FACTOS PROVADOS POR ACORDO
HERANÇA INDIVISA
ENCARGOS DA HERANÇA
RESPONSABILIDADE DA HERANÇA
Sumário

Sumário: (elaborado pela relatora - art. 663º, nº 7, do Código de Processo Civil):
1. A falta de impugnação de um facto tem implícito o reconhecimento da sua exatidão, habilitando, por conseguinte, o julgador a dá-lo como provado, desde que o mesmo não esteja em contradição com a defesa apresentada no seu conjunto; diga respeito a matéria relativamente à qual a parte pode dispor livremente; e não careça de ser provada por documento escrito (art. 574º, nº 2, CPC).
2. As faturas são documentos escritos, mas a respetiva emissão, recebimento e falta de reclamação constituem realidades materiais que a parte contra quem são apresentadas é livre de reconhecer, pelo que não ocorrendo impugnação, deve tal matéria ser julgada como provada, por acordo das partes, revelando-se inconsequente tudo quanto possa, ou não, resultar da prova testemunhal que tenha sido produzida sobre a matéria em questão.
3. A herança é constituída pelas situações jurídicas que se encontravam na titularidade do de cuius e que pela sua natureza não devam extinguir-se por efeito da morte; por força da lei; ou por efeito de renúncia de direito a que o mesmo tenha validamente renunciado (cf. arts. 2024º e 2025º, do Código Civil).
4. Entre os encargos da herança, contam-se as dívidas do falecido (art. 2068º, CC).
5. Na herança indivisa, a dívida do de cuius é ainda uma dívida da própria herança e os herdeiros demandados para procederem ao seu pagamento encontram-se na ação como representantes da herança.
6. Nestas circunstâncias, rege o disposto no art. 2097º, do CC, pelo que antes de efetuada a partilha, são os bens hereditários que respondem coletivamente pelos encargos da herança.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.

Relatório
“Residências Montepio – Serviço de Saúde, S.A.”, com sede na Rua Julieta Ferrão, nº 10, 5º, em Lisboa, veio propor ação declarativa de condenação, sob a forma única de processo comum, contra:
F…, com domicílio profissional na Rua …., em Lisboa;  
J…, com domicílio profissional naquela mesma morada;
M…, residente na Rua …, Lisboa; e pediu que julgada procedente, por provada, a ação, sejam os Réus  condenados solidariamente a pagarem-lhe a quantia de € 38.321,91, referente a serviços que prestou à mãe daqueles, já falecida, titulados pelas faturas que emitiu e lhes entregou, a que devem acrescer juros de mora à taxa legal supletiva para os créditos de que são titulares as empresas comerciais, desde a citação até integral pagamento.
**
Os Réus F… e J… contestaram a ação. Defenderam-se por exceção e impugnação.
 Formularam, a final, os seguintes pedidos:
a) Seja julgado procedente o pedido de prescrição total ou parcial da obrigação, com referência aos 1º e 2º Réus;
b) Seja julgado procedente o pedido de condenação exclusivo do 3º Réu no pagamento dos valores em dívida referentes às faturas de setembro de 2015 em diante, dado que sabia da iminência da interdição da própria mãe e mesmo assim agiu em desacordo com a vontade do cabeça-de-casal e tutor, quando este pretendeu transferir sua tutelada para uma outra instituição similar, originando todo o problema em curso;
c) Para a hipótese de não ser considerada a prescrição da dívida em relação às faturas devidas até agosto de 2015, seja considerado o pagamento realizado com o valor da caução dado em garantia no primeiro contrato (€ 4.810,00) para fins de abatimento dos valores efetivamente devidos pelo 1º e 2º Réus, quais sejam, os valores até a fatura de agosto de 2015 (€ 8.893,52), que se julgue procedente a condenação em € 4.083,52;
d) Se por hipótese se considerar que os três Réus são solidários na totalidade da dívida, seja julgado procedente o reconhecimento da prescrição parcial das obrigações oriundas das faturas anteriores a 21 de outubro de 2018, dado o prazo de dois anos da prescrição conforme regra do artigo 317º do Código Civil;
e) E se por hipótese se considerar que o prazo de prescrição é o disposto no artigo
310º do mesmo Código e que há solidariedade entre os três Réus, que se julgue procedente o reconhecimento da prescrição parcial das obrigações oriundas das faturas anteriores a outubro de 2015.
f) E, não obstante os pedidos anteriores, se se vier a considerar que os 1º e 2º Réus são obrigados a pagar algum valor, que seja julgado procedente o pedido de limitação da condenação nos respetivos quinhões hereditários de € 6.714,28.
