a Recorrida que recaía o ónus da prova, mas não logrou provar tal facto, e que resulta da prova gravada precisamente o contrário, que o anterior contrato não se mantinha. Destarte, o Tribunal a quo nunca deveria ter fundamentado a sua decisão em factos desconhecidos pelo próprio Tribunal, sem prova produzida atinente à manutenção do contrato anterior.
Mais refere que é próprio Tribunal a quo é quem expressa, em audiência de julgamento, que não se iria pronunciar pela manutenção, ou não, do contrato anterior, referindo que não se iria pronunciar sobre o contrato anterior, por não fazer parte do objecto da acção, e que o que havia ali para decidir era sobre, se o contrato de arrendamento dos autos era nulo ou era válido, em que data foi celebrado e, qual o valor da fracção no mercado de arrendamento. Delimitando, por isso, o objecto da acção a estes factos.
E nessa senda aponta à sentença os seguintes erros:
- Ao decidir pela total improcedência da acção fundando a decisão num facto não provado e desconhecido pelo Tribunal a quo, a existência do contrato anterior após a compra do imóvel dos autos;
- Ao não apreciar devidamente, e, simultaneamente não levar em conta a prova produzida em sede de julgamento pelo Recorrente, a qual conduz à cabal inexistência do contrato de arrendamento anterior, após a compra do imóvel dos autos;
- Ao tomar a posição de balizar em sede de julgamento o objecto da acção, enquanto se provava a inexistência do contrato anterior, salvo o devido respeito, ficou no entendimento do Recorrente que o Tribunal a quo não pretendia deixar alcançar a descoberta da verdade.
Vejamos:
Em primeiro lugar, o Tribunal a quo não errou por não levar em conta a prova que conduz à cabal inexistência do contrato anterior, uma vez que, conforme acima se disse, não foi alegado o facto concreto da cessação desse contrato de arrendamento anterior, designadamente, por que forma e com que fundamento, e, como tal o mesmo não podia ser considerado pelo Tribunal (cf. art. 5 nº1 do CPC).
Tal como já se disse, e ora se repete, a causa de pedir apresentada pelo Autor/ora recorrente assenta na ocupação ilícita do imóvel por parte da Ré, com base na invalidade (nulidade ou, supletivamente, anulação) ou, subsidiariamente, na resolução de um contrato de arrendamento de 2014.
E na contestação (cf. designadamente os artigos 7º e 8º) a Ré invoca a seu favor um outro contrato de arrendamento - contrato de arrendamento identificado no art 4º e nos documentos aí aludidos -, sem que o Autor sequer respondido a tal exceção, não tendo, portanto, este em qualquer momento alegado que esse contrato já havia cessado, e, muito menos, como e com que fundamento legal.
Logo, por falta da correspondente alegação, não poderia o Tribunal considerar qualquer eventual prova de cessação do contrato de arrendamento anterior.
Daí que não haja fundamento para se considerar que o Tribunal a quo não pretendia deixar alcançar a descoberta da verdade. O Tribunal está limitado, no que aos factos essenciais respeita, pela alegação das partes, conforme resulta do art. 5º nº1 do CPC.
Analisemos agora a alegada falta de prova de que o contrato de arrendamento anterior ainda se mantinha, e bem assim se recaia sobre a Ré o respetivo ónus de prova.
Provou-se que:
8. A R celebrou com II e mulher, JJ e KK, LL, MM, NN e OO e mulher, PP celebraram a escritura pública constante de fls. 135-138, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
9. QQ e RR celebraram o escrito particular constante de fls. 134-134v, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, sendo que RR explorava um infantário e jardim-de-infância nessa fração.
10. Na sequência da escritura pública referida em 8, a R passou a explorar o infantário e jardim-de-infância mencionado em 9 na fração em causa nos autos.
O contrato aludido em 9, e dado por reproduzido, é um contrato de arrendamento do imóvel em causa nos autos, que foi celebrado em 10.07.1956, pelo prazo de seis meses, com inicio em 01.08.56 e que terminaria no último dia de Janeiro de 1957, sucessivamente renovado por iguais períodos.
A escritura pública em causa, e que se deu por reproduzida na matéria provada, tem data de 23.12.1981 (conforme resulta do respetivo documento, que é autêntico, e não do ano de 1983, como por lapso manifesto refere a Ré), e reporta-se a um trespasse, a favor da Ré, de um Externato instalado na morada correspondente ao imóvel em causa nos presentes autos, trespasse que inclui, conforme expressamente se refere na Escritura, o direito ao arrendamento.
Assim, a Ré, por via do trespasse, passou a ocupar a posição de arrendatária do imóvel em causa nos autos.
Um contrato de arrendamento só deixa de vigorar quando existir um específico e concreto meio de cessação, seja ele, a caducidade, a revogação, a denúncia ou a resolução.
Assim sendo, não competia à Ré provar a manutenção do contrato de arrendamento, bastando-lhe, para obstar à requerida entrega do imóvel, invocar e demonstrar a transmissão do arrendamento a seu favor, pois enquanto o respetivo contrato não for extinto por qualquer especifico meio de cessação (caducidade, revogação, denúncia ou resolução), continua a vigorar, sendo oponível aos proprietários do imóvel enquanto facto impeditivo da obrigação de entrega do imóvel (art 342º nº2 do CC); consequentemente, recai sobre estes proprietários o ónus de invocar e demonstrar um concreto facto extintivo daquele contrato, facto que lhes aproveitaria (já que suprimiria o fundamento que legitima a ocupação do imóvel pela Ré) - cf. art. 414 do CPC.
Não se vislumbram, pois, os erros apontados à sentença.
Da escritura dada por reproduzida na matéria de facto provada resulta que a Ré passou a ser arrendatária do imóvel, o que, enquanto não for demonstrado um concreto facto extintivo de tal arrendamento, legitima a sua ocupação do imóvel.
Inexiste assim fundamento para entrega do mesmo à herança de que o Autor é cabeça de casal e para o pagamento a esta de qualquer indemnização por ocupação indevida, impondo-se, portanto, a manutenção da decisão recorrida.
A apelação improcede, com custas pelo apelante (art. 527 nºs 1 e 2 do CPC).
***
V-DECISÃO:
Pelos fundamentos expostos, os Juízes Desembargadores desta 8ªsecção cível do Tribunal da Relação de Lisboa acordam em julgar a apelação improcedente e, em consequência, mantêm a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Notifique.

Lisboa, 09.10.2025
Carla Matos
Rui Oliveira
Teresa Sandiães