*
O Ré M… contestou também a ação, e formulou, a final, os seguintes pedidos:
a) Seja absolvido totalmente do pedido por falta de legitimidade passiva em relação às alegadas faturas até outubro de 2015 por não ser parte no contrato;
b) Seja absolvido totalmente do pedido por prescrição presuntiva nos termos dos artigos 312º a 317º, al. a) do Código Civil.
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A Autora foi notificada para, querendo, responder por escrito à matéria das exceções. Nada disse.
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Foi dispensada a realização da audiência prévia.
Saneado o processo, foi julgada improcedente a exceção de ilegitimidade passiva invocada pelo Réu M…; julgou-se improcedente a exceção de prescrição invocada pelos 1º e 2º Réus; e relegou-se para final o conhecimento da exceção de prescrição presuntiva invocada pelo Réu M….
Fixado o objeto do processo foram enunciados os temas da prova.
Realizou-se o julgamento e foi proferida sentença, que culminou com o seguinte dispositivo:
 “Nestes termos, de acordo com o todo o exposto, julga-se a ação parcialmente procedente, e em consequência, decide-se:
a) Condenar os 1º e 2º Réus F… e J…, na qualidade de herdeiros representantes do património hereditário de M.T…, no pagamento à Autora Residências Montepio - Serviços de Saúde, S.A. do montante de € 20.961,99 (vinte mil, novecentos e sessenta e um euros e noventa e nove cêntimos), respondendo também a título pessoal, enquanto fiadores, e solidariamente, pela parte de € 6.645,31 (seis mil, seiscentos e quarenta e cinco euros e trinta e um cêntimos).
b) Condenar o 3º Réu M…, na qualidade de herdeiro representante do património hereditário de M.T…., e a título pessoal, enquanto fiador e solidariamente, no pagamento à Autora Residências Montepio - Serviços de Saúde, S.A. do montante de € 1.903,23 (mil, novecentos e três euros e vinte e três cêntimos).
c) Condenar os 1º e 2º Réus nos juros de mora vencidos e vincendos contabilizados à taxa comercial em vigor desde 02-11-2020 até efetivo e integral pagamento;
d) Condenar os 3º Réu nos juros de mora vencidos e vincendos contabilizados à taxa comercial em vigor desde a data de 14-04-2023 até efetivo e integral pagamento.
Absolver os réus do demais peticionado.
Custas a cargo da Autora e dos Réus na proporção do respetivo decaimento que fixo em 40% para a Autora, 55% para os 1º e 2º Réus e 5% para o 3º Réu, nos termos dos artigos 527º e 528º do Código de Processo Civil.
Registe e notifique.”
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O Réu J… não se conformou com a decisão e dela veio recorrer, tendo alinhado, a final, as seguintes conclusões:
“1) O facto dado como provado correspondente ao facto 15, não pode ser dado como provado, já que nenhuma testemunha atestou que as faturas que constam dos autos são efectivamente as que são devidas pelos Réus;
2) O que leva a absolvição do Réu ora Recorrente;
Caso assim não se entenda:
3) O efeito jurídico de a divida à Autora ser imputável ao 1º e 2º Réu e ora recorrente, no valor de € 20.961,99, viola o artigo 2098º do Código Civil, devendo, pois, ao ora recorrente ser atribuído a responsabilidade equivalente à sua quota hereditária de € 6.987,33, equivalente a 1/3 do valor do património hereditário de M.T… de € 20.961,99.
Pede, pois, a absolvição ou alteração da sentença em conformidade, assim se fazendo Justiça.”
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
Objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das partes, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. arts. 635º, nº 4, 639º, nº 1, e 662º, nº 2, todos do Código de Processo Civil), sendo que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (cf. art.º 5º, nº3 do mesmo Código).
No caso, as questões que importa decidir são as seguintes:
 - Impugnação da decisão de facto.
- Se a sentença deve ser revogada e o Réu/recorrente condenado nos termos aqui peticionados.
Fundamentação de Facto
Em 1ª instância foi fixado o seguinte quadro factual:
Factos Provados:
1. A Autora é titular do estabelecimento destinado à prestação de cuidados continuados de saúde e de apoio social a pessoas que, independentemente da idade, se encontrem em situação de dependência, temporária ou permanente, denominado "Residência ….", sito na Rua …..
2. Por acordo escrito intitulado de “contrato de prestação de serviços” datado de 30-01-2014, a Autora obrigou-se a proporcionar, na Residência, estadia e os cuidados necessários à saúde de M.T…, e esta, juntamente com os seus filhos F… e J…, 1º e 2º Réus, na qualidade de fiadores, obrigaram-se ao pagamento da quantia mensal de 2.405,00€, acrescida do preço dos serviços não incluídos na mensalidade.
3. No âmbito do acordo referido em 2), foi entregue uma caução no valor de € 4.810,00 com a admissão de M.T….
4. No dia 01-07-2017, o 2º Réu, J…, endereçou a seguinte comunicação à Autora por correio eletrónico:
Pela presente, venho comunicar que pretendo dar sem efeito a estadia da Senhora Minha Mãe, (…), nas vossas instalações a partir do próximo dia 01 de Agosto do ano Corrente.
Aproveito, desde logo, para salientar e agradecer toda a atenção dispensada e os cuidados prestados à Mãe.
Relativamente ao valor ainda em dívida, que rondará os 12.000,00€ (doze mil euros), valor esse ainda sujeito a confirmação, gostaria de apresentar um plano de pagamentos a ser considerado:
a) 3.000,00€ (três mil euros) à data da saída;
b) o restante valor, em seis prestações iguais pagas mensalmente (…).”
5. Por carta datada de 09-10-2015, o 2º Réu, J…, endereçou à Autora a seguinte comunicação:
1. Oportunamente comunique com V.Exas. o termo, através de denúncia, do contrato de prestação de serviços ao abrigo do qual a minha mae se encontra a viver nas V. Residencias Montepio. Nesse mesmo dia pedi à minha secretária S.. que confirmasse por escrito esse termo de contrato, o que a mesma fez por mail do dia 1.7.2015
2. Recebemos, no dia seguinte, um mail da Exma. Senhora Dra. (…), que nos pedia a confirmação por carta, assinada por mim próprio, do que já havia sido transmitido.
3. Fiz essa confirmação, tendo remetido ainda nesse dia 2.7.2015 a carta solicitada, onde, agora assinada pelo meu punho, reiterava aquela anterior comunicação. E onde, evidentemente, agradecia toda a atenção e tratamentos dispensados à minha Mãe durante esta estadia na V. instituição.
4. A verdade é que, por razoes que se prenderam com a vontade de um dos meus irmaos em manter a Mãe convosco, e assumindo ele próprio perante V. Exas. A contratualização dessa estadia e os custos, a nossa Mãe acabou por permanecer, de facto, aí todo o mês de Agosto e Setembro, com o contrato já denunciado. No fundo procurámos durante esse tempo uma solução de consenso relativa à mãe, que numa primeira fase foi aceita. (…)”
6. Por email datado de 26-11-2015, o 1º Réu, F…, endereçou à Autora  a seguinte comunicação:
Exmos. Senhores,
Serve o presente para informar que tencionamos, com a brevidade possível, proceder à transferência da nossa Mãe (…) para uma residência em Lisboa.
O processo será acompanhado pelo meu irmão Dr. J…, a quem desde já agradeço que recebam em reunião que com urgência V/solicitará para discutir os detalhes da referida mudança.
Nessa mesma reunião o meu irmão estará munido de um cheque no valor de 5 mil euros que se destina a efectuar um primeiro pagamento da dívida gerada no âmbito do primeiro contrato, que vigorou até 31/08/2015 e se cifra em 20.535,66 Euros.
Os restantes 15.535,66 Euros sejam liquidados de acordo com o seguinte calendário:
Até 31/12/2018 – 3.750 Euros
Até 31/1/2019 – 3750 Euros
Até 28/02/2019 – 3.750 Euros
Até 29/03/2019 – 4.285,66 Euros. (…)”
7. Em 01-09-2015, por acordo escrito idêntico ao referido em 2), o 3º Réu, M…, substituiu os 1º e 2º Réus enquanto fiador.
8. No âmbito do acordo referido em 7), foi entregue uma caução no valor de €2.430,38.
9. Em ambos os acordos, referidos em 2) e 7), estipula-se na cláusula 6 que “O Fiador constitui-se como fiador e principal pagador do Cliente assumindo, solidariamente com ele, a obrigação do fiel cumprimento de todas as cláusulas deste contrato e seus aditamentos, bem como da liquidação de todas as obrigações que se vierem a constituir na sua vigência. (…)”.
10. A Autora emitiu e enviou aos Réus, mensalmente, as faturas relativas à contrapartida devida pela estadia e tratamento de M.T…, acrescida das despesas não incluídas neste conceito, no mês anterior.
11. Por sentença de 13-11-2017 foi declarada a interdição de M.T…, com início de incapacidade desde 01-01-2008, e o 1º Réu, F…, foi nomeado tutor e os 2º e 3º Réus, J.. e M…, vogais do conselho de família.
12. Em 05-12-2018 M.T.. saiu da Residência (…).
13. A 30-01-2020 faleceu M.T…, sem testamento ou outra disposição de última vontade, no estado de divorciada, tendo deixando como únicos e universais herdeiros os seus filhos, Réus, F…, J…. e M….
14. Apesar de a herança de M.T… ter sido aceite pelos referidos herdeiros, até ao momento ainda não foi partilhada.
15. A Autora emitiu as seguintes faturas relativas aos serviços prestados a M. T… que foram recebidas pelos Réus e que delas não reclamaram:

DATA FATURAN.º FaturaValor a pagar pelo utenteValor pago pelo utenteDívida atual do utente
30/04/20158FA 2015/1313360,00-83,89276,11
30/04/20158FA 2015/13140,930,000,93
01/05/20158FA 2015/14082 284,750,002 284,75
31/05/20158FA 2015/1616177,050,00177,05
31/05/20158FA 2015/1617143,990,00143,99
31/05/20158FA 2015/161838,450,0038,45
31/05/20158FA 2015/161930,000,0030,00
31/05/20158FA 2015/162032,460,0032,46
01/06/20158FA 2015/17522 284,750,002 284,75
30/06/20158FA 2015/1962233,060,00233,06
30/06/20158FA 2015/196330,000,0030,00
30/06/20158FA 2015/196432,460,0032,46
30/06/20158FA 2015/1965295,990,00295,99
30/06/20158FA 2015/19660,930,000,93
01/07/20158FA 2015/20742 284,750,002 284,75
31/07/20158FA 2015/2285134,030,00134,03
31/07/20158FA 2015/2286160,020,00160,02
31/07/20158FA 2015/22879,540,009,54
31/07/20158FA 2015/228827,990,0027,99
31/07/20158FA 2015/2289360,000,00360,00
31/07/20158FA 2015/229040,000,0040,00
01/08/20158FA 2015/23722 284,750,002 284,75
31/08/20158FA 2015/2597148,040,00148,04
31/08/20158FA 2015/2598120,010,00120,01
31/08/20158FA 2015/259920,100,0020,10
31/08/20158FA 2015/26005,150,005,15
01/12/20178FA 2017/40222 284,75-1 805,23479,52
31/12/20178FA 2017/423375,020,0075,02
31/12/20178FA 2017/423451,680,0051,68
31/12/20178FA 2017/423512,010,0012,01
01/01/20188FA 2018/692 308,510,002 308,51
31/01/20188FA 2018/26282,020,0082,02
31/01/20188FA 2018/263300,000,00300,00
31/01/20188FA 2018/26427,990,0027,99
01/02/20188FA 2018/3922 308,510,002 308,51
28/02/20188FA 2018/617117,030,00117,03
28/02/20188FA 2018/618122,110,00122,11
28/02/20188FA 2018/61942,000,0042,00
01/03/20188FA 2018/7512 308,510,002 308,51
31/03/20188FA 2018/106156,000,0056,00
31/03/20188FA 2018/106262,390,0062,39
31/03/20188FA 2018/1063277,970,00277,97
31/03/20188FA 2018/1064176,010,00176,01
01/04/20188FA 2018/11922 308,510,002 308,51
30/04/20188FA 2018/148332,020,0032,02
30/04/20188FA 2018/148412,790,0012,79
30/04/20188FA 2018/148547,990,0047,99
30/04/20188FA 2018/1486617,950,00617,95
30/04/20188FA 2018/1487140,020,00140,02
30/04/20188FA 2018/1530124,500,00124,50
01/05/20188FA 2018/16242 308,510,002 308,51
31/05/20188FA 2018/1854117,500,00117,50
31/05/20188FA 2018/185534,390,0034,39
31/05/20188FA 2018/185656,000,0056,00
31/05/20188FA 2018/1857178,000,00178,00
01/06/20188FA 2018/20122 308,510,002 308,51
30/06/20188FA 2018/228421,010,0021,01
30/06/20188FA 2018/228512,790,0012,79
30/06/20188FA 2018/2286143,990,00143,99
30/06/20188FA 2018/2287621,970,00621,97
30/06/20188FA 2018/2288210,000,00210,00
01/07/20188FA 2018/24412 090,000,002 090,00
31/07/20188FA 2018/2675368,160,00368,16
31/07/20188FA 2018/267634,390,0034,39
31/07/20188FA 2018/2677128,000,00128,00
31/07/20188FA 2018/267870,000,0070,00
31/07/20188FA 2018/2736571,940,00571,94
01/08/20188FA 2018/28122 090,000,002 090,00
31/08/20188FA 2018/3096225,000,00225,00
31/08/20188FA 2018/309530,000,0030,00
31/08/20188FA 2018/3097729,920,00729,92
31/08/20188FA 2018/3093168,000,00168,00
31/08/20188FA 2018/30946,400,006,40
31/08/20188FA 2018/309230,000,0030,00
01/09/20188FA 2018/32292 090,000,002 090,00
30/09/20188FA 2018/3498100,010,00100,01
30/09/20188FA 2018/349437,500,0037,50
30/09/20188FA 2018/3499260,000,00260,00
30/09/20188FA 2018/34966,400,006,40
30/09/20188FA 2018/349563,980,0063,98
30/09/20188FA 2018/3497479,940,00479,94
01/10/20188FA 2018/36392 090,000,002 090,00
31/10/20188FA 2018/39502,100,002,10
31/10/20188FA 2018/3951244,000,00244,00
31/10/20188FA 2018/3952571,920,00571,92
01/11/20188FA 2018/41002 090,000,002 090,00
30/11/20188FA 2018/4396163,990,00163,99
30/11/20188FA 2018/4397437,940,00437,94
01/12/20188FA 2018/4529269,680,00269,68
01/12/20188FA 2018/45122 090,000,002 090,00
14/12/20188FA 2018/4541267,980,00267,98
14/12/20188FA 2018/454076,000,0076,00
28/02/2019FFA 2019/31220,00-10,00210,00
Totais 49.541,41-1.899,1247.652,29

16. A Autora emitiu em 01/12/2018 a nota de crédito 8NC 2018/208 no valor de €2.090,00.
17. A soma integral da herança deixada por (…) não ultrapassou o montante de € 20.961,99.
18. O réu M… cumpriu as suas obrigações até 26.10.2018.
*
Consignou-se inexistirem factos não provados.

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Da impugnação da decisão relativa à matéria de facto
De acordo com o disposto no art. 639º, nº 1, “O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.”, explicando António Abrantes Geraldes[1] que esta norma tem cariz genérico, “de tal modo que tanto se reporta aos recursos em que sejam unicamente suscitadas  questões de direito, como àqueles que também envolvam a impugnação da decisão da matéria de facto. Em qualquer caso, cumpre ao recorrente enunciar os fundamentos da sua pretensão no sentido da alteração, anulação ou revogação da decisão, rematando com as conclusões que representarão a síntese das questões que integram o objeto do recurso”.
O nosso sistema processual civil garante um duplo grau de jurisdição na apreciação da decisão de facto e os ónus a cargo do recorrente que a impugne encontram-se enunciados no art. 640º, do CPC. No nº 1 estão especificados os ónus ditos primários, que se traduzem na indicação dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (al. a); na concretização dos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (al. b); na designação da decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (al. c). Já o nº 2 do mesmo preceito legal, nomeadamente, a sua alínea a), e por referência à al. b), do nº 1, enuncia o ónus denominado secundário, e que diz respeito ao modo como o recorrente deve indicar os meios probatórios em que funda a impugnação, impondo, no caso em que os meios invocados como fundamento do erro de julgamento tenham sido gravados, a indicação exata das passagens da gravação em que funda o recurso, sem prejuízo de transcrever os excertos que considere relevantes.
A propósito dos ónus que recaem sobre o recorrente que impugna a decisão relativa à matéria de facto, salienta aquele mesmo autor, o seguinte[2]:
“a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova, constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos.
c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em prova gravada, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;
d) (…)
e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente. (…)”.
Da leitura conjunta das alegações com o ponto 1, das conclusões, é manifesto ter o recorrente cumprido os ónus que sobre si recaíam, cabendo, por conseguinte, conhecer da impugnação, que, adianta-se, terá de improceder.
 Consta da exposição de motivos da decisão recorrida, que o facto nº 15, ora impugnado, foi julgado como provado por estar admitido por acordo, por não ter sido impugnado pelos réus e não estar em contradição com as defesas apresentadas.
De acordo com o disposto no art. 574º, nº 2, do CPC, “Consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou se só puderem ser provados por documento escrito; a admissão de factos instrumentais pode ser afastada por prova posterior”.
  A falta de impugnação de um facto tem, deste modo, implícito o reconhecimento da sua exatidão, habilitando o julgador a dá-lo como provado. Só assim não acontecerá se se verificar qualquer das situações excecionais previstas na norma, o que aqui não ocorre como passamos a demonstrar.
Consta da decisão recorrida que o facto, além de não ter sido impugnado, não está em contradição com as defesas apresentadas, o que não foi posto em causa pelo recorrente.
Estamos, por outro lado, perante matéria relativamente à qual as partes podem dispor livremente, o mesmo é dizer, perante factualidade suscetível de ser objeto de confissão, e, por último, que não carece de ser provada por documento escrito. As faturas são documentos escritos, mas a respetiva emissão, recebimento e falta de reclamação (de que trata o facto nº 15, conjugado também com o ponto nº 10, igualmente admitido por acordo e que não foi aqui objeto de impugnação) constituem realidades materiais que a parte contra quem são apresentadas é livre de reconhecer.
Estando o facto admitido por acordo nas circunstâncias que se deixaram referenciadas, revela-se inconsequente tudo quanto possa, ou não, resultar da prova testemunhal que tenha sido produzida sobre a matéria em questão.
Pelo exposto, e nesta parte, improcede o recurso.
Fundamentação de Direito
Não tendo sido alterada a decisão de facto apurada em 1ª instância, relevam para a apreciação de mérito os factos que ali foram julgados como provados e, bem assim, os que resultam do relatório deste acórdão.
No plano do direito, o Réu/recorrente J… entende que a decisão contra si proferida fere o disposto no art. 2098º, do CC, e que, por isso, deve ser revogada e substituída por outra que determine que a sua responsabilidade no pagamento da dívida de € 20.961,99 está limitada ao valor de € 6.987,33, correspondente à sua quota hereditária e equivalente a 1/3 do património hereditário de sua mãe.
Invoca, para tanto, o entendimento expresso no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 03-10 2022, proferido no processo nº 20018/19.9T8PRT.P2, acessível para consulta no sítio da internet, www.dgsi.pt, referenciado na sentença recorrida a propósito da prescrição e de cuja leitura extrai, então, que a sua condenação deve conter-se dentro do limite da sua quota hereditária na herança.         
Não lhe assiste razão, e, salvo o devido respeito por opinião contrária, não é o que que resulta, sequer, do acórdão citado no que tange à questão ali decidida e que tem verosimilhança com aquela que ora constitui o objeto do presente recurso, e que foi inclusivamente decidida em 1ª instância em conformidade com o entendimento que vingou no dito aresto.
Diz-se na sentença recorrida, o seguinte:
“(…) alegam o 1º e 2º Réus, que na possibilidade de serem considerados devedores solidários em razão de serem herdeiros da titular, sua mãe, a obrigação deve ser limitada ao quinhão hereditário de cada um e que a soma integral da herança deixada não excede o valor de € 20.142,84, defendendo-se, assim, por exceção perentória, nos termos do artigo 576.º do Código de Processo Civil.
Vejamos se lhes assiste razão.
O artigo 2068.º do Código Civil estabelece que a herança responde pelas despesas com o funeral e sufrágios do seu autor, pelos encargos com a testamentaria, administração e liquidação do património hereditário, pelo pagamento das dívidas do falecido e pelo cumprimento dos legados.
Já o n.º 1 do artigo 2091.º do mesmo diploma legal estipula que, fora dos casos declarados nos artigos anteriores e sem prejuízo do disposto no artigo 2078º, os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros. O artigo 2097.º refere que os bens da herança indivisa respondem coletivamente pela satisfação dos respetivos encargos, e o n.º 1 do artigo 2098.º estabelece que, efetuada a partilha, cada herdeiro só responde pelos encargos em proporção da quota que lhe tenha cabido na herança.
Feito este enquadramento legal, verifica-se que no caso em apreço estamos perante uma herança indivisa, uma vez que foi aceite mas não se encontra partilhada, tal como decorre do facto provado em 14), pelo que, de acordo com o disposto no artigo 2091.º, n.º 1 do Código Civil, os direitos relativas à herança apenas podem ser exercidos por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros. Tal como veio a entender o Supremo Tribunal de Justiça “os herdeiros não são credores nem devedores solidários, entre si, no âmbito dos créditos ou das obrigações da herança, nem respondem solidariamente a título individual, mas só coletivamente, ou seja, como representantes do património hereditário.”- cf. acórdão de 24-05-2022, processo n.º 1791/04.5TBPBL-C.C1.S1 (relatora Maria da Graça Trigo), disponível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/507362c94eac29a5802588  4d003a5698?OpenDocument.
Nesta medida, por referência ao disposto no artigo 5.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, e no que respeita apenas à responsabilidade de M.T…, entretanto falecida, pelos valores peticionados (uma vez que os Réus poderão ser responsáveis a título pessoal, como se analisará de seguida) deverá ser interpretada a pretensão da Autora no sentido em que pretende ver satisfeita a indemnização que reclama por conta das forças da herança, de que os referidos réus são únicos herdeiros – veja-se, a propósito deste exercício interpretativo, o que foi decidido pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, num caso semelhante, de 21-11-2019, processo n.º 1418/14.7TBEVR.E1-A.S1 (relator Bernardo Domingos), disponível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/cf411491c2913d59802584 ba00561261?OpenDocument.
Por conseguinte, há que articular o artigo 2068.º com o disposto no artigo 2071.º do Código Civil, por ser uma dívida que a falecida tinha à data da sua morte. Considerando as espécies de aceitação da herança previstas pela lei, de acordo com o artigo 2052.º do mesmo diploma legal, o nosso regime jurídico estabelece, como regra, o princípio da responsabilidade limitada do herdeiro pelos encargos da herança – os herdeiros apenas respondem pelas dívidas do ‘de cujos’ na medida daquilo que tenham recebido da herança.
Porém, a lei estabelece exceções, uma vez que o artigo 2071.º rege que “Sendo a herança aceita a benefício de inventário, só respondem pelos encargos respectivos os bens inventariados, salvo se os credores ou legatários provarem a existência de outros bens.”. O n.º 2 refere que “Sendo a herança aceita pura e simplesmente, a responsabilidade pelos encargos também não excede o valor dos bens herdados, mas incumbe, neste caso, ao herdeiro provar que na herança não existem valores suficientes para cumprimento dos encargos.” (sublinhado nosso).
Sendo este último normativo aplicável ao caso sub judice, uma vez que a herança foi aceita pura e simplesmente, verifica-se o 1º e 2º Réus lograram provar que a herança não ultrapassou o montante de €20.961,99, de acordo com o facto provado em 17). Assim, apenas poderão os Réus ser condenados, enquanto herdeiros de M.T…, a satisfazer o encargo de valor até €20.961,99, encontrando-se a responsabilidade destes limitada às forças da herança. Por outro lado, dado que a herança ainda não se encontra partilhada, não lhes assiste razão quando referem que a obrigação deve ser limitada ao quinhão de cada um, por referência à quota parte de 1/3 para cada herdeiro.
Aqui chegados, conclui-se que serão os Réus responsáveis pelo pagamento dos montantes peticionados enquanto herdeiros representantes do património hereditário de M.T…, até ao limite de €20.961,99.” – sublinhado nosso.
Está demonstrado que a herança aberta por óbito de M.T…, apesar de aceite pelos herdeiros, permanece em situação de indivisão.
A herança é um património autónomo.
Integram a herança as situações jurídicas que se encontravam na titularidade do de cujus e que pela sua natureza não devam extinguir-se por efeito da morte; por força da lei; ou por efeito de renúncia de direito a que o mesmo tenha validamente renunciado (cf. arts. 2024º e 2025º, do Código Civil)[3],[4].
Entre os encargos da herança, contam-se as dívidas do falecido (art. 2068º, CC).
A dívida em causa – que constitui objeto do presente recurso – é uma dívida da falecida mãe dos Réus.
Na herança indivisa, a dívida do de cuius é ainda uma dívida da própria herança e os herdeiros demandados para procederem ao seu pagamento encontram-se na ação como representantes da herança.
 Deste modo, não é aplicável ao presente caso o regime previsto no art. 2098º, do CC, como pugnado pelo recorrente, antes o decorrente do art. 2097º, do mesmo Código, como foi decidido em 1ª instância.
Dispõe o art. 2097º:
“Os bens da herança indivisa respondem coletivamente pela satisfação dos encargos da herança”;
E o art. 298º, no seu nº 1, diz-nos, por seu turno, que:
“Efetuada a partilha, cada herdeiro só responde pelos encargos em proporção da quota que lhe tenha cabido na herança”.
“Antes da partilha, e depois de satisfeitas as despesas relacionadas com o próprio fenómeno sucessório (as despesas com o funeral e os sufrágios do seu autor, os encargos com a administração e liquidação da herança), são os bens constitutivos da herança que, no seu conjunto, respondem pelo verdadeiro passivo da herança, formado por seu turno, quer pelas dívidas do de cuius, inerentes ao património hereditário, quer pelos legados, nascidos das derradeiras liberalidades do testador à custa do mesmo património.
Efectuada a partilha, a responsabilidade pela satisfação destes encargos já passa a processar-se em termos radicalmente diferentes, que são os descritos na disposição subsequente”[5].
“Uma vez realizada a partilha da herança, o panorama jurídico da responsabilidade pelos encargos dela (nomeadamente quanto aos antigos débitos do de cuius) sofre uma alteração substancial, embora sem nunca esquecer a raiz da proveniência dessas dívidas.
Enquanto a herança se manteve no estado de indivisão, porque nenhum dos herdeiros tinha ainda direitos sobre bens certos e determinados, todos os bens hereditários respondiam colectivamente, a partir da divisão da herança, passa a responder cada herdeiro, individualmente, pela satisfação de cada dívida da herança (ou de cada encargo dela), mas apenas em proporção da quota que lhe coube na partilha (dentro, por conseguinte, das forças dos bens que especificadamente recebeu da herança, nos termos resultantes do disposto no art. 2071º)”.[6]   
Neste sentido, entre outros, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de maio de 2022, proferido no processo nº 1791/04.5TBPBL-C.C1.S1, acessível em www.dgsi.pt.
Deste modo, sem necessidade de fundamentação acrescida, porque despicienda, resta concluir pela inexistência do erro de direito apontado pelo recorrente à decisão recorrida.

Decisão
Pelo exposto, acordam as Juízas da 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente a apelação e em manter a decisão recorrida.
Custas a cargo do recorrente (art. 527º, nº 1, do CPC).

Lisboa, 9 de outubro de 2025
Cristina Lourenço
Margarida de Menezes Leitão
Maria Carlos Duarte do Vale Calheiros
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[1] “Recursos em Processo Civil”. 6ª Edição, pág. 181.
[2] In,“Recursos em Processo Civil”. 6ª Edição, pág. 181.
[3] José de Oliveira Ascensão – Direito Civil – Sucessões – Coimbra Editora, 1987, pág. 36.
[4] João António Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, Vol. I, Livraria Almedina, 1990, págs. 9-10.
[5] Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, Vol. VI, Coimbra Editora, 1998, pág. 159.
[6] Pires de lima e Antunes Varela, ob. cit., págs. 160-161.